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terça-feira, 4 de maio de 2021

Prejuízo de Bolsonaro à imagem do Brasil no mundo é em parte irreversível, diz Ricupero - Thais Carrança - da BBC News Brasil

 Prejuízo de Bolsonaro à imagem do Brasil no mundo é em parte irreversível, diz Ricupero

Thais Carrança - da BBC News Brasil em São Paulo

Mesmo que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) seja derrotado nas urnas em 2022, uma parte do prejuízo causado por sua gestão à imagem do Brasil no exterior é irreversível, avalia o diplomata e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero.

"O mundo se acostumou, durante décadas, desde o fim do governo militar, a ver que os governos que se sucediam no Brasil podiam ter prioridades distintas, mas todos tinham valores compatíveis. Todos tinham uma fidelidade aos princípios da Constituição, um engajamento em favor do meio ambiente, dos povos indígenas e dos direitos humanos", explica Ricupero.

"Essa confiabilidade foi perdida, porque, com a experiência Bolsonaro, ainda que ela termine no ano que vem, vai ficar sempre aquela dúvida sobre o futuro do Brasil. Até que ponto o Brasil não vai ter uma recaída nesse tipo de comportamento?".

Para Ricupero, que comandou a pasta do Meio Ambiente e da Amazônia Legal entre setembro de 1993 e abril de 1994, e esteve à frente do Ministério da Fazenda de março a setembro de 1994, sob o governo Itamar Franco (PMDB), o ultraliberalismo prometido pelo ministro Paulo Guedes nunca chegou a ser colocado em prática.

"Guedes nunca foi capaz de dar um rumo coerente à política econômica. Tanto é assim que, da equipe original dele, restam muito poucos", diz Ricupero.

"Estamos agora com uma economia que não cresce, e em que a única coisa que cresce são os preços dos alimentos, da gasolina, do diesel, a carestia da vida. Estamos, de novo, com a pior situação econômica que se possa imaginar, que é a combinação de estagnação com inflação", sentencia o ex-ministro.

Ricupero avalia que a notícia-crime aberta contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no caso da defesa de madeireiros ilegais da Amazônia não deve ser suficiente para derrubá-lo.

"Os madeireiros ilegais, os mineradores ilegais e os grileiros criminosos constituem uma das bases de apoio do governo Bolsonaro. Então, ao proteger esses criminosos, Salles está, na verdade, solidificando essa base", afirma.

Ricupero ministra nesta terça-feira (04/05), às 19h, a aula inaugural do curso "História da Diplomacia Brasileira", que será oferecido pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). O curso terá desconto de 50% para mulheres, com o objetivo de incentivar a presença feminina no meio diplomático.

"Agora que nos livramos do [ex-ministro das Relações Exteriores] Ernesto Araújo, temos que recuperar nosso patrimônio, que durante dois anos e pouco foi espezinhado e esquecido por essa fase de pesadelo pela qual passou o Itamaraty", diz Ricupero, quanto à relevância do curso neste momento.

"Como acontece na pandemia, é só quando nos falta o ar que respiramos, que nós valorizamos a capacidade de respirar. A mesma coisa acontece na diplomacia. Agora, estamos valorizando uma coisa que nós perdemos durante pouco mais de dois anos."

Confira os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil - O senhor disse no passado que há uma contradição inerente entre uma política econômica ultraliberal e uma política externa antiglobalista. Passados mais de dois anos de governo Bolsonaro, é possível dizer que, nesse embate, o liberalismo foi o derrotado?

Rubens Ricupero - A promessa do liberalismo nunca foi aplicada nesse governo. Como nas demais áreas, é um governo sem rumos. Que tem uma inspiração vagamente liberal, mas com desvios muito frequentes.

Vê-se, por exemplo, que houve muito pouca privatização, apesar das promessas repetidas. As reformas que tinham sido anunciadas não saíram do papel. A situação fiscal, contrariamente aos postulados liberais, tem se agravado cada vez mais.

Não se pode dizer que seja uma política econômica efetivamente liberal. É uma política econômica confusa, com sinais contraditórios, e que foi atropelada pela pandemia. No começo da crise, até respondeu razoavelmente, com o auxílio emergencial. Mas depois se perdeu totalmente.

Estamos hoje com uma condição econômica que é a pior de todas, porque o país não cresce - é uma exceção no mundo, onde todas as economias estão se recuperando com um ritmo bastante vigoroso. E, ao mesmo tempo que não cresce, estamos assistindo ao agravamento da inflação. Quer dizer, voltamos à situação de estagflação que tivemos há alguns anos. É esse o resumo que se pode dar da política econômica do governo.

BBC News Brasil - O senhor tem expectativa de alguma mudança de rumo na política externa com a saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores?

Ricupero - Houve uma mudança que é bem-vinda, que merece até aplauso. Porque o caso do Ernesto é que ele agravava uma situação que já era difícil. Pelos próprios postulados da política que ele adotou. Uma visão distorcida da realidade do mundo, teorias conspiratórias. Mas, além disso, ele agregava um fator pessoal: era um militante dessa seita mais lunática que nós temos, que são os seguidores do Olavo de Carvalho. Isso tudo, felizmente, acabou. Há uma sensação de alívio.

O Itamaraty, hoje em dia, tem uma atmosfera muito mais positiva do que tinha antes. E o próprio estilo dos documentos, dos pronunciamentos, melhorou bastante.

O que não mudou é a substância dessa política. Porque uma política externa não pode nunca ser dissociada da política interna. A política externa tem maior ou menor êxito, se a política interna estiver indo bem. Os grandes momentos da política externa do Brasil no passado coincidiram com momentos em que o país estava muito bem na economia, na política, no social, no cultural.

Atualmente, mesmo que a política externa tenha mudado um pouco no estilo de discurso, a política geral é muito ruim. Nós continuamos com essa crise. Com o presidente atuando como ele sempre atuou. E, sobretudo, há um aspecto que não se pode esquecer nunca: boa parte da imagem péssima que o Brasil tem no exterior vem das questões ambientais e das questões próximas a essa, como o tratamento aos povos indígenas. Ora, isso não mudou em nada.

Nós continuamos com a mesma política, ou falta de política. A devastação da Amazônia cresce, como vimos no mês de março, que foi o pior mês para o desmatamento nos últimos dez anos, apesar de ser ainda a estação das chuvas na Amazônia.

Então, devido a esses sinais que vêm do meio ambiente, da política indigenista, dos direitos humanos, da deterioração da situação social, é muito difícil que a política externa, deixada a si mesma, possa fazer alguma coisa. Pode pelo menos evitar de agravar o quadro, que era o que acontecia com o Ernesto. Mas, mais do que isso, não vejo possibilidade de acontecer.

BBC News Brasil - É possível reverter o efeito da gestão Bolsonaro sobre a imagem do Brasil no exterior? E há como recuperar nosso soft power?

Ricupero - Neste governo, não. Eu não acredito que isso possa acontecer, porque também não creio que o presidente vá mudar de personalidade, de caráter, de opinião, de grupos apoiadores.

Nada disso vai acontecer. Então, até a eleição, não vejo nenhuma possibilidade de que essa situação melhore. Depois das eleições, isso pode suceder, desde que haja a eleição de um governo mais "normal", digamos, entre aspas. De um governo que volte a colocar o Brasil nos trilhos. E que seja capaz de adotar políticas diferentes, em meio ambiente, em povos indígenas, em direitos humanos, em igualdade de gênero, e assim por diante.

A partir de uma mudança interna, pode-se fazer um esforço para melhorar a nossa imagem externa. Isso é perfeitamente factível. Mas vai demorar muito. Vai ser um trabalho gigantesco e, eu diria que uma parte do prejuízo é irrecuperável, é irreversível. Essa parte que se devia à continuidade e à confiabilidade do Brasil e da sua política externa.

O mundo se acostumou, durante décadas, desde o fim do governo militar, a ver que os governos que se sucediam no Brasil podiam ter prioridades distintas, mas todos tinham valores compatíveis. Todos tinham uma fidelidade aos princípios da Constituição, um engajamento em favor do meio ambiente, dos povos indígenas e dos direitos humanos.

Essa confiabilidade foi perdida, porque, com a experiência Bolsonaro, ainda que ela termine no ano que vem, vai ficar sempre aquela dúvida sobre o futuro do Brasil. Até que ponto o Brasil não vai ter uma recaída nesse tipo de comportamento que nós assistimos nos últimos anos.

BBC News Brasil - O senhor chegou a prever nos anos anteriores que o Brasil poderia sofrer boicotes e represálias em suas exportações agrícolas, pela forma como Bolsonaro tem gerido a questão ambiental. Isso não só não se concretizou, como o Brasil tem exportado mais commodities agrícolas do que nunca, com a ajuda da desvalorização cambial. A necessidade global de alimentos se sobrepõe à agenda verde que as grandes potências dizem agora ser prioridade?

Ricupero - Em parte sim. O que você diz é verdade, sobretudo em relação à China e aos asiáticos. Porque, de fato, o aumento das exportações brasileiras de soja, de milho, de minério de ferro, se deveu sobretudo à China, não a outros países. Para outros destinos as exportações têm caído.

No caso da China, de fato, é um país que olha mais a sua própria demanda. Mas, mesmo aí, existe uma incerteza em relação ao futuro, porque as grandes empresas importadoras chinesas, as tradings, já anunciaram que vão começar a ter uma política de traçar a origem dos produtos que elas importam. Então, à medida que a China possa diversificar suas fontes de suprimento, haverá alternativas aos fornecedores brasileiros.

Mas as represálias que o Brasil já está sofrendo não são apenas medidas comerciais. As medidas comerciais são o último limite. É aquilo que acontece quando realmente a situação chega a um ponto muito, muito grave.

Mas a verdade é que, devido a essas políticas que o governo Bolsonaro tem seguido, o Brasil hoje já se converteu numa espécie de "pária" do mundo. Isso se vê agora na pandemia.

Há poucos dias, o jornal Washington Post publicou um artigo muito interessante comparando a solidariedade do mundo com a Índia na pandemia, com a falta de resposta em relação ao Brasil. O jornal dizia que é chocante de ver.

Os Estados Unidos estão se mobilizando, aprovaram mais de US$ 100 milhões em ajuda e medicamentos para a Índia. Alemanha, França, Inglaterra estão mandando aviões especiais, recheados de produtos de ajuda. Enquanto isso, em relação ao Brasil, não há nenhum movimento comparável, apesar de o número de mortes no Brasil ser maior do que o da Índia.

Por quê? Porque o Brasil se tornou um país rejeitado pelo mundo. Então, é óbvio que, na hora que o Brasil precisa, não existe da parte do mundo exterior, uma reação de solidariedade. E é por isso que eu diria que o castigo pelo que nós fazemos já é evidente. Não é alguma coisa que virá depois. É algo que já está acontecendo.

BBC News Brasil - O que muda para a política externa e ambiental brasileira com a chegada de Joe Biden ao poder nos Estados Unidos?

Ricupero - Muda o discurso. Vê-se isso já na carta que o presidente Bolsonaro enviou alguns dias antes da Cúpula do Clima, no dia 22 de abril.

Na carta, ele disse coisas que são o contrário do que ele vinha dizendo até então. Fala no compromisso em combater o aquecimento global. Reafirma o compromisso do Brasil do Acordo de Paris, de pôr fim ao desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. Esse compromisso tinha sido retirado das promessas brasileiras pelo Ricardo Salles, em dezembro de 2020. O que mudou entre dezembro de 2020 e abril de 2021? A posse do Biden.

Então mudou o discurso e a promessa. Mas não mudaram as políticas, as verbas para combater o desmatamento, o desprestígio do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], as atitudes de impedir que os fiscais do Ibama cumpram o seu dever. Então, são promessas retóricas. Superficiais. Como se dizia antigamente, "para inglês ver". Só que hoje é "para americano ver".

BBC News Brasil - E que balanço o senhor faz da Cúpula do Clima?

Ricupero - A cúpula foi muito importante, porque mudou a agenda mundial por completo. Nós perdemos quatro anos no combate ao aquecimento global devido ao governo Trump. Então era preciso um gesto dramático para fazer com que a questão voltasse a ocupar o centro da agenda mundial. Isso foi feito pela Cúpula do Clima.

Ela não tinha o objetivo de produzir resultados negociados. Porque esses resultados terão que ser produzidos no final do ano, no mês de novembro, na reunião de Glasgow, na Escócia, quando haverá a COP-26. O passo seguinte ao Acordo de Paris.

Na reunião de Glasgow é que vamos ter que ir além, porque os compromissos de Paris somados não vão permitir atingir a meta que está no preâmbulo do acordo, que é limitar o aumento da temperatura global a apenas 1,5 grau. Atualmente, pelos compromissos de Paris, vamos ter um aumento de 4 graus. Portanto, é preciso ir muito, muito além.

BBC News Brasil - O senhor acredita que o ministro Ricardo Salles deve novamente sobreviver à crise gerada pela notícia-crime aberta contra ele no caso da defesa de madeireiros ilegais?

Ricupero - Aparentemente sim, porque os madeireiros ilegais, os mineradores ilegais e os grileiros criminosos constituem uma das bases de apoio do governo Bolsonaro. Então, ao proteger esses criminosos, ele está, na verdade, solidificando essa base.

Não vi até agora nenhum sinal de que algo mude. E, ainda que mude, só a mudança do ministro não resolve nada. Se for para trocar o Ricardo Salles por um outro general Pazuello [Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde] ou alguma pessoa parecida, não resolveria.

É preciso mudar o ministro para alguém melhor, mas mudar também a política. Ter o compromisso de querer, de fato, acabar com o desmatamento, com a mineração ilegal, com a grilagem. Voltar a prestigiar os fiscais do Ibama e do Instituto Chico Mendes. Voltar a aprovar um plano como o que a [ex-ministra do Meio Ambiente] Marina Silva aplicou e que permitiu baixar a destruição de mais de 12 mil, pra menos de 4 mil quilômetros quadrados. Esse plano existia, mas foi abandonado. Ele tem que voltar.

Então, é isso que precisaria. E não vejo sinais de que vá acontecer, infelizmente. Não há nada além de promessas vagas, imprecisas, sem nenhum compromisso objetivo.

BBC News Brasil - E como o senhor avalia a gestão de Paulo Guedes à frente da Economia?

Ricupero - É um grande desapontamento. Desde a campanha, ele sempre criou expectativas exageradas, até por causa do estilo pessoal que ele tem.

Ele, por exemplo, dizia, antes de tomar posse, que iria zerar o déficit público brasileiro em um ano. E como é que ele pretendia fazer isso? Ele pretendia privatizar e vender os imóveis do governo federal. Em cada caso, segundo ele, produziria mais de R$ 1 trilhão. Ora, tudo isso eram fantasias. Fantasias de quem nunca tinha passado pelo Ministério da Fazenda.

Quem já passou pelo ministério, como eu, sabe a dificuldade que existe para privatizar uma só companhia. Quanto mais todas. Então, tudo isso se desfez ao contato da realidade.

Ele nunca foi capaz de dar um rumo coerente à política econômica. Tanto assim que, da equipe original dele, restam muito poucos. A maioria daqueles que o acompanharam foram gradualmente deixando o governo. E muitos admitiram que faziam isso porque viram que nada daquela intenção original ia ser transformada em algo de concreto.

O balanço melhor não é o balanço que se faz com palavras, é o balanço dos fatos. E o fato é que nós agora estamos com uma economia que não cresce. Em que a única coisa que cresce são os preços dos alimentos, da gasolina, do diesel, a carestia da vida.

Nós estamos, de novo, com a pior situação econômica que se possa imaginar, que é a combinação de estagnação econômica com inflação.

BBC News Brasil - A pandemia deve resultar num retrocesso histórico na desigualdade e nos avanços conquistados por mulheres e pela população negra nas últimas décadas. O que precisará ser feito para se reverter esses retrocessos nos próximos anos?

Ricupero - Será necessário um esforço gigantesco. Porque o retrocesso não é só nessas áreas que você mencionou e que são de fato uma realidade. Há um retrocesso em algo mais surpreendente: na expectativa de vida. É a primeira vez em mais de 100 anos que a expectativa de vida no Brasil vai recuar dois anos praticamente.

A mortalidade tem sido gigantesca e, em alguns casos, a perda é irrecuperável. Por exemplo, nas tribos indígenas, boa parte da cultura tradicional, das tradições, e até do conhecimento da língua, está concentrado nos mais idosos, que são os que estão desaparecendo muito rapidamente.

É claro que uma parte dessas mortes teria sido inevitável, mas uma quantidade gigantesca de pessoas que adoeceram e morreram poderiam ter sido poupadas, se desde o início tivéssemos seguido os caminhos corretos de combate à pandemia.

Se tivesse existido uma coordenação de políticas do governo central, com Estados e municípios. Tivesse se adotado confinamento no momento certo e com o nível de rigor necessário. Se tivesse aumentado o número de testes e, uma vez comprovadas as pessoas infectadas, se tivesse feito o acompanhamento para evitar que essas pessoas infectassem outras. Se tivéssemos adotado no momento certo a decisão de comprar vacinas, quando a Pfizer, por exemplo, nos ofertou 70 milhões de doses.

Se tudo isso tivesse sido feito, o número de mortes seria muito menor. Infelizmente, perdeu-se essas oportunidades. E agora, no futuro, um novo governo terá que redobrar os esforços durante anos, para que possamos recuperar o nível em que estávamos e que perdemos. Eu não sei quantos anos vai demorar. Mas, seguramente, não serão poucos.

BBC News Brasil - Muitos economistas liberais têm defendido a necessidade de o liberalismo contemplar a questão social e ter a desigualdade como foco, para que a agenda liberal possa ganhar maior adesão na sociedade. Alguns, como Armínio Fraga, têm inclusive defendido políticas como uma renda básica para pelo menos metade da população brasileira. Como o senhor vê esse redesenho do liberalismo nacional?

Ricupero - É bem-vindo. Mostra que o liberalismo, se bem entendido, não é de forma nenhuma excludente de uma consciência social aguda.

E acho que esses economistas têm razão de que é necessário sintetizar os inúmeros programas que nós temos. Porque, para poder ter um programa como o Armínio aconselha, de renda básica, é preciso examinar bem os diferentes programas sociais que o Brasil tem - e são muitos - e avaliar quais os mais exitosos, que atingem mais a população alvo, como é o caso do Bolsa Família.

Outros programas que não são tão eficazes devem ser descontinuados, para poder concentrar os recursos e ter um programa que seja de fato coerente e bem desenhado. Que procure cobrir toda a população carente, de maneira satisfatória, mas acabando com os desperdícios, acabando com os paralelismos de vários programas que às vezes desperdiçam recurso.

Portanto, precisa de muita racionalidade. Não se vê hoje no governo capacidade de fazer isso.

E não é difícil. Olhando para o Biden, nos Estados Unidos, por exemplo, temos um bom modelo. Os americanos estão focando muito claramente nas crianças pobres, porque um dos aspectos mais graves dos problemas sociais, que tende a perpetuar a miséria, é a miséria da infância.

Então, há muitos modelos que poderiam ser adotados no Brasil. Mas é preciso convocar pessoas capazes de desenhar esses programas, para concentrar os recursos naquilo que realmente vai ter frutos imediatos.

Que é mirar nas crianças pobres, nas famílias com crianças, nas famílias que passam fome. Em todos aqueles que constituem essa gigantesca parte da população carente, que não têm um emprego regular e que sobrevivem, sabe lá Deus como, através de bicos, da economia informal, sem carteira assinada, sem direitos, sem garantia de aposentadoria, sem nada.

É isso que nós temos que fazer. Uma racionalização da política social.

BBC News Brasil - Por fim, o senhor participou no ano passado de um movimento de ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central pressionando por uma retomada verde da economia no pós-pandemia. Vimos movimentos semelhantes de ex-ministros da Saúde, do Meio Ambiente e da Educação de governos diversos, unidos contra as políticas da atual gestão. O senhor acredita que esses movimentos serão suficientes para criar um projeto alternativo ao bolsonarismo em 2022?

Ricupero - Suficientes, creio que não. Mas são necessários. São passos em direção a esse objetivo.

Isso começou, na verdade, com os ex-ministros de Meio Ambiente. O nosso grupo foi criado ainda na época da discussão do Código Florestal, no governo Dilma Rousseff [PT]. Os outros movimentos se inspiraram no nosso, inclusive esse a que eu também pertenço, de ex-ministros da Fazenda.

O que isso indica? Indica que a totalidade das pessoas que passaram pelo setor público no Brasil reprova a linha atual.

E reprova por quê? Porque esse governo é o primeiro que rompe com toda a continuidade que nós tínhamos, desde que começou a Nova República, com o final da ditadura militar, em 1985.

Desde então, todos os governos que se sucederam - uns com mais êxito, outros com menos - tinham a mesma visão, o mesmo projeto de Brasil, que é o da Constituição. Não precisa outro. A Constituição tem o projeto de Brasil que nós queremos. É preciso dar cumprimento a ela.

Esse governo se divorciou desta linha de continuidade. E inaugurou uma linha que é contrária ao espírito e, às vezes, à própria letra da Constituição.

Então nós temos que restabelecer aquele rumo claro constitucional, através de eleições que produzam um governo capaz de dar ao Brasil uma visão coerente, articulada, racional do seu futuro. E que consiga promover uma melhoria da vida das pessoas, para que elas se engajem nesse projeto. Mas isso vai depender das eleições. Enquanto elas não chegarem, nós infelizmente vamos ter que continuar a multiplicar essas tomadas de posição.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56977603


Os novos bárbaros e a falsa defesa da soberania nacional - Paulo Roberto de Almeida

 Os novos bárbaros e a falsa defesa da soberania nacional

 

Paulo Roberto de Almeida

Comentários esparsos sobre fraudes nas redes sociais


 

Circulou pelas redes sociais uma “notícia” sobre uma suposta interferência do embaixador da China no caso de um assessor fundamentalista bolsolavista que está arriscado de demissão, pois que participou, com o Bananinha 03 e o infeliz ex-chanceler acidental, da destruição da diplomacia brasileira, desde o final de 2018 até o início de 2019. Postei a manchete, ainda que me pareceu suspeita, apenas me permitindo ironizar como sendo a segunda “bola na caçapa”, pois é evidente que a primeira, por parte de um coletivo de senadores, também foi causada pelos potenciais prejuízos causados ao agronegócio brasileiro em vista da postura ideológica de trio aloprado. A tropa dos “novos bárbaros”, que infesta de modo caoticamente organizado as redes sociais, pretendeu fornecer lições de “soberanismo explícito”, às quais respondi com uma série de comentários cumulativamente dispersos (isto é, sem um ordenamento lógico).

Permito-me simplesmente alinhar esses comentários, sem qualquer objetivo de apresentar um quadro linear no que se refere às denúncias que cabe fazer contra os aloprados da bolsodiplomacia, que deliberada ou inconscientemente, alienaram a soberania brasileira a uma potência estrangeira, ou mais especificamente a um dirigente americano, já devidamente votado para fora do governo da maior democracia ocidental.

 

Os “novos bárbaros” continuam agressivamente atacando as bases do conhecimento científico e das evidências empíricas, patrocinando um ataque geral à racionalidade ou ao simples bom senso. Eles estão em todas as frentes, na área médica, nas políticas setoriais, na diplomacia (até 29/03).

Bolsonaristas enchem a boca com seu soberanismo abstrato quando cometeram traição à pátria, ao submeter cada uma das grandes decisões nacionais em comércio internacional, nas votações da ONU, nas relações com outros países, aos interesses dos EUA, atuando como vassalos de um presidente megalomaníaco. 

Como considerar atos de soberania decisões de política externa totalmente sujeitas ao escrutínio estrangeiro como fizeram o Bananinha 03, o Robespirralho e o capacho do chanceler acidental, ao prestar, várias vezes, vassalagem a Trump? Eles isolaram o Brasil do mundo, um pária internacional.

Vergonha dos bolsolavistas ignorantes ao abandonar qualquer defesa do interesse nacional em troca da subordinação às vontades do Trump; não trouxeram nenhuma vantagem ao Brasil, só derrotas: conseguiram nos desentender com TODOS os grandes parceiros do país; um fracasso completo!

Quem passeou com bandeiras de duas potências estrangeiras, pedindo a imbecilidade da “intervenção militar constitucional”? Quem seguiu vergonhosamente cada determinação do Departamento de Estado, até acertar com eles o discurso na AGNU? Não têm vergonha da submissão, de serem capachos?

Aliás, quem foi mesmo que falou “I love you Trump”? E quem foi aquele discípulo do Rasputin de Subúrbio que mandou comprar etanol e trigo americano para ajudar numa certa eleição? E que renunciou a ter presidente do BID brasileiro para eleger um sub do sub do Trump?

Aliás, quem disse que o Brasil já virou um “protetorado chinês” foi aquele guru destrambelhado da Virgínia. Os bolsolavetes debiloides que cospem fogo por aqui não vão acusar o desgoverno atual de rendição a uma potência estrangeira? Por algumas toneladas de soja?

Esses caras não souberam das instruções do patético ex-chanceler acidental para que a China retirasse seu embaixador de Brasília; os chineses devem estar rindo até hoje. Vão lhe oferecer um curso gratuito de mandarim num Instituto Confúcio, a CIA da ditadura chinesa. Vai fazer?

Nos bons velhos tempos em que eu criticava o lulopetismo diplomático, os petistas achavam que eu estava a serviço da CIA. Agora, os idiotas que defendem o bolsolavismo diplomático querem saber quanto a China me paga. E eu ainda continuo usando carro velho, comprando seminovos.

Os exaltados com a soberania não têm nada a dizer do “I love you Trump”; da obediência às “instruções” de Trump em todas as circunstâncias, de uma base militar americana no Brasil à aventura eleitoreira na Venezuela, etanol americano, submissão automática ao Departamento de Estado?

Finalmente, quem acha que o Trump iria salvar o Ocidente? Só mesmo um idiota bolsolavista totalmente submisso aos interesses americanos e ao Bananinha 03. Teve de se desdizer no seu “balanço” mentiroso, ao pretender não ter grudado nos EUA e hostilizado a China! 

A própria oposição ideológica ao nosso maior parceiro comercial – um dos motivos da queda do chanceler acidental – já é uma prova evidente da submissão total à paranoia americana, não uma defesa dos interesses nacionais. Bolsolavistas entreguistas: quem mandou seus dirigentes alienarem a soberania nacional a uma potência estrangeira, ficando a ela submissos até a derrota final do Grande Mentecapto? Por que os militares não os derrubaram como traidores da pátria que foram? Covardes, uns e outros?

Nada a dizer sobre certos aspones do alto mandarinato que poderiam facilmente ser enquadrados na categoria de agentes de uma potência estrangeira? Os arquivos a desvelar um dia vão confirmar a suspeita, aliás evidente desde já prima facie. Basta ler certas “notas” diplomáticas...

O Gabinete do Ódio já foi melhor na preparação das ofensivas nas redes; o pessoal anda destreinado; não combinam antes como é que vão atacar um contrarianista. Precisam voltar para um supletivo para aprenderem pelo menos a escrever: envergonham até a mãe com esse linguajar chulo! Tem muito nervosinho nestas paragens, defendendo causas que estavam em voga nos anos 1930 em certos países (o que eles provavelmente ignoram). Alguns até ficam pateticamente indignados quando seus “argumentos” são confrontados: não esperavam ser ridicularizados. “Menos” pessoal!

Quanto menos os caras têm algo de inteligente para oferecer ao debate, mais eles se encrespam com o que não combina com suas ideias fixas e suas obsessões geopolíticas e ideológicas. Deveriam tomar chá de camomila e se dedicar mais à sua própria ilustração.

 

Meu lema preferido: Nulla dies sine linea, segundo Plínio, isto é, nenhum dia sem escrever. O que é bem diferente de nenhum dia sem uma mentira grosseira, num “portugueis” estropiado, sempre atacando inimigos imaginários, e contribuindo para aumentar o sofrimento da nação, quando não mortos!

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4 maio 2021

 

Desentendimento entre Brasil e Argentina paralisa o Mercosul - Editorial O Globo

Desentendimento entre Brasil e Argentina paralisa o Mercosul

Editorial O Globo, 04/05/2021

As divergências entre os integrantes do Mercosul transformaram a reunião virtual do dia 26 de março, comemorativa dos 30 anos de existência da união aduaneira, numa oportunidade para reclamações. As divergências se ampliaram na semana passada, com outra reunião tensa entre os ministros da Economia de Brasil e Argentina, Paulo Guedes e Martín Guzmán. Eles trocaram farpas em torno da intenção de Brasil e Uruguai de abrir o bloco a maior competição externa.

Irônico, Guzmán afirmou que a “mão invisível de Adam Smith é invisível porque não existe”. Guedes contra-atacou dizendo que “mais da metade dos Prêmios Nobel em economia foi para economistas da Universidade de Chicago”, símbolo do liberalismo econômico no mundo acadêmico, onde Guedes estudou.

Não se discute que o bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai ganhou peso com o tempo. Mesmo setores ainda fora do acordo, como a indústria automotiva, funcionam de modo integrado. Mas o tratado nunca evoluiu para a união completa das economias da região, como preconizava a visão original que o inspirou. A principal razão para isso é o protecionismo que mantém intactos mercados sabidamente improdutivos (exemplo citado com frequência é a exclusão do açúcar do acordo, proteção à ineficiente indústria argentina).

Para expor a economia do bloco a maior competição e ganhar produtividade, o governo Bolsonaro sugeriu um corte linear de 10% na Tarifa Externa Comum (TEC). O governo argentino peronista de Alberto Fernández discorda. Protecionista, admite reduções pontuais, mas não um corte linear para todos os produtos. A visão brasileira, que conta com o apoio do presidente do Uruguai, Lacalle Pou, está correta, na medida em que maior abertura comercial seria benéfica para todos, em particular para o Brasil, uma das economias mais fechadas do mundo.

O desentendimento da Argentina com o Brasil tem efeito paralisante e amplia ainda mais o desafio para a sobrevivência do Mercosul como bloco. Depois da desavença entre Guedes e Guzmán, ficou marcado mais um encontro em 30 dias, com a participação dos ministros de relações exteriores. Poderá ser decisivo.

A bandeira defendida pelo governo brasileiro, e também pelo uruguaio, é que, diante do impasse, haja maior flexibilização para que cada integrante realize acordos bilaterais de livre comércio. O Brasil considera que agir em bloco emperra acordos comerciais, como aconteceu no caso do tratado com a União Europeia.

Ao mesmo tempo, é difícil acreditar que, sozinho, o Brasil tivesse chegado a um entendimento nos mesmos termos com os europeus. Sem falar que, se o acordo está empacado, isso hoje é resultado mais da tolerância brasileira com a devastação da Amazônia do que de qualquer deficiência argentina. Para o Mercosul se modernizar, ficar mais flexível e mais aberto ao mundo, os dois países precisam, primeiro, eles mesmos entrar em acordo.

https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/desentendimento-entre-brasil-e-argentina-paralisa-o-mercosul.html


As novas faces do ateismo, livro de John Gray - resenha de Marcelo Marthe (Veja)

 Filósofo inglês John N. Gray examina as facetas do ateísmo em novo livro

É famosa a frase atribuída ao inglês G. K. Chesterton segundo a qual “quando um homem deixa de acreditar em Deus, ele não passa a acreditar em nada – passa a acreditar em qualquer coisa”. Em certo sentido, o mais recente livro do filósofo John N. Gray, Sete Tipos de Ateísmo (Record), é um registro interessante das coisas em que os seres humanos são capazes de acreditar no lugar da religião e de Deus. Como afirma Gray, o livro não tem o propósito de converter ninguém ao ateísmo – muito menos, de conduzir quem quer que seja a alguma fé. Trata-se, isso sim, de mais um elegante e prazeroso ensaio do autor de Cachorros de Palha(2002) e Missa Negra (2007), livros com os quais o erudito professor de Filosofia Política na Universidade de Oxford e, posteriormente, na London School of Economics tornou-se um best seller mundial, alcançando um tremendo público que seus excelentes trabalhos acadêmicos nunca teriam sido capazes de alcançar.

O livro “Sete tipos de ateísmo”, de Gray, John, publicado pela Editora Record

É nesse espírito de diálogo com o grande público que Sete Tipos de Ateísmo chega ao leitor brasileiro. Com agilidade e clareza jornalísticas, Gray apresenta os ateísmos que pretende analisar: o “novo ateísmo” militante de nomes como Richard Dawkins e Sam Harris; o “humanismo secular”; o ateísmo que transforma a ciência em religião; as religiões políticas modernas (do jacobonismo ao nazismo e comunismo); o ateísmo dos que odeiam Deus (exemplificado pelo Marquês de Sade, entre outros); o ateísmo de Joseph Conrad, que rejeita a ideia de um Deus criador; e, por fim, o ateísmo místico do pensador alemão Arthur Schopenhauer.

Ao se lançar à escrita para o grande público, saindo dos círculos mais estritos da academia, Gray levou consigo algumas importantes marcas do trabalho como filósofo político que tinha realizado durante mais de 20 anos nas prestigiadas universidades inglesas. Discípulo do grande pensador Isaiah Berlin (a respeito de quem escreveu uma excelente biografia), interlocutor muito próximo de Michael Oakeshott (de cuja obra é grande conhecedor), o autor de O Silêncio dos Animais estudou meticulosamente a política da Europa moderna, isto é, dos últimos 400 anos – em suma, a política que nos legou as democracias liberais, constitucionais e representativas, mas também as grandes ideologias totalitárias do nazi-fascismo, à direita, e do comunismo, à esquerda. E se há um elemento que Gray soube identificar na política moderna é seu caráter de sucedânea da fé em Deus e das religiões reveladas instituídas, centrais na vida espiritual, mas também na vida pública, política, da Europa até poucos séculos atrás – tema presente em inúmeros de seus livros e ensaios para a imprensa, sobretudo em Missa Negra. Sai Deus, entra o “progresso humano”.

Não por acaso, o melhor do livro Sete tipos de Ateísmo está justamente no capítulo 4, aquele em que Gray se dedica a analisar o quarto tipo de ateísmo de sua lista de sete: “As religiões políticas modernas, do jacobinismo ao liberalismo evangélico contemporâneo, passando pelo comunismo e pelo nazismo”. Reconhecendo o perfil de fanatismo crédulo e inclinado à violência em nome da doutrina que todas essas variedades de movimentos políticos compartilham, Gray vê na raiz desse modo de compreensão da política o milenarismo:

“Os movimentos revolucionários modernos são continuações do milenarismo medieval. O mito de que o mundo humano pode ser refeito em uma reviravolta cataclísmica não morreu. Mudou apenas o autor desse fim dos tempos transformador do mundo. Nos velhos tempos, era Deus. Hoje, é a humanidade”.

Da “Ordem de Enforcamento” de Lenin, de agosto de 1918, em que o revolucionário russo instruía os bolcheviques a executar por enforcamento os camponeses que resistissem à política de confisco de grãos, “para que a população possa ver e temer”, à delirante convicção do artista Kazemir Malevich, para quem “a morte de Lenin não é morte, ele está vivo e é eterno”, é difícil não reconhecer as similaridades com a religião na estrutura de pensamento e nas práticas políticas historicamente comprovadas. Entretanto, pouco do que vem nesta análise é novo, e o leitor dos livros anteriores de Gray sairá com a sensação do déjà-lu.

Entre os sete tipos de ateísmos analisados por John Gray, o que há de mais recente é também o mais banal, esquemático e superficial. Sua análise do “Novo Ateísmo” de Dawkins e Harris, por exemplo, é provocadora e suficientemente convincente ao menos para relativizar o alcance da argumentação dos novos ateus. Um exemplo: ateu ou não, o leitor certamente deverá pensar duas vezes ao deparar com as afirmações de Sam Harris, que deseja “uma ciência do bem e do mal”, uma “ética científica”. Como afirma Gray, “não é por acaso que nem ele [Sam Harris] nem qualquer dos novos ateus promovem a tolerância como valor fundamental. Se a ética pode ser uma ciência, não há necessidade de tolerância”. Gray despacha esses ateus sem voltar a eles ao longo do livro.

Algumas modalidades de ateísmo, é claro, saem-se melhor na foto tirada por John N. Gray – ele próprio um cético bastante distante de qualquer variedade de fé religiosa. Por diversas vezes o ateísmo de certas escolas filosóficas da antiguidade helenística é mencionado como exemplar em sua moderação. No geral, contudo, vale a máxima chestertoniana: como espécie, parecemos inclinados a acreditar em qualquer coisa quando deixamos de aceitar um sistema de crenças espirituais altamente ordenado como o são as religiões tradicionais.

Os exemplos divertem, mas também chocam. Entre os adeptos do Humanismo Secular, o segundo tipo de ateísmo examinado por Gray, temos Karl Marx. Esse humanismo secular deveria ter substituído os males pregressos da humanidade, entre os quais se encontrava a religião – a grande opressora! –, e conduzido o gênero humano à salvação pela História. Os males humanos, contudo, seguiram os mesmos, ou até piorados, com esses seculares salvadores da espécie como Marx, que em seu profundo “humanismo” é capaz de escrever esse trecho torpe sobre Ferdinand Lassalle, dirigente socialista judeu alemão:

“Agora está perfeitamente claro para mim, como provam a forma da sua cabeça e o crescimento do seu cabelo, que ele [Lassalle] descende de negros que se juntaram à marcha de Moisés na saída do Egito (se é que sua mãe ou sua avó não se acasalaram com um crioulo). E esta combinação de judaísmo e germanismo com uma substância básica negroide deve gerar um produto peculiar. A agressividade do sujeito também é característica de crioulos.”

Como se vê, não é só o messianismo inerente ao marxismo que envelheceu mal. E na artilharia de Gray, não há seita que escape. Veja-se, por exemplo, o que diz sobre a curiosa figura de Ayn Rand, emigrada russa, escritora e líder de uma seita que prosperou nos Estados Unidos, contando com adeptos até hoje (e mesmo no Brasil):

“O culto de Rand se destinava a governar cada aspecto da vida. Como grande fumante que era, seus seguidores eram instruídos a fumar também. (…) Não foi à toa que os ultraindividualistas que se tornaram discípulos de Rand passaram a ser conhecidos no movimento como ‘o Coletivo’. A escolha dos parceiros de casamento também era controlada. Na sua visão das coisas, seres humanos racionais não devem se associar aos que são irracionais. Não poderia haver pior exemplo disso do que duas pessoas unidas em casamento simplesmente pela emoção, e assim os oficiantes do culto tinham poderes para aproximar discípulos de Rand apenas de outros que também abraçassem a fé. Da cerimônia de casamento constava um juramento de devoção a Rand, seguido da abertura de ‘A Revolta de Atlas’ em uma página aleatória para leitura de um trecho do texto sagrado.”

Os exemplos bem o demonstram: a humanidade é capaz de acreditar em qualquer coisa. Felizmente, algumas dessas coisas são apenas aberrações patéticas, como é o caso da seita de Rand. Outras seitas já foram capazes de exterminar dezenas de milhões, como o nazismo e o comunismo.

Espantoso, mesmo, é que todas essas seitas sigam com ativos seguidores em toda parte ainda hoje.


Acordo Mercosul-UE patina, tanto por razões ambientais (brasileiras), quanto por confusão no meio campo da Europa - Patricia Campos Mello (FSP)

 Acordo União Europeia-Mercosul vira 'espantalho' e está paralisado, dizem legisladores

PATRÍCIA CAMPOS MELLO

FSP, dom., 2 de maio de 2021

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O acordo União Europeia-Mercosul tornou-se um "espantalho" no centro da disputa entre políticos europeus e está paralisado à espera de um anexo de compromissos ambientais adicionais que nem começou a ser negociado, segundo legisladores europeus e integrantes do governo dos dois blocos. 

A parte comercial do acordo de associação entre ambos foi assinada em junho de 2019, após 20 anos de negociação. Atualmente, o acordo está em revisão jurídica e, em alguns meses, começaria a ser traduzido para as 23 línguas oficiais do bloco europeu. Depois, iria para ratificação no Conselho Europeu, depois para o Parlamento Europeu e, dependendo do formato, também para os Parlamentos nacionais de cada país da UE e do Mercosul. 

No entanto, em outubro do ano passado, a maioria dos parlamentares europeus aprovou um texto afirmando que, do jeito que está, o acordo não será ratificado e que são necessários compromissos ambientais adicionais. O texto era simbólico, mas deixou claro que não haveria apoio suficiente ao acordo no Parlamento. 

Os negociadores europeus propuseram fazer um "anexo" de compromissos ambientais exigidos pelos Verdes e partidos de esquerda. Seis meses se passaram, houve apenas conversas informais sobre os compromissos adicionais, e o acordo está paralisado. 

"Até hoje a UE não começou a negociar esse anexo, eles não sabem nem que compromissos ambientais vão pedir", disse à Folha o eurodeputado espanhol Jordi Cañas, relator do acordo no Parlamento Europeu. 

O novo chanceler brasileiro, Carlos Alberto França, afirmou em audiência na Câmara, na quarta-feira (28), que, "com otimismo, podemos terminar o processo [do acordo com a UE] até o fim do ano que vem." 

A projeção do chanceler é vista com ceticismo. Cañas, a deputada alemã Anna Cavazzini, dos Verdes, o deputado alemão Sven Simon, do CDU (União Democrata-Cristã, partido da chanceler Angela Merkel), e integrantes do governo acham que é muito improvável o acordo ser ratificado ainda no governo Bolsonaro. 

"Vai demorar para melhorar o acordo, a comissão sabe que não vai poder voltar de mãos vazias, precisa de algo significativo [de compromissos adicionais]", diz Cavazzini, vice-presidente da delegação do Parlamento Europeu para assuntos relacionados ao Brasil. 

"Eu não vejo Bolsonaro fazendo todas as melhoras que o Parlamento Europeu quer, por isso, automaticamente, o acordo não vai andar durante o governo Bolsonaro; suas políticas vão contra o que queremos." 

Além disso, diz Cavazzini, o bloco está negociando uma legislação para reduzir o desmatamento global impulsionado pela UE. Um dos principais pontos da legislação, que deve ser apresentada em junho, é garantir que as cadeias de fornecimento dos países da UE sejam "limpas", sem importação de produtos provenientes de áreas desmatadas. 

"Nós achamos que, antes de essa lei entrar em vigor, não faz sentido continuar negociando com o Mercosul", diz Cavazzini. 

Os blocos verde e de esquerda europeus pressionavam para que o acordo fosse reaberto para acomodar compromissos ambientais. O governo brasileiro afasta totalmente essa possibilidade e concordou apenas com o anexo, com ressalvas. 

"Para o Brasil e para o Mercosul, o acordo está fechado e cumpre com todos os padrões internacionais de desenvolvimento sustentável. Não vemos nenhuma falha ou deficiência nos textos e nos compromissos assumidos", diz Pedro Miguel da Costa e Silva, secretário de Negociações Bilaterais e Regionais nas Américas do Itamaraty. 

Segundo ele, que é o principal negociador brasileiro para o acordo, quem considera que são necessários elementos adicionais são alguns setores. 

"É o lado europeu que precisa apresentar esses elementos e que terá que ver os tempos para essa discussão. Nós estamos prontos", afirma. 

"O importante é que fique claro que não se cogita reabrir o acordo. Qualquer discussão terá que ser pautada pelo realismo, pela razoabilidade e pela reciprocidade. Não é só o Mercosul que tem dever de casa em termos de desenvolvimento sustentável." 

Cavazzini afirma que só irão aceitar o anexo se o documento tiver compromissos vinculantes. "Não basta uma declaração, deve haver compromissos claros de emissões, de não aumentar desmatamento e, se descumpridos, permitirem à UE ou ao Brasil suspender partes do acordo, como a eliminação de tarifas", diz. 

O Brasil se opõe à inclusão desse tipo de sanção, argumentando que nem acordos ambientais nem tratados comerciais da UE têm essas condições. Cavazzini afirma que há um apoio cada vez maior à inclusão de compromissos ambientais vinculantes em acordos comerciais. "O clima é um tema muito urgente para não entrar na política comercial." 

Para o espanhol Cañas, houve enorme politização do acordo. "O acordo com o Mercosul se converteu no espantalho da política europeia. Falar em UE-Mercosul é como agitar um espantalho, é igual a gritar incêndio na Amazônia." 

Em debate no Parlamento Europeu sobre resolução abordando a emergência da Covid na América do Sul, na quinta-feira (29), muitos legisladores se exaltaram. De um lado, o governo Bolsonaro foi chamado de "criminoso", "perigo para humanidade". Já os conservadores afirmaram que a UE não deve passar sermões no governo Bolsonaro e, sim, cooperar. 

"Em 80% dos casos, a oposição ao acordo usa a política ambiental de Bolsonaro como desculpa", diz. 

Segundo Cañas, do partido de centro-direita espanhol Ciudadanos, o presidente da França, Emmanuel Macron, usa a oposição ao acordo para se fortalecer politicamente com os verdes e a bancada agrícola, de olho nas eleições presidenciais do ano que vem. 

Já os alemães apoiavam o acordo. Mas, vendo como crescem os Verdes nas intenções de votos, não querem "se meter em problemas" enquanto não decidem a sucessão. A Alemanha realiza eleições federais no segundo semestre deste ano. 

Na Áustria, que também manifestou oposição à ratificação, os verdes passaram a compor a coalizão governista. 

"A oposição não tem nada a ver com o acordo, é um tema político de cada país", afirma Cañas. 

"Quando queimam as florestas no centro da África, os verdes e os franceses não se preocupam. Essas árvores são de segunda categoria? Não são tão nobres quanto as amazônicas? Os de esquerda e os verdes sempre são contra acordos econômicos e sempre arrumam uma desculpa." 

Portugal, atualmente na presidência rotativa do bloco, Espanha, a Comissão Europeia e setores empresariais estão a favor do acordo. 

Na sexta (30), BusinessEurope, CIP (Confederação Empresarial de Portugal) e CNI (Confederação Nacional da Indústria) divulgaram nota de apoio. 

"O acordo Mercosul-UE possui regras ambiciosas e avançadas em desenvolvimento sustentável, incluindo compromissos vinculantes para a adoção e implementação dos principais tratados internacionais, como o Acordo de Paris." 

Mas França, Áustria, Irlanda e Polônia resistem. 

"Os grupos de centro e centro-direita são os principais defensores do acordo. Os social-democratas e a centro-esquerda estão ambivalentes, enquanto a extrema esquerda, a extrema direita e os verdes se opõem ao acordo por impulsos isolacionistas e populistas", diz o eurodeputado alemão Sven Simon, do partido de centro-direita CDU. 

Simon defende que o acordo e a redução tarifária vão apoiar a recuperação econômica nos países após o choque econômico da pandemia, mas admite que o Parlamento não vai ratificar "sem progresso concreto no tema do desmatamento da Amazônia". 

Muitos se opõem a ratificar o acordo durante o governo Bolsonaro, pois isso seria usado como trunfo pelo presidente brasileiro e seria uma recompensa a políticas que estão causando destruição ambiental. 

Para Cañas, sem ratificar, UE e ambientalistas também perdem. "Confundindo o Brasil com Bolsonaro, não vamos tornar a UE um ator construtivo. Bolsonaro vai passar, e o acordo vai ficar", diz. "Se o Mercosul não assinar acordo com a UE, vai assinar com a China, que se preocupa muito com ambiente, desmatamento", ironiza. "Se preparem."

https://br.financas.yahoo.com/noticias/acordo-ue-mercosul-vira-espantalho-160500942.html

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Os EUA continuam a ver a China como uma ameaça: entrevista com Secretário de Estado Anthony Blinken - Norah O'Donnell (60 Minutes, CBS)

 O próprío título da matéria – "ameaça chinesa" – e as palavras dos interlocutores – "atitude belicosa da China" – refletem a postura confrontacionista dos EUA vis-a-vis a China. 

Temas que deveriam ser resolvidos no plano multilateral – postura maliciosa da China no sistema multilateral de comércio, roubo de propriedade intelectual – estão sendo pressionados pela via bilateral. Não vai dar certo, assim como não vai dar certo os EUA se meterem nos assuntos internos da China. PRA

Secretary of State Antony Blinken on the threat posed by China

Norah O'Donnell speaks with Secretary Blinken in a wide-ranging interview that touches on China's recent military aggression, winding down the long war in Afghanistan and the immigration crisis at the U.S.-Mexico border.

In his first 100 days, President Biden focused on the coronavirus pandemic, but over the course of his term, the Biden presidency will be defined by how the United States competes with China. In a few years, China's economy is expected to surpass the U.S. as the world's biggest.

To determine how the United States will deal with China's growing influence, Mr. Biden has chosen one of his closest aides as secretary of state. It falls to Antony Blinken to rebuild a depleted and demoralized State Department, repair U.S. alliances and champion what diplomats call "the rules-based international order" -- the written and unwritten code that governs how nations deal with one another. Rules that, he says, are now threatened by China.

Antony Blinken: It is the one country in the world that has the military, economic, diplomatic capacity to undermine or challenge the rules-based order that we-- we care so much about and are determined to defend. But I want to be very clear about something. And this is important. Our purpose is not to contain China, to hold it back, to keep it down. It is to uphold this rules-based order that China is posing a challenge to. Anyone who poses a challenge to that order, we're going to stand up and-- and defend it. 

Norah O'Donnell: I know you say the goal is not to contain China, but have you ever seen China be so assertive or aggressive militarily?

Antony Blinken: No, we haven't. I think what we-- what we've witnessed over the last-- several years is China acting more repressively at home and more aggressively abroad. That is a fact. 

Norah O'Donnell: What's China's goal?

Antony Blinken: I think that over time, China believes that it-- it-- it can be and should be and will be the dominant-- country in the world.

This past week, China's President Xi unveiled three new warships to patrol the South China Sea.

It already has the world's largest Navy - and could use it to invade Taiwan, a democratic island and long-standing U.S. ally.

Norah O'Donnell:  Do you think we're heading towards some sort of military confrontation with China?

Antony Blinken: I think it's profoundly against the interests of both China and the United States-- to-- to get to that point, or even to head in that direction.

Norah O'Donnell: Let's talk about human rights. Describe what you see is happening in Xinjiang that maybe the rest of the world doesn't.

Antony Blinken: We've made clear that we see a genocide having taken place against the Uyghurs in Xinjiang. More than a million people have been put into, choose your term, concentration camps, reeducation camps, internment camps. When Beijing says, "Oh, there's a terrorism threat," which we don't see. It's not coming from a million people.

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Norah O'Donnell interviews Secretary of State Antony Blinken

Six weeks ago in Alaska, Secretary Blinken confronted Yang Jiechi, China's top diplomat, about genocide in Xinjiang and China's military aggression.

Blinken to Jiechi: We feel an obligation to raise these issues here today.

The exchange became an international incident caught on camera and not lost in translation.

Jiechi through translator: The United States does not have the qualification to say that it wants to speak to China from a position of strength.

Norah O'Donnell: If Xinjiang isn't a red line with China, then what is?

Antony Blinken: Look, we don't have-- the luxury of not dealing with China. There are real complexities to the relationship, whether it's the adversarial piece, whether it's the competitive piece, whether it's the cooperative piece.

Even before the meeting in Alaska, President Xi had warned about the dawn of a new cold war. During President Trump's time in office, China found the U.S. less predictable than past administrations. 

President Trump: And I just announced another 10% tariff.

Mr. Trump imposed tariffs on hundreds of billions of dollars of Chinese products in response to what he called unfair trade practices -- and the theft of U.S. intellectual property. So far, the Biden administration has kept the tariffs in place.

President Biden: I also told President Xi that we'll maintain a strong military presence. 

China may be the only big issue of the day in Washington in which Democrats and Republicans find common cause.

Norah O'Donnell: The Chinese have stolen hundreds of billions, if not trillions, of dollars of trade secrets and intellectual property from the United States. That sounds like the actions of an enemy.

Antony Blinken: Certainly sounds like the actions of-- of-- of someone who's trying to compete unfairly-- and increasingly in adversarial ways. But we're much more effective and stronger when we're bringing like-minded and similarly aggrieved countries together to say to-- Beijing, "This can't stand, and it won't stand."

Norah O'Donnell: So is that a message that President Biden has delivered to President Xi?

Antony Blinken: Certainly in their-- in their first conversation-- they covered a lot of ground.

Norah O'Donnell: It was a, reportedly, a two-hour phone call?

Antony Blinken: It was. Yeah, I was there.

Norah O'Donnell: And so did President Biden tell President Xi to cut it out?

Antony Blinken: President Biden made clear-- that in a number of-- areas we have-- real concerns about the actions that--China has taken, and that includes in the economic area, and that includes-- the theft of intellectual property.

Norah O'Donnell: China's gross domestic product is expected to surpass the United States as early as 2028.

Antony Blinken: Well, it's a large country, it's got a lotta people.

Norah O'Donnell: If China becomes the wealthiest country in the world, doesn't that also make it the most powerful?

Antony Blinken: A lot depends on how it uses that wealth. It has an aging population. It has significant environmental problems. And so on. But here's the way I think about it, Norah, writ large, if we're talking about what really makes the wealth of a nation, fundamentally it's its human resources and the ability of any one country to maximize their potential. That's the challenge for us, it's the challenge for China. I think we're in a much better place to maximize that-- that human potential than any country on Earth, if we're smart about it.

Norah O'Donnell: China thinks long-term, strategically, decades in advance. Is America just caught up on the latest fires here and there? And we are not thinking long-term, strategically? And, as a result, China will surpass us?

Antony Blinken: What I've found looking at our own history, is that when we've confronted a significant challenge, significant competition-- significant adversity, we've managed to come together and actually do the long-term thinking, the long-term investment. And that is really the moment we're in now, and that's the test that I think we're facing. Are we actually going to rise to it? I-- President Biden believes we are. 

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Antony Blinken occupies a suite of offices on the 7th floor of the State Department, but he first worked for Joe Biden at the Senate Foreign Relations Committee nearly 20 years ago and has barely left his side since. In the Obama White House, Secretary Blinken held concurrent roles as an assistant to the president and the national security advisor for Vice President Biden.

Antony Blinken: It's been the most consequential professional relationship, and-- and also in many ways, personal relationship that I've-- that I've had.

Norah O'Donnell: How often do you speak?

Antony Blinken: It's pretty close to daily.

Norah O'Donnell: You speak to him every day?

Antony Blinken: In one way or another. We're pretty good at meetings. (LAUGH) So there are a few of those.

Norah O'Donnell: When I thought about the relationship that you have had with-- with President Biden over the years in the Senate and then when he was vice president, the only relationship that I could come up with, though I'm not a historian, was, of course, Secretary Baker and President George H.W. Bush. 

Antony Blinken: I'd be flattered by any comparison to Secretary Baker. I actually-- I spoke to him on the phone a few months ago. And we talked about the importance of-- ideally, of secretary of state having a close relationship with-- with the president. He was extraordinarily effective for all sorts of reasons. But that was, I think, a source of-- of his effectiveness.

Secretary of State James Baker helped President George H.W. Bush end the Cold War with the Soviet Union. The current secretary is in the midst of winding down America's longest war, in Afghanistan.

Norah O'Donnell: Are you prepared for a worst case scenario in Afghanistan, where the U.S. -backed government fails, and the Taliban takes over?

Antony Blinken: We have to be prepared for every scenario, and there-- there are a range of them. And-- we-- we-- we're looking at this-- in a very clear-eyed way. But Norah, we've been engaged in Afghanistan for 20 years, and we sometimes forget why we went there in the first place, and that was to deal with the people who attacked us on 9/11. And we did. Just because our troops are coming home doesn't mean we're leaving. We're not. Our embassy's staying, the support that we're giving to Afghanistan when it comes to-- economic support, development, humanitarian, that-- that remains. And not only from us, from partners and allies.

Norah O'Donnell: Somewhat related. Will the Biden administration close Guantanamo Bay?

Antony Blinken: We believe that it should be, that's certainly a goal, but it's something that we'll bring some focus to in the months ahead.

In this past Wednesday's address to Congress, President Biden spoke about his plans for immigration reform.

President Biden: For more than 30 years, politicians have talked about immigration reform and we've done nothing about it. It's time to fix it.

It's a subject not usually central to the State Department's mission. But we asked Secretary Blinken about it because of the refugee crisis on America's southern border.

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Norah O'Donnell: Border crossings for undocumented immigrants have skyrocketed. In March, more than 170,000 people were taken into custody. That's the highest in 20 years. Are the policies of the Biden administration to blame?

Antony Blinken: No. What we're seeing is indeed-- a surge of people to the border. We've seen that-- in the past. But we inherited a totally broken system. Broken intentionally. And it takes time to fix it, and by the way, our message is very clear, "Don't come. The border is not open. You won't get in."  But we have to understand what is motivating so many people to do this. And it is usually desperation.

Norah O'Donnell: (AFFIRM). But that's not new. I want to talk about the policies of the Biden administration, because President Biden did use his executive authority to curb deportation, to allow more asylum seekers to enter the United States. So are these new policies by the administration contributing to this surge?

Antony Blinken: We're focused when it comes to people coming in to making sure that-- that children-- unaccompanied minors are treated humanely and according to the law. 

Norah O'Donnell: Is it problematic to tell migrants, "Well, no you can't come here," and then at the same time create a different situation on the ground that does allow them to come?

Antony Blinken:  But-- but the point is that they're not. One-- one of the challenges that-- that we've had is that-- traffickers and others are trying to tell them that "the border's open." It's not. 

Norah O'Donnell: But children are being allowed in, and then they're being--

Antony Blinken: Children are the one exception, because we-- we will not, it-- it is the-- it is the right thing to do. We are not going to abide the notion that children are kept in a precarious, dangerous situation. That is unacceptable.

Blinken himself is a father of two young children and hails from a family that only a few generations ago were themselves refugees. His paternal great grandfather, Meir Blinkin, emigrated to New York City from Ukraine, fleeing Russian oppression in 1904.

This coming week, the secretary of state will visit Ukraine to show support for the country currently in the throes of more recent Russian aggression 

Norah O'Donnell: President Putin has amassed a very large force at the border with Ukraine, more than 100,000 troops. What is Putin up to?

Antony Blinken: (LAUGH) You're right. There are-- more forces amassed on the border with Ukraine than any time since 2014, when Russia actually invaded.  I can't tell you that we know-- Mr. Putin's intentions. There are any number of things that he could do or-- or-- or choose not to do. What we have seen in-- the last few days is apparently a decision to pull back some of those forces and we've seen some of them in fact start to pull back.

Norah O'Donnell: That's been verified that they are pulling back?

Antony Blinken: Starting now. We're watching that very, very carefully.

Produced by Keith Sharman. Associate producer, Kate Morris. Broadcast associates, Elizabeth Germino and Olivia Rinaldi. Edited by Michael Mongulla.

  • Norah O'Donnell
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    Norah O'Donnell is the anchor and managing editor of the "CBS Evening News." She also contributes to "60 Minutes."