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segunda-feira, 4 de maio de 2020

Previsões pessimistas para a economia mundial - IEDI

Coronavírus e o Cenário Econômico Mundial
Carta IEDI n. 994, 4/05/2020
Sumário
A pandemia do coronavírus provocou a maior crise econômica e financeira global desde os anos 1930, sendo denominada pelo FMI de “great lockdown”. De acordo com o cenário básico do Fundo de abril, o PIB da economia global cairá -3% em 2020. Ou seja, mais de 6 pontos percentuais (p.p.) inferior à sua projeção anterior, divulgada em jan/20 (+6,6%). A “grande recessão”, no contexto da crise financeira global de 2008, havia registrado recuo de -0,1% em 2009.
A primeira hipótese subjacente ao cenário considerado mais provável pelo FMI é que a pandemia será controlada no segundo semestre de 2020, permitindo a retirada gradual das medidas de isolamento social tanto nas economias avançadas como nas economias emergentes e em desenvolvimento. Com isso, a economia global voltará a crescer em 2021 a um ritmo de +5,8%. 
A segunda hipótese é que as medidas de combate à crise do coronavírus, adotadas de forma praticamente generalizada pelos governos de muitos países, como mostraram as Cartas IEDI n. 987, 991 e 992, evitarão um colapso ainda maior da atividade econômica e serão mantidas no próximo ano ou ampliadas, se necessário. 
Ainda mais grave será o efeito do coronavírus sobre o comércio internacional, cujo volume cairá -11% em 2020, segundo o FMI. A alta +8,4%, projetada para 2021, não será capaz de compensar integralmente o recuo deste ano.
No caso dos preços das commodities, um parâmetro importante para um grande exportador de bens primários como o Brasil, o FMI estima que seu índice de matérias-primas agrícolas e metálicas recuará -1,1% em 2020 e -0,6% em 2021. Importante influência virá dos metais que, por serem insumos da produção industrial, têm preços muito mais sensíveis ao ciclo econômico. 
Retrocesso maior ficará por conta das commodities energéticas, como já apontou a cotação negativa do barril WTI, referência para o mercado americano, em 20/04. A previsão do Fundo é de uma deflação de -42% em 2020, devido à baixa demanda global, e uma recuperação muito parcial em 2021 (+6,3%).
O Fundo alerta, porém, para o alto grau de incerteza em relação ao seu cenário básico na medida em que o desempenho da economia global dependerá da interação de fatores de difícil previsão, como a evolução da pandemia, a intensidade e a duração das medidas de isolamento, a dimensão do choque de oferta devido à interrupção de cadeias, a repercussão do choque financeiro etc. Ou seja, o desempenho global poderá ser ainda pior do que o apresentado acima. 
No cenário básico, o grupo das economias avançadas será o principal responsável pela contração da economia global em 2020, com queda do PIB prevista de -6,1%. Para 2021, a previsão é de uma forte retomada: +4,5%. Em outros termos, o Fundo aponta para uma curva em “V” para a recuperação. 
O maior declínio do PIB será registrado na Área do Euro (-7,5%), devido à gravidade da epidemia na Itália e na Espanha e, em menor medida, na França e na Alemanha. Recuos intensos também são esperados no Reino Unido (-6,5%), EUA (-5,9%) e Japão (-5,2%). Em um quadro não tão adverso estão países que contiveram mais rapidamente a disseminação do vírus sem a necessidade de drástico isolamento social, como Singapura, Hong Kong, Coréia do Sul etc. 
Nos países emergentes e em desenvolvimento, a crise virá em múltiplas dimensões: choque sanitário, face a sistemas precários de saúde pública, e choque econômico, com colapso da demanda externa; deflação dos preços das commodities; reversão dos fluxos de capitais; aumento dos prêmios de risco nos mercado financeiro; queda dos preços das ações; e fortes depreciações cambiais. 
A previsão do FMI é de uma queda de -1% do PIB no grupo das economias emergentes e em desenvolvimento. Este resultado esconde, contudo, forte heterogeneidade. Enquanto a Ásia emergente deve apenas se desacelerar, mantendo-se no azul (+1% em 2020), em função de China (+1,2%) e Índia (+1,9%), outras regiões, como a América Latina e a Europa emergente não escaparão de queda acentuada: -5,2% em ambos os casos. 
Para o Brasil, o FMI espera um recuo de -5,2%, em linha com o desempenho da Rússia, mas não tão severo como o do México, que tem maior dependência da demanda externa dos EUA, bem como das exportações de petróleo. Para o Banco Mundial, a queda do PIB brasileiro em 2020 não será muito diferente: -5%, embora projete um declínio mais acentuado para a América Latina como um todo (-4,6%).

Introdução

Esta carta IEDI apresenta o cenário atual para o desempenho da economia global do Fundo Monetário Internacional (FMI), que provocou a maior crise econômica e financeira desde os anos 1930. A primeira seção apresenta esse cenário e, a título de comparação, a projeção atualizada do Banco Mundial para a América Latina. As demais instituições multilaterais ainda não divulgaram a atualização dos seus cenários. 
A segunda seção sintetiza o impacto do choque do Covid-19 sobre a economia global, subjacente ao cenário do FMI, com base, principalmente, nos primeiros capítulos do World Economic Outlook e do Global Financial Stability Report de abril de 2020. As demais referências utilizadas são informadas ao longo da análise. 

Cenário para a economia global

A pandemia do coronavírus provocou a maior crise econômica e financeira global desde os anos 1930, denominada pelo FMI de “great lockdown”. De acordo com o cenário básico dessa instituição multilateral, a economia global contrairá -3% em 2020, mais de 6 pontos percentuais (p.p.) inferior à projeção de janeiro (+6,6%). A intensidade desta queda é muito superior ao registrado no contexto da crise financeira global de 2008 e da “grande recessão”: -0,1% em 2009. 
Além da maior gravidade da crise atual, a diferença no desempenho da economia mundial nas vésperas das duas crises também chama atenção do Fundo. Enquanto a crise financeira de 2008 foi precedida por um boom de crescimento de cinco anos consecutivos a taxas superiores a +4% ao ano, atingindo pico de +5,7% em 2007, nos anos anteriores ao “great lockdown” decorrente do covid-19 a economia global já estava em desaceleração. 
O ritmo de expansão do PIB mundial em 2019 foi de +2,9% em contraste com projeção do FMI que indicava +3,6%, em outubro do ano passado. Ademais, o período 2012-2016 caracterizou-se por um baixo crescimento da economia global e falta de sinais consistentes de aceleração, com o que o PIB global variou entre +3% e +3,5%, num contexto de vários eventos desestabilizadores, dentre os quais a crise da área do euro, a volatilidade das condições financeiras globais e a queda dos preços das commodities a partir de 2014.
A primeira hipótese subjacente ao cenário básico do FMI é que a pandemia será controlada no segundo semestre de 2020, permitindo a retirada gradual das medidas de isolamento social, tanto nas economias avançadas (EA) como nas economias emergentes e em desenvolvimento (EMED). Com a consequente retomada do nível de atividade, a economia global voltará a crescer em 2021 a um ritmo de +5,8%. 
A segunda hipótese é que as medidas de estímulo adotadas de forma praticamente generalizada pelos governos dos dois grupos de economia (ver Carta IEDI n. 987, 991 e 992), evitarão um colapso ainda maior da atividade econômica global e serão mantidas no próximo ano, sendo ampliadas, se necessário. 
Neste cenário, a retração de -11% do volume de comércio internacional prevista para 2020, como reflexo da contração da atividade econômica global, será sucedida por um crescimento de +8,4% em 2021, bem acima do ritmo anterior à crise de 2020. 
No caso dos preços das commodities, com base nos preços vigentes nos mercados futuros no final de março, o FMI estima que seu índice de matérias-primas agrícolas e metálicas recuará -1,1% em 2020 e -0,6% em 2021, como resultado da queda muito mais expressiva do preço dos metais (de -15% em 2020 e -5,6% em 2021) que, por  serem insumos da produção industrial, são muito mais sensíveis ao ciclo econômico global. 
Já para os preços das commodities agrícolas, a projeção é de um recuo de -1,8% e uma alta de +0,4% em 2021. Por sua vez, o índice das commodities energéticas será muito mais afetado. A previsão é de uma deflação de -42% em 2020 e uma pequena recuperação em 2021 (+6,3%) em função não somente do maior impacto da crise sobre a demanda por petróleo, mas também da inexistência de um acordo de corte de produção entre os países da OPEC+ até o fechamento das projeções do FMI (ver próxima seção). 
 O Fundo é muito cauteloso, alertando para o alto grau de incerteza em relação ao seu cenário básico na medida em que o desempenho da economia global dependerá da interação de fatores de difícil previsão, como a evolução da pandemia, a intensidade e a duração das medidas de confinamento,  a dimensão do choque de oferta decorrente da interrupção da atividade em vários setores, a repercussão do choque financeiro provocado pela forte deterioração das condições financeiras globais, a possível mudança nos padrões de gasto e, inclusive, comportamentais (como pessoas evitando shopping centers e transporte público). Assim, os riscos de que um desempenho pior do que o previsto nesse cenário são muito elevados. 
Para conter esses riscos e evitar que um cenário mais adverso se manifeste, o FMI destaca que um amplo conjunto de políticas em âmbito doméstico e multilateral é necessário para conter as consequências da pandemia Covid-19 tanto no curto como no médio e longo prazo. Mesmo as medidas adotadas para reduzir o contágio, que têm levado à forte queda da atividade econômica, devem ser vistas como um importante investimento de longo prazo na saúde população e da economia. 
A prioridade imediata é mitigar os efeitos do choque Covid-19, especialmente mediante o aumento das despesas para fortalecer a capacidade e os recursos dos sistemas de saúde, simultaneamente às iniciativas para conter o contágio. 
As políticas econômicas também são essenciais para amortecer o impacto da inevitável queda da atividade econômica nas empresas, famílias e no sistema financeiro, bem como garantir a normalização gradual da atividade econômica logo que a pandemia se dissipe e as medidas de confinamento sejam retiradas. 
Políticas de natureza fiscal, monetária e financeira, com foco em setores específicos, são igualmente necessárias para apoiar as empresas e famílias afetadas. 
É positiva a avaliação do Fundo sobre as políticas monetárias e fiscais contracíclicas de dimensão inédita adotadas até o início de abril. Todavia, segundo o FMI, políticas adicionais terão que ser acionadas se a paralização no nível de atividade se revelar persistente ou se a recuperação for anêmica após a remoção do confinamento.
Estímulos fiscais de grande escala podem impedir um colapso da confiança das empresas e famílias e contribuir para o aumento da demanda agregada, evitando um recuo ainda maior da atividade econômica. No âmbito da política monetária, a ação contracíclica dos bancos centrais das principais economias avançadas, bem como de várias emergentes e em desenolvimento, contribuíram para reduzir o risco sistêmico e evitar um aumento ainda maior da aversão aos riscos, colocando a economia global numa melhor posição de largada quando a retomada se iniciar. Assim, devem ser mantidas e ampliadas, se necessário. 
A provisão de liquidez para os bancos e instituições financeiras não-bancárias, especialmente aquelas que emprestam para pequenas e médias empresas, é vista como essencial na tentativa de evitar colapso maior da atividade econômica. Já as autoridades de regulação e supervisão financeira devem encorajar os bancos a renegociaram empréstimos de famílias e empresas em condições financeiras adversas.
O FMI ressalta que ações sincronizadas das autoridades monetárias dos países avançados podem ampliar seu impacto em cada país e contribuir para aumentar o raio de manobra dos países emergentes para a adoção de medidas de estímulo monetário.  
A cooperação multilateral também é vista como essencial para que os efeitos da pandemia sejam superados, inclusive para ajudar os países com restrições financeiras que enfrentam um choque “gêmeo”, de saúde e de financiamento, e para direcionar recursos para países com sistema de saúde frágeis. Os países também devem unir esforços tanto para que o espraiamento do vírus diminua, como para o desenvolvimento de uma vacina e outros tratamentos médicos contra a doença. 
Os riscos subjacentes ao cenário básico do FMI estão presentes nas projeções tanto para as economias avançadas com para as emergentes e em desenvolvimento. O primeiro grupo será o principal responsável pela contração da economia global em 2020, com uma queda prevista de -6,1% no PIB (contra -3,4% na “grande recessão”), decorrente do forte espraiamento da pandemia e das consequentes medidas de contenção, que levaram à paralização de diversos setores de atividades, aumento do desemprego e forte redução da demanda agregada. Para 2021, a previsão é de uma forte retomada, a um ritmo de +4,5%, uma diferença de 10,5 p.p. frente a 2020 (contra 6,5 p.p. entre 2009 e 2010). 
O maior declínio do PIB será registrado na Área do Euro (-7,5%) diante da severidade da epidemia em alguns países, como Itália e Espanha, que devem retrair -9,1% e -8%, respectivamente. Nas duas economias líderes (na Alemanha e França), o FMI prevê uma contração no patamar de -7%. 
Os demais países desenvolvidos também enfrentaram recessões agudas: em ordem decrescente, os recuos serão de -6,5% no Reino Unido, -5,9% nos Estados Unidos e -5,2% no Japão. Nos demais, a queda do PIB será um pouco menor (-4,6%), em função seja da adoção de medidas mais frouxas de confinamento (caso da Suécia), seja do desempenho menos adverso das economias de Singapura, Hong Kong, Coréia do Sul e Taiwan, que há alguns anos ascenderam à categoria de economia avançada na classificação do FMI. 
As economias emergentes e em desenvolvimento (EMED) também estão enfrentando uma crise de múltiplas dimensões diante da combinação do choque sanitário em sistemas precários de saúde pública aos diversos choques econômicos amplificadores: colapso da demanda externa, deflação dos preços das commodities, reversão dos fluxos de capitais, aumento dos spreads (prêmios de risco), queda dos preços das ações e fortes depreciações cambiais (ver próxima seção). Mesmo algumas EMED, onde o surto do Covid-19 ainda não atingiu a gravidade observada na China e em várias EA, já enfrentam crises econômicas de maior proporção devido à sua maior vulnerabilidade externa que amplifica os canais de transmissão do choque inicial.
A previsão do FMI, todavia, é de uma queda de somente -1% do PIB conjunto das EMED em 2020, seguida por uma expansão de +6,6% em 2021, maior taxa de crescimento desde 2010. Contudo, o ritmo da retomada (7,7 p.p.) é inferior ao estimado para as EA. A recessão bem mais suave do que nas economias avançadas encobre, porém, uma grande heterogeneidade regional. 
A Ásia emergente será a única região desse grupo com taxa positiva de crescimento em 2020 (+1,0%), embora 5 p.p. inferior à média da década anterior e 4.5 p.p menor que a registrada em 2019. Esse resultado, por sua vez, decorre, sobretudo, do desempenho das economias chinesa e indiana (+1,2% e +1,9%, respectivamente). Excluindo a China, a contração seria de -2,2 %. 
Já o PIB conjunto das economias da ASEAN, que também um peso relevante na dinâmica regional, retrairá -0,6%, mas as divergências entre os países membros também são expressivas (enquanto a Indonésia deve crescer +0,5%, a previsão para a Tailândia é de uma queda de -6,7% do PIB).
Nas demais regiões emergentes e em desenvolvimento, o desempenho será negativo, mas em diferentes intensidades. Tanto na Europa emergente e em desenvolvimento e na América Latina e o Caribe, o PIB regional retrairá -5,2% sob a influência das maiores economias regionais. As previsões para a Rússia e o Brasil são semelhantes (recuos de -5,3% e -5,2%, respectivamente), enquanto o México deve registrar uma recessão mais severa (-6,6%) diante da sua maior dependência da demanda externa dos Estados Unidos, bem como das exportações de petróleo. 
Segundo as projeções realizadas pelo Banco Mundial e divulgadas igualmente em abril de 2020, a retração do PIB da América Latina deve ser um pouco menos intensa do que o esperado pelo FMI: recuo de -4,6% para a região como um todo. Este desempenho será influenciado negativamente pelo Brasil, cujo declínio chegará a -5%, e também pela queda de -6% do México.
Já a retração no Oriente Médio e Ásia Central, segundo o FMI, será de -2,8%. Além do desempenho da Arábia Saudita (-2,3%), maior economia da região, a previsão é de queda do PIB na maioria dos países (exportadores e não-exportadores de petróleo). 
Finalmente, o PIB da África subsaariana deve declinar -1,6% como reflexo, principalmente, do desempenho das suas duas principais economias (recuo de -5,8% na África do Sul e -3,4% na Nigéria). O FMI também divulgou a projeção para o PIB dos países exportadores de petróleo (queda de -4,4%), com grande presença nessas duas últimas regiões e especialmente atingidos nessa crise.

O impacto do choque COVID-19 sobre a economia global

O choque do covid-19 é significativamente distinto daqueles que geraram as reversões anteriores do ciclo econômico global: 
     •  infecções reduzem a oferta de trabalho; 
     •  quarentenas, confinamentos e distanciamentos sociais – essenciais para conter o vírus – restringem a mobilidade, com efeitos particularmente intensos nos setores que dependem da interação social (como turismo e entretenimento); 
     •  o fechamento de fábricas e escritórios leva à ruptura das cadeias de valor e à redução da produtividade; 
     •  demissões, queda na renda, medo da contaminação e aumento da incerteza levam à redução do consumo, implicando fechamento de outras empresas e novas demissões. 
Em suma, parte substancial da economia é paralisada. Somente as despesas com saúde aumentam mais do que o esperado. 
Já a propagação do choque inicial ocorreu por canais semelhantes aos observados nas desacelerações ou crises precedentes, mas numa intensidade muito maior devido à natureza particular do choque covid-19 mencionadas acima. 
Dois canais foram rapidamente acionados: o comércio e as cadeias de produção globais. 
Como o choque eclodiu inicialmente na China, que tem um papel central tanto no comércio como na produção mundial, a queda abrupta da produção industrial, das vendas do varejo e do investimento fixo, em janeiro e fevereiro, registradas neste país contaminou o desempenho econômico das economias com vínculos com a economia chinesa (principalmente, países do sudeste asiático, Japão e outras EAs, como Alemanha e Estados Unidos), bem como países emergentes exportadores de commodities). 
Com o espraiamento da pandemia para a Europa e os Estados Unidos e a consequente adoção de medidas de confinamento a partir de fevereiro (embora em diferentes escalas), esses canais se reforçaram. Os índices de gerentes de compra indicam o colapso da atividade econômica em março na área do euro, Japão e Estados Unidos.
Outros canais se manifestaram a partir de meados de fevereiro com a propagação global do covid-19 e os receios cada vez maiores dos seus efeitos econômicos adversos. 
Os preços dos ativos de risco e das commodities despencaram numa velocidade inédita. Simultaneamente, diante o movimento de fuga para a qualidade dos investidores globais, os preços dos ativos considerados “porto-seguro”, como os títulos do governo americano (mas, em menor medida, alemão), inclinaram para cima e sua rentabilidade caiu fortemente como reflexo da queda dos spreads e da expectativa de políticas monetárias acomodatícias por um longo período.
Os mercados acionários experimentaram a queda mais rápida já registrada (o índice Standard & Poors 500 (S&P 500), o mais representativo das bolsas de valores dos Estados Unidos, caiu -20% frente ao seu pico desde a crise financeira global de 2008 em somente 16 pregões e a volatilidade dos preços dos ativos atingiu níveis não vistos desde aquela crise. 
Os spreads dos títulos corporativos de alto risco também aumentaram expressivamente, sobretudo das empresas do setor de energia e de atividades mais afetadas pela pandemia, como transporte. As condições se deterioraram ainda mais a partir do final de fevereiro como reflexo do aumento dos riscos de crédito e de liquidez. 
Com isso, os spreads dos títulos com grau de investimento, mas com risco de redução (downgrade) de suas classificações de risco de crédito (ratings), se ampliaram. Todavia, o mercado continuou aberto para empresas americanas com grau de investimento, que recorreram ao mercado de bônus para captar recursos diante da provisão parcial das necessidades de caixa pelas linhas de crédito bancário e o virtual congelamento dos mercados de commercial papers
Neste contexto, os bancos centrais das economias avançadas adotaram um conjunto de medidas para aliviar as tensões nos mercados financeiros e conter a deterioração das expectativas, como cortes nas taxas de juros básicas, provisão de liquidez mediante seja linhas já existentes, seja novos instrumentos, e programas de compra de ativos mais amplos vis-à-vis aos adotados no contexto da CFG (ver Cartas IEDI n. 987, 991 e 992).
O ajuste dos portfolios em direção a ativos líquidos (inclusive moeda) e seguros também resultou em sinais de escassez de funding em dólar americano, a moeda-chave do sistema monetário internacional. Esses sinais levaram o Federal Reserve (Fed), único capaz de atuar como emprestador em última instância em âmbito global, a acionar em meados de março suas linhas de swaps com outros bancos centrais, adotadas pela primeira vez na crise financeira de 2008. 
Além das linhas com os bancos centrais da área do Euro, Canadá, Reino Unido, Suíça e Japão,  que se tornaram permanentes em outubro de 2013 (as chamadas standing facilities), o Fed também estabeleceu linhas temporárias de seis meses de duração com os bancos centrais da Austrália, Suécia, Dinamarca, Noruega, Nova Zelândia, Singapura, Coréia do Sul, México e Brasil, os mesmos contemplados em 2008. Autoridades monetárias de outras economias avançadas e da China também ativaram suas linhas de swaps.
No início de abril, os mercados de ativos começaram a recuperar parte das perdas diante do impacto positivo sobre as expectativas dos investidores das ações de política monetária e fiscal de escala sem precedentes adotados pelos países desenvolvidos para conter os efeitos econômicos da pandemia. 
Contudo, as tensões nos segmentos de maior risco dos mercados de crédito (bônus corporativo, empréstimos alavancados e crédito privado) persistiram. Elas começaram a ceder após o Fed e os bancos centrais da área do euro e Japão ampliarem e/ou criarem novas linhas emergenciais direcionadas ao crédito corporativo.
O impacto sobre os preços das commodities foi igualmente devastador em função não somente do choque financeiro, mas também do colapso em curso e previsto da demanda global.  
As commodities energéticas foram as mais atingidas, tendo o preço do petróleo acelerado seu movimento de “queda livre” a partir do início de março em função do fracasso da tentativa de acordo de corte de produção entre os países da OPEC+. O segundo grupo mais atingido foram as commodities metálicas, sobretudo as utilizadas como insumo da produção industrial. 
Vale mencionar que o acordo da OPEC+, que anunciou um corte inédito da produção a partir de maio, foi concluído somente em meados de abril (após o lançamento do cenário atual do FMI), detendo a espiral descendente dos preços do petróleo. 
Contudo, essa espiral foi retomada rapidamente, pois o corte anunciado foi insuficiente para compensar o colapso no consumo global. Diante do excesso de oferta global, no dia 22 de abril, o preço do petróleo Brent, uma das cotações internacionais de referência, atingiu o menor nível em duas décadas após a segunda cotação de referência (West Texas intermediate - WTI) registrar um valor negativo pela primeira vez na história. Isto porque, os agentes com posições compradas no mercado futuro de WTI tiveram que pagar para liquidarem seus contratos antes do vencimento devido à escassez de terminais de armazenamento. 
A pandemia do covid-19 foi o gatilho de múltiplos choques externos sobre as economias emergentes e em desenvolvimento (EMED). A combinação da queda dos preços das commodities, aumento da aversão ao risco global e a perspectiva de uma recessão mundial resultou numa liquidação em massa de ativos emitidos por essas economias nos mercados internacionais e domésticos. Os preços das ações dos mercados emergentes registraram quedas sincronizadas e em intensidade semelhante, recuando em torno de -20% entre meados de janeiro e início de abril. 
Já nos mercados de câmbio, as moedas dos países exportadores de commodities (Brasil, México, África do Sul, Colômbia e Rússia) foram as mais atingidas. Com exceção da Colômbia, esses países também se destacam pela maior liquidez dos seus mercados de câmbio (à vista e/ou de derivativos) em comparação com seus congêneres regionais, o que pode ter contribuído para as fortes depreciações registradas. As moedas das demais EMED foram relativamente menos afetadas, seja devido às intervenções dos bancos centrais, seja da menor vulnerabilidade externa. 
No mercado externo de títulos soberanos, os spreads atingiram no final de março os níveis mais altos desde a crise financeira de 2008. Nesse mercado, houve igualmente diferenciação entre os países, com as maiores altas sendo registradas naqueles com elevadas dívidas externas e/ou déficits em conta corrente (como Argentina e Turquia). 
Até o início de abril, os países importadores de petróleo tinham sido menos afetados pelo efeito-contágio do choque do covid-19, mas a redução das remessas de imigrantes, contração do financiamento externo e menor demanda externa deve se sobrepor ao efeito positivo do baixo preço do petróleo nos próximos meses.
Os movimentos nos preços dos ativos e dos spreads foram provocados, em grande medida, pela saída recorde de investimentos de portfólio de não-residentes tanto em dólares (mais de US$ 100 bilhões), como em porcentagem do PIB no primeiro trimestre de 2020. Todas regiões e mercados foram afetados, embora o impacto inicial tenha sido mais significativo na Ásia (a primeira região atingida pelo choque inicial) e nos mercados acionários devido a sua maior sensibilidade ao crescimento global. 
A abrangência da saída de capitais (em termos do número de países atingidos) foi a maior desde a crise global de 2008, mas sua intensidade variou entre os países. Na Tailândia e na África do Sul, por exemplo, ela atingiu mais do que 1% do PIB somente em dois meses. No caso do mercado de títulos, o impacto foi maior nos títulos denominados em moeda estrangeira (ou seja, no mercado internacional). 
Para conter o impacto adverso da reversão dos fluxos de capitais, os bancos centrais das EMED intervieram nos mercados de câmbio mediante venda de reservas, estabeleceram linhas de suporte de liquidez aos mercados de capitais e bancário e recorreram às linhas de swapcom os bancos centrais das economias avançadas (sobretudo do Fed), quando disponíveis. 

Francisco Doratioto:?Guerra do Paraguai, 150 anos depois (OESP)

‘Guerra do Paraguai mostra que politização não é boa para Exército’, diz historiador


Francisco Doratioto lembra, 150 anos após a Guerra do Paraguai, como divisões políticas afetaram a condução do conflito

Marcelo Godoy
O Estado de S. Paulo, 3 de maio de 2020

Poucas obras recentes na historiografia brasileira tiveram o impacto que Maldita Guerra teve quando foi lançada há 19 anos. Escrita pelo historiador e professor da UnB Francisco Doratioto, de 63 anos, ela consolidou a visão de que a Guerra do Paraguai, o maior conflito da história da América do Sul, foi fruto de um processo regional, rompendo com a visão que o vinculava à ação do imperialismo inglês. O livro será relançado com novos documentos pela Companhia das Letras em razão dos 150 anos do fim da guerra. Com base no período, Doratioto diz que a profissionalização e o distanciamento da política são fundamentais para o Exército e a para a defesa nacional. Eis a sua entrevista.

Como o conflito se projeta com suas consequências na região do Rio da Prata 150 anos depois? A guerra faz parte da identidade nacional dos países. Em alguns deles com mais intensidade do que outros. No Paraguai, derrotado e com mais perdas humanas e de território, a guerra está entranhada desde o nascimento de cada cidadão. Solano López é um herói nacional. No Brasil é algo inconsciente. Não se fala em Guerra do Paraguai, mas nomes como Humaitá e Itororó estão presentes em todas as partes do País como praças e ruas. Faz parte de nossa identidade. Na Argentina e no Uruguai também. O fundador da República Argentina, em 1862, é Bartolomé Mitre, que vai ser o comandante aliado na Guerra do Paraguai. Nas províncias argetninas que sofreram, como Corrientes, a invasão paraguaia, o sentimento da presença do dia a dia da guerra ainda está lá em mausoléus e cemitérios. Há as mulheres correntinas que foram levadas à força para o Paraguai e são consideradas heroínas. E, no Uruguai, cuja guerra civil foi o estopim da guerra, a guerra do Paraguai está sempre presente. Uma vez o historiador paraguaio Manuel Peña Villamil me disse um coisa interessante: ‘A guerra devia ser vista como primeiro momento da integração, pois foi a primeira causa comum vivenciada pelos quatro países’. Os processos de independência deles foram todos diferentes. E a guerra foi o primeiro evento comum e trágico dos quatro.


O custo da guerra teve alguma influência na escolha da diplomacia para a resolução posterior dos problemas entre os países? 

Não creio. Na minha interpretação da guerra, todos nós hoje no mundo acadêmico que trabalhamos o tema, é raríssimo quem não diga que a guerra não é fruto de um processo histórico regional. E isso está vinculado ao fato de não existirem estados nacionais definidos na região do Rio da Prata. Até Guerra do Paraguai tínhamos tentativas de Estado. Buenos Aires tentava se impor ao interior em 1862 e o Uruguai era uma criação da diplomacia britânica, que antes da guerra tinha 200 mil habitantes. Ele não era um país consolidado com identidade nacional. O Paraguai tinha uma população pequena submetida ao absolutismo de uma família; o Estado era uma propriedade privada. Formalmente era um Estado, mas as estruturas eram muito precárias. Os dois Estados que foram centralizados precocemente na América Latina foram o Império do Brasil, na década de 1840, e o Chile também na década de 40. Não é à toa que esses dois países quando se envolvem em guerras saem vitoriosos; o Chile, na guerra do Pacífico, apesar da desvantagem numérica. Eles tinham Estados mais organizados, com serviço diplomático para defender seus interesses. Nessa visão, a Guerra do Paraguai era o fim de um processo, com o confronto de caudilhos que tinham suas milícias e com o Império, que se organizara contra uma facção argentina, em 1852, contra Rosas. Depois vai ser privilegiada a diplomacia, porque até a Guerra do Paraguai, o Rio da Prata era um espaço vital economicamente para a elite de Buenos Aires, que era agroexportadora. O espaço geoeconômico era vital para os criadores de gado. Mas o final da Guerra do Paraguai coincide com a segunda revolução industrial, com a criação do navio frigorífico, que permite exportar carne fresca, e a compra de cereais. De repente, vão ter início os milagres econômicos argentino e uruguaio. Como consequência, o espaço do Rio Prata, apesar de ainda importante, deixa de ser vital. E o Império brasileiro está em crise política e econômica, em razão dos gastos com a guerra. O Rio da Prata não vale mais uma guerra. E a diplomacia se torna o instrumento. Por fim, uma guerra implicaria na perturbação da agroexportação argentina, o que não interessava às suas elites.

A mentira muitas vezes tem um papel na história. Na Guerra do Paraguai existe a do falso acordo entre Brasil e Argentina para dividir o Uruguai, que se transforma em um dos dentes da engrenagem que leva ao conflito. Qual o seu peso para a eclosão da guerra? 

Eu tenho dúvidas sobre o papel do fator aleatório, do acidente na história. Pois há coisas que parecem acidentes, mas quando você vai ao arquivo, à micro-história, você percebe que tem uma lógica. E o historiador é por definição alguém que busca a lógica dos acontecimentos. Mas há momentos em que há o fator aleatório. Um exemplo: Tancredo Neves pega uma septicemia e morre, mudando a história recente do país. Na Guerra do Paraguai, tomo como exemplo a Batalha do Riachuelo, pois a derrota paraguaia inviabilizou a vitória de Solano López, impedindo o acesso à Buenos Aires. O ataque podia ter sido bem sucedido. A ideia era a flotilha paraguaia chegar aonde estavam fundeados os navios brasileiros ao amanhecer, quando os navios a vapor não estariam com fornalhas acesas e não poderia se movimentar. Só que a pá de um dos navios da flotilha paraguaia teve um problema e atrasou a partida. Ela chegou duas horas depois do planejado e aí já estavam acesas as fornalhas e a frota brasileiro conseguiu reagir. Se não fosse esse atraso o resultados seria outro. E por que não deixaram para o dia seguinte? Aí tem a lógica. Solano López punia qualquer chefe militar que não seguisse uma ordem dele. Preferiu-se então atacar mesmo com o bom senso dizendo que as condições seriam outras. No desencadear da guerra em si não vejo fator aleatório, mas muitos fatores racionais explicados. No caso da mentira, não havia plano de se dividir o Uruguai, mas o fato concreto é que Solano López acreditou nisso e eu não sei se o governo uruguaio não acreditava. Brasil e Argentina nunca haviam agido em acordo antes no Rio da Prata. Seria razoável se pensar que pretendiam dividir o Uruguai. O fato concreto é a convicção de Solano López de que aquilo era verdade e que teria um desdobramento: o ataque ao Paraguai. Solano López já tinha interesse de participar dos negócios do Rio da Prata. Enfim, não é a mentira ou informação duvidosa que leva ele à guerra, mas ela é um pretexto, uma justificativa.

Os principais atores tinham consciência para onde se dirigiam nos momentos que antecedem a guerra? 

Eu acho quer ninguém acreditava na guerra. Do lado brasileiro e argentino como pensar em um país como Paraguai, com 400 mil habitantes, isolado dentro do continente e sem armamento moderno, fosse atacar o Brasil, que tinha 9 milhões de habitantes, um comércio externo muito maior que o Paraguai e tinha marinha de guerra e a Argentina, que tinha uma população de 2 milhões de habitantes e com saída para o mar? Não era razoável supor que haveria esse ataque. Nem a elite brasileira - nem a argentina - acreditava a guerra. Os blancos uruguaios tinham esperança no socorro militar paraguaio, mas Solano López fica adiando. Ele tinha 70 mil homens em armas e um serviço de espionagem, mas talvez não acreditava que fosse ter usar essa força efetivamente. E, quando ele dá o ultimato em agosto de 1864 ao governo brasileiro, ele acredita que aquilo ia resolver. López não acreditava muito que o Brasil fosse intervir no Uruguai.

Qual o peso da pressão dos fazendeiros gaúchos no Uruguai e da subsequente intervenção brasileira naquele país para a decisão de Solano López iniciar o conflito? 

É muito importante. Têm as circunstâncias da época. De 1844 a 1862, o poder no Rio era controlado pelo Partido Conservador e foi ele que montou a política externa do Brasil para o Rio da Prata, que vigorou até recentemente, até o processo de integração Brasil-Argentina. E seu objetivo era conter Buenos Aires. As elites do Império temiam que essa república grande e forte no sul acabasse desintegrando o Brasil. O objetivo delas era ainda garantir a livre navegação do Rio Paraná e o acesso à Mato Grosso. Essa elite do Partido Conservador tinha uma visão de Brasil, não estava submetida às elites econômicas, ela ia além disso. O Visconde do Rio Branco, pai do Barão do Rio Branco, era um sujeito da maçonaria, um político profissional, um quadro weberiano no sentido da burocracia do Estado. O Partido Conservador defendia os grandes fazendeiros? Sim, porque todo mundo os defendia. Era uma realidade da época. Mas não era um instrumento dócil. Não era, numa visão marxista clássica, uma corrente que retransmitia os interesses dos senhores de escravos. Também fazia isso, mas não só isso. Ele cai em 1862 e sobe ao governo o Partido Liberal, que, por sua vez, vai incorporar dissidentes do Partido Conservador. O Partido Liberal assume e logo tem de enfrentar a Questão Christie, que foi uma desmoralização, com os navios britânicos na Guanabara ameaçando bombardear o Rio e, sob a mira dos canhões ingleses, o Brasil pagou a indenização exigida pela Inglaterra. Depois houve uma quebra de bancos no Rio. Havia um governo frágil, precisando melhorar sua popularidade e sem política externa definida. E aí vem os fazendeiros do Rio Grande do Sul, que tinham propriedades no Uruguai e tinham tomado um lado na guerra civil, o dos colorados, pois o governo uruguaio, que era blanco, tinha proibido a escravidão e proibido a exportação de gado em pé para o Rio Grande do Sul, pois o charque gaúcho era feito com gado uruguaio. O governo liberal de então não tinha condições de resistir à pressão da elite gaúcha. Assim, o papel dos fazendeiros é grande, pois leva o Rio de Janeiro a se envolver em uma assunto que interessava a Buenos Aires, mas não ao Brasil.

Sartre aborda em Questão de Método o papel do indivíduo na história. Como podemos classificar o papel de Solano López na história da Guerra? É possível dizer que a guerra não existiria sem a figura de López? 

É um tema altamente complexo e qualquer resposta seria defensável . Se você me perguntasse há 20, 30 anos atrás eu diria que não, que o homem não faz a história. Hoje temos dois pensadores diferentes: Marx diz que os homens fazem a história, mas não como gostariam e Ortega y Gasset que diz que o homem é ele mesmo e seu contexto. Um guerra é sempre fruto de um contexto. Um homem nunca a faz sozinho. Mas aí tem de pensar o contexto do que era o Paraguai. Sempre tinha vivido ditaduras e não tinha uma elite que se exprimisse em Parlamento. E o estado funcionava quase como uma propriedade pessoal de Solano López e de sua família. Durante a guerra, o maior fornecedor de gado ao exército paraguaio eram as fazendas da família López. As outras não conseguiam fornecer porque os homens foram todos convocados no começo da guerra, menos a família López. E a ideia de que um homem podia mandar e fazer o que queria era a realidade de López. O processo decisório era nenhum. A guerra é fruto do contexto, mas também é fruto da postura do governante. Sem ele aquele processo histórico não adquiriria a forma que adquiriu e, principalmente, a continuidade da guerra em si. A única explicação é a relação de Solano López com o poder. Ele sabe que vai perder, que não tem saída e sacrifica um país inteiro, uma população inteira. Pode-se falar em uma liderança carismática? Esse é um ponto polêmico. Há autores paraguaios, que se dividem entre lopistas e antilopistas, que vão dizer que ele era um tirano e eu concordo. Em alguns momentos, ele parecia carismático, mas não se sabe até onde ele era carismático ou era o terror que infundia e levava as pessoas a segui-lo. O fato concreto é que, como os paraguaios não tinham jornal e acesso á informação comum, eles acreditavam piamente que lutavam pela independência do país e que Brasil e Argentina iam anexá-lo. Durante a guerra, os soldados paraguaios foram muito corajosos.

Como muda a imagem dos chefes militares brasileiros depois da guerra do Paraguai? No caso dos chefes militares brasileiros, desde sempre eles foram apresentados como pessoas dignas de admiração. Não que não houvesse críticas, mas a maior parte das críticas em relação a Tamandaré ou a Caxias se davam em razão da política partidária. Caxias era senador do Partido Conservador e Osório era de uma facção liberal do Rio Grande do Sul que era detestada pela outra, a do (visconde de) Porto Alegre e do (almirante) Tamandaré. O que há de mudança é sobre a figura do herói máximo da guerra. No século 19 e no começo do 20 não havia a figura do patrono do Exército brasileiro. O maior herói era Osório e não o Caxias. Osório era verdadeiramente popular, inclusive na Argentina e no Uruguai. O que houve foi essa alteração. Osório tinha vindo de baixo para cima, ficava com a soldadesca, contava piada e Caxias era uma figura aristocrática, distante do soldado comum, disciplinador. Essa é a grande alteração que vejo. Mas não vejo surgir nenhum vilão nem um vilão se tornar herói. Todos eram respeitados como chefes militares.

No livro o senhor descreve a morte de Solano López e diz que ele não foi apenas lanceado, mas também recebeu um tiro de fuzil. E que os soldados brasileiros em Cerro Corá perderam o controle e o combate se transformou em degola. O que leva a esse comportamento na Guerra do Paraguai? 

Ele foi lanceado, mas a causa da morte vai ser o tiro. Depois que eu publiquei o livro, pesquisando para uma biografia do Osório, fiz contato com um tetraneto do general, professor de história da Universidade de Pelotas, Mário Osório Magalhães. Ele era parecidíssimo com o Osório e me cedeu os originais que tinha do senador Homem de Mello que, em 1869, foi ao Paraguai. Ele esteve com o cabo Chico Diabo, que lanceou o Solano López. Ele o descreve como uma pessoa extremamente simples, primária, que não articulava pensamento e que falava que a grande arma da guerra era a lança, que ela vencia canhões. A ordem do imperador era não matar Solano López. O objetivo era tirá-lo do Paraguai. Se você pegar o Chico Diabo, ele teve dificuldade de receber prêmio e não ganhou nenhuma condecoração e nenhum reconhecimento do império. Isso prova que não se queria matar Solano Lopez. E o tiro foi dado à revelia do general (José Antônio Correia da) Câmara. Um soldado veio e deu o tiro. Essa violência toda em Cerro Corá – não chega nem ser uma batalha propriamente dita, visto a diferença de forças entre um lado e outro - tem a ver e é fruto dos cinco anos de guerra, as condições em que o conflito foi travado. As violências foram de parte a parte também, dos dois lados. Há ‘n’ descrições de soldados aliados feridos sendo mortos em Curupaiti. Foi algo muito violento e, no final de 1969, teve uma enorme fome na tropa, faltou comida na tropa aliada. As descrições, como a do diário do conde D’Eu, mostram que a fome da tropa é inacreditável. Teve muita deserção. Não tem controle mais para se manter a ordem. O sujeito (Solano Lopez) que durante cinco anos foi apresentado como cruel e desumano está na sua frente e aí a soldadesca perdeu o controle. Em outros momentos também perdeu, como em Peribebuí e no saque de Assunção. Cerro Corá não foi o único momento.

Como a falta de unidade de comando e as lutas entre conservadores e liberais paralisaram as forças brasileiras no começo da guerra e qual o papel do imperador para contornar essas divisões? 

A Constituição permitia que os oficiais fossem filiados a partidos políticos e tivessem mandatos. Caxias era senador. O problema é que na frente de batalha o comandante de um partido privilegiava filiados à sua agremiação. E depois havia as acusações. A imprensa liberal atacava os chefes militares conservadores e vice-versa. Isso dificultou o processo decisório na frente de batalha. O caso maior foi Curupaiti e o período entre 19865 e 1866, em que não havia um comandante em chefe das forças brasileiras. Existiam três oficiais generais da mesma patente, dois do partido liberal que eram primos, o visconde de Porto Alegre e o Tamandaré e havia Polidoro Jordão, que era do partido conservador. Tinha uma imobilidade no processo decisório que, em parte não era o fator principal, mas que agravava as dificuldades de se montar uma estratégica frente a algo que não se conhecia bem, que era o complexo defensivo paraguaio de Humaitá. Esse processo apareceu ainda na invasão paraguaia do Rio Grande do Sul até Uruguaiana, porque não interessava a setores do partido liberal gaúcho fortalecer outro setor que estava no poder. O imperador teve de ir até Uruguaiana para pôr ordem naquilo. E é dali a única foto que temos dele vestindo uniforme militar. A intervenção dele também foi vital depois da derrota de Curupaiti, quando ele retira o Tamandaré, que foi afastado por ordem do imperador e teve de voltar ao Rio. E manda Caxias, que consegue unificar o comando para enfrentar o inimigo. O terceiro momento acontece a partir do segundo semestre de 1868, quando o Brasil só continua na guerra porque o imperador ameaça abdicar do trono se fosse diferente. Isso está comprovado por documentação de diplomatas estrangeiros que contavam o que estava acontecendo. Pois se dependesse das lideranças políticas, inclusive do partido conservador, o Brasil sairia do conflito. Em 1868, o próprio Caxias escreve: ‘Vamos parar essa guerra, não temos mais nada a ganhar, o inimigo está destruído e partir de agora, se continuarmos, não sabemos quanto vai custar em vida e em dinheiro para o Brasil'. E a ordem do imperador foi uma só. A guerra vai até o fim. São três intervenções vitais. A primeira para derrotar a invasão do Rio Grande do Sul, que não se estava conseguindo. A segundo para evitar a débâcle do exército aliado após a derrota de Curupaiti e, depois, a finalização da guerra. Apanhar Solano López só foi possível pela posição intransigente de d. Pedro II, que encontra, por sua vez, uma posição intransigente do lado oposto, que é Solano López, que diz que a guerra tem de ir até o fim e, quem não concordava, ele mandava matar.

A queda do gabinete liberal de Zacarias de Góes ocorre após o conflito com o Duque de Caxias. Sua ação teria servido de exemplo para os militares nos anos subsequentes? Como figuras como Caxias ajudam a moldar o comportamentos dos militares no Império e na República? 

No Segundo Reinado não há intervenções militares na política. A única que houve claramente é o golpe de Estado de 1889, que foi feito por uma uma minoria, vinculado a uma minoria civil e à revelia – apesar de o Deodoro estar à frente – da oficialidade mais antiga. É um pessoal que adquire espírito de corpo na guerra – capitães e majores – que vão dar o golpe. Essa questão de junho de 1868 é bem debatida. Não é que o Caxias impôs a queda do gabinete. O gabinete queria sair de um lado e o imperador, por sua vez, queria tirar o gabinete, queria fazer um rodízio para conseguir resultados concretos na guerra. As cartas do Visconde de Rio Branco para o Barão de Cotegipe, expoentes do Partido Conservador, mostram que eles não queriam o poder em 1868, pois a guerra é um abacaxi e o partido só iria se desgastar. Caxias tampouco queria derrubar o gabinete, mas está exaurido e não acredita mais na guerra. Depois ele que tomou a fortaleza de Humaitá, Solano López deixou de ser uma ameaça. A guerra não tem mais sentido e só prossegue porque o imperador ordena. Caxias era um chefe militar obediente à hierarquia. E isso é uma coisa interessante, porque a imagem que foi construída dele durante todo o século 20 e, principalmente depois de 1964, é do Caxias militar e durão, disciplinador, mas se esqueceu totalmente que o Caxias era obediente à Constituição, subordinado ao Poder Civil. Ele era um chefe militar que não intervinha no processo político. Ele intervinha como político, porque a Constituição permitia ele fosse senador. Em 1868, Caxias estava sendo atacado constantemente no Rio pela imprensa ligada ao gabinete. Sentiu-se boicotado e injustiçado. Ele estava havia dois anos na frente de batalha em meio a péssimas condições e queria ir embora. Caxias não introduz a intervenção dos militares no processo político interno. Na verdade, o gabinete se autoderrubou. Depois, o que vai acontecer é que, com a guerra, passa a haver um espírito de corpo entre os militares que não havia. Os soldados do pré-guerra eram desqualificados. Não havia um exército coeso, com hierarquia. Iso vai ser construído na guerra e vai continuar depois. O Exército adquire uma identidade que não tinha e esse espírito de corpo vai ser fundamental para ele se tornar uma instituição armada moderna.

Caxias e Osório eram militares e ao mesmo tempo políticos. O primeiro Conservador e o segundo do Liberal. Depois, na República, assistimos à ascensão e à queda do que Oliveiros Ferreira chamou de 'partido fardado'. Hoje há uma volta de militares à política. A presença de militares na política contribui para o fim do Império e se manteve na República. Por quê? Se você pegar a República Velha, de Prudente de Moraes e do Campos Salles até o tenentismo, temos duas décadas em que a presença militar é normal. Mesmo entre 1945 até 1963, so uma parte dos militares estava envolvido no processo político; a maior parte da tropa e da oficialidade estava cuidando de sua carreira, dos afazeres profissionais. Creio que assim como não existe só o lado militar na figura do Caxias, o processo político do século 20 não teve só intervenção militar. Agora, de fato, tivemos duas décadas de regime militar a partir de 1964 e isso nos impacta por motivos óbvios.

Quais as lições que a guerra do Paraguai deixa para os militares ainda hoje? 

O que se viu em 1864 - e acho que é uma lição - é que você precisa ter Forças Armadas preparadas profissionalmente porque. mesmo em situações aparentemente tranquilas. você não sabe qual é o futuro. Se em 1862 alguém dissesse que o Paraguai ia atacar o Brasil e ficaríamos cinco anos em uma guerra, seria ridicularizado. No entanto, isso aconteceu. Quando acontece tem a dificuldade de defender o Rio Grande do Sul por causa da atividade política dos oficiais, dos comandos politizados e partidarizados, e sa dificuldade no teatro de operações. Você precisa ter Forças Armadas preparadas para exercer a soberania. Precisa ter um núcleo militar profissional, treinado, bem armado para exercitar a defesa do País. A outra liação é que cada vez que os militares se envolveram em assuntos políticos, independente das intenções, por melhores que ela possam ser, eles tiveram menos tempo para se preparar profissionalmente para uma emergência. A politização das Forças Armadas não é boa para as Forças Armadas por um lado – não é à toa que o Castelo Branco fez as reformas que fez – e por outro lado não é boa para o País, pois você perde um instrumento eficaz de defesa, vide o caso das Malvinas (guerra em 1982 em que a Inglaterra derrotou a Argentina), o que aconteceu com a Argentina. Não fosse a politização, as disputas internas, a história seria outra.

Professor, o senhor acredita que ainda existam aspectos que precisem ser melhor iluminados sobre o conflito com o Paraguai. O que pode ainda desafiar os historiadores?

Existe uma enormidade. Você sabe que quase todo mundo decidiu ser historiador porque era péssimo em matemática. Eu conheci o Oliveiros Ferreira na (Ciências) Sociais da USP, que eu fiz história e depois ciências sociais. Lá nas Sociais tinha estatística 1 e 2 que eram matérias obrigatórias. Era um horror. Passei sempre raspando. São poucos os historiadores que dominam estatísticas instrumental e matemática. Não sabemos exatamente, só temos números aproximados de quantos soldados foram enviados para a guerra, de quantos morreram e como morreram. È preciso estudar as perdas da população paraguaia e argentina. Há ainda os dados sobre os gastos com a guerra - fiz um cálculo a grosso modo que dava mais de 600 toneladas de ouro pelos padrões de época. Também há o cotidiano do soldado - o que nós temos, normalmente, é dado pelo relato de oficiais, porque o soldado era analfabeto; fora que o ato de escrever era penoso, era com pluma e tinha de carregar um estojo grande com tinta e tinha de ter papel. Enfim, com novas metodologias e novas teorias talvez se consiga avançar. A Justiça militar na guerra não foi estudada. Não temos estudos sobre a Justiça Militar na Guerra do Paraguai e na Segunda Guerra Mundial também. A Justiça militar seria um caminho, apesar de seus registros sintéticos. E a retaguarda? Tinha banco, bordel? Isso não está estudado. A questão dos negros está razoavelmente estudada. Um coisa que me chama atenção é o estudo sobre os processos decisórios na Argentina, no Uruguai e no Brasil, um estudo comparativo sobre como funcionavam as políticas externas dos países e como isso pode ter contribuído ou não para o encadear da guerra. E mesmo a história econômica. Bem, desde que escrevi o livro apareceram inúmeras fontes inéditas. Apareceu, por exemplo, toda a correspondência do chanceler argentino da época, com 3 mil documentos. E de um chanceler do Solano López surgiram fragmentos escritos. Você tem centenas de publicações sobre a guerra e, no entanto, 150 anos depois continuam aparecendo documentos.

Marcelo Godoy

Militares no apoio a Bolsonaro: teste de autonomia

Novo ato golpista de Bolsonaro torna obrigatória explicação de militares

Cúpula fardada havia se reunido com o presidente na véspera, levando a dúvidas sobre suas intenções



folha de SÃO PAULO, 3/05/2020

O presidente Jair Bolsonaro fez seu novo ataque ao Legislativo e ao Judiciário exaltando o papel das Forças Armadas, que segundo ele estão “ao lado do povo”.
Não seria novidade, exceto por um detalhe: na véspera, o presidente havia se reunido com os três comandantes de Forças, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, e o chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos.
No cardápio posto, segundo a assessoria de Azevedo, “uma avaliação do emprego das Forças Armadas na Operação de Combate ao Coronavírus, além de avaliação de determinados aspectos da conjuntura atual”.
O demônio mora nos detalhes, no caso os tais determinados aspectos. Segundo a Folha ouviu de interlocutores de pessoas presentes ao encontro, o Supremo Tribunal Federal foi duramente criticado pelos presentes.
O motivo, a decisão provisória de Alexandre de Moraes que inviabilizou a indicação de um amigo da investigada família Bolsonaro, Alexandre Ramagem, para a direção da Polícia Federal.
Isso significa que os generais deram amparo à nova intentona retórica do presidente? Aqui há divergências nos relatos disponíveis.
A versão majoritária apontou a crítica fardada, que de resto já tinha sido feita ao considerar Judiciário e Congresso como forças a cercear o Executivo, mas nega que o presidente tenha sido encorajado a novamente desafiar os Poderes.
Uma leitura alternativa diz que o presidente se sentiu autorizado a ultrapassar o sinal novamente.
No ato de 19 de abril, Dia do Exército, o simbolismo era óbvio, mas velado.
Neste domingo (3), Bolsonaro encheu a boca para colocar as Forças Armadas no mesmo bloco que pedia a cabeça do presidente a Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ataques ao Supremo e, de quebra, espancava jornalistas no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Isso abraçando na rampa do Planalto as bandeiras de Israel e dos EUA, além da brasileira, numa cacofonia caótica emulada pelas carreatas da morte vistas em algumas cidades do país.
A terceira leitura, aí feita por políticos, é a especulação acerca do entusiasmo dos militares com aventuras totalitárias.
Isso hoje é improvável. Não se imagina a atual cúpula militar brasileira apoiando fechamento de Poderes, para ficar na caracterização de golpe.
Além disso, não há apoio maciço ao governo na elite econômica, na imprensa e mesmo entre todos os ramos das Forças: Força Aérea e Marinha não têm o mesmo senso de comprometimento com a figura de Bolsonaro que o Exército, fiador de um capitão reformado e renegado.
Pior, os aviadores podem perder o único quinhão a que têm direito no governo, o Ministério da Ciência e Tecnologia, para o PSD, dentro da barganha comandada por Bolsonaro para afastar o fantasma do impeachment.
Ainda assim, a contemporização feita por alguns oficiais ouvidos pela reportagem, de que Bolsonaro se excede sem consequências, fica cada dia mais difícil de ser aceita.
Um oficial-general disse confiar que a população em geral não vê os militares como radicais do bolsonarismo. Talvez, mas a fronteira está cada vez mais turva: ele mesmo admite que a associação é provável.
Para complicar o enredo, um item altamente explosivo no cenário voltou a circular entre os observadores do panorama militar: a substituição do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol.
O assunto foi discutido por Bolsonaro em sua reunião no sábado com os comandantes.
Nem tanto por uma troca em si, de resto estranha com o comandante tendo pouco mais de um ano no posto, mas por quem seria o indicado por Bolsonaro: Luiz Eduardo Ramos.
O general, que segue na ativa enquanto exerce a função no Palácio do Planalto, era talvez o mais bolsonarista dos integrantes do Alto Comando do Exército, a elite da elite militar.
Amigo de Bolsonaro quando ambos eram cadetes, dividindo dormitórios, ele sempre foi o número 2 de Azevedo, hoje ministro da Defesa e pivô da ala militar do governo.
Mas sua vinculação sempre foi especial com Bolsonaro. Sua eventual ida para o comando criaria exatamente o oposto do que o general otimista relatou: a ideia de um Exército liderado por uma aliado ideológico do presidente.
Procurado, Ramos negou veementemente a informação. “Não sei de onde isso saiu. Tem uns seis generais mais longevos do que eu na fila”, disse à Folha.
De fato, o general só entra no quesito longevidade para poder assumir a Força no ano que vem. Isso não foi problema no passado: Eduardo Villas Bôas não era o mais longevo ao ser escolhido comandante do Exército por Dilma Rousseff (PT) em 2015.
A retórica inflamada do presidente também tem a ver com o momento específico de seu governo, acumulando 7.000 mortos pelo novo coronavírus e sentindo a brisa do impeachment no ar.
Espectro esse que ronda o Planalto, para ficar na figura de linguagem marxista tão ao gosto do bolsonarismo raiz.
Como disse um almirante, há incertezas demais para garantir que o presidente não será alvo de um processo de impedimento, apesar de seu um terço de apoio no eleitorado.
O nome da equação se chama Sergio Moro. O depoimento de quase nove horas do ex-ministro da Justiça a ouvintes bastante familiarizados com os métodos do ex-juiz da Lava Jato apavora os bolsonaristas.
Qualquer pessoa que já tenha trocado uma mensagem de WhatsApp com Bolsonaro sabe que vulgaridades e sem-cerimônia são o padrão.
Provas que o incriminem talvez estejam no rol também, a depender de como forem interpretadas as conversas.
Isso, somado aos sortilégios que apurações sobre milícias e fake news insinuam sobre o clã presidencial, além do comportamento na condução da crise do coronavírus, alimentam o discurso de Bolsonaro.
O uso feito por Bolsonaro dos militares, ainda mais depois de estar cercado deles, explicita o real drama para a os fardados: a intrínseca conexão com a política, algo que conseguiram evitar durante boa parte do período pós-redemocratização.
O preço de imagem ainda é insondável, mas apenas o fato de serem questionados acerca de seus desígnios evidencia o tamanho do gênio que permitiram sair da garrafa ao se alinhar a Bolsonaro. Os militares terão de responder sobre o discurso golpista do presidente.

domingo, 3 de maio de 2020

Uma história global do Leste Europeu na transição do socialismo ao capitalismo - Book review


Klimo on Mark and Iacob and Rupprecht and Spaskovska, '1989: A Global History of Eastern Europe' [review]

by H-Net Reviews
James Mark, Bogdan C. Iacob, Tobias Rupprecht, Ljubica Spaskovska. 
1989: A Global History of Eastern Europe. 
New Approaches to European History Series. Cambridge: Cambridge University Press, 2019. 380 pp. 
$84.99 (cloth), ISBN 978-1-108-42700-5; $26.99 (paper), ISBN 978-1-108-44714-0.
Reviewed by Árpád von Klimo (Catholic University of America) Published on H-Diplo (May, 2020) Commissioned by Seth Offenbach (Bronx Community College, The City University of New York)


People usually struggle to make sense of the historical period they live in. This is also true today, especially in what has been called “the West,” which includes wealthy democratic societies of Europe and the United States, countries (or their elites) that have been identifying themselves in contrast to the communist “Second World” and the poor, underdeveloped “rest,” called the “Third World” by those who believe they represent the “First World” (a designation mostly avoided because it sounds a bit pretentious). With the collapse of the political system of the “Second World” around 1989 and the early 1990s, the “First World” seemed to be the “winner” of the Cold War, although, if we look closely at what was written in the West at the time, many were rather concerned about what would follow, and the wars that accompanied the breaking apart of Yugoslavia seemed to prove that the situation was indeed dangerous. Later, for a moment, “Europeanization” of Eastern Europe seemed to bring the liberal dream of an “end of history” into reality when most countries in Europe had embraced capitalism and democracy, epitomized by the European Union. After the 2008 economic crisis, however, this “myth of 1989” came under increasing attack, not only in Hungary and Poland but also in the Western “core” of the EU.
The new 1989: A Global History of Eastern Europe focuses on the “myth of 1989” and attempts to counter a simplified, Eurocentric narrative of the Eastern part of the continent since 1989 in a number of ways (p. 1). Using a global approach, this extraordinary book, which was written by four authors, who all teach history at the University of Exeter as specialists of different regions (James Mark/Central Europe, Bogdan C. Iacob/Eastern Europe, Tobias Rupprecht/Latin America, and Ljubica Spaskovska/former Yugoslavia), critiques and revises a number of popular aspects of this Eurocentric myth of 1989. They bring back agency to elites and peoples of Eastern Europe, who were not all “waiting” longingly to become a part of the “West” (although, as the authors admit, many were!). The authors, instead, highlight that many experts, often communist “reformers,” were actively engaged in changing the state-socialist economic system by opening it to the world market, thus bringing a new dynamic into the process of globalization that had slowed down during the 1950s because of heightened East-West confrontation. Later, communist reformers sometimes played a crucial role in international debates about capitalism, sometimes asking for more radical, or “neo-liberal,” forms of capitalism in contrast to their Western counterparts who were more oriented toward a social democratic model (page 64 cites the Hungarian economist János Kornai as an example). But this happened long before 1989. Eastern Europe was not an isolated gray zone of people desperate for Western consumer goods and freedom. The images of the opening of the Berlin Wall and East Germans standing in line to get bananas have covered up these long-term developments and the manifold relations between East Germany and the Southern Hemisphere.
Decolonization since the 1960s, which had brought political independence to a number of African states, had opened new perspectives for politicians and experts in both communist and capitalist Europe and initiated an increasing spectrum of “developing” strategies and attempts to integrate or reintegrate Africa and Asia into world trade. The book shows that we have to think about the relationship of two processes: the (self-)integration of Eastern Europe into the world market and the decolonization since the 1960s with a perspective on the involvement of Eastern European communist functionaries. In the early 1980s, however, Western ideas of “Eurafrica” and Eastern European attempts to create a socialist world market in contrast to global capitalism slowly lost their popularity (p. 164). The challenges of the Islamic Revolution in Iran and, most of all, new trends in global mobility brought forth a revival of older ideas of “Christian Europe” or “fortress Europe,” accompanied by racists ideas and acts of violence (pp. 164, 165). Again, this shift could be observed in both the East and West, which demonstrates the insightfulness of the global perspective on Eastern Europe.
Another popular but partly erroneous narrative the book addresses is the idea that all Eastern Europeans wanted a liberal democratic system to replace the communist dictatorship, which was seen as a quasi essential complementary to the market economy. Many economists and communist reformers were, especially before 1989, convinced that an authoritarian-capitalist model, like the examples of South Korea under Park Chung-Hee or Chile under Augusto Pinochet, were superior to a combination of capitalism and democracy. In Russia, because of the chaotic situation in the early 1990s, the belief in “Formula Pinochet” had many adherents also after 1989. Emphasizing that the question regarding which political model to follow was fierce and not determined in 1989 in many parts of Eastern Europe is not only important for the historical record but also in relation to the authoritarian and illiberal tendencies in the region that have been observed in the last decade.
In Africa, the myth of 1989 had strong influence on the political elites who quickly abandoned Marxism and their connections to the Soviet Union and often engaged in “democracy talk” without actually giving up their grip on power (p. 221). However, the myth also brought back ideas of a “superior” Western model that Africans had to follow, introducing stronger “conditionality” in agreements or loans from the European Community or the International Monetary Fund while African elites feared that investments would now mostly flow into Eastern Europe (p. 226). A similar push to support democracy and human rights could be observed in other parts of the world, especially in the Middle East or the Balkans, where the narrative of 1989 was used to justify Western interventionism, although, as the authors underline, “third-wave democratisation and marketisation, catalyzed by Eastern Europe’s 1989, was not simply a story of instrumentalisation of the West and then export to the rest” (p. 264). Instead, traditions created by the socialist or the nonaligned world, which were not perceived as part of the West, still resonated in these parts of the world after 1989. At least since 2010, when the “Arab Spring” turned into brutal civil wars, and populist right-wing politicians started to rise in many parts of the world, the myth of 1989 as the triumph of Western capitalism and democracy has become increasingly contested and probably even “marginalized” in Eastern Europe itself (p. 308). “For many Eastern European conservatives, 1939 superseded 1989 because it symbolised both national martyrdom and the non-Western, non-liberal roots of their national and Christian European identity” (p. 310). Even the oppositional groups active today against populist governments in Hungary, the Czech Republic, or Poland are not fully behind the older Western liberal narrative but are more concerned with anti-corruption causes or government responsibility. But who knows, maybe the myth of 1989 will, eventually, return?
1989: A Global History of Eastern Europe is, in any case, an important contribution to our understanding of today’s world. The book offers a coherent narrative, and this sometimes results in repetitions, but the reflexivity of the authors who counter their own theses with counter-theses inspires further discussions. One does not have to agree with the authors’ critical, postcolonial critiques of the “neoliberal” West to see the value of the new insights their global perspectives bring to the field of Eastern European history.
Arpad von Klimo teaches modern European history at The Catholic University of America in Washington, DC. He is currently working on a project on global anticommunism, détente, and decolonization, focusing on the followers of Cardinal Jozsef Mindszenty in the early 1970s.
Citation: Árpád von Klimo. Review of Mark, James; Iacob, Bogdan C.; Rupprecht, Tobias; Spaskovska, Ljubica, 1989: A Global History of Eastern Europe. H-Diplo, H-Net Reviews. May, 2020. URL: http://www.h-net.org/reviews/showrev.php?id=54866
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Diplomacia bolsonarista: mano fuerte contra diplomatas venezuelanos

Jeferson Miola

Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial

"O lunático Ernesto Araújo, que mancha e desonra a história do Itamaraty, é a prova irrefutável de que a matilha bolsonarista não conhece limites do ridículo, do absurdo, do burlesco", afirma o jornalista
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo (Foto: José Cruz/AgÃência Brasil)
 
Em mais um capítulo da diplomacia da vergonha, Ernesto Araújo abandonou a diplomacia e acionou o comando da Polícia Militar do DF para desocupar ilegalmente e com truculência a embaixada da Venezuela no Brasil.
Em ofício ao comandante do 2º Comando de Policiamento Regional Metropolitano da PM-DF, o comandante do 5º Batalhão repete a informação repassada pelo diplomata Maurício Correia, que o governo venezuelano não reconhece como verdadeira, de que “os diplomatas venezuelanos foram informados há 2 meses atrás da intenção do Governo brasileiro de retirá-los do Brasil”.
O comandante enfatiza “que mesmo com este prazo, não saíram por conta própria. Portanto, baseado nas informações colhidas até o momento, é bastante provável que haja resistência por parte dos diplomatas venezuelanos em sair da Embaixada”.
Na visão dele, a PM poderá lançar mão de truculência diante desta resistência: “Isto importa dizer que há a possibilidade de movimentos sociais atuarem em defesa dos diplomatas venezuelanos podendo ocupar as instalações da Embaixada, o que dificultaria o processo de retirada e demandaria emprego de tropa especializada e reforço de efetivo”.
O comandante do 5º Batalhão pede “reforço de policiamento (em ambas extremidades da Embaixada) e apoio das tropas especializadas para estarem em condições de atuar a partir da madrugada do dia 03 para o dia 04 de maio de 2020, até que a embaixada seja desocupada”.
No dia de ontem, 1º de maio, o deputado petista Paulo Pimenta protocolou habeas corpus [HC] no STF pedindo a concessão de liminar em favor de todos representantes diplomáticos e consulares da Venezuela, “para fazer cessar o constrangimento ilegal em virtude da decretação desmotivada de sua retirada imediata do país junto com toda a sua família […] até o final do estado de pandemia mundial, para que se discuta posteriormente as questões diplomática entre o Brasil e a Venezuela”.
A decisão sobre o pedido de HC do deputado Paulo Pimenta está nas mãos do presidente Dias Toffoli do STF, que poderá deter este abuso inaceitável e ilegal que afronta a Convenção de Viena e a Constituição brasileira [aqui].
No dia 30, a PGR fez recomendação ao Itamaraty também com o objetivo de suspender a retirada dos diplomatas venezuelanos, pelo menos enquanto dure a pandemia.
É improvável que se consiga encontrar similaridade de postura tão escrota como a do Ernesto Araújo na história das relações internacionais entre os países do mundo.
Esta diplomacia da vergonha, inteiramente subserviente aos EUA e cegamente obediente às ordens que chegam a Brasília desde Washington, faz do Brasil cada vez mais um pária internacional e do Ernesto Araújo o pior diplomata do mundo.
Ofício ao comandante do CRPM-DF: SEI_GDF – 39464024 – OfícioHabeas corpus deputado Paulo Pimenta [PT]:  HC-Paulo Pimenta-Venezuelanos.pdf