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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

O balanço de uma gestão catastrófica: a Era dos Absurdos no Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

Como eu me havia proposto, uma análise das mentiras propagadas pelo ex-chanceler acidental em seu balanço fraudulento da pior gestão da história do Itamaraty, e dos anais da diplomacia mundial.


O balanço de uma gestão catastrófica: a Era dos Absurdos no Itamaraty

 


Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor de Economia Política no Uniceub.

(www.pralmeida.orgdiplomatizzando.blogspot.com;

https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida)

 

 

Nota introdutória: diplomatas costumam preparar textos para seus superiores, para discursos ou artigos, ou notas para entrevistas. Eu fiz isso dezenas de vezes em minha carreira e tenho um lista completa (não divulgada) de textos que fiz para presidentes (nenhum da ditadura), chanceleres ou chefes de secretarias ou departamentos do Itamaraty. Geralmente escolhemos adjetivos e qualificativos positivos, justificando de forma inteligente aquilo que os acadêmicos e jornalistas poderiam criticar como sendo pouco compatível com a realidade ou ações que nem sempre deram os resultados esperados. O tom geral, como todos sabem, é defender a verdade oficial e apresentar uma versão rósea da política externa, como sendo a melhor possível nas circunstâncias dadas. Creio ter feito rascunhos para todos os presidentes e chanceleres desde a redemocratização, menos para o ministro (duas vezes) Celso Lafer, que gostava ele mesmo de preparar seus pronunciamentos (mas me lembro de ter participado em reuniões de gabinete com Luiz Felipe Lampreia (sobre problemas da dívida externa) e com Celso Lafer (sobre questões do Mercosul). Tampouco ofereci subsídios aos patronos da diplomacia lulopetista, pois que eles dispensaram meus serviços à Casa, o que me deu o lazer de ler muito na Biblioteca do Itamaraty e até de preparar alguns livros (entre eles o de 2014, Nunca antes na diplomacia, que não deve ter feito muito sucesso entre eles). 

De volta ao trabalho, depois do impeachment de 2016, colaborei o melhor que pude como diretor do think tank do Itamaraty, o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, tendo deixado um relatório, ao final de 2018, listando as dezenas e dezenas de encontros com acadêmicos e outros profissionais ao longo de dois anos e meio à frente do IPRI. Tão pronto conhecido o resultado das eleições de outubro daquele ano, e escolhido o chanceler, tinha certeza de que seria exonerado do cargo, e instrui meus auxiliares a buscarem “abrigo” em outros setores da Secretaria de Estado ou no exterior. Vários colegas me recomendaram que eu tratasse de conseguir um posto no exterior, mas preferi continuar à frente do IPRI enquanto fosse possível. Logo no primeiro dia da nova administração, em janeiro de 2019, fui instruído a “não fazer nada” (assim mesmo), até que as novas chefias decidissem sobre um programa de trabalho que já estava aprovado pelo Conselho da Funag desde o ano anterior. Estávamos entrando no regime da censura oficial, o que me lembrou os tempos do regime militar, quando eu fui fichado pelo SNI como “diplomata subversivo” e tive de escrever artigos sob outros nomes. Uma revista com a qual eu havia colaborado, e que tinha ficado pronta em dezembro de 2018, 200, dedicada ao bicentenário da independência, foi sequestrada pelos novos censores, antes mesmo da inauguração do novo regime, e depois ordenada sua eliminação, pura e simples (um prejuízo material de mais de R$ 70 mil, ademais da perda cultural e intelectual). Tempos duros viriam.

Fui exonerado, como previsto, e submetido à humilhação de passar à chefia de um secretário na Divisão de Comunicações e Arquivos, onde obviamente não havia exatamente uma missão para mim. Dediquei-me, como sempre faço nesses momentos de travessia do deserto, a leituras na Biblioteca e à preparação de novos livros, contemplando regularmente todos os desastres diplomáticos em curso, sob a gestão aparente do chanceler acidental, mas totalmente submisso aos ineptos que possuíam controle absoluto sobre todas as suas ações e dizeres. Tratou-se, se ouso a expressão, do primeiro capacho de que temos notícia na história bissecular de ministros de Estado das Relações Exteriores, tão desastrosa a sua gestão que sua demissão era regularmente anunciada pela imprensa e ansiada pelos diplomatas.

Agora que terminou, o capacho exemplar vem, supostamente, prestar contas de sua catastrófica gestão à frente do Itamaraty, do qual foi escorraçado por revolta senatorial, repúdio dos homens de negócio e total desprezo por parte dos colegas. A peça fantasiosa, falaciosa e mentirosa segue abaixo, mas tive o cuidado de colocar o texto na coluna da esquerda, por acaso a primeira, reservando a coluna da direita, não por isso, a meus comentários críticos e até indignados, dado o manancial de inverdades, exageros e mistificações do pior chanceler da história. Peço que desculpem minha acrimônia, mas existem duas coisas que me dão alergia e que não consigo suportar: burrice e desonestidade intelectual. Neste caso, se trata mesmo de estupidez consumada e de indignidade “subintelequitual”. Já perdi muito tempo com um sujeito que só trouxe vergonha ao Itamaraty, à diplomacia brasileira e à imagem externa do Brasil. Nesse período em que estive afastado de tarefas executivas na Secretaria de Estado escrevi quatro livros e incontáveis artigos e notas de um ciclo que não deveria ter sequer existido, não fossem minha revolta e minha indignação com o horror a que assistimos nos dois anos e três meses de um desastre completo a frente do Itamaraty. Espero não ter de voltar a esse horror!

 

 

Ernesto Araújo

Paulo Roberto de Almeida

Um Itamaraty pela liberdade e pela grandeza do Brasil: balanço de gestão

[Ernesto Araújo]

Metapolítica 17: contra o globalismo, 10/04/2021

https://www.metapoliticabrasil.com/post/um-itamaraty-pela-liberdade-e-grandeza-do-brasil-balan%C3%A7o-de-gest%C3%A3o

O Itamaraty não teve nenhuma liberdade sob a gestão do chanceler acidental e o Brasil foi reduzido a um status de pária internacional, como reconhecido pelo próprio autor de um blog “contra o globalismo” (sic).

(...)

Ler a íntegra neste link: 

https://www.academia.edu/46617441/3889_Balanco_de_uma_gestao_catastrofica_a_Era_dos_Absurdos_no_Itamaraty_2021_

(...)

Recordo-me sempre do discurso do Presidente Jair Bolsonaro na noite da vitória, em 28 de outubro de 2018, quando enunciou, entre seus objetivos de governo: "Vamos libertar o Itamaraty." Estou certo de haver tudo feito para cumprir esse objetivo, para libertar o Itamaraty das masmorras da cleptocracia e colocá-lo junto ao povo.

Ufa! Finalmente o Itamaraty se livrou de um dos cleptocratas do pensamento racional, do mais alucinado discípulo de um guru destrambelhado, que vinha conspurcando seus valores e princípios duramente construídos ao longo dos últimos dois séculos. Já não era sem tempo. Estamos livres!

Ernesto Araújo

Brasília, 10 de abril de 2021

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 11 de abril de 2021

 

 

 

Nota final: O novo chanceler, o embaixador Carlos França, no primeiro policy statement, o que inaugurou sua gestão em 6 de abril de 2021, precisou de meras três páginas e menos de 30 parágrafos substantivos para explicar a que vinha, enunciando três grandes desafios, objetivamente descritos, como as diretivas centrais para o seu trabalho, junto com a diplomacia profissional, no próximo ano e meio. 

O ex-chanceler precisou de mais de dez páginas, e aborrecidos 73 parágrafos, para desenvolver, quatro dias depois, sua defesa, canhestras justificativas nas quais revelou seu nítido desconforto com sua gestão desastrosa. Ele próprio não deve ter se dado conta de que se despede do modo mais ridículo que poderia, tendo de explicar, por vezes com detalhes insignificantes, como tentou, paradoxalmente, fazer o pior que pode para diminuir o Itamaraty, rebaixar o conceito do Brasil no exterior, prejudicar concretamente os interesse nacionais. Pelo menos não tivemos de ler, desta vez, nenhuma citação de algum filósofo obscuro, nem mesmo o astrólogo que o colocou na cadeira, para a infelicidade geral da nação e do Itamaraty em particular.

Eu tive de perder um dia inteiro para desmantelar todas as suas mentiras, falcatruas e distorções, numa tarefa realmente enfadonha, mas que não encerra tudo o que seria preciso dizer sobre a mais HORROROSA gestão de um chanceler brasileiro, desde 1821 (José Bonifácio já estava encarregado dos negócios estrangeiros desde a regência de D. Pedro). Isso no quadro do pior governo que tivemos no Brasil desde 1549, ou seja, desde o desembarque na Bahia do primeiro governador-geral, D. Tomé de Souza. Ambos se merecem na ruindade e na desgovernança. Ficou faltando destacar todas as suas não realizações, todas as suas ações e omissões que envergonharam a diplomacia profissional brasileira, mas que já tive o tremendo desconforto de tratar, de expor e criticar nos meus quatro livros de um ciclo, ao qual espero nunca mais voltar, que não deveria existir, e que não deveria ter continuidade. 

Ainda temos um Cronista Misterioso, com o nom de plume de Ereto da Brocha, que imortalizou estes tristes tempos com seus petardos irônico-acrimoniosos, um a cada semana, de quem não tenho notícias diretamente, mas que imagino talvez venha a encerrar o seu ciclo de lastimáveis críticas que também não precisavam existir.

Meus escritos, as entrevistas de embaixadores aposentados, as crônicas do nosso Batman do Itamaraty oferecem um triste testemunho de uma das fases mais deprimentes da diplomacia nacional. Ainda não superamos a ignorância e a estupidez, mas acredito que não mais recairemos no opróbio universal, pelo menos do lado diplomático. Espero poder encerrar esse desvio que tive de enfrentar nos últimos 28 meses (sim, eu comecei antes da posse do chanceler execrável), e voltar para escritos mais consistentes, aqueles trabalhos que podem ser enquadrados na categoria dos scholarly works, não na infeliz categoria das diatribes indesejadas. Vale!

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 11 de abril de 2021


domingo, 11 de abril de 2021

Fundador da Anvisa faz queixa-crime contra autoridades por resposta à Covid-19 - Gonzalo Vecina Neto

 Fundador da Anvisa faz queixa-crime contra autoridades por resposta à Covid-19

Pedido foi protocolado dias antes de o STF, em decisão liminar, determinar instauração da CPI no Senado.

Fundador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto pediu em queixa-crime apresentada na Procuradoria-Geral da República (PGR) que sejam apuradas as responsabilidades criminais de autoridades federais pela falta de dotação orçamentária para compra de vacinas contra a Covid-19 e para o combate à pandemia. 

Também assinam a representação Nelson Rodrigues dos Santos, presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), Érica Aragão, presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres), e o advogado Thiago Lopes Cardoso Campos.

Eles cobram a responsabilização de autoridades federais por “omissão, negligência, inépcia e imprudência” no enfrentamento da pandemia. A queixa-crime (confira a íntegra) foi protocolada na PGR e no Tribunal de Contas da União (TCU) na última segunda-feira (5/4) e antecede a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), de determinar ao Senado a instauração da CPI para investigar a atuação do governo no combate à doença.

“Tem que ser divulgado para a população que o governo federal nunca quis comprar vacinas contra a Covid-19”, afirmou Vecina Neto em entrevista ao JOTA. “O presidente vai em evento de empresários e diz que vai comprar vacinas, parece que ele está falando a verdade, mas está mentindo. É um mentiroso contumaz”, acrescentou.

Na queixa-crime apresentada à PGR, os autores argumentam que houve “insuficiente e tardia alocação orçamentária para a aquisição de vacina” em 2020. Isso porque a Anvisa tenha autorizado, ao longo do ano passado, a realização da fase 3 de pesquisas clínicas de quatro vacinas (Oxford/AstraZeneca/Fiocruz, Coronavac/Butantan, BioNTech/Wyeth/Pfizer, Janssen/Johnson&Johnson), o governo federal deliberadamente não fez atos orçamentários para viabilizar a compra de nenhum desses imunizantes.

“É comum aos países participantes desses estudos gozarem de preferência na aquisição do produto, respeitadas as regras regulatórias de cada um. Como esses estudos ocorreram entre junho e agosto de 2020, caberia ao Ministério da Saúde, desde então, como coordenador do PNI, acompanhá-los, para – no momento oportuno – valer-se do direito de preferência na aquisição das vacinas, como ocorreu com diversos países, conforme noticiado na imprensa”, diz a queixa-crime contra o governo federal.

Os autores da queixa-crime apontam ainda que houve “ritmo lento e insuficiente de execução orçamentária no âmbito do Fundo Nacional de Saúde” ao longo de 2020, para viabilizar compras de equipamentos e produtos por estados e municípios que garantissem “o atendimento da população no tempo certo da evolução dos casos de Covid-19”.

Essa “insuficiente” execução orçamentária ficou demonstrada pelo exame que os economistas e juristas fizeram do dispêndio da Ação 21C0 (Enfrentamento da Covid-19). Eles alegam que foi inutilizado pouco mais de 75% do orçamento disponível para esse enfrentamento da Covid-19, embora tal rubrica não estivesse contingenciada.

“Dos R$ 28,705 bilhões disponíveis para realização de despesas nessa modalidade, foram empenhados apenas R$ 6,783 bilhões (ou 23,6%), ou seja, R$ 21,923 bilhões (76,4%) restaram como saldo orçamentário nessa dotação, apesar de não estarem contingenciados”, dizem os autores da queixa-crime.

Essa inutilização deliberada dos recursos financeiros contra a Covid-19 comprometeu “a adoção de medidas pelos Estados e Municípios para garantir o atendimento da população no tempo certo da evolução dos casos de Covid-19”, de acordo com o documento.

Os autores da queixa-crime argumentam ainda também que mesmo no orçamento federal aprovado de 2021 “não foi programado um centavo para ações de enfrentamento da Covid no Ministério da Saúde” e que, no geral dos gastos autorizados para a Saúde, +foram orçados R$ 41 bilhões a menos para o Sistema Único de Saúde (SUS) neste ano+.

Por tudo isso, os autores do pedido de investigação criminal avaliam que ficou indicada “a necessidade de responsabilização das autoridades por omissão, negligência, inépcia e imprudência”, além de uma correção do orçamento de 2021.

Ao fim, as entidades pedem à PGR e ao TCU que investiguem “a insuficiente e tardia alocação orçamentária para a aquisição de vacina no ano de 2020”, “a verdadeira intenção da falta de previsão de recursos no projeto de lei orçamentária anual de 2021 para o enfrentamento da Covid-19” e “o ritmo lento e insuficiente de execução orçamentária no âmbito do Fundo Nacional de Saúde ao longo do exercício financeiro de 2020”.

Antes dessa queixa-crime, Vecina Neto já assinou também um pedido de impeachment de Bolsonaro e avalia que é preciso insistir na cobrança de responsabilidades. “Quanto mais nós fizermos, mais próximos estaremos de ter êxito. 
A Constituição é muito clara que o direito à vida vem antes do direito de ir e vir, antes do direito de culto e antes da estabilização econômica”, afirmou.


Bancos americanos estão nadando em dinheiro - The Economist

 Matéria parcialmente transcrita abaixo. Primeiro meu comentário geral, não necessariamente sobre a matéria, que trata apenas do “não-sistema” financeiro:

Não são só os bancos americanos que têm muito dinheiro (que não é deles, obviamente, embora tenham altos lucros também); os bancos chineses estão regurgitando de dinheiro, assim como todos os demais bancos bem administrados. O mundo está nadando em dinheiro (parte disso fumaça, ou seja, bolha inflacionária criada pelo governos), nunca houve tanta riqueza no mundo, e mesmo com o estouro inevitável de algumas bolhas, a riqueza, as fortunas ou o dinheiro (são coisas diferentes), vão continuar se acumulando e aumentando. Tudo isso é mal distribuído? Não acredito: descontando roubo e corrupção, a maior parte é fruto do trabalho honesto, das oportunidades criadas por governos eficientes e um bocado de sorte. Os socialistas da vida vão melhorar a distribuição, os Pikettys vão tornar o mundo melhor? Não, apenas vão reduzir o ritmo da acumulação, que, ainda que desigual, acaba contemplando a todos e a cada um. 

A mais nobre missão dos economistas — como de todo cidadão consciente — não deveria ser a de empobrecer os muito ricos, e sim a de enriquecer os mais pobres.

Paulo Roberto de Almeida


America’s banks have too much cash

Abundant liquidity is meant to help markets. It might soon cause trouble

Finance & economicsThe Economist, Mar 20th 2021 edition

When bond markets seized up in the spring of 2020 the problem was a shortage of cash. A global dash for dollars caused bond yields, which move inversely to prices, to spike. It sent the greenback soaring in currency markets. And it caused trading in Treasuries, usually the world’s most liquid market, almost to dry up. Today the opposite problem looms: a surfeit of money. It stems from the Federal Reserve’s response to last year’s crisis. The central bank calmed markets by buying vast quantities of bonds with newly created cash, and has continued its purchases, at a current pace of at least $120bn a month. The abundance of dollars is causing headaches for banks and investors.

A central bank buying a bond for cash sounds like a simple swap of asset for asset. In fact it often swells the banking system. When the Fed buys assets in the secondary market, say from a pension fund, it cannot pay the fund with the electronic money it creates, because only banks can hold these so-called “reserves”. Instead, the fund gets a newly created deposit at its bank, and the bank gets the newly created reserve at the Fed. The bank ends up bigger, with a new liability and a new asset. The same thing also happens when a bank buys freshly issued debt at a Treasury auction, then sells it to the Fed. When the government spends the funds it has raised, such as by sending cheques to households or paying its staff, the banking system grows.

(...)


Ricupero: Bolsonaro e sua política externa são uma aberração (IstoÉ)

 Bolsonaro é uma aberração na história 

Taísa Szabatura

IstoÉ,  01/04/2021 - nº 2672

Como diplomata e ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, 84 anos, testemunhou sete décadas de história do Brasil de uma posição privilegiada. Após terminar a faculdade de Direito, entrou para o Instituto Rio Branco, que forma os funcionários que trabalharão para a política externa do País, e começou a sua carreira no Itamaraty em 1960. Hoje é considerado por seus pares uma enciclopédia, por saber dados e números nacionais de vários períodos de cabeça. Passa a pandemia dando aulas virtuais e trabalha em seu próximo livro sobre a realidade brasileira, ainda sem título definido. Imunizado com a primeira dose da AstraZeneca, observa com espanto os disparates do governo Bolsonaro. Em entrevista à ISTOÉ festejou a queda do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, considerado por ele como “condutor desastroso” da diplomacia desde o início do governo, e criticou a inoperância do ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmando que nada realizou. “A política atual peca porque a visão de mundo que eles têm é irracional. São seguidores de uma seita”, disse. “Os atuais governantes são lunáticos e insanos, pessoas que não têm contato com a realidade.”

Quais forças que levaram à queda de Ernesto Araújo?
Ele caiu pelo conjunto da obra, graças à diplomacia desastrosa que conduziu desde o início do governo. Os erros cometidos em matéria de vacina ou a hostilidade à China não só em relação ao 5G, mas de modo geral, formam parte desse conjunto. Em termos imediatos, foi o Congresso, em especial o Senado, que impulsionou a ofensiva final contra ele. É preciso lembrar, porém, que há muito tempo ele era unanimidade: todos eram contra ele, a começar pela imprensa, os meios acadêmicos, os setores políticos junto aos quais sempre despontava como o pior ministro do governo.

Quais os erros dele à frente do ministério o senhor destacaria?
O principal foi aceitar a pregação de Olavo de Carvalho, através de quem fez sua carreira e chegou à posição de ministro. Foi por meio desse guru que ele se aproximou de Eduardo Bolsonaro e tantos outros. É um grupo sectário, que tem uma visão de mundo conspiratória e acredita que há uma destruição da herança política judaico-cristã, chamada globalismo. Organizações como a ONU, que procuram promover valores e novas regras, que violariam a tradição bíblica, seriam algo a ser combatido. A tolerância com as minorias sexuais e a promoção da igualdade de gênero, por exemplo, são vistas como uma ameaça. É em função disso que eles idealizam a política externa. Eles partem de uma visão distorcida da realidade mundial e, quando você tem um diagnóstico errado, qualquer terapêutica também será um equívoco.

Viramos realmente um pária perante o mundo?
Já somos um pária, não há dúvidas. São muitas as questões que nos envergonham, como direitos humanos, a questão dos povos indígenas, meio ambiente, destruição da Amazônia, a pandemia, os direitos da mulher e das minorias. É uma lista extensa de temas em que o Brasil está completamente na contramão do que se poderia chamar de estado atual da consciência moral da humanidade. Araújo e o próprio Bolsonaro, são pontos absolutamente fora da curva da nossa história. Acho que ambos, que são no fundo a mesma coisa, representam uma anomalia, uma aberração na história do Brasil e tenho confiança que essa aberração não vai durar além da eleição do ano que vem. Alguns erros já cometidos são, contudo, irreparáveis.

Quais seriam?
O Brasil era sempre visto como uma força de moderação, que buscava edificar consensos e evitava posições extremas. Tudo isso era uma constante em nossa história. Mesmo no governo Lula, em relação ao governo Fernando Henrique, houve continuidade. Claro que cada um dos governos teve ênfases diferentes, mas houve compatibilidade de valores. Ou seja, todos os governos democráticos, apenas com a exceção do atual, todos tinham a mesma adesão aos princípios básicos de direitos humanos. Com Bolsonaro, não. Dessa vez nós temos um governo que começou com um erro colossal de avaliação e não partiu de um bom julgamento da realidade internacional. Antes de se definir uma “diplomacia”, você precisa se perguntar: “Em que mundo eu estou situado? Quais são os problemas desse mundo e suas forças?” É a partir desse diagnóstico que se define como é possível obter o melhor resultado para o País.

E o governo não fez isso?
A política atual peca porque a visão de mundo que eles têm é irracional. São seguidores de uma seita. Na política há vários vieses, desde esquerda, extrema esquerda até extrema direita, mas esse grupo está fora do espectro. Os atuais governantes são lunáticos e insanos, pessoas que não tem contato com a realidade.

Bolsonaro é responsável por essa insanidade?
Bolsonaro é uma figura intelectualmente primitiva. Isso não quer dizer que ele não seja esperto. Ele tem intuição, tem astúcia de uma pessoa que procura sempre levar vantagem, mas ele não é alguém que leia livros ou que se preocupe com teorias assertivas. Ele não elabora nada.

As falhas de diagnóstico também valem para a estratégia econômica adotada pelo ministro Paulo Guedes?
O caso do Guedes é diferente. Ele deve achar esse papo de globalismo uma baboseira enorme, pois é um homem do mercado financeiro. Ele deve ter pouca paciência com essas teorias de Olavo de Carvalho. Ele tem outro tipo de problema: uma visão anacrônica do neoliberalismo da escola de Chicago. Ele quer aplicá-la justamente no momento em que os antigos praticantes a estão abandonando. O grande pecado dessa escola é o de dar uma confiança excessiva ao mercado e minimizar a posição do Estado. O pior problema do Guedes é que ele não tinha experiência prática no serviço público. Sem nenhum conhecimento de regras orçamentárias, ele começou a apresentar propostas fora das possibilidades do País.

O que o senhor chama de propostas fora da realidade?
Guedes disse que iria zerar o déficit público em um ano. Olha, o déficit público brasileiro é um problema que desafia o governo desde a independência, em 1822. Nenhum governo brasileiro conseguiu zerar isso. Como imaginar que alguém, por milagre, iria fazer isso em um ano? E como ele iria fazer? Vendendo todas as estatais e todos os imóveis da União? Aí ele também se enganou. Há muitas estatais que são dificílimas de vender, pois a resistência é muito grande, como Petrobras, Banco do Brasil e por aí vai. Tanto isso é verdade que ele não conseguiu mover um centímetro na privatização dessas estatais. Também os imóveis, são uma ficção. No papel, a União federal é dona de milhões e milhões de imóveis, mas muitos desses imóveis estão ocupados, às vezes há mais de um século, por posseiros ou outras pessoas. Ele mostrou que não tinha nenhum conhecimento real do problema. E o déficit só aumentou no lugar de diminuir.

Mas ele conseguiu aprovar a Reforma da Previdência. Isso não seria um sucesso?
Foi a única reforma que ele fez. E essa reforma já estava mais do que mastigada pelo Temer. Só não passou na época do Temer por causa daquele fatídico encontro, a altas horas da noite, dele com o dono da JBS. Não fosse isso, já estava pronta para ser votada. O atual governo recebeu isso de bandeja. Guedes até atrapalhou, não fez nada. As reformas Administrativa e Tributária estão paradas. No caso da tributária, ele está totalmente perdido. Ou seja, tudo indica que esse governo terá chegado ao fim tendo feito pouca coisa.

O senhor acredita no impeachment?
É difícil fazer uma previsão. Acho que no momento não há nada que indique politicamente que o impeachment irá ocorrer.

Tirar Bolsonaro não resolveria o caos na saúde?
Fui favorável ao impeachment desde o início do governo. Desde os primeiros momentos tivemos vários exemplos de crimes de responsabilidade que se multiplicaram, principalmente agora na pandemia. Porém, não houve uma mobilização da população na rua. E, além do mais, o presidente soube agir de uma maneira tática, procurando ganhar o apoio do Centrão e, pelo menos por enquanto, não parece correr o risco de deixar o poder. Não há dúvida de que nas próximas semanas e meses, veremos a situação da pandemia piorar muito. Já é insuportável, mas irá piorar ainda mais. Só vai melhorar quando tivermos vacinas e a campanha de vacinação ganhar mais ritmo. Infelizmente, isso só ocorrerá no segundo semestre e provavelmente até o fim do ano.

Quanto tempo vai demorar para o Brasil recuperar sua reputação internacional?
Se houver uma mudança de governo nas próximas eleições e nós tivermos uma política externa mais objetiva, sim. É algo que não é difícil: basta fazer o contrário do que está sendo feito. A nossa política externa é a anti-diplomacia. Até as pessoas que não são familiarizadas com a diplomacia, conseguem entender que isso não é um bicho de sete cabeças. Existe um livro famoso chamado “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, do Dale Carnegie, que explica isso: diplomacia é fazer amigos e influenciar pessoas. O Brasil faz o contrário. Faz inimigos, hostiliza e antagoniza as pessoas.

Por quê o governo Bolsonaro critica tanto a China?
Estão provocando a China, pois sabem que é um país com uma perspectiva de longo prazo. A China não pensa em semanas ou meses, mas em décadas à frente. Até séculos. Porém, o país também é muito suscetível, já que no passado sofreu muita humilhação por parte dos ocidentais. Nós tivemos esse problema gigantesco no caso das vacinas. O atraso no fornecimento da matéria-prima, o IFA, foi um sinal que o governo chinês mandou como uma advertência ao governo brasileiro. Tanto que agora o governo parou de insultar a China. O governo andou até implorando ao embaixador chinês que permitissem a Bolsonaro uma conversa com Xi Jinping, algo que não lhe foi concedido. O atraso foi de algumas semanas e o Brasil sentiu as consequências disso. Uma coisa que mudou também foi a postura em relação à tecnologia do 5G, antes duramente criticada. Falava-se até em proibir a participação dos chineses no consórcio. Isso mudou da água para o vinho e o negócio está andando. Viram que se negassem isso à China, seria uma declaração de guerra.

Como o governo Biden pode ajudar o Brasil?
A eleição dele é um grande avanço. Logo no começo ele se voltou para o Acordo de Paris, se voltou para a OMS e para o Conselho de Direitos Humanos. Conseguiu aprovar esse pacote de ajuda trilionária aos seus cidadãos. Está conseguindo vacinar velozmente a população e tudo isso influencia o resto do mundo pelo exemplo. As pessoas esperam que os Estados Unidos promovam a democracia onde ela não existe, mas a melhor contribuição que eles podem dar é pelo próprio exemplo. O Trump era o anti-exemplo.

sábado, 10 de abril de 2021

Itamaraty muda tom com apoio a acordo por vacinas na OMC e sinaliza busca por “sobrevivência” do Governo - Afonso Benitez (El País)

Governo Bolsonaro

Itamaraty muda tom com apoio a acordo por vacinas na OMC e sinaliza busca por “sobrevivência” do Governo

Novo chanceler, Carlos França, assumiu tratando a pandemia como prioridade. Saída iminente de assessor olavista, Felipe Martins, seria outra mudança a caminho. Diplomata avalia que Bolsonaro busca sobreviver, acossado por CPI da Pandemia e frágil aliança com Centrão

O ministro Carlos Franco França e o presidente Jair Bolsonaro em 5 de abril, no Palácio do Planalto.
O ministro Carlos Franco França e o presidente Jair Bolsonaro em 5 de abril, no Palácio do Planalto.Marcos Corrêa/PR

Jornalista Afonso Benites
Brasília -

Nos últimos dias o Governo Bolsonaro começou a emitir sinais de que a política externa brasileira faz uma mudança de tom depois dos últimos dois anos desastrados do agora ex-ministro Ernesto Araújo. Nesta sexta-feira, circulou a informação em Brasília que o presidente Jair Bolsonaro decidiu demitir seu assessor especial para assuntos internacionais, Filipe Martins, o seguidor do escritor Olavo de Carvalho, que tinha sua cabeça pedida pelo Congresso Nacional por ter feitos gestos racistas em uma audiência pública na semana retrasada. A confirmação não veio por fontes oficiais, mas a sua saída é considerada iminente por falta de apoio político.

No Itamaraty, na terça-feira, foi empossado Carlos Franco França, em substituição a Ernesto Araújo, o ministro que seguia teorias conspiratórias e era submisso aos Estados Unidos. O novo chanceler é um embaixador que busca valorizar o corpo diplomático brasileiro, fazer com que ele finalmente seja ouvido pelo presidente Bolsonaro e tem como meta reforçar as parcerias com organismos multilaterais. 

O primeiro ato que leva a assinatura de França é o apoio a uma iniciativa articulada no âmbito da Organização Mundial do Comércio que pretende ampliar a produção e distribuição de vacinas contra a covid-19. Araújo sempre foi criticado por seguir em um outro caminho, o de desprezar o multilateralismo e confrontar países produtores de imunizantes ou insumos, como a China, além de não se esforçar para a aquisição massiva do produto. Não agiu sozinho, já que sempre teve o suporte de Filipe Martins e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), com a palavra final do presidente. Nesta sexta, o novo chanceler conversou com o ministro chinês de Negócios Estrangeiros, Wang Yi, segundo o jornal Folha de S. Paulo. Para o embaixador Paulo Roberto de Almeida, diplomata há 44 anos e ex-diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, Jair Bolsonaro se viu forçado a fazer essas alterações, assim como a reforma ministerial que promoveu há dez dias. Ele estava perdendo o apoio político no Congresso e, agora, está diante da CPI da Pandemia que deverá fazer o seu governo sangrar cada vez mais, por causa da omissão no combate ao coronavírus. “Estamos no terceiro Governo Bolsonaro. O primeiro, foi o da ofensiva, quando ele até ameaçou golpe diante do Comando do Exército. O segundo foi o recuo, quando se entregou ao Centrão no Congresso. O termo de agora é sobrevivência, sem fazer mudanças, ele fica enfraquecido ou cai”, avaliou.

Nesse sentido, o que se tem no momento na política externa é um meio termo na diplomacia da vacina. Não é radical e negacionista quanto a política de Araújo. O antigo chanceler votou nos organismos internacionais contra a quebra de patente dos imunizantes e minimizou a iniciativa Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS). A atual proposta visa fazer com que as farmacêuticas celebrem acordos de licenciamento para a transferência de tecnologia, expertise e know-how de medicamentos e vacinas contra o coronavírus.

Além disso, a medida na OMC pretende chegar a um consenso sobre barreiras comerciais e propriedade intelectual. Desde que Bolsonaro tomou posse, em 2019, essa é uma das primeiras vezes em que ele entra em algum acordo sem que receba o direcionamento direto dos Estados Unidos. O patrocínio à proposta também teve o apoio de Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Noruega, Nova Zelândia e Turquia.

Um dos fatores que pesaram na mudança, ainda que temporária e superficial, nas rotas da chancelaria foi o elevado número de mortos por covid-19. A segunda onda da doença tem ultrapassado os 4.000 óbitos diários. O descontrole fez com que o Brasil se tornasse a ser uma ameaça global, em que os cientistas temem que o país se transforme em uma incubadora de novas cepas e variantes do vírus.

Logo em seus primeiros discursos, França alertou que sua gestão terá três urgências para tentar ajudar a solucionar: no campo da saúde, na economia e no desenvolvimento sustentável. “A primeira urgência é o combate à pandemia da covid-19. Sabemos todos que essa é tarefa que extrapola uma visão unicamente de governo”, afirmou o chanceler. Ele ainda destacou que todos os diplomatas brasileiros estarão “cada vez mais engajados numa verdadeira diplomacia da saúde”.

Segue em direção oposta ao posicionamento de Ernesto Araújo, que, no primeiro semestre de 2020, foi contra o Brasil assinar a iniciativa Covax Facility por entender que ela fortaleceria a Organização Mundial da Saúde, naquele momento atacada pelo então presidente Donald Trump e pela militância bolsonarista. Em novembro do ano passado, a ideologia de Araújo ficou clara em outro momento, quando em reunião para tratar de cooperação no setor farmacêutico com o Governo da Índia, ele criticou o “globalismo” e não tratou em nenhum momento da aquisição de vacinas que eram produzidas naquele país. “As falas do novo ministro são absolutamente dentro dos conceitos, princípios, valores e fundamentos que guiaram a política externa brasileira nos últimos cem anos. O diferente era o Ernesto Araújo, não é o França”, disse o embaixador Almeida.

Antes de completar uma semana no cargo, França já promoveu uma série de reuniões com os diplomatas brasileiros e se encontrou virtualmente, nesta sexta-feira com representantes de cinco embaixadas: União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos, Noruega e Alemanha. Para os próximos dias, também estão previstas reuniões com diplomatas da China e de outros países asiáticos. “Meu compromisso, enfim, é engajar o Brasil em intenso esforço de cooperação internacional, sem exclusões. E abrir novos caminhos de atuação diplomática, sem preferências desta ou daquela natureza”, afirmou França na posse.

O que não está claro, por enquanto, é como vai ficar a influência no bolsonarismo na gestão da política exterior com as saídas de Martins e de Araújo. Bolsonaro já mostrou que não tem o menor interesse em abandonar suas posições radicais a favor do tratamento precoce, por exemplo, e contra um lockdown nacional. Nesta sexta, o escritório da Organização das Nações Unidas no Brasil cobrou urgência num plano nacional de resposta à crise, alertando que “as vacinas são essenciais, mas elas não resolverão o problema imediato do país, que apresenta atualmente o maior número de óbitos diários por covid-19 do mundo”, diz em nota.

O ex-chanceler agora ocupa um cargo na Secretaria Geral de Administração. Em princípio, ele tentou nomear seu antigo chefe de gabinete, Pedro Wolney para a secretaria-geral do Ministério, que é uma espécie de vice-ministro, mas não conseguiu. A interferência de Eduardo Bolsonaro também ainda é incerta. Por ora, esse grupo articula um novo posto para Araújo, possivelmente no Consulado do Brasil em Paris, cargo para o qual não precisa da aprovação do Senado. Embaixadores precisam ser aprovados pelos senadores e dificilmente o ex-chanceler teria esse aval.

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O nazifascismo já bate à porta? - Leandro Demori (The Intercept)

 

Sábado, 10 de abril de 2021
Mantenha os nazistas por perto

O bolsonarismo não respira sem eles.

Quem mora no Rio de Janeiro já deve ter visto a imagem acima pichada em algum muro, pilastra ou viaduto. Não é de hoje que ela se espalha pela cidade. O que aconteceu no STF esta semana me fez lembrar dela. A briga por manter igrejas abertas durante a pandemia tem muito a ver com isso, talvez de modo mais preocupante do que vocês estejam pensando.

"Bíblia SIM
Constituição NÃO"


O que se viu: Bolsonaro usando seu nanoministro Kássio Nunes Marques – e também os obedientes advogado-geral da União, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras – para agradar a católicos & evangélicos. Mesmo que tenha perdido a votação ("Por 9 a 2, STF decide que estados e municípios podem restringir cultos e missas na pandemia"), o bolsonarismo enfrentou a questão em praça pública em nome de fiéis e dizimistas. Uma vitória na derrota. Mas essa briga tinha também outra plateia.

Não são os felicianos ou malafaias – clássicos adesistas das tetas do governo de turno – que mais importam aqui. É de gente bem pior que estou falando. Gente que lá atrás, muito antes de Bolsonaro pensar em disputar a Presidência, já era parte de sua base fiel por ver ali, naquele deputado, alguém capaz de defender a história indefensável. O circo no STF serviu para manter pessoas perigosas coladas no bolsonarismo.

O pedido foi feito pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos, um grupo comandado por calvinistas que está tomando o governo por dentro e sem alarde. A diferença principal dos evangélicos calvinistas para os demais é sua compreensão de que o cristianismo deve reivindicar a hegemonia cultural. Um cristianismo supremacista, implacável contra o “esquerdismo”, o “liberalismo teológico” e o “comunismo"

Fazendo buscas no site da Anajure, me deparei com um post descuidado. A entidade defendeu publicamente um grupo de pessoas fazendo um gesto imortalizado pelos nazistas. O detalhe é que ninguém sequer falou em Anajure no post em que se denunciou o ato. Ninguém chamou a Anajure para essa conversa. Qual o objetivo de atravessar a rua e escorregar em uma casca de banana que não é sua? Corre-se o risco de parecer que a entidade quer naturalizar a saudação na sociedade. A Anajure deveria ter mais cuidado.

Porque como bem disse Michel Gherman, o bolsonarismo só ganhou corpo quando estendeu a mão para uma parte extremamente podre da nossa sociedade. Bolsonaro e seu movimento não podem perder essa gente, sobretudo agora quando sua popularidade cai e a gestão assassina da pandemia é um fato inegável. Sem a base, eles não são nada. E grupos nazistas e fascistas são a verdadeira base de Bolsonaro.

Eles já estavam defendendo sem vergonha o então deputado em 2011(!), quando sequer se imaginava que Jair teria alguma intenção de concorrer à Presidência. Na foto abaixo, enquanto um homem veste a camiseta de um Bolsonaro com sorriso de família aos domingos, outro ostenta o logotipo do Kombat Rac (combate racial), um grupo fascista.

O protesto dos neonazistas na Paulista em defesa de Bolsonaro | Quebrando  Tabus

Um ano depois, Bolsonaro falou das qualidades de Hitler ao CQC. Estava acariciando o grupo aí de cima. Foi lá, em rede nacional, que o Brasil viu um homem público com chances eleitorais capaz de dizer – como diria mais tarde – que o holocausto pode ser perdoado. Os supremacistas tinham, enfim, seu candidato.

Ao dar vazão, em pleno Supremo, ao ideário de “Bíblia SIM, Constituição NÃO”, o bolsonarismo acena mais uma vez às seitas que formam seu néctar. As pichações no Rio são feitas pelos membros da congregação Geração Jesus Cristo, um grupo religioso que promove agitação política muito parecida com as que se viu pré-golpe de 64. Entre seus atos, estão a publicação de vídeos nos quais seus membros se vangloriam por destruírem imagens de um centro espírita e, claro, clamar por um novo holocausto. Bolsonaro não pode arriscar perder essa base. Não agora, quando está cada vez mais enfraquecido.

Falar sobre inspirações nazistas e fascistas na política virou lugar-comum nas democracias. Muitas vezes, os gritos são hipérboles que enfraquecem a própria ideia do terror. Não é disso que se trata agora. O atual governo é, sim, inspirado e suportado por supremacistas. É essa base, em última instância, que ficará ao lado de Bolsonaro nos dias que virão – seja para salvá-lo de um impeachment, seja para tacar fogo no país.

Leandro Demori
Editor Executivo