O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 9 de maio de 2021

O pior cenário possível em outubro de 2022 - Luciano Trigo (Gazeta do Povo)

Se for isto mesmo, o ambiente vai ficar irrespirável, entre duas tribos combatentes, e milhões de beócios ou indecisos atrás. Nem vou tentar interpor qualquer palavra, na miséria mental a que o Brasil será conduzido: declaro forfait, ou seja, me absterei de me ocupar do presente e do futuro do Brasil, pois não haverá nada a ser feito. Vou ficar no passado, tentando entender como chegamos a isso, a mesma pergunta que devem se fazer milhares de argentinos que não são nem peronistas, nem antiperonistas, apenas cidadãos que se esforçam para manter a racionalidade num contexto dominado por extremos irracionais.

Paulo Roberto de Almeida

 A eleição do fim do mundo: uma análise da nova pesquisa eleitoral.


A eleição não é tão boa assim para Bolsonaro. O problema é que Lula e o PT contam com uma base parecida de eleitores incondicionais, que votarão nele independentemente do que ele diga ou faça. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:

Sempre hesito diante do impulso de escrever sobre pesquisas eleitorais, porque invariavelmente uma parcela dos leitores reage sem ler, com argumentos do tipo “Mas você acredita em pesquisas?” – ou, pior ainda, chamando o articulista de petista (ou de bolsominion, conforme o caso). Mas não resisto a comentar a nova pesquisa * do Paraná Pesquisas, divulgada ontem, porque de certa forma (e infelizmente) ela confirma o que escrevi no final de 2020, no artigo “O risco de um segundo turno sangrento em 2022 é real”.

Naquele momento Lula ainda estava legalmente impedido de ser candidato, mas como no Brasil a interpretação das leis muda ao sabor do vento, já havia um sentimento de que o STF ia mudar as regras do jogo mais uma vez, desdizendo o que já tinha dito em relação à competência para julgar os crimes expostos pela Operação Lava-Jato – como, aliás, o Supremo já fizera em relação à prisão em segunda instância. Insegurança jurídica, a gente se vê por aqui.

Mesmo sem Lula no páreo, eu advertia, a polarização do país apontava para uma reedição da eleição de 2018, com Bolsonaro enfrentando o candidato do PT em um segundo turno violento. Com Lula elegível, a situação piorou. Basicamente porque os eleitorados dos dois candidatos têm uma coisa em comum: ambos estão tão convencidos da vitória que não aceitarão a derrota.

A hipótese da volta de Lula ao poder é tão insuportável para a direita quanto a hipótese da reeleição de Bolsonaro é insuportável para a esquerda. Isso sinaliza que em 2022 a atmosfera ficará irrespirável, nas ruas e nas redes sociais. Nada de bom pode vir daí. Mas vamos aos números da pesquisa.

(Antes, uma observação: pelo histórico apresentado nos últimos anos, o Paraná Pesquisas me parece o mais competente e confiável em pesquisas eleitorais, e digo isso com base em um critério muito simples: é o instituto que mais acerta. Um segundo critério é o bom senso: por exemplo, uma pesquisa recente que deu uma vantagem absurda para Lula no segundo turno, aliás citada no último artigo de Alexandre Borges, “Apoiar candidato que perde para Lula é ajudar Lula. Lide com isso”, não convenceu quase ninguém porque discrepava absurdamente das tendências apontadas por todas as demais pesquisas feitas desde a eleição de Bolsonaro. Além disso, o timing da divulgação dessa pesquisa, praticamente simultânea à decisão de Facchin que tornou Lula elegível, me pareceu, digamos, suspeito - e com algo de teatral.)

Primeiro turno:


Em todos os cenários da pesquisa do Paraná Pesquisas, Bolsonaro aparece à frente de Lula no primeiro turno, e em nenhum cenário aparece um terceiro nome com reais condições de ameaçar um dos dois. Conclusões possíveis:
1.Neste momento, a não ser que aconteça algo de muito inesperado, um segundo turno entre Bolsonaro é Lula parece quase inevitável; não haverá terceira via;

2.O chamado “centro” vem se mostrando incompetente para criar uma narrativa atraente para o eleitor – e mais incompetente ainda para buscar a união em torno de um nome eleitoralmente viável;

3.Levará vantagem no segundo turno o candidato mais hábil em atrair os votos dos demais candidatos.
A pesquisa é boa para Bolsonaro? Evidente, por ser uma demonstração de força e resiliência do presidente. Depois de mais de um ano de pandemia e de consequente crise econômica, sem falar nos ataques diários e na sabotagem explícita da grande mídia, Bolsonaro conserva a lealdade de mais de um terço do eleitorado. São os eleitores incondicionais, que proporcionam um base confortável para o presidente no primeiro turno e a garantia de uma vaga no segundo.

Mas não é tão boa assim. O problema é que Lula e o PT contam com uma base parecida de eleitores incondicionais, que votarão nele independentemente do que ele diga ou faça. E a diferença apontada pela pesquisa é muito pequena. Nenhum dos dois candidatos está em condições de cantar vitória - e subestimar o potencial do adversário pode vir a ser um erro fatal para os dois lados.

Segundo turno:


Os números do segundo turno são resultado de dois fatores combinados, ambos difíceis de estimar: a redistribuição dos votos dos candidatos derrotados no primeiro turno e o grau de rejeição dos dois candidatos. É fácil visualizar eleitores que rejeitam Bolsonaro, mas que, para evitar a volta do PT ao poder, votarão nele mesmo assim – bem como eleitores que odeiam Lula, mas que, para evitar a reeleição de Bolsonaro, votarão nele mesmo assim.

Outro fator a considerar aqui: a pesquisa do Paraná Pesquisas contabiliza todas as respostas, incluindo os votos brancos e nulos. Descartadas essas respostas, e só considerado os votos válidos, por uma regra de três simples os números passam a ser:

Bolsonaro: 51,6%

Lula: 48,4%

Em outras palavras: empate técnico.

A eleição do fim do mundo

Nas outras simulações de segundo turno, tanto Bolsonaro quanto Lula derrotam com facilidade qualquer outro candidato. A situação do PSDB parece particularmente desesperadora, já que Luciano Huck não se decide e João Dória não decola – a ponto de terem lançado como balão de ensaio o nome do desconhecido governador do Rio Grande do Sul, que aparece com menos de 1% das intenções de voto.

Outra tabela interessante da pesquisa é a que mostra o potencial eleitoral comparativo dos candidatos:


Como se vê, Bolsonaro e Lula apresentam índices altíssimos de rejeição, o que significa que o presidente eleito terá que lidar com o ódio ou antipatia de metade do eleitorado – o que tornará muito difícil a tarefa de governar o país.

Ciro e Dória apresentam uma boa margem de crescimento (eleitores que admitem votar neles, ainda que não sejam seu candidato preferencial). Aqui a notícia não é boa para Bolsonaro, já que os votos de Ciro tendem a migrar integralmente para Lula, mas os votos de Dória não devem migrar na mesma proporção para Bolsonaro. Isso porque o PSDB, já desde a eleição passada, prefere bater em Bolsonaro a bater no PT (e não faltarão explicações para isso).

A situação de tensão e de conflito permanente vai continuar. A intolerância a quem pensa de forma diferente, deliberadamente cultivada no Brasil como estratégia política já há 20 anos, vai persistir, ou mesmo aumentar. Não duvido que haja violência nas ruas. Para quem sonha com um país normal, no qual parentes e amigos não rompem relações por causa de política, a melhor saída pode ser o aeroporto.

* Pesquisa Nacional – Situação Eleitoral para o Executivo Federal em 2022 e Avaliação da Administração Federal/ Maio 2021

sábado, 8 de maio de 2021

Gente: o que será que houve? - Paulo Roberto de Almeida

 Gente: o que será que houve?

Paulo Roberto de Almeida


Estou achando os nossos colegas bolsomínions destes nossos espaços inacreditavelmente silenciosos. 

O que será que aconteceu com eles? 

Antes, qualquer palavrinha torta contra o “mito”, lá vinha uma enxurrada de impropérios, daqueles bem escabrosos, os preferidos pelo guru presidencial.

Ficaram magoados conosco, nós que somos os antibolsonaristas?

Retiraram os batalhões? Desistiram? Combateremos sozinhos? Pena!

Desculpem qualquer coisa: não queriamos ofender, chamar vocês de burros, idiotas, essas coisas; era tudo defesa da democracia, vcs sabem, aquela coisa inventada pelos gregos lá atrás (mas sem mulheres e escravos), e que foi sendo aperfeiçoada aos poucos, ao longo dos séculos. A coisa ia indo mais ou menos bem, mas, de vez em quando, chega um maluco e põe tudo a perder.

Era o bom combate, mas estamos ficando sozinhos na arena: eles agora preferem manifestar sozinhos, aos domingos, quando chamados pelo capitão e sua tropa de aloprados. 

De repente pararam de me xingar, como se eu, justo eu, tivesse parado de atacar suas ideias malucas. 

Estou quase ficando sem matéria prima para escrever alguns livros de ocasião: nos últimos dois anos e meio aquele menino maluquinho alçado à condição de chanceler acidental me forneceu abundante material para minhas reflexões e escritos; agora está ficando mais raro. 

Vai voltar? Não é que eu esteja pedindo, pois tenho coisas mais importantes para fazer, e estava sendo desviado para essa obrigação moral de me opor aos destruidores de nossas instituições, em especial no âmbito da diplomacia.

Se alguém tiver notícias dos maluquetes favor avisar...

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 8/05/2021

O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021 – Capa, Sumário e Prefácio - Paulo Roberto de Almeida

O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021

Paulo Roberto de Almeida 



 Este livro é dedicado aos meus colegas do corpo da diplomacia profissional do Serviço Exterior brasileiro, que tiveram de suportar, durante dois anos e alguns meses, a mais esquizofrênica das diplomacias imagináveis, seja na já longa trajetória da política externa brasileira, desde a Independência, seja no plano da diplomacia mundial, absolutamente sem precedentes em nossa história (e, espera-se, sem sucedâneas), ou na comparação com qualquer outra diplomacia nacional, no contexto regional ou em âmbito mundial. A todos os colegas, de todas as classes, condições e opiniões que possam ter sobre a substância do que deveria ser a política externa brasileira, meus cumprimentos pela resiliência, pela persistência e pela resistência, ainda que de maneira silenciosa e discreta. Creio ter interpretado o sentimento da maioria, mesmo quando alguns discordaram de minha postura e de meu posicionamento em face da miséria diplomática e da destruição da inteligência que vivemos desde o final de 2018 até o início de 2021. 

 

Índice  

Prefácio

 

1. Ascensão e queda do bolsolavismo diplomático, 2018-2021

1.1. O assalto dos novos bárbaros ao Itamaraty

1.2. Novamente no limbo, analisando o bolsolavismo diplomático

1.3. A patética carta de demissão do chanceler acidental

 

2. Degradação democrática e demolição diplomática

2.1. O destino da nação: declínio ou renovação da democracia brasileira?

2.2. A História não se repete, nem mesmo como farsa

2.3. O que fazer na ausência de um estadista circunstancial?

2.4. Uma inédita ruptura nos padrões tradicionais da política externa 

2.5. O alinhamento automático ao presidente Trump: um escândalo temporário

2.6. A hostilidade em relação à China como critério da identidade comum

2.7. O isolamento na esfera internacional e no contexto regional

2.8. O caso da tecnologia 5G: prejuízos reais em qualquer hipótese

2.9. O caso da Amazônia: uma extraordinária vocação para o erro

2.10. A postura no caso da pandemia da COVID: negacionismo em toda a linha

2.11. Uma nova Idade das Trevas?

 

3. Submissão ao Império e relações com os vizinhos regionais

3.1. A importância da descontinuidade, em circunstâncias inéditas

3.2. A importância histórica das relações regionais e hemisféricas

3.3. Da aliança não escrita aos impasses políticos e econômicos

3.4. Bolsonaro e uma inédita relação de alinhamento sem barganha

3.5. A desintegração regional e o desalinhamento com os vizinhos 

3.6. Qual o futuro da integração, do Mercosul, da política externa brasileira?

 

4. Um novo animal na paisagem: o globalismo e os seus descontentes

4.1. O espectro do globalismo: a emergência da irracionalidade oficial

4.2. Dos antiglobalizadores aos antiglobalistas?

4.3. À la recherche du globalisme perdu

4.4. Os nacionalismos canhestros: genitores do antiglobalismo irracional

 

5. Um “balanço” desequilibrado: a despedida do chanceler acidental

5.1. Ascensão e queda de um capacho exemplar

5.2. O “balanço” e o seu oposto: mentiras, falácias e falcatruas 

5.3. A justificativa prolixa e a declaração de política objetiva

 

6. Quo vadis, Brasil? 

6.1. Estaríamos enfrentando uma fase tendencial de declínio?

6.2. O que é verdadeiramente estratégico na vida da nação? 

6.3. Quão baixo, quão fundo, uma sociedade pode descer?

6.4. Um “exército de ocupação” interno? 

6.5. Sobre os descaminhos do Brasil atual

 

Apêndices

Sumários dos livros do ciclo do bolsolavismo diplomático

(1) Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty

(2) O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira

(3) Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira

(4) O Itamaraty sob ataque, 2018-2021: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo

(5) Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira


Livros publicados pelo autor

Nota sobre o autor 

 

Prefácio ao livro O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021 

  

Paulo Roberto de Almeida 

 

Pretendo que este seja o meu “último” livro, não absolutamente, mas relativamente, e isto a dois títulos: ele pretende circunscrever um período determinado da trajetória do Itamaraty contemporâneo, tal como evidenciado nos anos extremos de seu subtítulo, e tem, sobretudo, o objetivo de concluir a série dos livros de debate, ou de “combate”, do ciclo que chamei de “diplomacia bolsolavista”, iniciada de maneira improvisada e que assim continuou por mais quatro exemplares da série, agora aparentemente vindo a termo. Espero não ter de voltar mais ao período que se encerrou em março de 2021 – salvo algum novo “acidente de percurso” – e voltar a dedicar-me a trabalhos de pesquisa menos marcados por aspectos conjunturais como os que aqui são enfocados, em especial aposentando definitivamente esse adjetivo pouco recomendável que marcou a diplomacia “bolsolavista” do Brasil nesses anos.

Na verdade, este livro estava destinado a ser apenas a “segunda parte” de uma obra bem mais alentada, voltada para uma exposição e análise de um período mais amplo da política externa e da diplomacia do Brasil, mas que terminou dividida em dois volumes, por razões de ordem prática e também por decisões de natureza conceitual: por um lado, a obra projetada, e em larga medida elaborada nos últimos anos, revelou-se de dimensões maiores do que o normalmente imaginado para um volume impresso, como era a intenção original, dada essa minha incômoda peculiaridade de “escrevinhador”, bem mais do que simplesmente escritor; por outro lado, ela comportava, justamente, ensaios de natureza mais historiográfica e “estrutural”, além de uma série de artigos e comentários de características conjunturais, vinculados estreitamente ao período recente, e excepcional, do itinerário do Brasil nas relações internacionais contemporâneas. Daí a decisão de fracioná-la entre um volume impresso a ser ainda publicado e este destinado a sair mais rapidamente como e-book.

Muito do que figura em um e outro volume já se encontrava preparado ao final do mês de novembro de 2020, logo após as eleições americanas, que levaram à derrota do candidato preferido pelos bolsonaristas brasileiros, seu líder e modelo Donald Trump, saindo vitorioso em seu lugar o democrata Joe Biden, mesmo se o processo de verificação tenha se arrastado irritantemente até o mês de janeiro seguinte, inclusive com cenas explícitas de contestação ilegal dos resultados obtidos nas urnas (o que foi inclusive apoiado pelo presidente brasileiro, assim como pelo seu chanceler depois afastado). Ao final do ano decidi retirar a parte conjuntural para torná-la esta obra independente, deixando para o livro a ser publicado em formato impresso os ensaios de natureza mais conceitual, ou estrutural.

O caráter “terminal” deste livro, agora publicado em formato digital, também segue a tendência adotada pelas demais obras deste ciclo “que não deveria existir”, cujos sumários figuram no apêndice. Explico rapidamente o que já está exposto no primeiro capítulo desta obra, que retraça a própria trajetória do bolsolavismo diplomático, um experimento alucinante e alucinado de bizarrices no âmbito da política externa, e que durou do início do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, até o mês de março de 2021, quando o chanceler acidental é levado a se demitir, por absoluta falta de condições políticas para continuar no cargo, mesmo dispondo de todo o apoio do presidente (e contra a sua vontade): o que ocorreu, de fato, foi um veto praticamente unânime dos senadores à sua continuidade na função, sob ameaça de paralisia dos trâmites legislativos interessando ao Itamaraty. 

Na verdade, esse período pode se estendido para trás e para frente, no seguinte sentido: os preparativos para “revolucionar” a diplomacia e a política externa do Brasil começaram bem antes, em articulações no seio de um grupo restrito de amadores (de fato, ineptos completos) em temas de política externa, de relações exteriores do Brasil e de política internacional, em geral, que tinham a real intenção de alterar as bases fundamentais de atuação das relações externas do Brasil com base em concepções simplórias, em teorias conspiratórias, em ideologias de extrema-direita, ou mais propriamente reacionárias, que se vinculavam à visão do mundo de ultra conservadores dos Estados Unidos e, mais especialmente, ao anticomunismo primário e exacerbado do polemista que passa por guru presidencial, Olavo de Carvalho. 

Esse pretenso intelectual cercou-se de um pequeno grupo de fiéis devotos, alguns até fanáticos de seu anticomunismo fundamentalista, passando eles a preparar o que eu chamei de “assalto ao Itamaraty” desde 2016. Pouco depois eles ganharam a adesão de um solitário diplomata profissional, com articulações mais efetivas estabelecidas no decorrer de 2018, quando esse adesista oportunista passou a trabalhar intensamente, ainda que de modo clandestino, em prol do candidato que se apresentou nas eleições daquele ano. Imediatamente após a vitória do candidato de extrema-direita, o chanceler designado passou a atacar de forma vergonhosa o Itamaraty e os diplomatas profissionais, como se todos eles tivessem sido coniventes com o “marxismo cultural”, com o lulopetismo e outros desvios esquerdistas, ou até progressistas, na visão dos alucinados engajados em sua errática campanha. 

Mas o período também pode ser estendido para a frente, ou seja, sem esse corte definitivo na demissão do chanceler acidental, em 29 de março de 2021, na medida em que os responsáveis pelo “furacão” iniciado em 2018 continuam de certo modo no comando da política externa, detendo talvez algumas alavancas de atuação no próprio Itamaraty, o que assegura a sobrevivência, pelo menos parcial, de algumas das concepções olavistas ou “bolsonaristas” (as aspas se justificam pelo fato de que o próprio presidente tem demonstrado uma incapacidade notória para compreender o mundo exterior e de situar o Brasil nesse contexto). Trata-se de um quadro ainda preocupante, ainda que as “alucinações exteriores” do chanceler acidental não mais disponham da base operacional que lhe foi atribuída desde novembro de 2018. O personagem em questão pretende ainda continuar influenciado, senão a política externa, pelo menos um número indeterminado de seguidores, com o objetivo de manter o Brasil vinculado à visão do mundo ultra conservadora de líderes estrangeiros.

Confirmo que este livro e todos os demais do ciclo impropriamente chamado de “bolsolavismo diplomático” não deveriam existir pelo fato de que eles nunca integraram meus projetos definidos de trabalho; eles estão, de alguma forma, afastados de minhas concepções relativamente bem organizadas de produção intelectual: pesquisa cuidados, leitura atenta e extensa da documentação e da literatura secundária, planejamento e inserção num campo definido de elaboração especializada, redação sistemática de acordo a um esquema ou plano previamente estabelecido, culminando numa eventual publicação, se por acaso o resultado final encontra alguma editora complacente (embora muitos deles tenham adotado a via mais fácil e acessível do e-book). Em todo caso, os produtos deste ciclo não planejado surgiram sempre como reação momentânea à obra de destruição que estava sendo perpetrada não só no Itamaraty, mas contra o próprio Brasil, representada pela deformação completa de nossas tradições diplomáticas, assim como da própria política externa, com efeitos prejudiciais aos interesses nacionais, pois que respondendo unicamente às concepções equivocadas sobre o mundo e o Brasil, sob a influência de ideologias esquizofrênicas. 

Foi assim que surgiu o primeiro do ciclo, Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, em meados de 2019, praticamente de improviso, feito com base em notas e comentários que passei a fazer ao contemplar – já “liberado” de qualquer função na Secretaria de Estado desde o início daquele ano – as várias loucuras que vinham sendo perpetradas na (e contra uma) instituição das mais respeitadas na burocracia federal e até admirada por vizinhos e outros parceiros externos, dada a qualidade de seu capital humano. Para ser mais preciso, o que mais me angustiava não era tanto os muitos ataques ao Itamaraty – um verdadeiro sequestro da instituição, como adotado no título deste quarto livro do ciclo –, uma vez que considero a diplomacia profissional perfeitamente capaz de recuperar sua alta qualidade no desempenho das funções corriqueiras, uma vez libertada dos “novos bárbaros” que a dominaram temporariamente. O mais preocupante foi constatar o prejuízo real, ou potencial, aos interesses nacionais, em decorrência das ações, omissões e deformações que estavam sendo infringidas às políticas setoriais vinculadas à interface externa da ação do Estado (em comércio, em meio ambiente, em direitos humanos, em integração, enfim, um pouco em todas as vertentes da ação internacional do país). 

Ao início, se tinha a esperança de que pressões de militares, de representantes do agronegócio, dos interesses econômicos em geral, assim como da própria classe política, seriam capazes de corrigir, coagir, restringir, fazer retroceder as alucinações exteriores mais estapafúrdias, mas não foi o que ocorreu; ao contrário, recalcitrantes ou divergentes do governo foram sendo eliminados ou afastados e o Brasil parecia navegar satisfeito numa aliança com um punhado diminuto de “aliados” da direita conservadora, em especial, numa submissão vergonhosa ao dirigente bizarro do principal parceiro hemisférico. Estabeleceu-se uma virtual unanimidade na opinião pública contra uma política externa esquizofrênica, o que me levou a prosseguir no meu combate solitário contra a diplomacia “bolsolavista”. Na verdade, esse conceito define muito mal o verdadeiro caos que passou a vigorar na política externa brasileira e na ação de uma diplomacia isolada do mundo, dos interesses nacionais do Brasil e do próprio corpo profissional do Itamaraty. 

Dei prosseguimento, portanto, ao segundo volume do ciclo, O Itamaraty num labirinto de sombras (2020), quando já estávamos numa espécie de “revolução cultural” dentro do Itamaraty, ao se confirmar a emergência da irracionalidade oficial, em grande medida identificada com o espectro do globalismo maléfico aos interesses nacionais, ao que respondi com o meu “manifesto globalista”. Como se acentuassem os comportamentos mais esquizofrênicos do chanceler acidental, manifestamente submisso a chefes notoriamente ineptos na condução das relações exteriores do país, empreendi pouco depois o terceiro volume do ciclo, Uma certa ideia do Itamaraty (2020), já focado num trabalho de reconstrução da política externa e de restauração da diplomacia profissional. 

Informo agora que, paralelamente a essa exposição pública – de certo modo inédita nos anais de nossa diplomacia sempre tão bem comportada –, tomei a iniciativa de empreender um exercício de consulta, que conduzi de modo bastante discreto junto a colegas de carreira, tendente a constituir as bases de um planejamento para uma diplomacia pós-bolsonarista. Não logrando, contudo, obter as reações esperadas, dei por encerrado esse exercício pouco tempo depois, com apenas algumas contribuições recebidas. É verdade que já estávamos em meio à pandemia da Covid-19, quando o ritmo normal de trabalho ficou bastante alterado, tanto na Secretaria de Estado, quanto nos postos no exterior e toda a Casa se movimentava para, no contexto de fechamento de voos e aeroportos, trazer de volta ao Brasil milhares de turistas brasileiros espalhados nos quatro cantos do mundo. 

Todos esses livros, assim como o quinto (em fase de preparação para publicação), têm seus sumários reproduzidos num dos apêndices da presente obra, e estão relativamente acessíveis aos interessados em plataformas de interação acadêmica ou no formato Kindle; a lista quase completa de meus livros figura num outro apêndice, assim como várias dezenas de ensaios, notas e artigos encontram-se livremente disponíveis em minhas ferramentas de comunicação social. Este é, portanto, o “último” livro de um ciclo que não deveria – salvo desastre maior – ter continuidade em meu planejamento normal de trabalhos, com diversos outros projetos parados em meu pipeline de contínua produção intelectual. Devo agora uma explicação para a mudança do título originalmente concebido – O Itamaraty sob ataque –, que já tinha sido anunciado nessas redes de comunicação social. Meu colega e amigo, Miguel Gustavo de Paiva Torres, de quem pude examinar sua tese do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco sobre o chanceler do Império Paulino José Soares de Souza quando ele era conselheiro candidato à promoção a ministro de segunda classe da carreira, foi quem fez a sugestão, ao ler o sumário previamente anunciado numa de minhas postagens. Ele escreveu-me o seguinte: 

Sobre o seu novo livro trago sugestão para sua avaliação: Itamaraty Sequestrado. Vejo a situação mais como a de um sequestro político da Casa do que propriamente um ataque.

 

Agradeci, portanto, ao Miguel Gustavo, passando a adotar a sua sugestão, o que lhe dá direito, senão ao copyright do título, pelo menos a moral rights em relação a um conceito que efetivamente identifica o estado de submissão a que foi submetido o Itamaraty nos dois anos e meio que precederam ao mês de abril de 2021. Com efeito, o que ocorreu no Brasil, e para a sua diplomacia profissional, entre o final de 2018 e o início de 2021, não encontra precedentes em nossa história bissecular, e espera-se que não deixe um legado ou alguma semente contaminada pelas distorções registradas nesse insólito período. Aproveito para informar que a tese de CAE de Miguel Gustavo, intitulada O Visconde do Uruguai e sua atuação diplomática para a consolidação da política externa do Império, foi publicada em 2011, com um belo prefácio do grande mestre Antonio Paim, pela Fundação Alexandre de Gusmão, encontrando-se disponível na biblioteca digital da Funag. 

 

Assim, salvo “necessidades” de alguma outra oportunidade de “combate político”, pretendo doravante dedicar-me a trabalhos mais consistentes no plano conceitual, deixando de lado estes escritos que só emergiram em face de desafios inéditos em nossa trajetória diplomática. Este trabalho de resistência intelectual ao “sequestro” operado contra o Itamaraty, e ao próprio Brasil, não foi isento de custos pessoais e funcionais, como sabem todos aqueles que acompanham minha produção intelectual e o meu mais recente ativismo (involuntário) nas redes de comunicação social, sempre com o objetivo de reagir aos despautérios e loucuras dos “novos bárbaros”. Coloquei essa missão de combate aos aloprados da “bolsodiplomacia” acima de meus interesses pessoais, pois que ainda me encontro no serviço ativo, embora sem qualquer função útil na instituição que é a minha desde o período final do regime militar. 

Tal situação não é inédita, pois tenho certa experiência em ostracismos e estágios no limbo. Meu primeiro exílio, voluntário, ocorreu justamente durante a ditadura militar, quando completei minha formação acadêmica durante os anos de estudo intenso em universidades europeias. Depois, já na carreira, enfrentei algumas tribulações, pelo fato de nunca eximir de expressar meu pensamento, seja por escrito, seja diretamente em situações de processo decisório no desempenho de funções diplomáticas; mais impactante foi a longa “travessia no deserto” durante o período do lulopetismo diplomático, com o qual eu também mantinha minhas diferenças de visão diplomática e de prioridades na política externa. 

Aproveitei aquele período para escrever alguns livros, a partir do bom ambiente de estudos e pesquisas da biblioteca do Itamaraty, o que nada mais era do que a continuidade da prática de frequentar bibliotecas, livrarias e arquivos, que sempre mantive nos mais diferentes países e universidades. É o que eu estaria fazendo atualmente, não fosse a quarentena forçada da pandemia, o que aliás me levou a um acréscimo de produtividade no trabalho intelectual, tanto pelo maior tempo disponível para leituras e escritos, como em virtude da disseminação quase alucinantes das interações pelas vias das ferramentas de comunicação social, que multiplicaram extraordinariamente os apelos e incentivos a debates virtuais. Tais novas “metodologias” de comunicação vieram para ficar, mesmo depois de passada a pandemia.

Ao retornar a meus trabalhos de pesquisa histórica e de reflexão comparativa sobre o processo de desenvolvimento brasileira no contexto mundial, ressalto que estarei sempre atento às “surpresas” – de qualquer tipo – que surgirem na frente da diplomacia brasileira e de sua política externa, assim como totalmente disponível para missões temporárias ou designações formais para as quais possa ser indicado. Tendo passado quatro décadas de minha vida no acompanhamento ativo de nossas relações internacionais, tanto no plano do estudo como no terreno prático, tenho prevista a elaboração de mais algumas obras com certo sentido de permanência. Não é certamente o caso desta aqui, ou das demais deste ciclo, que responderam apenas a um desafio da conjuntura. A bem refletir, porém, uma reflexão ponderada sobre “sobressaltos” institucionais, terremotos políticos ou bizarrices eventuais, como os que enfrentamos na presente fase, sempre oferecerá matéria prima para mais alguma obra inserida em nossa trajetória histórica, ainda que o desejo de todos nós é o de que, assim como o experimento do bolsolavismo diplomático não encontra precedentes nesse itinerário, ele não tenha sucedâneos no futuro previsível.

Com isso, dou por temporariamente encerrado este ciclo de esgrima intelectual contra a malta dos “novos bárbaros”, prontificando-me a voltar sempre quando novos desafios surgirem no horizonte das possibilidades políticas de um país em franco processo de transição para novas configurações institucionais. Vale!

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 9  de maio de 2021

 

Digging Thucydides in Lisbon - Miguel Monjardino (The City Journal)


 A História da Guerra do Peloponeso, por Tucídides, ainda é uma grande leitura para os tempos atuais, válido tanto para história, estrito sensu, como para relações internacionais, no sentido lato, pois que tratando das más decisões tomadas por Atenas em suas alianças com outras cidades-Estado gregas na luta contra Esparta. Mas, as interpretações feitas a partir da sua obra, como se existisse alguma "armadilha de Tucídides" no caso de uma suposta disputa hegemônica entre os EUA, o poder estabelecido (ou Atenas), e a China, equivocadamente identificada com Esparta (por ser "ditatorial'), refletem apenas a paranoia inacreditável de acadêmicos americanos – no caso, o professor Graham Allison, de Harvard – que se deixaram contaminar (o termo é apropriado, não só pela peste em Atenas, que vitimou o próprio Péricles, mas pela pandemia do século XXI) pela paranoia dos generais do Pentágono (que têm por obrigação ser paranoicos). Essa postura confrontacionista dos americanos – como se eles fossem atenienses agressivos e arrogantes – é sumamente equivocada, inadequada e prejudicial, não só aos dois gigantes da economia mundial, mas a todos os demais países, em especial os países em desenvolvimento, que poderiam se beneficiar com duas locomotivas do crescimento global e das possibilidades de cooperação entre elas, dada sua complementaridade absoluta.

Paulo Roberto de Almeida

MIGUEL MONJARDINO

Digging Thucydides in Lisbon

China’s rise has led to pat citations of the Athenian historian, but one must truly study his work to understand it.


The City Journal, May 8, 2021

https://www.city-journal.org/digging-thucydides-in-lisbon



At the March 18 meeting of senior American and Chinese officials in Anchorage, Alaska, Yang Jiechi, director of China’s Office of the Central Commission for Foreign Affairs, clarified his country’s position: “The United States does not have the qualification to say that it wants to speak to China from a position of strength.” Xi Jinping’s sobering message to the Biden administration was that the United States can have peace or war. Amid the political fallout of Anchorage came a deluge of references to Thucydides, the Athenian general and historian who wrote The History of the Peloponnesian War in the fifth century B.C. “The Thucydides Moment?” asked the Nikkei Asia Review after the meeting. General Xu Qiliang, vice president of China’s Central Military Commission and the country’s top military officer, spoke about the “Thucydides trap.” Indeed, such references have become almost mandatory since Harvard professor Graham Allison coined that expression a decade ago to warn about the dangers of a contest for supremacy between the U.S. and China.

But Thucydides never wrote about the trap. What he wrote, in the beginning of the History of the Peloponnesian War, was: “In my view the real reason, true but unacknowledged, which forced the war was the growth of Athenian power and Spartan fear of it.” This is one the greatest sentences ever written in political analysis, but it can be interpreted only with reference to Thucydides’s views about power, the nature of the Athenian and Spartan regimes, and the realities of empire, money, political psychology, time horizons, and war. Our current fixation with the “Thucydides Trap” has led to an unfortunate oversimplification of his work.

Thucydides has been hosting the longest-running seminar in international politics, and the price of admission for those who want to enroll in it is simple: you have to read him. Since February, I’ve been doing just that with the class of 2021—I call the students, born in 2000, “the last class of the twentieth century”—of the Institute for Political Studies at the Catholic University of Portugal, where I am a visiting professor. Laura Lisboa, a gifted student who graduated with distinction in physics at Instituto Superior Técnico and then switched to work in political science, is the teaching assistant.

Covid-19 has upended our lives. Since March 2020, I’ve been waiting out the pandemic in Angra do Heroísmo, a World Heritage Site in the Azores, while the class reads Thucydides in their homes across Portugal. Zoom has become indispensable for us—at a price. “I don’t want to sound spoiled,” said a young woman in our first class. “We are healthy and, unlike many, we have food on the table. My point is, up to the beginning of the pandemic, university was about being together. Now, in spite of all this technology, I don’t think we are together at all. We used to talk through the night. We shared ideas in bars and libraries. We went out. Now we look at the same walls every day. Today is just like yesterday. Nothing will change tomorrow. We had to learn how to live isolated. It’s been really hard to find the motivation to study and write. When will we be together again? I miss going to live concerts.”

I feel for them. University shouldn’t be like this. I’ve had to reconsider everything about the content and rhythm of education in the digital world, though two decades of work in television have proved helpful.

While Covid-19 cannot be compared to the plague that devastated Athens from 430–427 B.C., it has helped the class appreciate the power of Thucydides’s description of a contagious-disease outbreak in the middle of a war. Among the many casualties of this plague were Athens’s senior statesman Pericles, his sister, and his two sons. The class examined François-Nicolas Chifflart’s Pericles at the Death Bed of His Son and Michiel Sweerts’s Plague in an Ancient City and read his funeral oration to the sound of Mahler’s Fifth Symphony. I asked: was Pericles, who devised a military strategy based on attrition against Sparta and its allies, responsible for the plague and its consequences? The students didn’t reach a consensus. “The way I see it, the war with Sparta was inevitable,” said one. “The plague was not something he could have predicted. Events surprised him. I don’t think he is responsible for this.” “I disagree,” argued another. “I believe he is washing his hands of the responsibility here. This is not leadership. If I was at the assembly, I would trust him less after this.”

Athens agonized over the decision, but eventually struck a defensive alliance with Corcyra (now Corfu). The Athenians believed that the island—with its privileged geopolitical position in the northwest and a powerful navy—would enhance Athens’s security and help the city-state maintain a favorable balance of power with Sparta. Events then took a surprising turn. Instigated by Corinth, an ambitious and risk-taking city, revolution and a bloody civil war consumed Corcyra. Sparta and Athens intervened.

In his powerful account of these events, Thucydides gives his opinion about the drastic changes in values that the civil war brought about. It is essential reading for any political education; as the class read, Schubert’s “Ständchen” D957played in the background. “Why did Sparta withdraw its navy from Corcyra?” asked one perplexed student. “They were winning here. What’s wrong with this Alkidas, the Spartan admiral?” “This is really shocking,” said another. “I mean, fathers killing sons. And the Athenian admiral does nothing. He could have put an end to this horror. This looks like something that Sparta would do, not Athens.” “Perhaps,” said another, “but Corcyra’s geopolitical location is really important for Athens. I believe this is about necessity in war. Just like the Spartans in Plataea. The Athenian fleet is there to deter more foreign interventions and give time to the popular party in Corcyra to turn the civil war in their favor.” “Yes,” observed one student, “but this is not what Athens had in mind when it accepted the alliance. Now they will have to commit more naval forces in the northwest.” “What I find puzzling is how unstable Corcyra is politically,” said another. “How can they be a good ally of the Athenians?”

War, as Thucydides reminded us, is a “violent school.” Francisco Goya, the Spanish painter, knew this too. We discussed his masterpiece El tres de Mayo en Madrid, and some of his drawings and etchings currently in exhibition at the Metropolitan Museum of Art. Civil strife and the powerful emotions that it elicits pose the greatest dangers to any society.

When our seminar drew to a close, we had covered plenty of ground. Our first deep dive into Thucydides’s work, in February, was unsettling. “Do we have to know all this?” asked one student after reading the first paragraphs of the History of the Peloponnesian War and looking at the maps. “I never heard about many of these cities.” “The political context is very confusing,” observed the aide-de-camp of the class. “We don’t live in Thucydides’s time.” Quite right. But there is something about the way Thucydides writes that progressively draws readers into his work, into the dark pit of a long and destructive war. By the end, students had chosen their sides in the war: some Athenians; others Spartans; a few believing that Corinth was right in challenging Athens and pressuring Sparta to step up in defense of its allies; others curious about Persia, the superpower of the time. (As far as I know, Corcyra has no supporters. “They are just like Hannah Montana,” argued a student, tongue in cheek. “They want everything and don’t understand that all of this happened because of them.”) Thucydides became personal to them.

“I have a question,” said a pro-Athenian student. “If Pericles was alive at the time, would he allow this level of violence in Corcyra? I was really shocked by this.”

“What do you think?” I asked.

“I don’t think so,” he replied. “I doubt he would be so brutish. This is not his Athens. Something has changed.”

Yes, up to a point. War happened. That changed everything. Athens was not the same after Pericles’ death in 429 B.C., but the city had been an ambitious imperial democracy for decades. The Athenians always feared revolts by their allies. In his last speech, Pericles was blunt about it: empire was “like a tyranny—perhaps wrong to acquire it, but certainly dangerous to let it go.”

Thucydides, an Athenian and senior military officer who witnessed the rise and fall of his extraordinary city, wrote to tell us that the world is difficult, ambiguous, and complex. Politics and strategy possess too many variables; a few are interdependent. To quote one of his paragraphs to try to explain current events—such as the competition between the U.S. and China—is not enough. The Athenian general wanted us to read his work and to argue with him. That’s why I’ve looked forward to my conversations with the class of 2021 about The History of the Peloponnesian War. Many years from now, when their sons and daughters ask them what they read at university, the members of the last class of the century will be able to say, “I read Thucydides at the Catholic University.”

Miguel Monjardino is a visiting professor of geopolitics and geostrategy at Portuguese Catholic University.

Photo by Sunil Ghosh/Hindustan Times via Getty Images

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Uma certa ideia da França (De Gaulle), uma certa ideia do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Uma certa ideia da França (De Gaulle), uma certa ideia do Brasil

Paulo Roberto de Almeida

Sim, eu tenho uma certa ideia do Brasil, que infelizmente não tem condições, ainda, de se materializar, assim como De Gaulle tinha uma certa ideia da França, ainda que ele tampouco tenha conseguido materializá-la inteiramente. Ele o fez pelo menos em parte, na Libération, em 1944, mas não suportou a mediocridade da política, e logo começou, a partir de 1946, sua longue traversée du désert, que durou até 1957, quando a crise criada pela guerra da Argélia o leva de volta ao poder.

Fez o que pode, criando uma nova República, uma Constituição ao seu gosto, que Miterrand chamou de coup d’État permanent. Saiu em 1969, quando lhe recusaram um Plebiscito de reforma da sua Constituição.

No que me concerne, eu só fiz, até agora, um livro do ciclo bolsolavista que se chama Uma certa ideia do Itamaraty, título diretamente inspirado da frase de De Gaulle. Sabia que era dele, mas não sabia de onde era, onde ele a tinha dito.


 Descobri agora, ao ler este livro, que são as leituras e os escritores que De Gaulle leu ao longo da vida: Alain Larcan, De Gaulle Inventaire: la culture, l’esprit, la foi (Paris: Bartillat, 2010,  979 p.), que eu comprei no Mémorial De Gaulle, em Colombey-les-deux-églises, onde ele está enterrado, no modesto cemitério de uma das duas igrejas.

Pois bem, descubro agora, à p. 335, que ele disse essa frase, “une certaine idée de la France”, a propósito do escritor nacionalista de direita Maurice Barrès, que também tinha a sua petite idée de la France, depois da derrota contra a Prússia, que acabou com o império de Napoleão III, e deu início à 4a República, quando todos eram revanchistas e queriam recuperar a Alsácia-Lorena, perdida em 1870.

Bem, enquanto eu não coloco no papel a minha pequena grande ideia do Brasil, vcs podem ler a minha ideia da reconstrução da política externa e da restauração da nossa diplomacia, ambas arrasadas pelos novos bárbaros, que eu coloquei nesse livro totalmente e livremente disponível na internet: Uma Certa Ideia do Itamaraty (2020), que precede meus dois livros mais recentes (que espero os últimos deste ciclo): O Itamaraty Sob Ataque, 2018-2021: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo (já pronto, em edição Kindle), e Apogeu e Demolição da Política Externa: itinerários da diplomacia brasileira (a ser publicado em formato impresso dentro em breve).

Como Barrès e De Gaulle no caso das derrotas da França, eu não me despero pela miséria atual da política brasileira, mas ainda não escrevi a respeito. Pelo menos para a diplomacia, venho dando meus recados.

Paulo Roberto de Almeida