O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Sergio Florencio: Posse na Academia de Letras de Brasília

Posse na Academia de Letras de Brasília

 

( 14 de agosto de 2024 )

 

Senhor Presidente da Academia de Letras de Brasília

Senhoras e Senhores Acadêmicos e Acadêmicas

Parentes, amigos e amigas

 

Os afetos

Este é um momento singular em minha vida. Sempre gostei de escrever, mas nunca pensei em tornar-me membro de uma academia de letras. Ao longo da vida, publiquei três livros e escrevi muitos artigos. Mas confesso que não me sinto escritor. O verdadeiro escritor não consegue viver sem a escrita. Eu apenas vivo melhor escrevendo. Sou alguém que desde a infância gostou de livros e histórias. Por isso, meus agradecimentos iniciais vão para o amigo Embaixador Sergio Couri que, na qualidade de acadêmico, submeteu meu nome à consideração dos demais; e vão também para o poeta e presidente desta casa, Raul Carnal, que gentilmente aceitou falar sobre minha trajetória nesta solenidade de posse. 

Talvez possa sintetizar o tema deste meu discurso de posse com uma pergunta – o que me fez estar aqui hoje? A primeira resposta é a palavra forte que acompanha a humanidade desde seu surgimento – amor.

Estou aqui porque, um belo dia, um nordestino se encantou por uma carioca, se casaram, tiveram dois filhos, eu e minha irmã Noia. Assim, antes de tudo, sou produto do amor. Tenho uma foto dela muito jovem, vestido elegante da década de 1930, rosto e corpo de manequim, no cenário de uma calçada desenhada de pedras do centro do Rio. Dele tenho uma foto com uniforme de trabalho da companhia canadense de bondes e um boné escrito Conductor.

Minha mãe estudou no Sacré-Coeur, onde cedo aprendeu francês, piano e boas maneiras. Meu pai veio do sertão do Seridó, de Caicó, onde menino andava a cavalo, nadava nas cheias dos açudes e sabia vaquejar. Fugindo da seca, ele rumou para o Sul, adolescente com o primário incompleto. Sentou praça no Exército, entrou para a polícia, foi condutor de bonde, tudo isso junto com os estudos. Mais tarde foi trabalhar no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, onde a função do pai e da mãe também refletia contraste – ele Almoxarife, ela Perito Contadora. 

A segunda razão para eu estar aqui agora também deriva da mesma palavra – amor. Tudo começou numa feste de São João. Eu muito alto, ela de pileque. Depois era ela na Literatura e eu na Economia. “Eu sou funcionário, ela é dançarina”, como na música do Chico. O tempo foi passando, eu fazia o curso Rio Branco e dava aula de economia numa faculdade particular, ela era integrava a primeira e pioneira turma de revisoras mulheres do saudoso Jornal do Brasil. Aí nos casamos, ambos com dinheiro quase imaginário - eu com o curto FGT da Faculdade, ela também com poucos trocados. Mas, como dizem os sábios, nunca se deve desperdiçar uma crise. O Itamaraty demorou a me chamar para assumir em Brasília e fomos viver três meses de encantamento em uma barraca nos campings de Araruama, Cabo Frio, Friburgo e Campos do Jordão. 

Cinco décadas depois, eu escrevia para os filhos essa mensagem. “Cinquenta anos atrás eu partia com sua mãe, um Fusquinha branco, uma barraca, para uma aventura que gerou quatro filhos, sete netas, dois netos, vinte e sete mudanças de casa, sete países, uma Revolução Islâmica , um golpe de Estado latino-americano e muitas coisas que as estatísticas não sabem contar.”

Sobre os quatro filhos, a alegria maior vem do afeto e da diversidade de personalidades. Talvez a origem resida naquilo que aprendemos nos versos de O Profeta, do Khalil Gibran. “Seus filhos não são seus filhos. São filhos e filhas da Vida que anseia por si mesma. Podem abrigar o corpo deles, mas não a alma. Podem se esforçar para ser como eles, mas não tentem fazer com que eles sejam como vocês. Porque a vida não retrocede nem se detém no ontem.”

O primeiro filho, Pedro, tem o atributo mais escasso no Brasil de hoje – um profundo espírito público. Abraçou a carreira de Estado de Gestor de Políticas Públicas, concluiu doutorado na Inglaterra em Direito Econômico, conhece a fundo a máquina do Estado brasileiro. Mas é também o Filho Psicólogo - quando os pais divergem ou se sentem tristes, ele é a fonte de bom senso e de alegria. 

O segundo, Leonardo, a mente clara e brilhante, após concluir um mestrado naLondon Business School decidiu, para grande preocupação dos pais, sair do Banco Central e ir para o setor privado. Sua exitosa trajetória como Executivo de grandes empresas e as atividades inovadoras que desenvolve na avaliação de empresas e arbitragem de litígios revelam o dinamismo e as potencialidades de nossa economia.

O terceiro, Thiago, iraniano, foi estudar História, apesar da insistência da mãe para que seguisse Direito. Eu sempre a contradizia – quem nasceu no meio de uma grande revolução não pode seguir Direito, porque Revolução e Direito são adversários irreconciliáveis. Essa discussão eu ganhei. Hoje ele é professor de História da Cultura Afro-brasileira e Indígena em universidade pública do Cariri cearense e é babalaô do Ifá, uma linha do Candomblé.

O quarto filho, Eduardo, começou na Economia, migrou para a Sociologia, mudou para a Antropologia e terminou diplomata. Encontrou Eva, uma médica alemã, viveram em Tel Avive, Berlim, Dakar, Itzehoe e produziram quatro lindas alemãzinhas. Há um ano se licenciou do Itamaraty, Eva conclui a residência médica perto de Hamburgo, e ele educa as quatro alemãzinhas. Assim, prova que igualdade de gênero não é só retórica. 

Os filhos e as quatro lindas noras geraram sete netas e dois netos, que são nosso grande tesouro. 

Estou aqui hoje também graças aos amigos e amigas do Itamaraty - a instituição de excelência a que tenho a honra de pertencer. Em primeiro lugar, gratidão aos colegas de nossa turma do Instituto Rio Branco (IRBr), em especial ao saudoso Sérgio Amaral, com quem trabalhei no governo Fernando Henrique e muito aprendi. 

Sou igualmente grato a diplomatas de muito valor com quem tive a honra de conviver e trabalhar. Rubens Ricúpero, o “Apóstolo do Real”, autor da obra seminal A Diplomacia na Construção do Brasil, que adotei como livro texto nas minhas aulas no IRBr. Rubens Barbosa, incansável formulador, divulgador e analista de nossa política externa, autor de numerosos livros, artigos e incentivador de pesquisas sobre “o lugar do Brasil no mundo”.

Minha gratidão a outros diplomatas de reconhecido mérito com quem trabalhei, como Paulo Tarso, Ronaldo Sardenberg, Seixas Correa e Marcos Azambuja. Meu reconhecimento ao amigo Paulo Roberto de Almeida, analista sólido, corajoso e combatente em defesa de nossa política externa, a quem chamei de “Embaixador Ombudsman”.

Na volta final ao Brasil, em 2013, trabalhei seis anos no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (IPEA), primeiro como pesquisador e depois como Diretor de Política e Economia Internacional. Lá convivi com economistas brilhantes - como Renato Baumann - de sólida formação e com importantes contribuições na área de economia e políticas sociais. 

Estou também aqui hoje graças a meus amigos-irmãos de infância e adolescência da Silva Teles, uma encantadora rua de Vila Isabel, com quem me encontro para uma comidinha e um chope gelado à beira mar, sempre que vou ao Rio. 

Sou grato a meus ancestrais, ao Abreu e Lima, revolucionário do Pernambuco vanguardista de 1817. Devo muito à minha família ampliada – tios (as), primos(as), sobrinhos(as). Ela tem o elo agregador do saudoso Tio José - o Tio da Eterna Alegria. Já no final da vida, ainda se divertia, com suas quatro cuidadoras, que me remetiam a Pantaleão e As Visitadoras, a sensual história de Vargas Llosa. Essa família ampliada continua sendo fonte de afetos, conflitos e reconciliações, no melhor estilo do programa de televisão A Grande Família.

Minha gratidão a dois amigos eternos. Em alusão a Sigmund Freud, pai da psicanálise, eu o chamava de Sig da Democracia – Luis Carlos Sigmaringa Seixas. Foi embora cedo demais. Mas lá em cima, em caso de polarização celestial, ele deve estar pregando alguma forma de conciliação democrática. O outro, meu amigo-irmão iraniano Majid Abaiian. Ele me ensinou um triste axioma da história – as revoluções devoram seus próprios filhos. 

Dou graças a Deus, a Jesus, ao cristianismo dos primeiros séculos, e a San Charbel, meu santo de devoção. Minha gratidão à psicanálise, que me acompanhou pela vida afora, a Freud e Jung, e a dois grandes amigos - Elias Abdalla e Wagner Rosa. A eles devo a aprendizagem com algumas depressões, um certo amadurecimento e alguma sanidade mental. Com eles aprendi que mergulhar nas nossas sombras pode muitas vezes ensinar o caminho das luzes.

 

Meu antecessor na Academia

Cumprindo a boa tradição desta Casa, tenho a honra de saudar meu antecessor nesta Academia. Infelizmente não conheci João Francisco Guimarães. Entretanto, de seus contemporâneos colhi testemunhos todos muito positivos desse engenheiro eletrônico, matemático, mestre em redes de computadores e professor da Universidade de Brasília.

Seus livros refletem, além dessa sólida formação científica, uma mente eclética, aberta tanto à espiritualidade –Tudo que seu mestre mandar, e Deus te faça feliz - como ao mundo maçônico – Amo a Verdade, Procuro-a e Gotas Maçônicas, Conceitos e Crenças. 

O colega Guimarães granjeou, nesta Academia, a admiração de seus membros, graças à cortesia e à cordialidade que sempre marcaram sua convivência com os demais acadêmicos. Esses traços de sua personalidade ficaram inscritos na memória desta instituição. Sua partida prematura deixou saudade que não posso deixar de evocar neste momento. 

O Desafio da Cadeira Roseana

Há poucas semanas soube que a cadeira que vou ocupar nesta academia tem como patrono apenas, simplesmente, João Guimarães Rosa. Aquele saudado, no livro Primeiras Histórias, por Carlos Drummond, com o poema Um chamado João, cheio de perguntas: “João era fabulista? Fabuloso? Fábula? Sertão místico disparando, no exílio da linguagem comum?” 

Lógico que me senti honrado com essa ponte com Rosa - o escritor encantado, encantador de palavras de mil dicionários de centenas de línguas, existentes ou por ele criadas.

Essa ponte com o grande Rosa muito me honra. Mas também nela sinto-me perdido, como o filho de A Terceira Margem do Rio. Perdido naquele momento, em que, “ sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. ... Perguntei ´Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa? Ele só retornou o olhar em mim. ... Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte”.

Nesses momentos sombrios, tão distantes do self, da chama da alma do Jung, eu começava a ter consciência de que, lá em casa, quem nasceu para literatura foi Sônia, minha mulher, graduada em Letras, Mestre em Linguística, e fina sensibilidade que lembrava aquela livraria de Paris – Le Plaisir du Texte. Ou Thiago, o Filho da Revolução, nascido em Teerã, que por isso mesmo foi estudar História, doutorou-se em Literatura, escreveu o belo livro Nativo Ausente e é hoje BabalaôEsses dois entendem do riscado das letras. Mas, curiosa contradição, quem escreve histórias e ama de paixão a Terceira Margem do Rio sou eu e o filho Pedro – outro economista, vejam só. 

Nesses momentos sombrios, eu queria mesmo era engolir a sabedoria resignada do personagem daquela estória que começa assim. “Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado. ... Na mocidade, muitas coisas lhe haviam acontecido. ... Trouxera, um dia, do pasto ... uma jararacussú, pendurada do focinho, como linda tromba negra com diagonais amarelas, da qual não morreu porque a lua foi boa e o benzedor acudiu pronto.” 

Às vezes também pensava que o melhor mesmo era telefonar para meu amigo de muitos anos, João como o Rosa, mas Almino Inteligente de nascimento, para me dar algum consolo. Ele, que ensinou Rosa a centenas de estrangeiros, em lugares de tanto prestígio como a Universidade Autônoma do México, Berkley, Stanford e Chicago. Ou então, pensei, apelar para a doce, sensível Heloisa Vilhena, escritora de cinco inspirados livros sobre Rosa. Ela bem que podia me dar um Chá de Erva Cidreira de Rosa, e me deixar mais sossegado nessa nobre e inquietante cadeira. 

Mas não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe. Por isso, também tive meus momentos de êxtase. Era quando eu saía da imaginária Terceira Margem para ingressar na primeira das Primeiras Estórias , aquela que exalta As Margens da Alegria. Aquela que começa quando “ia um Menino, com os tios, passar dias no lugar onde se construía a grande cidade. Era uma viagem inventada no feliz; para ele, produzia-se em caso de sonho.” 

De repente, nuvens escuras, sentimentos tristes me carregavam para outras margens, outras viagens, como a última estória – Os Cimos - do mesmo livro, com o mesmo Menino de letra maiúscula. “Outra era a vez. ... Entrara aturdido no avião, a êsmo tropeçante. ... Sabia que a Mãe estava doente.” 

De volta à Terceira Margem, fico matutando, o que pensaria Rosa de tudo isso? Jamais saberemos, nem ele provavelmente sabia. Mas para onde nos levam essas idas e vindas roseanas, “numa canoinha de nada”? Para onde nos leva, em Grande Sertão: Veredas, aquela fala de Diadorim para Riobaldo – “Viver é muito perigoso. Carece de ter muita coragem.”

Cada cabeça, uma sentença. Juntando os quebras e as cabeças, a gente vai encontrando sentidos. Para isso, tem serventia aquela Conversa de Bois. Também nos ajuda muito a pensar e a buscar significados aquela malvadeza sem fim de Nhô Augusto, e a redenção espiritualizada de Matraga, em A Hora e a vez de Augusto Matraga. Também nos serve de inspiração o provérbio capiau “Sapo não pula por boniteza, mas porém por percisão”. Mas, para entender os sabores e os ventos do mundo, eu prefiro mesmo a sabedoria mansa, resignada do Burrinho Pedrês.

 

O Inconsciente

Além daquela palavra mágica – amor - as razões para estar aqui nesta Academia de Letras de Brasília remontam também à missão impossível - qual Pedra de Sísifo - de tentar entender esse país que não é para principiantes. Isso me levou a estudar economia e depois política.

O interesse pela política mora no meu inconsciente e tem uma gênese curiosa. Nasceu num episódio de infância que conto no livro Diplomacia, Revolução e Afetos. De Vila Isabel a Teerã, uma historinha que tem como título Pai, Padeiro e Política, aqui reproduzida em parte.

“Todo dia de manhã, sentado na varanda de nossa casa da vila, meu pai abria o jornal. Lia e esperava o padeiro. Seu Horácio chegava carregando uma cesta enorme de pão nos ombros. Ele era filiado ao Partido Comunista, e meu pai, getulista. Eu ficava ouvindo, não entendia nada da discussão dos dois, mas mesmo assim achava o máximo. 

Para mim, aquilo era uma espécie de jogo de futebol. O padeiro sempre tinha a iniciativa, falava com grande convicção, parecia marcar um gol, mas vinha meu pai com uma ideia que colocava Seu Horácio na defensiva, até engrenar outro forte argumento “Florêncio. Não adianta falar de nacionalismo, criticar o Brigadeiro Eduardo Gomes e defender Getúlio! Enquanto você não aceitar a Luta de Classes, estará sempre equivocado! É isso que move a história. O resto são mentiras para iludir o povo.” 

Eu achava aquilo tudo fantástico. Muitas vezes o argumento de seu Horácio era um chute certeiro, entrando no gol. Mas meu pai conseguia retomar a pelota e a levava até o meio de campo adversário. Era sempre uma notícia que fazia o padeiro hesitar, e colocava meu pai na pequena área, muito perto de fazer um gol. 

Mas, novamente Seu Horácio defendia. Vinha com a história da Luta de Classes e trazia o exemplo da União Soviética, que eliminou a pobreza, a exploração do homem pelo homem com a revolução socialista. 

Aí eu pensava. Pronto. Acabou o jogo, Seu Horácio venceu. Mas, que nada, vinha meu pai com o argumento sempre utilizado nesses momentos decisivos - Ideias Fora do Lugar. Seu Horácio respirava fundo em silêncio. Eu ficava feliz da vida. 

Luta de classes versus Ideias Fora do Lugar. Mas a palavra final não vinha do Movimento Operário nem das Forças Nacionalistas. Esse jogo não tinha juiz, mas tinha fim, com o Imperativo Categórico Kantiano que calava os dois. Seu Horácio, envergonhado, não mais parecia o Senhor do Materialismo Histórico. O padeiro amigo resgatava sua cesta de pão e, dentro dela, lá ia embora o meu doce de bata doce. Dona Arlete, vizinha de porta, gritava bem alto para toda a vila da rua Silva Teles 14-A escutar. “Seu Horácio! Chega de conversa fiada com o Florêncio. Entrega logo o pão que chegou quentinho, mas vou comer frio!” 

 

A razão

Assim sempre terminavam as discussões diárias que povoaram o imaginário de minha infância. A lembrança dessa dialética é para mim repleta de significados. Hoje vejo aqueles debates matinais envolvendo dois contendores, ou dois tipos ideais weberianos: um partidário do totalitarismo, outro defensor do autoritarismo, sendo que a ideia de democracia nem sequer era ventilada. 

Anos mais tarde, estudante da Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tive um encontro mais íntimo com a sociologia política. O mestre Guerreiro Ramos, nosso professor e um dos pais da sociologia no Brasil, formou um grupo de cinco alunos, como assistentes. Nossa função era ler livros e resumir oralmente, para subsidiar sua pesquisa que resultou no livro Administração e Estratégia do Desenvolvimento. Ganhava meio salário-mínimo por mês, mas foi o melhor emprego da minha vida!

Dessa convivência com o mestre Guerreiro, muita coisa ficou registrada para sempre. Por exemplo, do livro Agrarian Socialism, de Seymour Lipset, ficou aquela frase, discutida entre o mestre e o pupilo, que até hoje muito me intriga. “Você pode ensinar socialismo em poucas semanas para um engenheiro. Mas você não pode ensinar em poucas semanas engenharia para um socialista.”

Muitas décadas mais tarde, nos quatro anos que vivi no Irã como jovem diplomata, no final dos anos 1970, me defrontei empiricamente com o embate entre aqueles dois conceitos – o totalitarismo stalinista do padeiro, versus o autoritarismo getulista do pai. O binômio era o mesmo, mas os atores eram diferentes. Quando lá cheguei, o Xá estava no poder, governava com mão de ferro e o braço dos EUA, praticava um autoritarismo repressivo há quase quatro décadas. Mas sua monarquia desmoronou no início de 1979. A Revolução Iraniana, por poucos meses viveu o sonho de uma democracia liberal, e rapidamente o autoritarismo do Xá se transformou no totalitarismo do Aiatolá Khomeini. 

Assim, essa vivência com um Irã autoritário e depois totalitário estimulou em mim o desejo de compreender mais a fundo as razões históricas que levavam países como o Brasil ao pêndulo sem fim que ia de democracias imperfeitas para regimes autoritários. 

 

As Visões do Brasil. Sérgio Buarque e Raimundo Faoro.

Muitas décadas mais tarde, quando regressei ao Brasil após ter sido Embaixador do Brasil em Quito, Genebra (ONU), México e Cônsul Geral em Vancouver, fui trabalhar como pesquisador do IPEA, ao mesmo tempo em que dei aula de História da Política Externa Brasileira (HPEB), no Instituto Rio Branco, durante sete anos, entre 2016 e 2022. Sempre entendi a política externa como a resultante do encontro (ou desencontro) de dois universos - o mundo aqui dentro e o mundo lá fora, ou seja, nunca divorciada da realidade doméstica. Por isso, começava os cursos no Instituto Rio Branco com uma pergunta - Que País é Esse? - inspirada na música da Legião Urbana, de Renato Russo. 

Com essa pergunta em mente, me dediquei a estudar os grandes Intérpretes do Brasil. Mergulhei então na leitura de muitos autores – Guerreiro Ramos, Gilberto Freire, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Caio Prado Junior, José Murilo de Carvalho, Sergio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro. Os dois últimos são para mim as mais importantes fontes para compreender o Brasil de hoje, porque um analisa as raízes de nossa imperfeita democracia e o outro, o resiliente patrimonialismo/corporativismo. 

Sergio Buarque prioriza a “ética de fidalgos”, traço do espírito personalista do português, que marcou a conquista e a colonização do novo mundo. Essa ética condicionou o tipo ideal do aventureiro, que valoriza a audácia, o desafio, ao mesmo tempo que despreza a estabilidade e a segurança. Tem seu contraponto na figura do trabalhador, voltado para a rotina e para o trabalho árduo. 

Aquela “ética de fidalgos” se revela no horror ao trabalho manual e na admiração da atividade intelectual vista como dádiva – talento –, e não como produto do esforço e da disciplina Essa análise vai convergir para o homem cordial(que age com o coração), dotado de uma personalidade emotiva, avessa às convenções e às regras sociais.

Tudo isso fica muito distante da ideia de associativismo, de trabalho em equipe, de solidariedade social. Os diversos prismas e tipos ideais pelos quais Sergio Buarque analisa nossa sociedade – o aventureiro, a ética de fidalgos, o homem cordial – revelam as origens mais profundas e inconscientes de nosso sistema político. Daí a conhecida afirmação de Raízes do Brasil. “A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”. 

Raymundo Faoro procura desvelar a etiologia nossas duas resilientes doenças irmãs – patrimonialismo e corporativismo. Os Donos do Poder denuncia a opressão do Estado sobre a sociedade, considerada a semente dos grandes males do país.

Faoro parte de uma crítica ao marxismo, que apenas em momentos históricos excepcionais – absolutismo, bonapartismo – admite a autonomia do Estado. Em contraste, segue Max Weber, ao atribuir grande peso ao Estado e ao estamento burocrático. A origem seria o Estado absolutista precoce em Portugal, que abriu caminho, no Brasil, para o patrimonialismo e para um capitalismo politicamente orientado, em que as atividades mercantis se subordinariam a um Estado patrimonial-estamental. 

Rupturas com esse modelo são ensaiadas, mas terminam fracassando. A Coroa exercia seu domínio hegemônico e, assim, impedia o avanço do liberalismo. 

A cisão entre Estado e nação é a grande chave explicativa para a recorrência de soluções autoritárias. O Estado patrimonial- estamental foi o grande inimigo da modernidade econômica e do Estado de direito. 

Esse adiamento de uma efetiva modernidade no Brasil engloba também o nacional-desenvolvimentismo e a ideologia nacionalista, uma vez que não se orientam pela ruptura com o arcaico Estado patrimonial-estamental. 

As intervenções autoritárias recorrentes têm papel semelhante. Como ele próprio afirma em Os Donos do Poder, “ o autoritarismo político seria constitutivo à nossa formação, ora sob formas brandas, ora exasperadas”. 

 

Minha visão do Brasil de hoje

O que penso sobre o Brasil de hoje talvez tenha seu começo no registro inconsciente das conversas do padeiro com o pai. Daí passaram, na adolescência, pela conhecida História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman, prosseguiram com O Conceito Marxista do Homem, do popular Erich Fromm, e os Manuscritos Econômicos e Filosóficos, de Marx. As leituras avançaram (ou regrediram) com os grupos de estudo de Poulantzas, Althusser.

Já ingressando na graduação em Economia, as atenções se voltaram para a controvérsia Eugênio Gudin versus Roberto Simonsen, para as leituras sobre economia brasileira - Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Fernando Henrique Cardoso da Teoria da Dependência e muitos cepalinos. Depois vieram as influências de grandes professores do início de Mestrado na Universidade de Brasília – Dionísio Carneiro, Edmar Bacha, Lauro Campos. 

No Mestrado concluído na Universidade de Ottawa, as divergências se ampliaram e englobaram ícones da teoria econômica. Alfred Marshall, o formulador original da teoria neoclássica e dos fundamentos de uma economia competitiva. Joseph Schumpeter, para quem a “destruição criativa” era o motor essencial do capitalismo. Joan Robinson, contestadora do modelo de concorrência perfeita e aguda analista das imperfeições de mercado que explicavam as discrepâncias nos salários e no emprego. Milton Friedman, reconhecido pela rigorosa análise das causas da Grande Depressão, mas popularizado como o inspirador de regimes autoritários, como o do general Pinochet. Finalmente, John Maynard Keynes, o formulador da Revolução Keynesiana, base do New Deal de Roosevelt, e da visão do déficit público como ferramenta para corrigir uma economia funcionando abaixo da plena capacidade. No plano da filosofia e da sociologia política, o fio condutor residiu, entre outros, em John Stuart Mill, do célebre ensaio Sobre a Liberdade, e em Max Weber, da Ética protestante e o Espírito do Capitalismo.

Aqueles Intérpretes do Brasil e esse diversificado conjunto de economistas são os pilares de meu pensamento sobre nosso país. Dois são os grandes desafios. Primeiro, fazer com que a democracia deixe de ser aquele “lamentável mal-entendido” do Sérgio Buarque. Segundo, curar as duas resilientes doenças denunciadas por Raymundo Faoro - o patrimonialismo e o corporativismo. A meta a alcançar será sempre a democracia liberal, baseada no avanço da economia e na ampliação da justiça social. 

Ao fim, relembro a miscigenação cultural que me trouxe ao mundo – o sertanejo do Seridó, que gostava de Humberto Teixeira, Catulo da Paixão Cearense, e a moça do Sacré Coeur, que falava francês e tocava piano. Resgato também o encontro com minha mulher Flor Amorosa, filhos, netos e netas. E finalizo como episódio preferido de meu pai - a sábia tirada do matuto nordestino. Quando perguntado sobre o que achava da vida, respondia sempre “Vivendo e achando bom”. 

 

Muito obrigado

 

Sergio Florencio de Abreu e Lima Sobrinho 

 

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Livro esmiúça 'primeiro golpe' do Brasil, liderado por D. Pedro: Ricardo Lessa (CB)

 Livro esmiúça 'primeiro golpe' do Brasil, liderado por D. Pedro

Segundo o jornalista e escritor Ricardo Lessa, D. Pedro I "estava longe de ser a figura ideal de libertador, como algumas correntes históricas o definem


Correio Braziliense, 20/08/2024

Nas salas de aula, quando se fala em golpes de Estado no Brasil, os atos de 1930, que levaram Getulio Vargas ao poder, e os de 1964, com o início dos governos militares, são sempre os mais lembrados. No entanto, o jornalista e escritor Ricardo Lessa volta ao início do século XIX para contar sobre o processo conturbado da independência do Brasil e a primeira Assembleia Nacional Constituinte, que culminaram no que ele defende ser o "primeiro golpe" do país.

"É um golpe militar que, na época, foi caracterizado assim, inclusive por alguns monarquistas. Um golpe violento, tal como eu cito no livro, e ele abre uma história de golpes militares", afirma Lessa ao Correio Braziliense, em referência ao recém-lançado O primeiro golpe do Brasil. O jornalista foi apresentador do programa Roda Viva, na TV Cultura, além de ter passado por redações de alguns dos veículos de imprensa do país, como o Correio.

Após a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, uma série de episódios tomaram conta dos bastidores do alto escalão da monarquia brasileira. Com o retorno de D. João VI a Portugal, o filho mais velho, D. Pedro I, decidiu ficar no país para manter o legado do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, que antecedeu o período do Império brasileiro.

Com o Brasil independente e Pedro de Bragança no trono, era necessário formar uma constituição para o novo país. Uma primeira assembleia constituinte foi convocada para maio de 1823, motivada por ideias liberais que pretendiam alinhar o Brasil com os novos países que surgiram na América desde o fim do século XVIII. Apesar disso, lembra Lessa, a assembleia foi dissolvida pelo imperador, que perseguiu republicanos, promoveu censura aos meios de imprensa e alimentou-se do escravismo, como trata o autor, em sua obra.

No ano seguinte, o próprio monarca liderou uma nova assembleia constituinte que culminou na Carta Magna de 1824, outorgada, e a primeira do país, que vigorou até o fim do Império, em 1899. "D. Pedro I fez uma constituição outorgada em que ele estava acima da Lei. Então, isso é uma contradição, em termos de você ter um rei acima da Constituição. As constituições foram inventadas para submeter os reis. A gente está cercado de repúblicas por todos os lados e ficamos sendo uma monarquia escravista no ocidente, enquanto não havia mais isso no mundo", frisa Lessa.


O jornalista faz uma comparação do ocorrido em 1823, no Brasil, com o que se passou anos antes, na França, com Napoleão Bonaparte. O déspota francês destituiu o Diretório da Revolução e substituiu-o por um consulado, no que ficou conhecido como o "Golpe do 18 Brumário". "Isso é conhecido como 'coup d'etat' na França e, aqui, nós chamamos de golpe de Estado. Houve o fechamento de um órgão constitucional pela força das armas. Isso é um golpe militar no dicionário de política que todo mundo segue", acrescenta o autor.

No livro, ele também desmistifica a figura heroica do primeiro imperador do Brasil. Na sua visão, D. Pedro I estava longe de ser o ideal de libertador, como algumas correntes históricas o definem. "A monarquia é do gosto de quem quer o despotismo. Quem quer governar acima das leis, que foi o que Dom Pedro I fez. Porque a Constituição que ele outorgou não era igual à que estava sendo discutida e que foi apresentada a ele em setembro", sugere Lessa.

Dias atuais

Com o avanço do autoritarismo em países de diferentes continentes ao redor do mundo, como Venezuela, Coreia do Norte e Nicarágua, a definição de déspota pode ser atualizada para os tempos modernos. Na visão de Lessa, o sonho dos déspotas é o governo de um homem só, como está subentendido na formação da palavra "monarquia", que vem da junção do prefixo "mono" e significa "um" com o termo grego "arquia", que indica "chefia".

"Os déspotas modernos não têm uma raiz de família como era na Idade Média, quando a Igreja abençoava uma família, como os Habsburgo ou os Bragança. Eram famílias aristocráticas que tinham o poder divino de governar grandes territórios, só que o 'trem da história' tirou o poder dessas famílias", sustenta o jornalista. "O que você tem hoje é o ressurgimento de déspotas, que querem submeter o Legislativo e o Judiciário, que são bases para a República, às suas vontades", completa.

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Terei o prazer de coordenar os debates em torno da obra do jornalista Ricardo Lessa em torno de um assunto bastante atual, mas que começou lá atrás, em 1823. "O Primeiro Golpe do Brasil", Dom Pedro I fecha a Constituinte - Lançamento do livro, IHG-DF, 22/08, 19hs. Ricardo Lessa: O Primeiro Golpe do Brasil: Dom Pedro I fecha a Constituinte - Lançamento de livro, IHG-DF, 22/08, 19hs 







O Naufrágio das Civilizações - Amin Maalouf, entrevista

 O Naufrágio das Civilizações 

Amin Maalouf

Dois livros de Amin Maalouf, O naufrágio das civilizações e O labirinto dos desgarrados, ambos lançados pela editora Vestígio, compõem um fascinante painel histórico dos dramas e dilemas do mundo contemporâneo e das relações entre Ocidente e Oriente, entre tradição e modernidade.

Eis uma entrevista com o autor publicada pela Lire la Société.

Vocês podem encomendar os dois livros no site da Trabalhar Cansa ou pelo WhatsApp (11) 97860-6565

P - Qual é o propósito do seu trabalho?

Amin Maalouf - O naufrágio das civilizações começa como memórias íntimas. Depois, aos poucos, evolui para algo diferente. É como se eu olhasse para o mundo da minha infância e depois me mudasse, e, ao me afastar, tivesse uma visão um pouco mais ampla. E aí, principalmente a partir dos meus vinte anos, comecei a observar o mundo de uma forma um pouco mais ampla e a tentar entender o que aconteceu, como chegamos lá.

P - Qual é a sua definição de civilização e como ela “cimenta” as sociedades humanas?

AM - A noção de civilização tal como a utilizo neste livro é bastante simples. É uma referência à ideia que desenvolvemos, especialmente no final do século XX, de um choque entre civilizações. O título do livro desenvolve esta mensagem que diz que, em última análise, são todas as civilizações que naufragam.

Não é uma civilização que está simplesmente lutando contra a outra, todas estão em dificuldades, estão todas desmoronando e, se naufragarem, naufragarão juntas. Tomo a noção de civilização num sentido empírico, não estou tentando voltar à antiga e mais clássica distinção entre civilização, cultura... Diria que é um uso mais comum do termo civilização.

P - Como a herança que você adquiriu ao crescer no Líbano determinou o rumo da sua história?

AM - Acredito que quando você cresce em uma região onde há divergências e conflitos constantes... Você adquire o hábito de observar o mundo de uma determinada maneira. Nascer em uma sociedade já dividida em comunidades, cada uma com sua trajetória, sua história, confere certos hábitos de pensamento, e o fato de vivenciar acontecimentos, também violentos, afeta a forma como vemos as coisas. Não sei dizer exatamente como ter nascido no Líbano afetou a minha visão, mas tenho certeza de que sim.


domingo, 18 de agosto de 2024

Notas de leitura: Emmanuel Todd: La Défaite de l’Occident (Paris: Gallimard, 2024) - Paulo Roberto de Almeida


Notas de leitura: 

Emmanuel Todd: 

La Défaite de l’Occident

Paris: Gallimard, 2024

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 18/06/2024

 

Já manifestei aqui mesmo meus comentários iniciais ao livro provocador de Todd. 

Ver aqui: La Défaite de l’Occident, d’Emmanuel Todd - notas de Paulo Roberto de Almeida

E esta outra postagem: La Défaite de l'Occident, d'Emmanuel Todd: um livro controverso - Marc Polonsky e Paulo Roberto de Almeida


Depois tive de interromper a leitura para atender a demandas mais urgentes, durante dois ou três meses. Retomo agora e vou registrar o que me parecem ingenuidades de um pesquisador sério, mas que obviamente não pode saber de tudo.

Ele acha que a Rússia é uma democracia autoritária; é seu direito. A Rússia  está apenas defendendo o seu espaço contra o Ocidente dominador e mandão. Seja! Ela quer permanecer uma nação soberana, exterior ao sistema ocidental. Será?

Mas, vamos ver o que ele diz de um país, um bloco, que conhecemos bem e ele conhece pouco. O Brasil, o Brics e suas três democracias mais pobres:

“Trois des Brics initiaux sont d’incontestables démocraties: le Brésil, l’Afrique du Sud et l’Inde: elles ont leurs imperfections, mais, si l’on considère l’état actuel de déliquescense des démocraties occidentales, devenues des oligarchies libérsmales, ces imperfections ne sont que des péchés véniels.”

Bem, então segundo Todd, os EUA e os europeus são oligarquias decadentes, mas os três do Brics são autênticas democracias, e nada nada oligárquicas. Eu chamaria isso simplesmente de cegueira.

Para ele, a guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia é uma guerra econômica da Rússia contra o Ocidente, pois a Rússia não quer ser colonizada pelos ocidentais. Ou melhor, a guerra é o resultado da tentativa de dominação econômica ocidental contra a Rússia, inclusive pelo uso de sanções econômicas, como descritas no livro de Nicholas Mulder, The Economic Weapon (2022), que eu já usei em um dos meus textos.

Ele acha que o Resto do Mundo, ou seja, nós mesmos, sustentamos a Rússia contra o bloqueio ocidental, porque não gostamos da Otan. Por isso continuamos a comprar petróleo e gás da Rússia e a fornecer-lhe os materiais dos quais ela necessita para a sua economia de guerra. 

Ele acha que os bloqueios do Ocidente contra o Iraque e a Venezuela destruiram esses paises, que poderiam estar melhores sem as sanções. Para Todd, o Estado americano predador assusta as elites do Resto do mundo.

Todd acha que o Ocidente liberal é uma pequena ilha e que o Resto do mundo é antropologicamente diferente, portanto, não ocidental e não liberal.

Mas no caso Brasil isso não opera totalmente. Somos ocidentais, mas, como ele diz: “L’hostilité du Brésil [aos EUA] est économique et politique.”

Os outros povos se opõem ao Ocidente por uma questão de estruturas familiares patrilineares. O Ocidente acha que o mundo todo deveria aderir aos direitos LGBT, do contrário eles, os países do Resto, nunca serão modernos. A Rússia concorda com Putin na sua hostilidade aos gays. Será verdade?

O problema americano e ocidental seria que eles se tornaram niilistas e oligárquicos, ou seja, sem religião, sem valores morais, e dominados por elites autocentradas e predatórias. Se for isso, o Brasil também se tornou niilista e oligárquico, o que ele já era por sinal. Os EUA particularmente já estavam em decadência desde antes da implosão soviética, entregues ao “Estado Zero da religião”, niilista em suma.

No caso da Ucrânia, Todd acredita que são os EUA que estão em guerra contra a Ucrânia e não o contrário.

Essa é a principal acusação de Todd contra os EUA, e sua justificativa da derrota do Ocidente, a tese principal do seu livro, se deu por motivos antropológicos, culturais e espirituais. 

Todd parece apostar em uma vitória russa na Ucrânia, e creio que essa possibilidade o deixaria satisfeito, pois acabaria comprovando a justeza de sua “tese” - estabelecida a priori - que é a da DERROTA DO OCIDENTE. O Ocidente vai perder porque ele é decadente, não tem valores, é niilista e quer continuar a explorar o Resto do mundo. 

Ele acha que a derrota americana na Ucrânia vai terminar com uma reaproximação da Alemanha à Rússia, pois os dois países seriam complementares. É uma tese ousada, e apoiada numa certa semelhança antropológica entre os dois gigantes da Europa.

Ao fim e ao cabo, a Rússia é ou seria estável e o Ocidente se encontra num despenhadeiro irreversível.

Não tenho certeza de que a marcha da História confirmará a tese de Todd, um provocador por excelência.

Termino aqui, minhas observações sobre o seu livro, mas vou voltar em algum trabalho sobre as mudanças geopolíticas em curso no mundo.

O que posso afirmar com certa confiança é que o Brasil continuará marginal a todas essas mudanças, o que tampouco é negativo, pois nos livra de outros problemas além dos que já temos internamente. Entretanto, cabe registrar que Lula 3 fez uma opção deliberada de unir o seu governo - e não os interesses nacionais - ao campo autoritário da Rússia e da China, o que considero um erro estratégico maior, de todos os seus equívocos já cometidos na política externa. Voltarei a este assunto também.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 18/06/2024

 

Outra postagem sobre o mesmo autor: 

Emmanuel Todd: um demografo intelectual pouco convencional - Herodote 

divulgadas no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/06/emmanuel-todd-la-defaite-de-loccident.html),

 

4621. “La Défaite de l’Occident, d’Emmanuel Todd”, Brasília, 31 março 2024, 3 p. Resenha curta do livro do antropólogo francês. Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/03/la-defaite-de-loccident-demmanuel-todd_31.html)

 

domingo, 31 de março de 2024

La Défaite de l'Occident, d'Emmanuel Todd: um livro controverso - Marc Polonsky e Paulo Roberto de Almeida

 

 Um debate muito importante, não só em relação à Ucrânia, mas ao Ocidente, desafiado pela Rússia e pela China, ambas apoiadas por Lula, do Brasil, num entrevero que não deveria dizer respeito ao Brasil.

Remeto primeiro à postagem da resenha de Marco Polonsly, transcrita neste blog, e depois formulo minhas observações preliminares, pois que estou lendo seu livro no Kindle francês. 


Defeat of the West? 

Emmanuel Todd and the Russo-Ukrainian War

 

by  MARC POLONSKY

The Article, Tuesday March 26, 2024

 

Aqui: Defeat of the West? Emmanuel Todd and the Russo-Ukrainian War - Marc Polonsky (The Article)

Minhas duas últimas nota sobre o debate, prometendo voltar.

Paulo Roberto de Almeida

 

Defeat of the West? Emmanuel Todd and the Russo-Ukrainian War - https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/03/defeat-of-west-emmanuel-todd-and-russo.html?spref=tw

 

Para o Enfant Terrible do contrarianismo francês, o Ocidente e a Ucrânia já perderam a guerra contra a Rússia. Estou lendo o livro no original francês, e pretendo escrever a respeito. Considero exageradas algumas afirmações do Todd, como se a Rússia pudesse prevalecer sobre o conjunto da OTAN: só se os países forem muito covardes.

 

La Défaite de l'Occident, d'Emmanuel Todd é um livro inteligente, mas pré-concebido. Feito para contrariar o senso comum, como os livros anteriores sobre o fim da URRS e sobre o fim do império  americano (que ainda não aconteceu). A Rússia é muito mais frágil do que ele imagina.

Paulo Roberto de Almeida

 

Resumé Amazon.fr: 

L'implosion de l'URSS a remis l'histoire en mouvement. Elle avait plongé la Russie dans une crise violente. Elle avait surtout créé un vide planétaire qui a aspiré l'Amérique, pourtant elle-même en crise dès 1980. Un mouvement paradoxal s'est alors déclenché : l'expansion conquérante d'un Occident qui dépérissait en son coeur. La disparition du protestantisme a mené l'Amérique, par étapes, du néo-libéralisme au nihilisme ; et la Grande-Bretagne, de la financiarisation à la perte du sens de l'humour. L'état zéro de la religion a conduit l'Union européenne au suicide mais l'Allemagne devrait ressusciter. Entre 2016 et 2022, le nihilisme occidental a fusionné avec celui de l'Ukraine, né lui de la décomposition de la sphère soviétique. Ensemble, OTAN et Ukraine sont venus buter sur une Russie stabilisée, redevenue une grande puissance, désormais conservatrice, rassurante pour ce Reste du monde qui ne veut pas suivre l'Occident dans son aventure. Les dirigeants russes ont décidé une bataille d'arrêt : ils ont défié l'OTAN et envahi l'Ukraine. Mobilisant les ressources de l'économie critique, de la sociologie religieuse et de l'anthropologie des profondeurs, Emmanuel Todd nous propose un tour du monde réel, de la Russie à l'Ukraine, des anciennes démocraties populaires à l'Allemagne, de la Grande-Bretagne à la Scandinavie et aux États-Unis, sans oublier ce Reste du monde dont le choix a décidé de l'issue de la guerre.

 

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La Défaite de l’Occident, d’Emmanuel Todd - notas de Paulo Roberto de Almeida

 

 La Défaite de l’Occident, d’Emmanuel Todd

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Resenha curta do livro do antropólogo francês.

 

 

O título é nada menos do que espetacular e espetaculoso: A Derrota do Ocidente, do conhecido antropólogo, cientista político e historiador francês Emmanuel Todd é feito justamente para surpreender, confrontar e amedrontar os ingênuos ocidentais, que acreditam que a sua dominação sobre o mundo seria eterna. Obviamente que não é; como todos os impérios do passado, o ocidental — que na sua forma aglomerada, cristã-europeia, se estabeleceu nos últimos cinco séculos — também será fragmentado, “destruído”, mais exatamente superado por outras conformações civilizatórias, eventualmente imperiais, ou seja, preeminentes e dominantes sobre boa parte do mundo.

Mas Todd se apressa em já declará-lo derrotado, ou seja, vencido por alguma outra força maior. E qual seria essa força, ou quais seriam essas forças? Aparentemente uma, ou as duas grandes autocracias da atualidade, Rússia e China, na ordem de preeminência que se preferir.

O título é, portanto, assustador e prometedor, no sentido em que a decretação da “derrota” parece inevitável e inexorável. Mas já tinha sido assim com dois de seus livros anteriores, que lhe trouxeram fama, e talvez alguma fortuna: La Chute Finale (1976), sobre o fim do império soviético, e Après l’Empire (2002), sobre o declínio econômico dos Estados Unidos.

Nem um, nem outro acabaram ou desapareceram: o império soviético sobreviveu sob uma forma neoczarista, sem as satrapias da Ásia central ou o controle das repúblicas tuteladas e dominadas da Europa central e oriental, mas aparentemente em boas condições no seu novo formato de uma Federação Russa multinacional. O império americano, por sua vez, prossegue “declinando” muito lentamente, e relativamente a outros centros econômicos emergentes, a própria União Europeia a 27, com um PIB comparável, a China com seu capitalismo leninista, e finalmente a Rússia, grande potência militar, mas demograficamente em declínio e sem uma base econômica vigorosa, a não ser seus recursos naturais.

O Ocidente já foi derrotado? Segundo Todd sim, e ele usa como peça central de seu argumento a “vitória” de Putin em sua guerra de agressão contra a Ucrânia e a intimidação decorrente sobre as potências ocidentais, em especial as da Otan.

Seria isso verdade?

Meu argumento é que não, por uma série de razões que não vou expor neste momento, por razões de espaço e de oportunidade – reservando isso a uma resenha detalhada do livro –, mas que vou resumir na seguinte observação: o tal de Ocidente (que não existe como entidade homogênea e unificada, assim como não existe essa entidade mirifica de acadêmicos e demagogos políticos, chamado de Sul Global) não pode ser derrotado de forma integral e direcionada, pois que ele existe e sobrevive de diversas formas e formatos, alguns econômicos, outros políticos e mais geralmente culturais. 

Não se mata uma cultura, como se liquida um império, o que de resto foi provado pela própria sobrevivência do Império do Meio, ainda que o formato imperial tenha sido substituído há mais de um século por uma República, hoje dominada temporariamente por um partido leninista. Tampouco se liquidou a cultura imperial russa, agora na sua forma neoczarista, depois de 70 anos de um império escravocrata bolchevique, seguido por dez anos de confusões políticas e declínio econômico sob uma democracia de fachada, como já tinha sido o caso dos dez meses pré-putsch bolchevique de 1917.

O assim chamado “Ocidente” – muitas aspas, dado seu caráter multiforme – passa por mudanças, inevitáveis, como aquelas que afligem as duas grandes autocracias concorrentes, e aparentemente “vencedoras” na visão de Todd, mas esse “Ocidente” não está nem derrotado, nem será superado por algum outro império irresistivelmente ascendente (como poderiam ser os competidores russo ou chinês).

Os problemas atuais, políticos, econômicos, ou até culturais ou militares, desse "Ocidente" multiforme, serão acomodados e incorporados em novas formas de expressão de sua "fortaleza" cultural de caráter multinacional, multi religioso e multicultural, como é o destino de toda a humanidade no longo prazo.

No curto e no médio prazo, o "Ocidente" encontrará uma forma de salvar a Ucrânia, ainda que diminuída temporariamente territorialmente, e de incorporá-la em suas instituições mais proeminentes: a UE, no plano econômico e institucional, a OCDE, no plano da interdependência de políticas econômicas, ainda que por vezes contraditórias, e a OTAN, como ferramenta temporária de defesa militar, que se mantém há mais de 70 anos e ainda tem alguma utilidade (que o digam os bálticos, e agora a Finlândia e Suécia).

Todd não é um "putinófilo", como o acusam alguns no "Ocidente"; ele é apenas um provocador inteligente e bem articulado. Ele queria assustar os "ocidentais", épater les bourgeois, diriam os poetas e militantes antigamente, e o conseguiu. Seu livro é muito interessante e vale ser lido com o espírito desprevenido, aceitando algumas coisas, recusando certos exageros – como o do título, por exemplo – e sobretudo levando em consideração certos fatores que não dependem da vontade dos políticos, sejam eles estadistas – faltam muitos no Ocidente atualmente – ou os tiranos de autocracias aparentemente bem-sucedidas (no momento).

Vou fazer uma resenha completa assim que puder e terminar o livro. Já deve ter alguma edição brasileira em andamento, ou alguma inglesa já pronta.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4621, 31 março 2024, 3 p.

            Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/03/la-defaite-de-loccident-demmanuel-todd_31.html)

Academia.edu: (link:https://www.academia.edu/121207425/4688_Emmanuel_Todd_La_Defaite_de_lOccident_notas_de_leitura_2024_).

 

Prefácio de Rubens Ricupero ao livro do embaixador Synesio Sampaio Goes Filho sobre Alexandre de Gusmão (Vermelho)

 

 NACIONAL POLÍTICA

Leia o prefácio de Rubens Ricupero que foi censurado pelo Itamaraty 

O embaixador aposentado Rubens Ricupero, crítico da política externa do governo Bolsonaro, considerou “infantilidade” o veto do chanceler Ernesto Araújo a um livro do Itamaraty por questões pessoais. Ricupero fez o prefácio da biografia de Alexandre de Gusmão, escrita pelo embaixador Synesio Sampaio Goes Filho, por encomenda da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao ministério. Em julho, ao entregar os originais, Goes Filho foi avisado de que o livro só seria publicado sem o prefácio.

Vermelho, 03/08/2019 10:03

https://vermelho.org.br/2019/08/03/leia-o-prefacio-de-rubens-ricupero-que-foi-censurado-pelo-itamaraty/

 


Com o título Alexandre de Gusmão (1695-1753): O Estadista que Desenhou o Mapa do Brasil, o livro deveria ser publicado neste segundo semestre. “É um texto dirigido, sobretudo, a interessados em história diplomática. Uma razão a mais para concluir que a atitude de vetar o prefácio é, no fundo, uma infantilidade de efeitos contraproducentes para os que a adotaram”, afirmou Ricupero, que também é historiador e foi embaixador em Washington.

Autor do ensaio sobre Gusmão – que é considerado o “avô” da diplomacia brasileira –, Goes Filho também protestou. “Isso é censura, obscurantismo. Desse jeito, nenhum embaixador de prestígio vai poder publicar”, afirmou ele à Folha de S.Paulo. “É um assunto do século 18, e o autor foi vetado porque critica o ministro – não pelo que escreveu.”

Ao lado de outros veículos e em solidariedade a Goes Filho e Ricupero, o Vermelho divulga abaixo a íntegra do texto censurado pelo Itamaraty.

Alexandre de Gusmão (1695-1753): O Estadista que Desenhou o Mapa do Brasil

PREFÁCIO 

Por Rubens Ricupero


Synesio Sampaio Goes Filho realizou neste livro em relação ao principal autor do Tratado de Madri o que havia feito para a formação das fronteiras do Brasil: tornou acessível ao leitor de hoje a compreensão de uma história que se convertera em algo de remoto e abstruso.

Nem sempre fora assim. Até sessenta ou setenta anos atrás, a história diplomática do Brasil parecia às vezes dominada pela história das fronteiras. Na atmosfera de justa satisfação pela solução definitiva dos problemas territoriais do país levada a cabo pelo barão do Rio Branco, multiplicaram-se os estudos das questões fronteiriças, frequentemente escritos por diplomatas de carreira com vocação de historiadores.

Um dos mais produtivos entre esses autores, o embaixador Álvaro Teixeira Soares, resumiu com felicidade o sentimento que animava tais estudos. A solução sistemática dos problemas fronteiriços iniciada sob a monarquia e concluída por Rio Branco, escreveu Teixeira Soares, merecia ser considerada como uma das maiores obras diplomáticas realizadas por qualquer país em qualquer época. Não havia exagero em descrever desse modo o processo pacífico de negociação ou arbitragem pelo qual se resolveu metodicamente cada um dos problemas de limites com nada menos de onze vizinhos contíguos e heterogêneos (na época do Barão, o Equador ainda invocava direitos de fronteira com o Brasil, em disputa resolvida com o Peru somente muito mais tarde).

Passada a fase em que era moda escrever livros sobre fronteiras, o assunto perdeu grande parte do atrativo. Julgava-se que nada mais havia a dizer a respeito de problema já resolvido. Desconfiava-se de obras assinadas por funcionários diplomáticos, confundidas com a modalidade de publicações destinadas a engrandecer a própria instituição. Livros sobre discussões limítrofes, antes tão populares, tornaram-se difíceis de encontrar e mais difíceis de ler. O estilo envelhecera, os métodos da historiografia passada davam a impressão de obsoletos, a narrativa soava monótona, demasiado descritiva, apologética, pouco crítica, cansativa na enumeração de intermináveis acidentes geográficos.

Foi nesse panorama estagnado que Synesio teve a coragem de escolher para sua tese no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco em 1982 o tema enganosamente escondido sob o modesto título de Aspectos da ocupação da Amazônia: de Tordesilhas ao Tratado de Cooperação Amazônica . Lembro bem da surpresa positiva que causou a dissertação, pois fazia parte na época da banca examinadora do exame. Fui assim testemunha do surgimento de uma vocação singular de historiador voltado para recuperar a desgastada tradição de estudos fronteiriços.

Estimulado pela recomendação de publicação da banca, o autor ampliou e enriqueceu o trabalho, editado pelo Instituto de Pesquisa em Relações Internacionais (IPRI), em 1991, sob o título de Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas: Um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. O livro teve o efeito de uma janela que se abria na atmosfera bolorenta da antiquada história das fronteiras, fazendo entrar o ar fresco da renovação modernizadora.

Redigida em linguagem límpida, objetiva, expressiva na sóbria elegância, a narrativa envolve o leitor em viagem sem esforço pela fascinante evolução do território brasileiro na sua fase de expansão, de avanços e recuos na Amazônia, no Extremo Oeste, na região da Bacia do Prata. Demonstra como se revelou constante em toda essa história a articulação do impulso pioneiro de exploradores, homens práticos determinados na busca de compensações materiais, com o trabalho cuidadoso de diplomatas e estadistas que legitimaram em instrumentos jurídicos o que não passava no início de ocupação precária de terras duvidosas.

Um dos méritos originais do livro consistiu em resolutamente colocar de lado a mitologia criada em torno de uma suposta linha que teria sido invariavelmente seguida por todos os governos brasileiros, refletindo uma doutrina inabalável ao longo dos séculos. Segundo tal linha de argumentação, desde os primórdios os políticos e diplomatas do Império teriam sustentado que o Tratado de Santo Ildefonso (1777) havia perdido a validez ao não ser explicitamente revalidado depois da fugaz Guerra das Laranjas (1801) no Tratado de Badajoz. Não existindo, portanto, direito escrito para definir as fronteiras, estas deveriam ser estabelecidas – seria o segundo postulado pretensamente imutável – de acordo com o princípio do uti possidetis , isto é, obedecendo à posse efetiva no terreno. O Tratado de Santo Ildefonso serviria apenas de maneira subsidiária para ajudar a dirimir dúvidas onde não se verificasse a ocorrência de posse ou não houvesse contradição entre o tratado e a posse.

O argumento apresentava alguma utilidade para comprovar a antiguidade e constância das pretensões brasileiras. Não passava, no entanto, de artifício de negociação, sem amparo real na realidade histórica. Synesio Sampaio Goes não se intimidou com a longa sequência de respeitados estadistas e estudiosos que haviam cercado essas afirmações com a proteção de sua autoridade e de seu prestígio. Mostrou com exemplos irrefutáveis que nenhum dos postulados havia sido verdade absoluta adotada em todos os casos. Não faltavam decisões e pareceres do Conselho de Estado advogando em favor da adoção de Santo Ildefonso como orientação para fixar fronteiras. Nem de episódios em que o Conselho ou o governo tinham recusado recorrer ao uti possidetis como critério para traçar limites.

Longe de enfraquecer a tradição brasileira em matéria de negociação de fronteiras, o trabalho de reconstituição da verdade efetuado pela obra conferiu historicidade e verossimilhança às doutrinas defendidas pelo Itamaraty, voltando a situá-las no contexto próprio do tempo em que foram definidas e no das circunstâncias que as modificaram. O desmonte da retórica apologética permitiu que aparecesse a verdade de uma evolução gradual, de tentativas e erros, de afirmação progressiva das teses mais convenientes. A narrativa fiel aos fatos fez emergir do passado uma diplomacia conscienciosa de estudo de mapas, de exploração de velhos arquivos, de construção paciente de doutrinas jurídicas adaptadas à situação de país cujos títulos originais a boa parte de seu futuro território eram pobres ou inexistentes. O resultado final, além de verdadeiro, valorizava em vez de empobrecer os méritos dos diplomatas que construíram a história do mapa do Brasil.

Na origem de toda essa história encontrava-se o alto funcionário da Corte portuguesa a quem se devia, mais que a qualquer outro, a definição do perfil territorial do Brasil, Alexandre de Gusmão. Brasílico, como se dizia na época, nascido obscuramente na humilde, insignificante Vila do Porto de Santos, tratava-se de personagem que atuara de modo discreto nos bastidores do poder. Permanecera quase anônimo por longo tempo, mais de um século, apesar de um ou outro estudioso mais arguto como o barão do Rio Branco ter reconhecido o papel que desempenhara.

Coube a um exilado político no Brasil do regime salazarista, o historiador português Jaime Cortesão, a tarefa de resgatar da penumbra da história a figura de Gusmão, desentranhando do silêncio dos arquivos os documentos que praticamente revelaram ao mundo a história real que se escondia por trás da negociação do Tratado de Madri (1750). Synesio Sampaio Goes, que já produzira o moderno clássico do estudo e da análise da história geral das fronteiras brasileiras, retrocede agora ao ponto de partida de onde tudo começou a fim de examinar como se chegou a pacientemente preparar a maior de todas as vitórias da diplomacia luso-brasileira na consolidação da expansão territorial do Brasil, o Tratado de Madri.

Conforme afirmei lá no início do prefácio, as duas realizações de Synesio, a da história completa, abrangente das fronteiras, e hoje a do Tratado de Madri e de seu autor mais importante, possuem uma característica definidora comum. Ambas reexaminam com olhar crítico o volumoso material existente, desbastam esse acervo daquilo que apresenta relevância menor para o leitor culto de nossos dias, reconstruindo com estilo contemporâneo, metodologia e linguagem atualizadas, narrativas que corriam o risco de não mais serem lidas a não ser por raríssimos especialistas.

Tome-se, por exemplo, o caso da obra magna de Jaime Cortesão, Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri, publicada nos anos 1950 pelo Instituto Rio Branco em nove alentados volumes com milhares de páginas de reprodução de documentos e mapas. Quem hoje em dia se disporia a ler a obra inteira? Mesmo a edição compacta em dois tomos restritos à vida e realizações de Alexandre de Gusmão, editada em 2016 pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, estende-se por mais de oitocentas páginas de letra miúda, recheadas de longas discussões de erudição de interesse relativamente menor para o leitor médio.

Synesio não só torna a história dos limites e a de Alexandre de Gusmão acessíveis e atrativas aos leitores e estudiosos atuais. Ao modernizar e submeter a rigoroso crivo crítico tais narrativas, realiza obra original de mérito indiscutível. Ao discutir as hipóteses mais especulativas a respeito de incidentes da biografia de Gusmão, a autoria pessoal das instruções que orientaram o negociador português do Tratado, concepções intelectuais que teriam inspirado as ações lusitanas, o autor pesa com cuidado os argumentos e chega a conclusões que comandam o consenso pelo realismo, prudência historiográfica e bom senso.

Essas qualidades se destacam, entre outras passagens, nas que relativizam e moderam o entusiasmo raiando ao misticismo de Jaime Cortesão ao tratar de alguns mitos da história colonial como o da célebre “ilha Brasil”, a existência de um território delimitado de um lado pelo oceano Atlântico e no oeste por dois grandes rios que confluiriam para um mítica lagoa no interior das terras sul-americanas. A sobriedade nas avaliações e juízos confere veracidade digna de fé às afirmações amparadas, na falta de documentos conclusivos, por critérios de probabilidade e verossimilhança.

O autor faz bem de chamar ensaio biográfico o estudo da vida e ação de um personagem que viveu na primeira metade dos Setecentos. Faltariam elementos probatórios para tentar reconstruir a respeito da figura de Gusmão aspectos minuciosos da infância, da formação da personalidade na adolescência e juventude, das leituras e experiências definidoras como pretendem às vezes realizar exaustivas biografias de personalidades mais perto de nós. Uma técnica de narrar que funcionou de modo eficaz na construção da obra foi a de alternar o tempo todo a vida de Alexandre de Gusmão e a evolução dos acontecimentos que criariam as oportunidades para suas realizações. Basta passar os olhos pelo índice para perceber a dosagem alternada de matérias de contextualização — o Brasil, Portugal na época — com os capítulos biográficos — começos de vida, diplomata aprendiz, secretário real — voltando à colônia no apogeu do ouro, mas sem fronteiras, a relação do brasílico com sua distante pátria, os problemas do contrabando.

O estudo se revela particularmente útil no exame minucioso do que viria a ser presumivelmente a mais importante negociação territorial da história brasileira, culminando num tratado que de certa forma equivaleria a uma espécie de “escritura de propriedade” do território que forma o Brasil de hoje. Já se disse outras vezes e ressalta bastante deste livro a originalidade múltipla do Tratado de Madri. Num período em que quase todos os tratados de limites se originavam de guerras e refletiam a correlação de forças no campo de batalha, o acordo de 1750 foi exceção, negociado e concluído depois de longos anos de paz entre Portugal e Espanha.

Em contraste com a maioria dos inúmeros acordos limítrofes que o Brasil independente assinaria no futuro, o de Madri se salientou por desenhar a linha completa do mapa do Brasil ao longo de milhares de quilômetros de fronteiras terrestre. Não era o que desejavam os espanhóis, mais uma vez empenhados em somente limitar o ajuste a alguns setores de seu particular interesse, sobretudo na região da permuta da Colônia do Sacramento pelos Sete Povos das Missões do Alto Uruguai. Graças à firme insistência dos negociadores lusos é que se conseguiu definir o que, com ajustes relativamente menores, haveria de ser na prática o perfil territorial do Brasil moderno.

O Tratado de Madri tornou possível outra originalidade da história da formação territorial brasileira: a de que ela se encontrava virtualmente terminada antes da Independência. Em termos gerais, o chamado expansionismo, que foi a rigor muito mais português que brasileiro, alcançava quase seu limite máximo na véspera da Independência. Compare-se com a expansão norte-americana, que tem início a partir da Independência de 1776, para perceber a diferença das implicações que esse fato acarretaria para o relacionamento do país independente — Estados Unidos da América ou Brasil — com seus vizinhos igualmente independentes, México, no exemplo norte-americano, os dez vizinhos brasileiros, com o enorme contraste em termos de herança de ressentimentos históricos.

Vários dos estudiosos do Tratado de Madri fizeram questão de destacar que ele se adiantou a seu tempo na razoabilidade e no equilíbrio das concessões, no seu legado central, que consistiu em reconhecer de direito o que já ocorrera no terreno da prática: a supremacia da expansão luso-brasileira na Amazônia e no centro-oeste da América do Sul em câmbio do prevalecimento dos interesses castelhanos na Região da Bacia do Prata. Talvez se deva, em última instância, a esse espírito avançado em relação à época que o tratado tenha sido tão fugaz na duração formal: pouco mais de dez anos até a anulação pelo Tratado de El Pardo (1761).

Um dos enigmas da história luso-brasileira é entender por que o governo português, principal beneficiário dessa obra-prima de sua diplomacia, se converteu, em poucos anos, num dos mais ativos fatores de sua destruição. Os historiadores, entre eles Jaime Cortesão, alinham, é claro, argumentos e razões, que soam desproporcionalmente fracos para explicar erro tão grave de avaliação. Não é este o lugar para examinar a questão, de que procurei tratar em livro recente. De todo modo, o que conta é que, depois de vicissitudes e revezes sem conta perfeitamente possíveis de evitar, o espírito do Tratado de Madri acabaria por prevalecer. Esta constatação é seguramente a maior demonstração do gênio criador de Alexandre de Gusmão, capaz de sobreviver até à maligna inveja do marquês de Pombal, seu poderoso e overrated rival.

Em vida, Gusmão não alcançou recompensa nem reconhecimento pelo que fizera. Morreu no ostracismo, sem poder, com dificuldades financeiras. A Representação que dirigiu ao rei D. João V em fins de 1749, pouco antes do desaparecimento do monarca, ficou sem resposta. Permaneceria no limbo da história até meados do século XX, quando, graças a Jaime Cortesão, viu finalmente apreciada e valorizada sua contribuição com as seguintes palavras:

“Precursor da geopolítica americana; definidor de novos princípios jurídicos; mestre inexcedível da ciência e da arte diplomática, Alexandre de Gusmão tem direito a figurar na história como um construtor genial da nação brasileira, pela clarividência e firmeza de uma política de unidade geográfica e defesa da soberania, que antecipam, preparam e igualam a do Barão do Rio Branco”.

O primoroso ensaio biográfico que Synesio Sampaio Goes Filho dedica a sua memória reexamina, atualiza e ratifica, ponto por ponto, a justiça e exatidão do julgamento tardio da posteridade.


Rubens Ricupero, São Paulo, 16 de junho de 2019.

 

Fracasso de pressão por democracia pode abrir precedente para invasão da Venezuela? - Sean Burges (Interesse Nacional, Estadão)

 Opinião

Fracasso de pressão por democracia pode abrir precedente para invasão da Venezuela?

O regime de Maduro não vai deixar o poder, o que deixa Lula e seus contemporâneos nas Américas com uma pergunta terrível

Por Sean Burges

Interesse Nacional, Estadão, 17/08/2024

 

Para surpresa de ninguém, o autocrata-chefe venezuelano Nicolás Maduro manipulou a eleição presidencial de 28 de julho para permanecer no cargo. A condenação da maior parte do mundo foi igualmente previsível, mas também tocante em suas esperanças ingênuas de que a pressão internacional trará mudanças.

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O regime de Maduro não vai a lugar nenhum, o que deixa Lula e seus contemporâneos nas Américas com uma pergunta terrível: é mais eficaz simplesmente conter o Estado falido na Venezuela ou deve-se estabelecer um precedente com uma invasão pró-democracia no país?

Um retorno muito rápido à teoria nos ajuda a explicar por que o mundo está tão impotente para precipitar mudanças positivas na Venezuela.

América Latina da década de 1980 foi uma espécie de laboratório para investigar transições do autoritarismo para a democracia. Os estudiosos analisaram as diferentes transições extensivamente, resultando em inúmeros estudos que continuam a oferecer lições inestimáveis para os dias de hoje, mesmo que os formuladores de políticas pareçam relutantes em aventurar-se nas prateleiras empoeiradas da biblioteca para recuperá-los.

Talvez o livro mais perceptivo (e também curto) seja o volume quatro da série Transitions from Authoritarian Rule publicado em 1986. Popularmente conhecido como o Livro Verde pela cor da sua capa e subtitulado Tentative Conclusions About Uncertain Democracies, o argumento escrito por Guillermo O’Donnell e Philippe C. Schmitter baseou-se nos três outros volumes da coleção para explicar quais condições precisam estar presentes para que uma transição democrática comece e tenha sucesso.

Como explicam os autores, existem dois grupos principais em qualquer regime autoritário. Os “dictaduros”, ou linha-dura, estão profundamente comprometidos em manter o poder e resistirão a qualquer tentativa de removê-los do cargo.

Por outro lado, os “dictablandos”, ou moderados, acreditam que permanecer no cargo não é do interesse pessoal deles, nem do interesse militar/país, e, portanto, apoiam uma transição controlada para o governo democrático. O autoritarismo persiste quando os “dictaduros” mantêm a vantagem; a democratização ocorre quando os “dictablandos” estão em ascensão e conseguem convencer seus colegas a ceder o poder.

 

O trabalho de O’Donnell e Schmitter enfatiza dois problemas imediatos para aspirantes a democratas na Venezuela, bem como uma mudança estrutural crítica na economia venezuelana para outros países que defendem a abertura política lá.

Primeiro, quase não há mais “dictablandos” no regime venezuelano. Um quarto de século de governo chavista praticamente expurgou os liberais da administração bolivariana. Pior, aqueles democratas que restam nas instituições e na sociedade venezuelanas estão atualmente sendo capturados e encarcerados pelas tropas de choque de Maduro.

Em segundo lugar, supondo que um pequeno grupo de “dictablandos” tenha conseguido sobreviver dentro das Forças Armadas – e são as Forças Armadas que, em última análise, determinarão se o regime permanece ou cai – as circunstâncias atuais sugerem que eles não terão sucesso em convencer os “dictaduros” a suavizar sua posição. Afastar-se do poder traria, no mínimo, uma perda de privilégio e riqueza pessoal, o que, dado o estado atual da economia venezuelana, não é algo que a maioria dos atores racionais consideraria. Mais francamente, ceder o poder atualmente não tem nenhuma vantagem para Maduro e seus “dictaduros”.

A comunidade internacional conseguiu pressionar as ditaduras latino-americanas porque as elites econômicas domésticas que as sustentavam precisavam de acesso aos mercados regionais e globais. (...) Nada dessa lógica econômica se aplica à Venezuela hoje.

Como foi o caso nas décadas de 1970 e 1980, a comunidade internacional está ciente desse dilema. A pressão política externa foi um componente crítico para tirar do poder ditadores tão diversos quanto Pinochet no Chile e Stroessner no Paraguai. A pressão sobre os atores econômicos domésticos pela comunidade internacional traduziu-se em apelos locais das elites por mudança de regime em setores dependentes de vínculos externos.

O desafio hoje é que a alavancagem usada no século passado não está disponível na Venezuela de hoje.

A comunidade internacional conseguiu pressionar as ditaduras latino-americanas porque as elites econômicas domésticas que as sustentavam precisavam de acesso aos mercados regionais e globais. Mesmo no caso do regime criminoso de Stroessner no Paraguai, o acesso ao mercado brasileiro permaneceu crucial, permitindo que os oficiais em Brasília obrigassem a adoção de uma democracia formulaica em 1989 e um governo representativo mais substantivo ao longo da década de 1990. Nada dessa lógica econômica se aplica à Venezuela hoje.

A ditadura de Maduro é sustentada por uma teia complexa de atores militares, gangues criminosas e facções de grupos paramilitares estrangeiros, como ELN e Farc da Colômbia. São esses atores que controlam a produção e o tráfico de cocaína, a mineração e os últimos vestígios de uma indústria petrolífera em rápida desintegração, além de uma série de outras empresas criminosas domésticas.

A pressão econômica do tipo visto na década de 1980 simplesmente não se aplica a essas empreitadas criminosas, isolando os poderosos na Venezuela da condenação internacional e das sanções econômicas. Onde a pressão internacional poderia importar, como nas exportações de petróleo e ouro, existem muitas alternativas com agentes baseados em países como Rússia, Irã, Turquia e Emirados Árabes Unidos.

Isso deixa as vozes do hemisfério ocidental que clamam por democracia – sejam elas as vozes quietas nos bastidores da equipe de Lula ou o mais confrontador diretamente Boric no Chile – gritando ao vento.

 

Governos como o de Lula no Brasil, portanto, enfrentam uma decisão desconfortável: é mais barato conter a crise ou invadir? Pior, dada a criminalização maciça do Estado e da economia venezuelanos, a remoção de Maduro poderia empurrar o país para o abismo de um verdadeiro estado falido?

Para o futuro previsível, parece que levar a democratização à Venezuela exigirá uma intervenção direta e aberta de algum tipo. Não apenas essa abordagem é contrária à tradição histórica nas Américas, mas impor a democracia externamente também é um negócio caro, demorado e incerto. A questão então é se os custos da instabilidade política, outra fuga em massa, colapso econômico, criminalidade crescente e degradação ambiental acelerada na Venezuela subirão a ponto de a comunidade interamericana ser forçada a passar da retórica à ação concreta.

Por enquanto, uma invasão democratizante da Venezuela é uma opção que deve ser deixada na gaveta. Os esforços devem ser dedicados à criação de “dictablandos”, fornecendo garantias àqueles em posição de conduzir a mudança de regime interno de que sua riqueza e privilégio sobreviverão à democratização, mesmo que isso signifique viver seus dias em uma cobertura no Rio de Janeiro ou em um condomínio em Miami.

Esperamos que essas sejam as promessas que Celso Amorim está sussurrando aos seus colegas em Caracas. O que parece quase completamente certo é que a democracia permanece uma miragem distante para o povo da Venezuela.


Opinião por Sean Burges

Sean Burges é colunista da Interesse Nacional e professor de estudos globais e internacionais na Carleton University. É autor dos livros ‘Brazil in the World’ e ‘Brazilian Foreign Policy After the Cold War’.