O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

As montadoras sob pressão e os royalties do petróleo - Celso Ming

 As montadoras sob pressão e os royalties do petróleo


Celso Ming
O Estado de S. Paulo. 11/12/2020

Ninguém sabe quando a era do petróleo chegará ao fim. Mas esse limite está cada vez mais próximo, bem antes de se esgotarem as reservas de hidrocarbonetos no subsolo. E isso produz importantes consequências para o Brasil.

Como aponta matéria publicada no Estadão de domingo, 6 de dezembro, assinada pela jornalista Cleide Silva, aumentam em todo o mundo as restrições à produção de carros novos movidos a gasolina ou diesel. Inglaterra, Alemanha, países da Escandinávia, Japão, China e até mesmo o Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, vêm antecipando o início dessa proibição, para 2030 ou 2035. São prazos que inevitavelmente serão adotados por outros países, se não por imposição legal, pelo menos por simples lógica de mercado.

Explicando melhor, por questão de escala de produção ou por necessidade de atender a exportações sob novos padrões, a indústria automobilística global não poderá produzir carros a gasolina para alguns países e, ao mesmo tempo, carros movidos a energia elétrica para outros; terão de unificar os modelos. Isso é mais ou menos como aconteceu com as aeronaves a jato. Quando alguns governos impuseram restrições aos ruídos produzidos pelas turbinas de aviões a jato, essa condição se estendeu a todo o mercado, porque todo avião tinha de estar pronto para operar em qualquer aeroporto ao redor do mundo. Ou seja, a indústria automobilística brasileira tem de tirar também o atraso em relação a esse item porque tem de pensar nas exportações.

Os veículos elétricos ou híbridos representam atualmente 10% das vendas globais de automóveis. Em 2030, a estimativa é de que as vendas desses modelos sejam cerca de 50%, apontam os relatórios de grandes consultorias.

A pressão cresce também sobre a indústria global do petróleo. Mesmo levando-se em conta que a partir de 2030 ainda haverá grande demanda por derivados, não só para atender à frota de veículos a gasolina ou a diesel, mas, também, para queima nas usinas termoelétricas que continuarão funcionando a despeito do aumento da energia limpa, o petróleo vai acabar por micar onde ele se mantiver inexplorado - independentemente do tamanho e da qualidade dessas jazidas.

Daí, também, a urgência em concentrar esforços e capitais para extrair o que o pré-sal brasileiro e outros campos de hidrocarbonetos puderem proporcionar. Os governos do PT cometeram o grave erro de retardar o processo de exploração de petróleo no Brasil, mais para impedir a entrada de empresas privadas estrangeiras e nacionais nesse mercado do que para preservar o futuro das próximas gerações - quando elas não precisarão mais desse recurso natural. É o mesmo erro que cometem agora as corporações ligadas aos sindicatos dos petroleiros. Não moveram uma palha em defesa da Petrobrás enquanto foi dilapidada pela corrupção e agora protestam quando a empresa se dedica a se desfazer de atividades secundárias para se concentrar na sua atividade principal, que é a produção de petróleo.

Mas há outro fator, desta vez de natureza fiscal, que exige urgência na exploração do petróleo brasileiro antes que ele perca a condição de produto estratégico, como ainda é hoje. Trata-se da geração de receitas com royalties e participações especiais, que hoje geram R$ 45 bilhões por ano. (Veja o gráfico.) O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, está praticamente falido e não pode abrir mão de nenhuma oportunidade para atender às necessidades orçamentárias. Petróleo que deixa de ser produzido é royalty que deixa de chegar. Igual necessidade se aplica a outros Estados e municípios do País, tão castigados pela perda de arrecadação nestes últimos anos de crise.

Atrasar a exploração desse recurso implica irrecuperável punição fiscal a esses entes da Federação. Em alguns casos, grandes petroleiras vêm desistindo da exploração de áreas obtidas por leilão, por atrasos inexplicáveis (ou pura falta de empenho) na concessão de licenciamentos ambientais, como aconteceu no Amapá. E esse é outro fator de irracionalidade e de perda fiscal que atinge o setor do petróleo.

O tempo não espera que o País acorde da falta de noção de urgência e de sua omissão irresponsável.

COMENTARISTA DE ECONOMIA

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Nota sobre as crises econômicas que atingem o Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Um comentário rápido sobre as crises econômicas que atingem o Brasil 

Paulo Roberto de Almeida


A atual, da Covid-19, não pode entrar em linha de conta, pois atinge a todos os países indistintamente, com maior ou menor acuidade dependendo da gestão feita sobre os efeitos da pandemia pelos seus dirigentes. Já sabemos que os dois negacionistas maiores provocaram os MAIORES números de mortos, independentemente da maior ou menor recessão ou desemprego, que possuem outras variáveis. Estou falando do número de VIDAS PERDIDAS, grande parte podendo ser atribuídas ao comportamento IRRESPONSÁVEL dos dois dirigentes mentecaptos, Trump e Bolsonaro.

Mas 2020 é um ano perdido para o mundo inteiro, e isso ficará na História.

Com relação ao Brasil, cabe relembrar que, de 2016 a 2019, já vínhamos de uma lenta e difícil recuperação de uma trajetória de gastos públicos em aumento desde 2005, quando Dona Dilma assumiu a Casa Civil e que não era sustentável mesmo que o lulopetismo continuasse por mais dois governos, sem impeachment em 2016.

A expansão de gastos públicos era generalizada em todos os setores, era insustentável, como foi, e que terminou provocando a Grande Destruição de 2015-16, a maior recessão econômica de toda a nossa história, inteiramente “made in Brazil”, que se deve em sua maior parte a causas fiscais e que não tem nada a ver com qualquer crise externa (como alegado pela inepta dirigente e seus petistas amestrados) e que continua a ser a maior de toda a nossa história mesmo em face da pandemia, que é totalmente exógena.

Mesmo que não houvesse a pandemia, o Brasil continuaria numa trajetória de lenta e medíocre recuperação, que faria com que em 2022, o ano do bicentenário da Independência, nós estaríamos exibindo uma renda per capita menor que DEZ ANOS antes, e com uma previsão de retomada dos superávits primários (para pagar unicamente os juros da dívida pública) apenas no final da década e o prosseguimento de taxas medíocres de crescimento econômico até a década de 2030 em adiante. 

Isso sem falar da mediocridade dos ganhos de produtividade, pela ausência completa de melhorias significativas na educação.

Ou seja, não estou sendo pessimista, ou minimizando a pandemia. Estou sendo realista: nossa situação é muito PIOR do que o que é normalmente falado.

Desculpem por estragar a quarta-feira, 9/12/2020.

Paulo Roberto de Almeida

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

O caso do chanceler acidental deixa de ser ideológico para ser psiquiátrico - Alvaro Faria (Jovem Pan)

Fantasma do ‘grande recomeço’ atormenta o ministro Ernesto Araújo

Ministro das Relações Exteriores citou a teoria da conspiração do ‘great reset’ para falar sobre sua participação numa conferência da ONU sobre o coronavírus

Alvaro Alves de Faria

Jovem Pan | 8/12/2020, 11h25

Um fantasma tem atormentado o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo. Segue o ministro em todo lugar. E não adianta se esconder. O fantasma está sempre presente. Ao olhar-se no espelho, o ministro vê o fantasma misturado à sua imagem. Alguém tem de dar um jeito nisso. O fantasma apresentou-se ao ministro com o nome em inglês Great Reset, a teoria da conspiração, o grande recomeço ou ‘zeragem’. Neste final de semana, o ministro Ernesto Araújo evocou a teoria da conspiração em sites de extrema-direita, para explicar sua participação numa conferência da ONU sobre o coronavírus. Convém lembrar a quanto andamos com nossas cabeças doentes. Desgraça pouca é bobagem. Loucura também. Alguém tem de tirar da cabeça do ministro que o vírus não é uma conspiração. Não é possível que o mundo inteiro esteja errado e só ele e alguns outros heróis do grande manicômio falem sobre o assunto. O ministro brasileiro citou “o grande recomeço”, teoria que afirma que a pandemia é resultado de um complô das elites mundiais e que o objetivo seria o controle econômico e social das populações. O assunto começou a ser discutido quando o Príncipe Charles e Klaus Schwab, presidente do Fórum Econômico Mundial, anunciaram que tinham planos de convidar os líderes mundiais para discutir as alterações climáticas e a reconstrução das economias destruídas pela pandemia. A reunião foi chamada de “Grande Recomeço”. E aí começaram os rumores. E nasceu o fantasma do ministro brasileiro.

Nas redes sociais, o ministro das Relações Exteriores escreveu assim: “A pandemia não pode ser pretexto para o controle social totalitário violando, inclusive, os princípios das Nações Unidas. As liberdades fundamentais não podem ser vítimas da Covid. Liberdade não é ideologia. Nada de Great Reset”. A expressão foi utilizada muitas vezes no Forum Econômico Mundial como A Nova Ordem que será iniciada em 2021. Klaus Schwab adiantou que a questão será discutida no segundo semestre de 2021 em Davos, na Suíça. Klaus deixou muita gente com o cabelo em pé quando afirmou que todos os países do mundo, dos Estados Unidos à China, devem participar e todos os setores, bem como a tecnologia do petróleo e do gás, devem ser transformados. Em suma, de acordo com Klaus Schwab, é preciso fazer o “Grande Reinício” do capitalismo. Disse, também, que pandemia representa uma rara janela para refletir, reimaginar e ‘resetar’ o mundo. O ministro das Relações Exteriores do Brasil levou isso a sério. O governo também. Não tiram isso da cabeça. Daí em diante, o fantasma começou a aparecer em todo lugar. O ministro das Relações Exteriores passou a ter visões inimagináveis com o fantasma sempre à espreita.

Então estão todos avisados. A ação conspiratória começará no ano que vem. O ministro Ernesto Araújo usou a rede social para falar sobre o assunto, mas não citou a expressão nenhuma vez. Talvez por temor. O fantasma assusta. Também não o fez na Conferência da ONU, que contou com a presença de mais de 90 países e primeiros-ministros do mundo. Para o ministro, aqueles que odeiam a liberdade usam de todos os meios ilícitos para cercear a própria liberdade e se beneficiar nas grandes crises. Ernesto Araújo adianta que “não podemos cair nessa armadilha”. Diz que teremos de fazer de tudo para que a democracia não seja a grande vítima da Covid-19. Os rumores atormentam muita gente, dizendo que um grupo de elite manipularia a economia e a sociedade mundiais, atuando para exterminar as liberdades individuais e instaurar um regime totalitário em todo o mundo.

O presidente Jair Bolsonaro preferiu não participar da conferência em Nova York. Não se sabe exatamente o que Bolsonaro pensa sobre esse fantasma que atormenta o ministro das Relações Exteriores o tempo todo. O ministro tem a certeza de que, por exemplo, essa história de coronavírus chinês é tudo mentira. Trata-se apenas de uma armadilha. Certamente, nem os mais de 1,5 milhão de mortos no mundo pelo vírus existem, muito menos os mais de 175 mil brasileiros mortos pelo vírus. Não existe nada disso. Tudo se resume, digamos, num golpe mundial contra a liberdade e a democracia. E a Covid-19 teria se originado num projeto secreto das elites corruptas, lideradas por uma organização mundial para tomar conta de tudo. O fantasma está deixando o ministro Ernesto Araújo paranoico. Não falem em Great Reset perto dele. Sua reação será inesperada, poderá ser uma explosão de angústia ou ele vai começar a chorar as pitangas. Diante disso tudo, o melhor é mudar totalmente a maneira de viver e de pensar. A começar pelo mundo. O planeta Terra não é redondo, como dizem os estudiosos do universo. Estão todos enganados. O mundo é plano. E ponto final.

https://jovempan.com.br/opiniao-jovem-pan/comentaristas/alvaro-alves-de-faria/fantasma-do-grande-recomeco-tem-atormentado-o-ministro-ernesto-araujo.html 

Rubens Barbosa: O Brasil deve se manter à margem da disputa geopolítica entre EUA e China (OESP)

 O BRASIL ENTRE OS EUA E A CHINA

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 8/12/2020

 

O presidente Bolsonaro deverá tomar, no início do próximo ano, talvez a mais importante decisão estratégica de seus quatro anos de governo. Isso pelo impacto que terá sobre a modernização ou ao atraso do Brasil. Trata-se da definição da tecnologia do 5G.

 

Alinhado a Washington, o Itamaraty assinou documento favorável a uma rede limpa (clean network), que, em última análise, apoia a política dos EUA – sem comprometer-se - contra a tecnologia chinesa por alegada vulnerabilidade no controle de informações. Alto funcionário norte-americano manteve contatos oficiais com o governo brasileiro, mas não conseguiu encontrar-se com representantes da indústria de telecomunicações diretamente interessadas no leilão da Anatel e na aquisição da tecnologia do 5G.

 

Nos últimos dias, surgiram notícias de que as operadoras brasileiras saíram em defesa do livre mercado e da não exclusão de qualquer empresa. A Conexis Brasil Digital, associação que representa as empresas do setor, pediu publicamente transparência nas discussões. Ao afirmar que sabe como lidar com eventuais questões de segurança cibernética, reclama não ter sido chamada a participar das conversações.

 

A área técnica da Anatel definiu a proposta de edital de licitação sem nenhuma restrição à empresa chinesa. A decisão, contudo, deve ser política, pelas pressões de Washington. Recentemente começou a circular a informação de que o governo já admitiria rever o veto à Huawei, com algum tipo de limitação como comentou ontem o vice-presidente Mourão. Caso não haja restrições, a bem vinda evolução do governo será resultado da ação do setor privado alertando para a grande presença chinesa na infraestrutura de 3G e 4G, para o custo envolvido caso tenha de ser substituída e também para o atraso na implantação da nova tecnologia que poderia prejudicar a modernização da indústria. Se essa nova tendência se concretize, será uma manifestação de bom senso do governo que estaria levando em conta os interesses mais amplos da economia, das empresas e dos consumidores nacionais.

 

Nesse contexto, é relevante mencionar que, na semana passada, a embaixada chinesa na Austrália divulgou uma lista de 14 queixas contra declarações públicas “inamistosas e antagónicas”, de autoridades australianas contra a China, incluindo  a decisão de eliminar a Huawei da licitação para participar da rede 5G.  Declarando que a China está furiosa, os diplomatas - seguramente seguindo instruções de Beijing - responderam a essas críticas com a  ameaça de consequências econômicas contra a Austrália. A recente troca de acusações públicas entre o Itamaraty e a embaixada da China em Brasília aumenta a lista (já grande) de críticas e acusações de altas autoridades do atual governo brasileiro ao país asiático, a seu regime político e à questão do 5G. 

 

A China compra cerca de 1/3 das exportações australianas. Segundo notícia do Financial Times, a China, nos últimos dias, tornou concreta essa ameaça e impôs tarifas a exportação de cevada, restringiu a importação de carne bovina, suspendeu a importação de carvão, por considerações ambientais, e aplicou medidas antidumping contra o vinho. Do lado brasileiro é crescente a dependência brasileira do mercado chinês que importa 34% do total das exportações brasileiras. Nos últimos anos, a China se tornou o segundo maior investidor externo no Brasil, depois dos EUA.

 

As sucessivas crises podem afetar interesses nacionais concretos. Cada vez mais confiante, a China está deixando de lado a política de “harmonia” no cenário internacional e está passando a defender seus interesses, como uma superpotência. Sem abandonar a tentativa de contenção da China na área comercial e tecnológica, o governo Biden em Washington deverá procurar um modus vivendi menos confrontacionista com Beijing. Caso isso ocorra, é possível que o acordo comercial, negociado no início do ano, por Trump, entre em vigor com forte aumento de compras de produtos agrícolas (soja e milho) dos EUA, o que terá efeito sobre o Brasil. Por outro lado, a China está procurando diversificar suas fontes de suprimento na área de alimentos para não ficar refém dos EUA e do Brasil. Nesse sentido, está cooperando com a Rússia e a Tanzânia para o plantio de soja e está desenvolvendo joint ventures na Argentina para produção de carne suína. A percepção de que o Brasil será sempre um grande fornecedor de produtos agrícolas e de carne para a China tem de ser qualificada por essa nova estratégia para reduzir a dependência de poucos países em produtos tão essenciais para a população chinesa.

 

O Brasil deveria evitar colocar-se no meio da disputa entre as duas superpotências, pois não tem  as condicionantes  geopolíticas de outros países, como a Austrália, alinhada à  política externa dos EUA em questões que vão do Mar do Sul da China até de investimentos, 5G e Covid 19. Acima de ideologia e de geopolitica, a decisão sobre o 5G deveria ser técnica. Na disputa, que apenas começa, entre os EUA e a China – dois dos principais parceiros do Brasil – deveria prevalecer uma prudente equidistância para que seja dado apoio a um ou outro em questões concretas, segundo o interesse nacional.

 

Rubens Barbosa, Presidente do IRICE

A nova geopolítica mundial: multipolaridade ou visão binária do mundo? - Três artigos para reflexão: Daron Acemoglu, Alexander Vindman, Chris Megerian e Elis Stockhols

 Project Syndicate, Praga – 4.12.2010

The Case for a Quadripolar World

According to the conventional wisdom, the twenty-first century will be characterized by the global shift from American hegemony to Sino-American rivalry. But a bipolar international order is neither inevitable nor desirable, and we should start imagining and working toward alternative arrangements.

Daron Acemoglu

 

Cambridge - Having diminished America’s global role while refusing to accept China’s growing clout, Donald Trump’s presidency represents the last gasp of a unipolar epoch. But while many assume that the unipolar post-Cold War world is giving way to a bipolar international order dominated by the United States and China, that outcome is neither inevitable nor desirable. Instead, there is every reason to hope for, and work toward, a world in which Europe and the emerging economies play a more assertive role.

To be sure, as the world’s most economically successful autocracy, China has already achieved significant geopolitical influence in Asia and beyond. During the two most recent global crises – the 2008 financial collapse and today’s pandemic – the Communist Party of China quickly adjusted the country’s political economy in response to changing circumstances, thereby solidifying its grip on power. Because countries that do not want to toe the US line now routinely turn to China for inspiration and, often, material support, what could be more natural than China emerging as one of the two poles of global power?

In fact, a bipolar world would be deeply unstable. Its emergence would heighten the risk of violent conflict (according to the logic of the Thucydides Trap), and its consolidation would make solutions to global problems wholly dependent on the national interests of the two reigning powers. Three of the biggest challenges facing humanity would either be ignored or made worse.

The first challenge is the concentrated power of Big Tech.While technology is often presented as a key front in the US-China conflict, there is considerable congruence between the two countries. Both are committed to the pursuit of algorithmic dominance over humanswhereby digital platforms and artificial intelligence (AI) are used as tools by the government and corporations for surveilling and controlling the citizenry.

There are differences, of course. Whereas the US government has adopted Big Tech’s own vision and become subservient to the industry, Chinese tech giants remain at the mercy of the government and must abide by its agenda. For example, recent research shows how local governments’ demand for surveillance technologies shapes Chinese AI creators’ research and development. In any case, neither country is likely to strengthen privacy standards and other protections for ordinary people, much less redirect the trajectory of AI research so that its benefits are unambiguous and widely shared.

Likewise, advocacy for human rights and democracy would be a low priority in a bipolar world. With repression in China growing, the US may appear by comparison to remain an exemplar of these values. But America’s principled commitment to democracy and human rights is thin and generally not taken seriously abroad. After all, the US has overthrown democratically elected but insufficiently friendly governments in Latin America, Asia, and Africa. And when it has supported democracy in places like Ukraine, it has generally had an ulterior motive, such as the desire to counter or weaken Russia.

The third big issue likely to receive short shrift in a Sino-American bipolar world is climate change. In recent years, China has appeared more supportive of international agreements aimed at reducing greenhouse-gas emissions than the US has. But the two superpowers are not just the world’s two biggest emitters; they also are both beholden to energy-intensive economic models. China will remain dependent on manufacturing growth, while consumers and growth industries (like cloud computing) will sustain high demand for energy in the US. And one can expect that both sides’ short-term interest in economic supremacy will trump everyone else’s interest in a swift green transition.

All of these problems would be more likely to be addressed in a world with two additional poles, represented by the European Union and a consortium of emerging economies, perhaps within a new organization – an “E10” – comprising Mexico, Brazil, India, Indonesia, Malaysia, Turkey, South Africa, and others.Such a quadripolar world would be less conducive to a new cold war, and it would bring more diverse voices to global governance.

For its part, the EU has already emerged as a standard-bearer for privacy protection and regulation of Big Tech, and it is well positioned to push back against algorithmic automation. Even though it is US and Chinese companies that largely drive concerns about privacy, consumer manipulation, and labor-replacing AI, the European market is so large and important that it can tilt the playing field globally.

But a strategic pole that speaks for emerging economies may be even more consequential. If AI continues to displace humans in the workplace, emerging economies will be the biggest losers, because their comparative advantage is abundant human labor. With automation already cutting into the supply of jobs that had previously been offshored to these economies, it is critical that they have a voice in global debates that will determine how new technologies are designed and deployed.

Europe and the emerging world also can form a powerful constituency against fossil-fuel emissions. While the EU has become a world leader in decarbonization, emerging economies have an acute interest in climate action, because they will suffer disproportionately from global warming (despite having contributed the least to the problem).

To be sure, a quadripolar world would not be a panacea. With a wider array of voices and the possibility for more opportunistic coalitions, it would be much more difficult to manage than was the unipolar world of the recent past. With Brazil, Mexico, India, and Turkey all now led by authoritarians intent on silencing their opponents, independent media, and civil-society groups, Europe inevitably would find itself at odds with this bloc when it comes to human rights and democracy.

Yet, even here, a quadripolar world would offer more hope than the bipolar alternative. Bringing these countries to the international table might make them more willing to countenance opposition at home. Moreover, emerging economies can cooperate as a united front only if they abandon their most authoritarian, nationalistic, and destructive behavior. Ushering in a quadripolar world may thus yield unexpected dividends.

 

Daron Acemoglu, Professor of Economics at MIT, is co-author (with James A. Robinson) of Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty and The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty.

 

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Los Angeles Times – 8.12.2020

Biden faces a changed world from when he last held power, and not for the better

Chris Megerian and Elis Stockhols

 

When Joe Biden left the vice president’s office four years ago, the United States was a champion of the Paris climate accord, the architect of the multinational Iran nuclear deal and the leader of a 12-nation free-trade pact in the Pacific Rim region intended to limit China’s growing influence.

None of those things is true anymore as he prepares to be inaugurated as commander in chief next month.

Even as he will be preoccupied by the deadly coronavirus crisis at home, Biden faces a daunting array of global challenges, frayed alliances and emboldened adversaries. And he must confront these issues even as the country he’s set to lead has increasingly become skeptical of interventionism and a robust leadership role internationally — especially after President Trump’s inward-looking “America first” approach.

“As much as there are a lot of people who just want to say, ‘We’re back,’ you can’t erase the last four years. And we’ve been heading in this direction for a long time,” said Ian Bremmer, president of the Eurasia Group, a global risk assessment firm. “Everything Trump represents is symptomatic of something deeper in the American body politic.”

Biden, who will represent a sharp break from Trump’s caustic presence on the world stage, is likely to enjoy something of a honeymoon with transatlantic allies, eager as they are for the United States to return to its traditional role as a pillar of the international democratic order. And his preexisting relationships with many leaders — as senator, vice president and the longest-tenured U.S. member of the 57-year-old Munich Security Conference, where he spoke last year — will help to soothe the jangled nerves of those from Ottawa to Berlin to Seoul.

Even so, some allies have expressed a resigned determination to continue relying less on Washington, as they were forced to do under Trump. And repairing the diplomatic achievements that Trump abandoned won’t be easy.

Sanctions on Iran and tariffs on imports from China, two key pieces of the current president’s agenda, could remain in place as Biden plots his own strategy and seeks new negotiations. Moreover, having opposed troop surges in Afghanistan over a decade ago, Biden may opt not to reverse Trump’s troop drawdown to bring that 19-year-old war to a close.

The president-elect’s team, many of them veterans like him of the Obama administration, knows the pieces won’t fit together the same as before.

“This is not about going back to the world as it was,” said Antony Blinken, Biden’s choice for secretary of State, in an interview earlier this year. “It’s about dealing with the major transformations we’ve seen since — in power among nations, the diffusion of power away from states and the cratering of trust of governance within them. Your policies have to account for that.”

Some of the most drastic changes have occurred in the Middle East. In 2018, Trump withdrew from the multilateral deal the United States had brokered three years before with Iran, European allies, Russia and China, under which Iran agreed to greatly limit its nuclear program through 2025.

Instead of diplomacy, Trump pursued a “maximum pressure” campaign to squeeze Tehran with sanctions, and he ordered the killing of Qassem Suleimani, the powerful Iranian general who died in a U.S. drone strike Jan. 3. The heightened tensions have emboldened hard-liners within Iran, a barrier to getting the country’s leaders back to the negotiating table.

 “It’s very unrealistic to talk about just rejoining an agreement that was crafted in 2015,” said Brian Katulis, a senior fellow at the left-leaning Center for American Progress. “That was then, this was now.”

Israeli Prime Minister Benjamin Netanyahu, his country’s longest-serving leader, could remain an obstacle as well. He opposed the Iran nuclear deal and now opposes revisiting it.

“When Arabs and Israelis agree on something, I think it’s critical to pay attention,” Netanyahu said in an interview Thursday with the Hudson Institute, a conservative think tank. “We’re in this region, we know it very well.”

Iran is now closer to a nuclear weapon than when Trump took office. Its “breakout time” — an estimate of how long it would take Tehran to build a bomb — has dropped from one year to a few months.

The challenge hasn’t deterred Biden from his plan to revisit the Iran nuclear deal. “It’s going to be hard, but yeah,” he told Thomas Friedman, a New York Times columnist, in a recent interview.

European allies may be more eager to collaborate with the new administration in containing China, given its growing economic might and increasing assertiveness abroad.

 “The best China strategy, I think, is one which gets every one of our — or at least what used to be our — allies on the same page,” Biden told Friedman. “It’s going to be a major priority for me in the opening weeks of my presidency to try to get us back on the same page with our allies.”

Jake Sullivan, the incoming national security advisor, is considering expanding the China team inside the White House National Security Council, to underscore that the issue is a foreign policy priority and that Biden wants to work with allies, according to a person close to the president-elect’s team. Also, because the White House advisors, like Sullivan, would not require Senate approval, Biden could avoid confirmation fights with Republicans who might control the chamber when he takes office.

Hammering out his own trade strategy will prove complicated. Obama was pushing to ratify the Trans-Pacific Partnership, the free-trade agreement that would have linked the United States with other Pacific-fronting countries while leaving out China. The deal was on life support, however, even before Trump took office because of opposition from some Democrats and unions as well as Republicans.

Now China has reached its own trade deal, called the Regional Comprehensive Economic Partnership, with many of those same countries, leaving the United States on the sidelines.

 “It strengthens the continued growth of an Asian supply chain in which China is the hub. It poses a real challenge to the United States,” said Edward Alden, a senior fellow at the Council on Foreign Relations.

Another shared — and even more immediate — global priority is addressing the ongoing pandemic. Distributing newly approved vaccines will require coordination among countries in the near term, and cooperation in the longer term to stabilize markets and mitigate broad economic fallout. The crisis provides an opportunity for Biden to rebuild relationships, but it could also prevent the 78-year-old president-elect from making a symbolic visit to Europe early on.

Rejoining the Paris climate accord will be among the easiest steps. All he needs to do is submit paperwork — something he’s pledged to do shortly after he is inaugurated, possibly on his first day— and wait a month to rejoin.

The challenge will be showing the rest of the world that the United States can make progress on global warming, said Robert Stavins, who leads the Harvard Project on Climate Agreements.

Each signatory to the Paris deal must submit “nationally determined contributions,” which are the country’s plans for meeting certain targets for reducing greenhouse gas emissions. Putting together a credible plan will be difficult, Stavins said, because of domestic political opposition in Congress.

“It’s not just conservative Republicans,” he said. “It’s moderate Democrats and Democrats from coal states. So true climate legislation will be extremely difficult.”

Obama sought emissions reductions through regulations, such as his Clean Power Plan and stricter fuel-efficiency standards for cars. That may be more difficult now that Trump’s administration has been unraveling those policies and stocking the federal judiciary with more conservative, anti-regulatory judges who could prove to be an obstacle.

Biden chose John F. Kerry, his former Senate colleague who was Obama’s secretary of State when the Paris accord was signed in 2015, to lead international efforts on climate change. 

 

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Foreign Affairs, Nova York – 8.12.2020

The United States Must Marshal the “Free World”

Together, Democracies Can Counter the Authoritarian Threat

Alexander Vindman

 

At noon on January 20, 2021, Joseph R. Biden will be sworn in as the 46th president of the United States. He will confront a daunting domestic agenda: the legacy of outgoing President Donald Trump will include a rampant pandemic and a host of unresolved social, cultural, ideological, economic, and administrative problems. Having committed himself to being the president of all Americans, Biden will need to contend with the grievances of millions who did not support him and who even question the legitimacy of his election. These domestic concerns will understandably consume the preponderance of the president’s time and energy.

But Biden’s de facto leadership of the “free world” beyond the United States’ borders will be equally important. China, Russia, and other authoritarian states, which have long seen democracy as an existential threat, are on the offensive, deploying all means of statecraft—diplomatic, informational, military, and economic—to advance their ends. The “un-free” world seeks to undermine international norms, Western liberal values, and democracy itself in order to enable the ascendancy of autocratic governments and permit their exercise of raw power. Biden will need to marshal the very strengths that define democratic government if he is to both mend domestic wounds and temper the threats that face democracies globally.

 

RIVAL GREAT POWERS

 

For two decades, a distracted United States neglected the reemergence of great-power competition, and China and Russia reaped the benefits.During its moment of unipolarity, the United States narrowly focused much of its energies on the Middle East and on immediate concerns, to the exclusion of emerging and long-term national security interests. China took advantage of the United States’ distraction and effectively marshaled its strengths to surge in power at a moment when the United States should have held the edge.

Under Trump, the United States disengaged from global affairs, and China and Russia took advantage of its absence to act with impunity and accelerate China’s climb toward preeminence. If the United States further retrenches or shifts to such strategies as offshore balancing, a void will expand that autocratic states will fill.

For decades, Russia has been using the well-honed tools of the Soviet security apparatus to assault democracies. Inside the United States, Russia has unleashed information warfare to exploit divisions and magnify inequities. In Africa, Europe, and the Middle East, Russia is even less constrained and draws on a broader array of tools. There, the Kremlin attacks democratic values not only through illicit financial and organized crime networks and information and cyberwarfare but also with energy coercion, assassinations, and military force. In this zero-sum game, Russia’s objective is simple: magnify discord, divide societies, and weaken democratic institutions in order to subdue opponents and thereby shift power to Russia.

China, as the world’s most populous nation and its second-largest economy, poses an even more potent and pernicious threat to the United States than Russia does. The Chinese Communist Party’s “hide and bide” doctrine helped mask the danger until recently. Like Russia, China uses statecraft and malign influence to advance its interests and undermine democracies. More menacing, however, is its use of economic coercion against the United States and its closest allies. China has seized on the inequities of globalization and the perceived failure of the U.S.-led international financial system effectively to market the notion that state-led capitalism provides the better path to economic prosperity. China’s success in modeling an alternative, authoritarian, state-commanded capitalist system bolsters autocrats and lures some forces within struggling democracies.

Although there is no clear consensus as to whether China and Russia are collaborating to undermine democracies or simply advancing their independent interests, their common efforts are bearing fruit. During the Trump administration, nationalist populist movements blossomed globally, while many democracies backslid. The United States did not respond to these trends, but authoritarian states did—with support. Under a new administration, the United States must organize a concerted effort, by democracies and for democracies, to counter the rise of illiberalism and authoritarianism. The United States must host a democracy summit.

 

SHARED PURPOSE

 

A multipolar world—even one in which the United States remains disproportionally powerful—calls for a level of burden sharing to which democracies are not accustomed. In 1992, the democracies in what is now the G-20 accounted for nearly 90 percent of the group’s GDP. Today, those same democracies account for only 73 percent of the G-20’s GDP. Their economic influence has diminished, but the problems they seek to solve in common have not, and the United States is no longer able or willing to carry the whole load. The sharing of burdens will be essential if democracies are to remain united in the pursuit of common interests and in the face of common threats.

Uniting the democratic world against the clear and present danger of rising authoritarianism is not an act of idealism but of realismChina and Russia already hold similar interests and perceive similar threats, such that they are inclined to view the world in terms of “us versus them.”To convene a summit of democracies will not therefore drive authoritarian states together so much as it will acknowledge the stark reality of a world bifurcated into authoritarian and democratic camps. The project of supporting democracies and advancing democratic values, in this context, is continuous with past U.S. policy.

The idea of a democracy summit is not new, but the need for one has never been greater. Together, the world’s democracies can devise cooperative solutions to their most vexing domestic problems by collectively addressing such shared issues as demographic shifts, social polarization, and growing inequality. Such shared efforts will make democracies more internally cohesive and collectively resilient.

At the same time, democracies can help protect one another against external attacks, including those that take the form of information warfare or economic coercion. Democracies must deter bad actors from interfering in their internal affairs by making clear that those who seek to exploit the openness of democracies by sowing discord will face reciprocal responses. Forewarned in this fashion, authoritarian states will accept the new ground rules, and all powers will benefit from the elimination of one area of increasingly serious conflict.

The summit should be a forum in which democracies can exchange best practices for addressing many areas of common concern. For instance, participants could share ideas for protecting important industries and technologies from foreign influence or for countering China’s economic exploitation. They could coordinate efforts to promote media literacy, expose information operations, and buttress civil society. And democracies could seek collaborative solutions to such global problems as climate change—and the authoritarian subversion of international norms.

Ultimately, the summit should include all the world’s democracies. But it might begin as a kind of “coalition of the willing,” setting forth a democracy compact that identifies the shared objectives of its participants and pledges institutional, technical, and financial support to those who join.Democracies that are insecure or backsliding may then find themselves attracted to the summit consensus, whether in principle or because they don’t wish to be labeled as holdouts. They would have the opportunity to sign on to the principles. The summit should not tolerate free riders: it must take extreme care to be sure that all burdens are shared.

The United States, in concert with the world’s democracies, can resist the coercion of authoritarian regimes without forcing a direct confrontation between the two systems. In fact, in a multipolar world, democracies must both cooperate and compete with authoritarian powers. Countries of both descriptions see climate change, nuclear proliferation, and transnational terror as threats: to counter these forces, among others, will require the United States to cooperate with China, Russia, and emerging powers in Africa, Asia, and Latin America.

The United States once ushered in an era of new democracies, giving those states succor and benefiting from their allegiance. Today, authoritarianism is once again on the rise, and it poses an existential threat to that order. The United States must lead the democratic world in defending itself from a reversion to historical patterns that could well lead to democracy’s demise.

ALEXANDER VINDMAN, a retired Lieutenant Colonel in the U.S. Army and former Director for European Affairs at the National Security Council, is a doctoral student at the Johns Hopkins School of Advanced International Studies, Pritzker Military Fellow at the Lawfare Institute, and the author of the forthcoming book Here, Right Matters: An American Story. 

 

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Os desafios de Biden para América Latina - Hussein Kalout

 Os desafios de Biden para América Latina

Região compõe encadeamento de temas que são fundamentais para os interesses dos EUA no contexto global – como meio ambiente, migração e contenção do poder chinês

Hussein Kalout

Estadão | 7/12/2020, 15h

 

Uma das indagações que perpassa a mente dos líderes dos países latino-americanos é o de tentar decodificar o grau de importância que a região terá no mapa cartesiano da política externa do futuro governo dos EUA. O presidente eleito, Joe Biden, repetirá os desatinos da administração Trump para a região ou oferecerá uma nova perspectiva sem ameaças militares (invadir a Venezuela) ou escolhas de caráter binário (EUA ou China)? 

Biden herdará um país dividido politicamente e em meio a uma grave crise sanitária. Sua missão será, por um lado, minorar as feridas internas após a fratricida eleição, por outro, recompor o deteriorado arco de alianças dos EUA no mundo. 

A América Latina, em si, talvez não seja estruturalmente importante para o sistema nervoso da diplomacia americana. Porém, a região compõe encadeamento de temas que são fundamentais para os interesses dos EUA no contexto global – como meio ambiente, migração e contenção do poder chinês.

Nos últimos quatro anos, a região foi instrumentalizada como entreposto da “guerra cultural” ao largo do governo Trump. O combate ao Castro-Chavismo culminou no desmantelamento do reatamento das relações diplomáticas Washington-Havana e ressuscitou o perigoso discurso do uso da força militar – como meio de coerção – contra alguns governos na região. A relação EUA-América Latina mais recuou do que avançou. 

A Venezuela tornou-se o alvo predileto do governo Trump. Não cabe aqui negar, por obviedade cristalina, o tremendo déficit democrático gerado pelo governo autoritário de Nicolás Maduro. Mas, a invenção de Juan Guaidó – o autoproclamando presidente venezuelano – e a fracassada tentativa de implosão o regime podem vir a ser contabilizados como um dos maiores erros da política externa dos EUA para a América Latina desde a invasão da Baía dos Porcos, em 1961. 

Se o tecido social venezuelano já estava dilacerado, a administração Trump – com a ajuda dos governos do Brasil e da Colômbia – contribuiu para o recrudescimento do regime chavista. O fracasso de sua abordagem política e a incapacidade do Grupo de Lima de oferecer soluções razoáveis para o impasse interno, somente ampliou o fosso e de quebra permitiu que a Rússia consolidasse a sua mão sobre Caracas. O resultado da eleição para a Assembleia Legislativa venezuelana, com maciço boicote da oposição, é puro reflexo daquilo que já estava ruim piorar ainda mais.  

Para agravar a conjuntura continental, a falecida OEA faleceu novamente graças a obra do governo Trump – com o beneplácito dos governos mais afoitos do hemisfério. Ao invés de atuar como instituição proponente de soluções e construtora de diálogos para dirimir conflitos, o que vimos foi a cooptação da OEA como um instrumento de pressão ideológica – não irei me debruçar aqui sobre o papelão vexaminoso exercido pelo secretário-geral da organização no caso boliviano.

Contudo, a pedra de toque para colocar de joelhos o sistema multilateral hemisférico foi a ruptura do consenso em torno da escolha do presidente do BID. Os países latino-americanos viram a administração Trump, com a dedicada ajuda do governo brasileiro, perder o único posto multilateral a eles confiado – e tudo isso como parte da “guerra cultural”.

No afã de deter a expansão dos interesses da China na América Latina, o governo Trump não ofereceu alternativas substantivas economicamente aos países da região. Ampliar investimentos, absorver a pauta exportadora ou aprofundar as relações comerciais com os países latino-americanos nem sequer compôs a sua estratégia. O que se viu foi a ameaça da construção do muro junto à fronteira do México, açodamento na política de imigração e a imposição de barreiras tarifárias contra vários setores produtivos dos países da região – e entre os quais o próprio Brasil, apesar de toda a sua subserviência.

Se o governo Trump errou a mão em pautas como o multilateralismo regional, política migratória, o dilema venezuelano e o grave cochilo com a destruição do meio ambiente, a vindoura administração Biden estará diante de importantes desafios diplomáticos junto aos países latino-americanos.  

Será necessária uma estratégia de reversão de boa parte dessas políticas. O comércio não pode ser assimétrico, os países latino-americanos não podem ser postos como reféns de uma escolha binária entre EUA e China, e o lançamento de uma vigorosa agenda global voltada para o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente requer um diálogo profícuo com os países amazônicos – e não a sua exclusão. Em sua maioria, os países latino-americanos respiram aliviados com a chegada de Joe Biden à Casa Branca, porém, a construção de uma agenda positiva para a região depende, fundamentalmente, do como Washington fará esse trabalho de reversão e a partir de que parâmetros deseja sedimentar as suas relações com os países do hemisfério. 

* HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,analise-os-desafios-de-biden-para-america-latina,70003543035