O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 13 de dezembro de 2020

Livros que não precisariam existir: sobre a diplomacia bolsolavista: já publicados e em publicação - Paulo Roberto de Almeida

No momento em que coloco um ponto final no meu quarto livro sobre a política externa e a diplomacia da bolsodiplomacia, confesso que preferia não tê-los escrito.

Pode parecer estranho, mas é um fato que praticamente todos as minhas obras anteriores publicadas, são livros de estudo, resultantes de pesquisas (inclusive de arquivos) e que se destinaram ao público universitário habitual.

Ao contrário, os listados abaixo correspondem a obras de debate, ou de combate.

Combate contra a degradação da política externa e da diplomacia, contra a burrice na primeira e a estupidez na segunda.

Uma coisa é certa: se algum dia houver alguma coisa parecida às Gesamtwerke de Paulo Roberto de Almeida, esses livros não devem entrar na seleção. Em todo caso, ofereço abaixo uma pequena lista dos quatro livros desta série, com os devidos links para sumários, prefácios e acesso ao corpo do texto.


 1) Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (Boa Vista: Editora da UFRR, 2019, 165 p.; também disponível no Google Books). Incorporado à plataforma Academia.edu e a Research Gate.





 3) Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (Brasília, Diplomatizzando, 169 p.; disponível igualmente nas plataformas  Academia.edu e Research Gate.



Este é o livro recém terminado, que ainda aguarda definição sobre o formato exato de publicação:

4) Apogeu e demolição da política externa brasileira: reflexões de um diplomata não convencional (Brasília: Diplomatizzando, 2020, 245 p.). Capa, sumário, epígrafe e prefácio apresentados no blog Diplomatizzando e nas plataformas Academia.edu e Research Gate


Livros anteriores, que trataram de maneira mais acadêmica de temas relacionados à política externa ou à diplomacia brasileira, foram os seguintes: 






 

Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: LTC, 2012).



Existem muitos outros, mas basta esses...

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 13 de dezembro de 2020


O poder econômico das igrejas evangélicas e o dinheiro dos pastores bilionários e milionários - Ricardo Bergamini, Guilherme Mendes, Larissa Calixto

 Multiplicação dos pães e peixes (Mateus 14:13-2)

 

Prezados Senhores

 

Abaixo a forma com que Jesus transforma os pastores em bilionários.

 

Esta é uma Lista dos pastores evangélicos mais ricos do Brasil segundo a revista norte-americana Forbes. Na primeira posição, está o bispo Edir Macedo, que tem uma fortuna estimada em dois bilhões de reais, segundo a revista. 

 

 

 

 

 

Muito além do R$ 1 bilhão: os tributos que as igrejas não precisam pagar no Brasil

 

Letícia Mori

 

Da BBC News Brasil em São Paulo

 

9 setembro 2020

 

Matéria completa clique abaixo:

 

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54082892

 

Deputados destinam dinheiro público a escolas ligadas a igrejas. Veja como cada um votou

 

Por Guilherme Mendes  e Larissa Calixto Em 11 dez, 2020 – Congresso em foco

 

Em uma sessão movimentada na Câmara dos Deputados, finalizada na madrugada desta sexta-feira (11), os deputados votaram a regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que agora segue para o Senado Federal.

 

Durante a votação de destaques, foi aprovada uma emenda que permite repasses do Fundeb para escolas mantidas por igrejas e entidades filantrópicas, por 311 votos favoráveis, 131 contrários e uma abstenção.

 

>Câmara aprova uso de verba do Fundeb por escolas de igreja e do Sistema S

 

A medida, de interesse do governo, sinaliza para a sua base religiosa no Congresso e foi inclusa no texto-base do Fundeb através dos destaques apresentados pela deputada Soraya Santos (PL-RJ), da base governista do parlamento. A oposição, incluindo o relator do texto, Felipe Rigoni (PSB-ES), se posicionou contra a inclusão destes destaques.

 

Matéría completa clque abaxo:

 

https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/como-deputados-votaram-fundeb/

 

Clarice Lispector: “Feliz [?!?!] Aniversário”?!?! - por Arnaldo Godoy

 Mais uma das crônicas literárias — que o Conjur chama de Embargos Culturais — de Arnaldo Godoy, que por acaso me fez lembrar de uma “comédia-tragédia” familiar italiana, Parente Serpente.

EMBARGOS CULTURAIS

A propósito do centenário do nascimento de Clarice Lispector

Por 

Na última quinta-feira (10/12), lembramos o centenário do nascimento de Clarice Lispector, que faleceu em 1977. Nasceu na Ucrânia. Veio muito nova para o Brasil. Seu nome de batismo é Chaya Pinkhasovna Lispector. À clássica biografia de Nádia Battella Gotlib acrescenta-se o trabalho de Benjamin Moser, na belíssima edição da Companhia das Letras. Os livros de Nádia e de Benjamin são afagos que temperam o Natal de leitores sensíveis. Clarice esteve aqui em Brasília em 1976, ganhando o prêmio da Fundação Cultural. Acabara de se separar do marido, o diplomata Maury Gurgel. Pronunciou uma conferência sobre a literatura de vanguarda no Brasil. Trata-se de um registro da atuação de Clarice, em assunto de teoria literária. A conferência está publicada em "Outros Escritos", da Editora Rocco. 

Tímida e ao mesmo tempo ousada (na percepção dela mesma), Clarice legou-nos passagens que se abrem a intermináveis especulações. Necessária uma escolha (ainda que arbitrária) que me dê mote para texto comemorativo. Em "Feliz Aniversário", Clarice explorou dramas da velhice e desencontros familiares. É essa a narrativa que exponho. A propósito do aniversário de uma anciã, Clarice alcançou o cômico e o trágico, fundindo essas duas instâncias da condição humana. O leitor pode se ver com os olhos da senhora, sofrendo as humilhações que lhe são impostas. A aniversariante (com dificuldade) manifesta vontade que lhe foi retirada. É uma história de assustar. Dá medo de envelhecer. Muito medo. Muito medo mesmo. Parece-me que Clarice também nos adverte em relação ao que podemos esperar de nossos parentes. 

A anciã, na narrativa, completa 89 anos. Era grande, magra, morena, imponente e, ao mesmo tempo, oca. Vivia com uma das filhas. A dona da casa organizou a festa como pôde, arrumando a sala, que encheu de balões. Para ganhar tempo, conta-nos Clarice, a filha vestiu a aniversariante logo depois do almoço. A anciã foi logo sentada na ponta da mesa, aguardando os convidados, todos da família, que chegariam bem mais tarde. Clarice nos dá a impressão de que a protagonista da narrativa era um mero adereço no apartamento. 

Um dos filhos não foi à festa. Não queria encontrar os irmãos. Enviou em seu lugar a esposa e os três filhos, ao que consta ainda adolescentes. Era a "turma de Olaria", os suburbanos que se vestiram cuidadosamente porque iriam para Copacabana, onde a festa ocorria. A nora de Olaria deixava claro que não queria ir, e que estava ali obrigada pelo marido ausente. Fazia cara feia. Chega também a nora de Ipanema, esnobe, com dois netos e com uma babá, que Clarice dizia ociosa. O marido chegaria depois. Maridos de madames sempre chegam depois. Têm sempre um compromisso, no escritório, ou na política, ou em qualquer lugar que inventam na hora. As noras não se olhavam, se detestavam. Também veio o filho mais velho, que assumira o lugar de um filho falecido. Compareceu com toda a família. 

Comiam sanduíches de presunto, croquetes, bebiam ponche. Há cheiro de gordura e de fritura no apartamento. Havia na mesa um imenso bolo, com uma vela, junto à qual havia um pedacinho de papel onde se lia: 89. Gritam a idade da avó, cantam parabéns, os netos que estudavam no Colégio Bennet sempre falando em inglês. Conta-nos Clarice que as lembranças e presentes que a aniversariante recebeu de nada serviam. Uma saboneteira, um broche de fantasia, um pequeno vaso de cacto. Nada se aproveitaria. A dona da casa, amargurada, guardava os mimos com certa amargura, nada lhe serviria. Em torno de uma sala apertada circulavam, gritavam, comiam o que havia. O leitor tem a sensação de que os convidados cumpriam ritual, presos em inadiável obrigação. Contavam em ver a velhinha no ano seguinte, quando haveria um outro jantar. O encontro era anual, enquanto a anciã vivesse. 

A anciã olhava. Perplexa. Verdadeiramente desprezava aquelas pessoas. Desprezava os filhos. Carne de seu joelho. Eram seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos. As mulheres eram todas de pernas finas, vaidosas. A aniversariante explodiu! Pediu vinho! E não queria pouco. Que vovozinha de nada, gritava! Que o diabo carregasse a todos: maricas, cornos, vagabundas! Cuspiu no chão! A família assustou-se com o destempero da avó. A avó esperava que após o bolo ainda houvesse comida. Hora de ir. Todos se despedem, combinando retomar as festividades no ano seguinte. A anciã comemoraria (sic) 90 anos. 

Clarice Lispector opôs familiares remediados e familiares não remediados; era a turma de Ipanema contra a turma de Olaria, que se encontravam em Copacabana. Fixou o irmão que rejeita toda a família, mas que obriga que a mulher o represente, talvez para que se lembrem de sua bravata. Uma protagonista central é a irmã a quem cabe cuidar da mãezinha, como um subpreço pelo fato de que não constituiu família própria. Todos estão reunidos e, ao mesmo tempo, muito distantes, na celebração de ritual que mais parecia prece de morte.

"Feliz aniversário" é reflexão muito séria sobre a velhice, que nos faz lembrar uma passagem emblemática de um autor romano (Ovídio): "Pensai, desde agora, na velhice que virá; assim o tempo não passará em vão para vós. Diverti-vos, enquanto é possível, enquanto vos encontrais nos verdes anos; os anos passam como a água que escoa: nem a água que corre voltará para trás, nem as horas poderão voltar. O tempo tem de ser aproveitado: ele foge com passo veloz e por melhor que seja não é tão bom como o que o antecedeu". A anciã, cujo nome não se lê no texto, é desprovida de vontade, de vigor, de voz de ordem. Talvez por isso nem mesmo nome tenha. Está ali, mas, ao mesmo tempo, não está. Está viva, mas já não tem mais vida. É um fator residual de união que talvez nunca tenha existido, ou que se desfez ao longo da vida. "Feliz aniversário" é também uma narrativa sobre o tempo, devorador de pessoas e de coisas, que nos faz pensar sobre a eternidade de Clarice, e de seus textos, e do modo como falava com a alma, nos termos em que compartilhei essas reflexões com uma alma gêmea.


O negacionismo vacinal de Bolsonaro combatido pela FSP

 Editorial da FSP, 12/12/2020

Vacinação já

Basta do descaso homicida de Bolsonaro! Quase nada mais importa que imunização


Passou de todos os limites a estupidez assassina do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus. É hora de deixar de lado a irresponsabilidade delinquente, de ao menos fingir capacidade e maturidade para liderar a nação de 212 milhões de habitantes num momento dramático da sua trajetória coletiva. Chega de molecagens com a vacina!

Mais de 180 mil pessoas morreram de Covid-19 no Brasil pela contagem dos estados, subestimada. A epidemia voltou a sair do controle, a pressionar os serviços de saúde e a enlutar cada vez mais famílias. Trabalhadores e consumidores doentes ou temerosos de contrair o mal com razão se recolhem, o que deprime a atividade econômica. Cego por sua ambição política e com olhos apenas em 2022, Bolsonaro não percebe que o ciclo vicioso da economia prejudica inclusive seus próprios planos eleitorais.

O presidente da República, sabotador de primeira hora das medidas sanitárias exigidas e principal responsável por esse conjunto de desgraças, foi além. Sua cruzada irresponsável contra o governador João Doria esbulhou a confiança dos brasileiros na vacina. Nunca tão poucos se dispuseram a tomar o imunizante, segundo o Datafolha.

Com a ajuda do fantoche apalermado posto no Ministério da Saúde, Bolsonaro produziu curto-circuito numa máquina acostumada a planejar e executar algumas das maiores campanhas de vacinação do planeta. Como se fosse pouco, abarrotou a diretoria da Anvisa com serviçais do obscurantismo e destroçou a credibilidade do órgão técnico.

Abandonada pelo governo federal, a população brasileira assiste aflita ao início da imunização em nações cujos líderes se comportam à altura do desafio. Não faltarão meios jurídicos e políticos de obrigar Bolsonaro e seu círculo de patifes a adquirir, produzir e distribuir a máxima quantidade de vacinas eficazes no menor lapso temporal.

O caminho da coerção, no entanto, é mais acidentado e longo que o da cooperação entre as autoridades federais, estaduais e municipais. Perder tempo, neste caso, é desperdiçar vidas brasileiras, o bem mais precioso da comunidade nacional.

Basta de descaso homicida! Quase nada mais importa do que vacinas já —e para todos os cidadãos.

editoriais@grupofolha.com.br

"A missão do Tradicionalismo é destruir o que existe": entrevista Benjamin Teitelbaum - Leticia Duarte (El Pais)

 O autor de War for Eternity confirma: Olavo de Carvalho, a que eu chamo de Rasputin de Subúrbio, é basicamente um confuso tradicionalista, sem muita consistência nas ideias.

Como ele foi desprezado pela mídia, pela academia, pelas próprias elites, ele ficou com raiva, ressentimento e por isso juntou um bando de desmiolados, inclusive e sobretudo a família presidencial, para cumprirem sua tarefa de Anjo Exterminador. Sendo um subsofista expatriado, ele junta todos os malucos que estão em volta dele, com essa missão específica: DESTRUIR TUDO O QUE EXISTE

Paulo Roberto de Almeida

BENJAMIN TEITELBAUM, AUTOR DE 'GUERRA PELA ETERNIDADE' E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DO COLORADO

“Destruição é a agenda do Tradicionalismo”, a ideologia por trás de Bolsonaro e Trump

Benjamin Teitelbaum passou 15 meses entrevistando os principais ideólogos conservadores atuais para escrever ‘Guerra pela eternidade’, que mostra a relação entre os gurus Olavo de Carvalho e Steve Bannon com esta ideologia antimodernista e de fundamentos religiosos

O pesquisador da extrema direita e etnógrafo americano Benjamin Teitelbaum.
O pesquisador da extrema direita e etnógrafo americano Benjamin Teitelbaum.
ED. UNICAMP
LETÍCIA DUARTE

Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a escalada populista com flerte autoritário dos Governos de Jair Bolsonaro Donald Trump suscita comparações com o fascismo. Mas para o pesquisador da extrema direita e etnógrafo norte-americano Benjamin Teitelbaum, autor do livro Guerra pela rternidade (Editora da Unicamp, War for eternity: inside Bannon’s far-right circle ―no título original, em inglês), a cruzada em curso contra valores modernos e democráticos nos dois países pode ser melhor compreendida a partir de uma outra doutrina menos conhecida, o Tradicionalismo (com ‘T’ maiúsculo, para diferenciá-lo do conservadorismo tradicional). Não que a alternativa seja melhor, o autor se apressa em esclarecer.

Baseado em mais de 15 meses de pesquisa e entrevistas com ideólogos conservadores como o ex-estrategista da Casa Branca Steve Bannon, o guru do Bolsonarismo, Olavo de Carvalho, e o conselheiro do presidente russo Vladimir Putin, Aleksandr Dugin, Teitelbaum descreve em seu livro como essa teoria obscura seguida por eles têm influenciando os governos dos Estados Unidos, do Brasil e da Rússia.

Nesta entrevista concedida por vídeochamada ao EL PAÍS, o professor de Assuntos Internacionais e Etnomusicologia da Universidade do Colorado (EUA) explica por que ele considera esta ideologia mais radical em suas concepções antimodernistas do que o próprio fascismo. “Há um elemento de destruição no Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo”, alerta. Mesmo após a derrota de Trump e a prisão de Bannon (sob acusação de desvio de recursos para a construção do muro entre os EUA e o México), o autor avalia que as forças que eles representam continuarão vivas —e testando as instituições democráticas. Também examina como o Tradicionalismo legitima desde o racismoaté a propagação de teorias conspiratórias em relação à pandemia do coronavírus.

Pergunta. Seu livro descreve como o Tradicionalismo, que até pouco tempo era considerada uma doutrina marginal dentro da própria extrema direita, alcançou influência global. Para quem ainda não leu o livro, como o senhor sintetizaria essa doutrina?

Resposta. O Tradicionalismo é originalmente uma escola espiritual filosófica que se tornou política em certo nicho. Os seguidores basicamente acreditam que a humanidade está ao fim de um longo ciclo de declínio e que vai ser concluído com destruição e renascimento. O que foi perdido neste ciclo de declínio foi o conhecimento verdadeiro da religião e também a ordem nas nossas sociedades —incluindo a diferença entre homens e mulheres, posições sociais e espirituais. No lugar disso, teríamos um mundo massificado e secularizado, neste processo de modernização. O Tradicionalismo acredita que é preciso haver um cataclismo para restaurar o que acreditam ser a verdade. Um dos elementos desse Tradicionalismo politizado de direita é acreditar que é preciso restaurar uma hierarquia onde homens arianos e líderes espirituais estão no topo, em oposição a materialistas, não-arianos e mulheres.

P. Quais as principais consequências do Tradicionalismo, e o que mais lhe surpreendeu durante a pesquisa para o livro?

R. Vou começar pelo fim. A grande consequência é que o Tradicionalismo acrescenta uma motivação espiritual para o que poderia ser simplesmente uma agenda política do populismo de direita, antiglobalista, antiprogressista. As pessoas podem aderir a isso por diferentes razões, como ressentimento econômico, racismo, antifeminismo… Mas o Tradicionalismo oferece uma motivação religiosa. E esse é um elemento importante. No caso de Olavo de Carvalho, por exemplo, ele não expressa apenas um ódio às elites, desprezo à ciência, à mídia, às universidades. Existe também a visão, um certo mandato espiritual, com o desejo de destruir grandes organizações, como a União Europeia, as Nações Unidas. A seus olhos, a destruição é uma coisa boa. Isso é assustador e preocupante. Os tradicionalistas acham que essas grandes organizações querem unificar e homogeneizar o mundo com o comunismo, ou com dominação chinesa. Então Olavo quer ver o establishment no Brasil ser quebrado em peças e fraturado: sejam os militares, a universidade, a mídia. Destruição é a agenda.

O que me surpreendeu é que não sei por que isso aconteceu agora. Olavo, Bannon e Dugin são bem diferentes. Não conseguem trabalhar juntos, não é um círculo funcional. Mas o estranho é que essas ideias extremas acabaram vindo à tona basicamente no mesmo momento, e não pelas mãos de Bolsonaro, Trump, e Putin, mas pelas mãos das figuras atrás deles, como uma espécie de Rasputin... os conselheiros místicos, influentes.

P. Desde a publicação do livro nos Estados Unidos, no início deste ano, o cenário político mudou. Bannon foi para a prisão e Trump perdeu as eleições. Como você interpreta essas mudanças?

R. Eu sinto quase como se isso pudesse liberar a verdadeira mensagem do livro, porque o real sujeito do livro não são as ações de Bannon, Olavo e Dugin. É a história mais ampla por trás disso, para entender por que em lugares diferentes, com trajetórias independentes, vimos essa ideologia aparecer. A história não é sobre a ação de indivíduos. É sobre o que está por trás disso tudo, porque nos encontramos em um momento em que as pessoas estão buscando ideologias que parecem destoar tanto do padrão. E essa ideologia não é o comunismo, não é liberalismo, não é fascismo. O Tradicionalismo é tão fora do mapa que nenhum cientista político, nenhuma think tank em Washington, ninguém no Congresso e nenhum candidato à presidência jamais ouviu falar dele. E esse movimento ainda assim se sustenta. Há tanto desencanto, tanta frustração com o status quo, que nós vemos atores buscando alternativas radicais.

P. Vários pesquisadores vêm definindo essa guinada populista de direita que estamos vivendo em países como Brasil e Estados Unidos como uma retomada do fascismo. Você discorda, então?

R. Eu discordo, e isso não é pra dizer que eu acho que é melhor. Essa definição é errada, e há um certo nível de falta de interesse e rigor que leva a essa caracterização como fascismo. Mas o único jeito de compreender essa ideologia é levá-la a sério e ouvir o que ela realmente diz, em vez de olhar apenas a fachada. O Tradicionalismo é anti-progressista num nível que raramente vemos. Muitas pessoas costumam chamar a si mesmas de conservadoras, mas quase todo mundo no campo conservador é basicamente progressista no mundo ocidental. Elas acreditam que, se você reduzir as regulações governamentais do capitalismo e aumentar a liberdade individual sobre a propriedade, você pode criar uma sociedade melhor. Eles não são nostálgicos. O Tradicionalismo vai na direção diametralmente oposta. Eles não acreditam que é possível mudar ou melhorar a história, acham que é preciso desfazer todo o mal feito para as nossas sociedades, e isso não significa voltar apenas décadas para trás, mas séculos.

P. Qual a principal diferença entre o fascismo e o Tradicionalismo?

R. O fascismo é futurista, modernista, a despeito de tudo. Hitler e Mussolini queriam transformar radicalmente suas sociedades, revolucioná-las. O Tradicionalismo vai na direção contrária: quer voltar para trás, num nível que ninguém leva muito a sério. E é nesse ponto que as ideologias se separam. Ambas se opõem ao feminismo, ao multiculturalismo, às políticas emancipatórias contemporâneas. Mas as diferenças são significativas. Há um elemento de destruição no Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo.

P. Você descreve no livro que certos autores tradicionalistas, como o italiano Julius Evola, colaboraram com o fascismo e com o nazismo. Qual o marco dessa separação ideológica?

R. O fascismo historicamente era amistoso com a ideia de modernização e com o pensamento científico. Quando Evola rompeu com os nazistas, foi justamente quando ele achou que eles estavam sendo materialistas demais, científicos demais. O entendimento de raça dos nazistas era visto como muito modernista e biológico para ele. O grande contexto é que o Tradicionalismo é cético em relação à ciência. E não acho que seja coincidência que pessoas na administração Bolsonaro, como Ernesto Araújo, e o próprio Olavo e pessoas de seu círculo, que leem e celebram o trabalho de autores como Guénon [o francês René Guénon, patriarca do Tradicionalismo] e Julius Evola, sejam também os mais adeptos a teorias da conspiração em relação ao coronavírus. Isso não é muito facilmente explicável olhando para o fascismo. É muito mais fácil de entender pelas lentes do Tradicionalismo.

P. Um ingrediente comum das teorias da conspiração em relação ao coronavírus é culpar a China pela pandemia. Seu livro conta que Bannon recebeu um milhão de dólares para militar contra o Partido Comunista Chinês. Não parece ser coincidência que, antes de ser preso, Bannon também tenha sido um dos primeiros a articular essa narrativa conspiratória do “vírus chinês”. No Brasil, vemos o mesmo discurso contra a China. Por que esta questão é tão crucial?

R. No caso de Bolsonaro, isso parece se justificar por uma oposição ao comunismo. Mas, para Bannon e Ernesto Araújo, há uma questão mais específica: o fato de a China ser secular, antirreligião, e ao mesmo tempo massificante, globalizante, por estar eliminando fronteiras. Isso é um problema para os nacionalistas. Não por acaso, Araújo escreveu em seu blog meses atrás que o maior problema não era o fato de a China ser um país contra o capitalismo, mas por ser contra o espírito. Então, para os tradicionalistas, a China não é uma vilã apenas pela questão econômica, mas é um demônio metafísico.

P. Como você vê o papel do Olavo nesse contexto?

R. Comparando com os outros, Olavo é ao mesmo tempo o mais tradicionalista de todos e também o menos. É mais porque não há um partido tradicionalista oficial, um clube, então o único jeito de ser oficialmente afiliado é ser iniciado em um centro religioso afiliado às ideias de Guénon, por exemplo, que podem ser centros hare krishna ou tariqas muçulmanas sufistas. E Olavo foi iniciado numa dessas linhas muçulmanas. Essas são credenciais tradicionalistas muito antigas, que são passadas por uma longa rede de pessoas. Mas olhando para Olavo hoje, ele não segue o Tradicionalismo de forma ortodoxa. É como se o Tradicionalismo fosse um tempero em seu pensamento. E isso é comum entre os tradicionalistas, pessoas que são inspiradas por essas ideias, mas as misturam com outras. E esse parece ser o caso de Olavo.

Jair Bolsonaro ao lado do ideólogo de extrema direita Olavo de Carvalho e do chanceler Ernesto Araújo, em meados de 2019.
Jair Bolsonaro ao lado do ideólogo de extrema direita Olavo de Carvalho e do chanceler Ernesto Araújo, em meados de 2019.ALAN SANTOS / AFP

P. Depois da publicação, o Olavo atacou você, classificando-o como mentiroso.

R. Olavo disse que eu era um mentiroso, mas ele nunca respondeu quando eu enviei para ele um capítulo do livro antes da publicação. Os documentos que reuni mostram basicamente que Olavo se converteu ao islã, era chamado de Sidi Muhammad. E eu acredito que ele ainda seja, de acordo com algumas tradições religiosas.

P. Você disse que Olavo foi o “pior” dos seus entrevistados, o que reagiu de forma mais furiosa à publicação do livro. Por que você acha que Olavo teve a pior reação?

R. Eu acho que há duas coisas: primeiro, que ele ficou um pouco envergonhado de eu expor sua ligação com a tariqa do Schuon [Frithjof Schuon, herdeiro intelectual de Guénon], porque isso contradiz a imagem que ele projeta hoje, de um cristão zeloso. E ele fala e escreve melhor baseado em uma posição de vitimização. É mais fácil me chamar de mentiroso, em vez de ter revisado os materiais que eu havia mandado para ele com antecedência. E há uma questão de personalidade. Eu não quero fazer uma psicanálise, mas nenhum dos outros personagens pareceu tão desapontado.

P. Quando eu entrevistei Olavo, ele me disse que não tinha projeto para a sociedade, que ele só sabia o que ele era contra, não o que era a favor. Isso parece reforçar essa lógica tradicionalista de destruição.

R. Interessante você mencionar isso, porque uma das coisas mais perspicazes que o Olavo me disse durante sua entrevista foi uma frase sobre o tradicionalista René Guénon. Ele disse que Guénon estava certo em tudo o que ele rejeitava e errado sobre tudo o que ele apoiava. E, de certa forma, senti quase como se o Olavo estivesse falando de si mesmo quando estava falando isso. Ele pode criticar , mas não há meta alguma. Não há muito o que construir, é tudo sobre destruição. E se você pensar historicamente, a crítica é muito fácil. A construção de algo é que é difícil. Olhando para o pensamento conservador, a crítica que fazem ao marxismo é justamente o fato de Marx criticar tanto o capitalismo e não conseguir imaginar muito o que colocar no seu lugar.

P. Como o senhor imagina o futuro do Tradicionalismo?

R. Eu não sei quantas pessoas vão se identificar como tradicionalistas. O que eu sei é que muitos republicanos bem posicionados, trabalhando para organizações nacionais, estão mais sintonizados com o Tradicionalismo do que eu jamais imaginaria. O Tradicionalismo está circulando, e isso vem de leituras da alt right. Não é necessário que haja uma evangelização, não precisa. Steve Bannon nunca pensou em fazer isso. Essas são ideias circulando entre a direita intelectual dissidente, pessoas que querem tomar o lugar dos conservadores nos Estados Unidos. Então essas ideias são atraentes para pessoas que se consideram intelectuais e ideólogos. Mas eu acredito que isso é o sintoma de algo maior. Há uma frustração e uma insatisfação política que vai fazer com que essas pessoas continuem procurando ideólogos e pensadores que querem alternativas e mudanças radicais, que querem repensar nossa democracia. E isso pode acontecer via Tradicionalismo ou outra ideologia, mas eu acredito que continuaremos vendo essa tendência.

P. Como a derrota de Trump afeta essa tendência? O movimento se enfraquece?

R. Trump perdeu, mas ele continua sendo incrivelmente popular entre a direita. Não há nada parecido, nenhum republicano jamais recebeu tantos votos nos Estados Unidos. E além disso os republicanos ainda foram muito bem nas votações do Senado, no Congresso. Eles têm uma penetração crescente entre grupos minoritários e pessoas sem diploma. Tenho entrevistado muitos jovens republicanos e eles seguem a cartilha de Trump. Eles acreditam que Trump mostrou que, se conseguirem combinar políticas econômicas liberais com políticas sociais conservadoras, eles podem vencer os democratas. Isso deve manter a ideologia trumpista viva.

P. E como o senhor vê as perspectivas para Bolsonaro, um dos maiores aliados de Trump, após a vitória de Biden?

R. Bolsonaro tem um problema real, não vejo o mesmo potencial para ele. Me parece que ele se antecipou ao se aliar aos Estados Unidos e virar as costas para a China. Agora que os Estados Unidos subitamente se transformaram e não o querem mais como parceiro, quem serão os amigos de Bolsonaro? Acho que o que salva Bolsonaro é que nem todos os seus subordinados no setor público levam tão a sério suas ameaças à China e seguem fazendo seu trabalho para manter as relações. Se tudo o que ele diz fosse levado à risca, o Brasil estaria realmente em apuros.

Antes também tínhamos Bannon, que fazia uma boa interlocução com o governo Bolsonaro. Havia um círculo, formado por Araújo, Bannon, Olavo, o embaixador brasileiro, e Gerald Brant. Eles tinham jantares juntos, confraternizaram frequentemente, em todas as visitas, mesmo Bannon não tendo cargo oficial no Governo Trump. Agora que tudo isso implodiu, é difícil saber quem manterá o entusiasmo por Bolsonaro em Washington. Trump não se importa muito.

Steve Bannon, ex-estrategista, ao deixar a Corte Federal de Manhattan, em 20 de agosto, após ser acusado de fraude e conspiração.
Steve Bannon, ex-estrategista, ao deixar a Corte Federal de Manhattan, em 20 de agosto, após ser acusado de fraude e conspiração. ANDREW KELLY / REUTERS

P. O senhor tem formação em música. Como começou a pesquisar a extrema direita?

R. Eu era um etnomusicólogo e estava estudando a relação entre música e cultura. Estava na Suécia e ia escrever uma dissertação sobre um ritmo assimétrico na música folk sueca. Ninguém no mundo ia ler isso (risos), mas enquanto eu estava lá a extrema direita assumiu o poder no país, e eles disseram que iriam investir na música folk sueca. Achei isso interessante, e decidi entrevistá-los sobre isso. Percebi que isso significava uma grande mudança para eles. Historicamente, a extrema direita era associada à música metal skinhead white power, mas, assim que tomaram o poder, queriam transformar sua imagem. Então havia uma história ali, a história de como estavam tentando reconstruir sua imagem não pela política, mas pela música.

Esse foi o começo, há mais de uma década. O interessante é que quando eu dizia para as pessoas que era um pesquisador de música, as pessoas falavam comigo. Se eu dissesse que era jornalista, historiador, ou cientista político, certamente ficariam mais desconfiados. Quando você chega perguntando sobre sua agenda política, eles se assustam. Mas se você chega perguntando que tipo de música eles mais gostam, eles se abrem.

P. Uma pergunta que ouço com frequência é por que devemos estudar pessoas como Olavo de Carvalho, ou Bannon. Há quem diga que são malucos, radicais, e que ao escrever sobre eles estaríamos dando plataforma. Por que, na sua opinião, é importante estudá-los?

R. Eu sou um acadêmico. Sou um etnógrafo, um antropólogo. E antropólogos estudam pessoas. Acreditam que todos merecem ser estudados. Meu editor tem uma explicação diferente. Ele diz que essas pessoas geram consequências, e que por isso precisamos compreendê-las. Acho que há um outro aspecto importante: muita análise que se faz da extrema direita é realmente ruim, simplista. Existe tanto medo em contribuir para a criação de mitos que a resposta acaba sendo muito simplista, com rótulos como ‘eles são racistas’, ‘eles são nazistas’. Mas devemos prestar atenção para o fato de que esse discurso também é anti-intelectual. As pessoas ficam com medo dos detalhes, das nuances. E a consequência acaba sendo uma falta de entendimento, se perde o grande contexto. Quando você estuda um fenômeno social, as questões precisam ser bem mais amplas do que se isso é bom ou ruim.