A única crítica mais consistente que o autor da resenha faz ao livro do historiador Niall Ferguson, sobre o império americano (empire in denial, segundo o britânico), segundo a qual, a "maior vulnerabilidade do livro é a pouca importância que o autor dá ao papel da Organização das Nações Unidas e à legislação internacional", está errada, pois o império não teria porque atribuir maior importância a um dinossauro ineficiente como a ONU, e portanto o historiador britânico não pode ser culpado de não dar muita importância ao que Charles De Gaulle chamava de "grand machin".
No resto ele apresenta mal o que seriam as virtudes do império americano, mas passa por uma resenha mal feita que serve apenas para chamar a atenção para este livro.
As traduções brasileiras são tardias, geralmente mal feitas, e as edições nacionais de livro não valem o papel em que são impressas: muito caras.
Recomendo comprar um exemplar em pocket book da Abebooks.com: vai sair por UM dólar, e mesmo pagando 10 ou 12 de frete, ainda assim sempre vai custar três a quatro vezes mais barato do que a edição brasileira (com a vantagem de estar no original).
Paulo Roberto de Almeida
Geopolítica:
Tarefas para um gigante liberal de pouca disposição
Oscar Pilagallo
Valor Econômico, 02/08/2011 – pág. D12
"Colosso - Ascensão e Queda do Império Americano"
Niall Ferguson. Trad. de Marcelo Musa Cavallari. Planeta. 444 págs., R$ 44,90
Se há algo que não falta a Niall Ferguson é a coragem da clareza. Enquanto intelectuais conservadores preferem chamar os EUA de líder, potência ou poder hegemônico, o autor britânico dispensa os eufemismos e usa o termo que considera historicamente mais correto: império.
A palavra tem forte conotação negativa. Quem a utiliza em geral quer criticar o país assim qualificado, e não é por outro motivo que ela não integra o léxico dos governantes americanos. A coragem de Ferguson está justamente em se referir a império como algo bom, e em defender, em "Colosso", que os EUA assumam de vez tal condição.
O historiador só não é transparente ao sugerir que ocupa uma posição equidistante dos polos ideológicos, afirmando ter sido criticado à direita e à esquerda. Muitos conservadores, de fato, não endossam sua tese, por preferirem uma política isolacionista para os EUA, o que é incompatível com o papel de poder imperial. Mas as maiores críticas vêm, naturalmente, da esquerda. Embora Ferguson talvez rejeitasse a etiqueta, ele ficaria mais à vontade na companhia dos neoconservadores.
Ferguson afeta uma candura que parece na medida para provocar os críticos dos EUA. "Minha tese", afirma o historiador, "é de que muitas partes do mundo se beneficiariam de um período de domínio americano." Ele não vê nada errado com a noção de "soberania limitada", e acha que o império propugnado deveria intervir em países irremediavelmente pobres ou politicamente instáveis, a exemplo do que aconteceu com a Alemanha e o Japão depois da Segunda Guerra Mundial.
Ação de tamanha envergadura não ficaria a cargo de um império qualquer, mas de um "império liberal". O que significa isso? "Um império que não apenas subscreva a livre troca internacional de mercadorias, trabalho e capital, mas também crie e mantenha as condições sem as quais os mercados não podem funcionar", como a paz e a ordem. Caberia também a esse império "prover bens públicos, como infraestrutura de transporte, hospitais e escolas, que não existiriam de outra maneira".
A defesa enfática de um império americano é contrabalançada pelo ceticismo de seu advogado. Ferguson não acha impossível que os EUA se pautem por seu prognóstico, mas admite que as dificuldades seriam grandes. Entre os obstáculos à frente, ele identifica o que chama de três déficits: econômico, pessoal e de atenção.
Os dois primeiros - o elevado custo de se manter um império nas bases propostas e a insuficiência de soldados - poderiam ser contornados, segundo o historiador. Os recursos econômicos existem; a questão, política, é como distribuí-los no orçamento. Quanto aos recursos humanos, também estariam disponíveis, desde que o país recorresse ao exército de desempregados, à enorme população carcerária ou instituísse o serviço militar obrigatório. O terceiro obstáculo, o déficit de atenção, seria ainda maior, segundo Ferguson. Trata-se da falta de disposição de investir pelo tempo que for necessário nos países sob intervenção. Para o autor, essa característica faz dos EUA um "império em negação".
Vencer tais barreiras significaria promover drásticas mudanças estruturais no comportamento, na cultura, na política e na economia dos EUA. É um esforço que não parece estar nos planos dos governos americanos nem no horizonte do país. Hoje, na metáfora de Ferguson, os EUA são um "colosso sedentário", "um gordo no sofá estratégico". A pergunta é: por que ele haveria de abandonar o conforto e se mexer? Porque, responde o autor, a alternativa seria aterradora.
Como o poder não admite o vácuo, diz ele, a relutância dos EUA em desempenhar seu papel de império permitiria a volta de um mundo multipolar, com a tensão militar que lhe é inerente, ou, pior ainda, criaria um universo apolar. Ferguson carrega nas tintas ao se referir à ameaça: "Apolaridade pode acabar se mostrando não a utopia pacifista conjeturada na chorosa 'Imagine', de John Lennon, mas uma nova Idade das Trevas anárquica".
Não se trata de recurso retórico. O historiador prevê mesmo que, sem o tal império liberal assumido, haveria uma volta ao ambiente dos séculos IX e X, com renascimentos religiosos e recuos para cidades fortificadas. A experiência seria potencializada pelas novas tecnologias, disponíveis a tiranos e terroristas.
Para evitar a materialização desse cenário, Ferguson sugere que os EUA aprendam com os erros dos impérios anteriores. Em sua contabilidade, houve, até hoje, 70 impérios. O americano, apesar de suas peculiaridades, tem algo em comum com vários deles. O Império Romano oferece um parâmetro recorrente, mas Ferguson prefere o exemplo do império britânico, do qual ironicamente os EUA se libertaram.
A maior vulnerabilidade do livro é a pouca importância que o autor dá ao papel da Organização das Nações Unidas e à legislação internacional. Ele afirma apenas que "o velho sistema pós-1945 de Estados soberanos, frouxamente ligados por um sistema em evolução de direito internacional, não pode lidar facilmente com essas ameaças porque há nações-Estados demais em que a escrita da 'comunidade internacional' simplesmente não vale". Se o diagnóstico está correto, isso não significa necessariamente que o melhor remédio seria um império. Redobrar o poder das instituições multilaterais poderia ser uma terapia menos polêmica e igualmente eficiente.
Escrito em 2004, o livro não vai além da primeira fase da invasão do Iraque, no ano anterior, que Ferguson apoia com críticas pontuais, ao mencionar, por exemplo, a invenção do pretexto da guerra, de que Saddam Hussein teria armas de destruição em massa. Embora a defasagem não altere a essência do argumento de "Colosso", a edição ganharia com a inclusão de notas que dessem conta dos principais desdobramentos desde então. Mas nada compromete a fluência da exposição; concebido para embasar um documentário de uma TV britânica, o livro mantém o leitor acordado.
Oscar Pilagallo, jornalista, é autor de "A Aventura do Dinheiro" (Publifolha).
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
terça-feira, 2 de agosto de 2011
Cargos de confianca: hipocrisia de um corrupto
Leio numa coluna política (Carlos Brickmann, 2/08/2011):
Também parece incrível, mas é verdade: o principal articulador político do PT, o ex-deputado José Dirceu, defendeu um bom corte nos cargos de livre nomeação (sem concurso) do Governo Federal para evitar crises de governabilidade. "Precisamos reduzir ao mínimo os cargos de confiança", diz Dirceu. "Os partidos que participaram da vitória têm o direito de também participar do Governo. Mas participar não significa lotear nem indicar quem não tem qualificação técnica, e muito menos fazer fisiologismo ou corrupção".
José Dirceu tem toda a razão. E suas palavras não valem só para o Governo Federal: Governos estaduais e prefeituras nunca tiveram tantos secretários nem tanta gente em seu séquito, todos pagos pelo contribuinte. E, para os partidos sedentos, quanto mais cargos houver mais ferozes serão as disputas e cobranças.
Esse cidadão, agora ex-ministro, mas sempre político, sendo processado por ser chefe de quadrilha (e deveria ser por diversas outras coisas mais, infelizmente não divulgadas), é um mentiroso e um hipócrita.
Quando assumiu como Richelieu do nosso roi-Soleil, promoveu a mais monstruosa ampliação dos cargos DAS de toda a história republicana (e imperial, e colonial), requisitando DASs dos ministérios, criando dezenas de outros, promovendo o mais formidável assalto ao Estado pela sua corja de apaniguados e assalariados mafiosos.
Assino embaixo.
Paulo Roberto de Almeida
Também parece incrível, mas é verdade: o principal articulador político do PT, o ex-deputado José Dirceu, defendeu um bom corte nos cargos de livre nomeação (sem concurso) do Governo Federal para evitar crises de governabilidade. "Precisamos reduzir ao mínimo os cargos de confiança", diz Dirceu. "Os partidos que participaram da vitória têm o direito de também participar do Governo. Mas participar não significa lotear nem indicar quem não tem qualificação técnica, e muito menos fazer fisiologismo ou corrupção".
José Dirceu tem toda a razão. E suas palavras não valem só para o Governo Federal: Governos estaduais e prefeituras nunca tiveram tantos secretários nem tanta gente em seu séquito, todos pagos pelo contribuinte. E, para os partidos sedentos, quanto mais cargos houver mais ferozes serão as disputas e cobranças.
Esse cidadão, agora ex-ministro, mas sempre político, sendo processado por ser chefe de quadrilha (e deveria ser por diversas outras coisas mais, infelizmente não divulgadas), é um mentiroso e um hipócrita.
Quando assumiu como Richelieu do nosso roi-Soleil, promoveu a mais monstruosa ampliação dos cargos DAS de toda a história republicana (e imperial, e colonial), requisitando DASs dos ministérios, criando dezenas de outros, promovendo o mais formidável assalto ao Estado pela sua corja de apaniguados e assalariados mafiosos.
Assino embaixo.
Paulo Roberto de Almeida
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
A frase do momento: inflacao, por Ludwig von Mises
Sobre a inflação:
O mais importante a lembrar é que a inflação não é um ato de Deus, que a inflação não é uma catástrofe da natureza ou uma doença que se alastra como a peste. A inflação é uma política — uma política premeditada, adotada por pessoas que a ela recorrem por considerá-la um mal menor que o desemprego. Mas o fato é que, a não ser em curtíssimo prazo, a inflação não cura o desemprego. A inflação é uma política. E uma política pode ser alterada. Assim sendo, não há razão para nos deixarmos vencer por ela. Se a temos na conta de um mal, então é preciso estancá-la. É preciso equilibrar o orçamento do governo. Evidentemente, o apoio da opinião pública é necessário para isso. E cabe aos intelectuais ajudar o povo a compreender. Uma vez assegurado o apoio da opinião pública, os representantes eleitos do povo certamente terão condições de abandonar a política da inflação.
Ludwig von Mises
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=577
(Agradeço a Eduardo Rodrigues, do Rio, o envio deste texto de von Mises)
O mais importante a lembrar é que a inflação não é um ato de Deus, que a inflação não é uma catástrofe da natureza ou uma doença que se alastra como a peste. A inflação é uma política — uma política premeditada, adotada por pessoas que a ela recorrem por considerá-la um mal menor que o desemprego. Mas o fato é que, a não ser em curtíssimo prazo, a inflação não cura o desemprego. A inflação é uma política. E uma política pode ser alterada. Assim sendo, não há razão para nos deixarmos vencer por ela. Se a temos na conta de um mal, então é preciso estancá-la. É preciso equilibrar o orçamento do governo. Evidentemente, o apoio da opinião pública é necessário para isso. E cabe aos intelectuais ajudar o povo a compreender. Uma vez assegurado o apoio da opinião pública, os representantes eleitos do povo certamente terão condições de abandonar a política da inflação.
Ludwig von Mises
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=577
(Agradeço a Eduardo Rodrigues, do Rio, o envio deste texto de von Mises)
Centrais sindicais (menos a CUT) recusam apoio a politica industrial do Governo (com razao)
As centrais sindicais estavam sendo chamadas apenas para servir de "boi de presépio" de uma política que desconhecem, de cuja formulação não participaram e cujo conteúdo exato desconhecem. Fizeram muito bem.
Só a CUT, que é uma central amestrada, domada, comandada pelo poder se submete ao papel submisso de apoiador acrítico de tudo o que o governo faz. Enfim, ela foi comprada pelo governo, como a UNE, e dezenas de outras ONGs ditas sociais (mas que na verdade são apenas balcões de negócios).
Em todo caso, não se espere muito da nova política industrial do governo: deve ser a quarta ou a quinta que ele anuncia, sempre com resultados inócuos...
Paulo Roberto de Almeida
Centrais rechaçam convite para nova política industrial
Agência Estado, 29/07/2011
Os dirigentes da Força Sindical, da União Geral dos Trabalhadores (UGT), da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) divulgaram hoje nota à imprensa na qual rechaçam convite feito pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Fernando Pimentel, para discutir a nova política industrial do governo federal. No texto, as lideranças sindicais ressaltam que a reunião foi marcada para as 8h30 da próxima terça-feira (dia 2), horas antes do anúncio das novas medidas de fomento à indústria nacional, marcado para as 11 horas. A expectativa, contudo, é de que a presidente Dilma Rousseff adie o anúncio, decisão que deve ser tomada amanhã (dia 30), em encontro com ministros no Palácio da Alvorada.
O secretário-geral da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Francisco Canindé Pegado, afirma que, nos últimos meses, as centrais sindicais se reuniram com o governo federal, mas que o assunto não foi abordado durante os encontros, apesar da demanda das entidades. "Essa convocação é praticamente para aplaudir a iniciativa. Isso nós não concordamos. Nós queremos propor medidas", afirma o dirigente da UGT, segundo o qual o "equívoco" de não convocar antes as entidades sindicais foi da equipe econômica do governo federal. "A presidente Dilma Rousseff foi muito sensível, inclusive pedindo um exame imediato, quando foi informada da gravidade da invasão de produtos chineses no Brasil", elogiou. "O equívoco foi da equipe econômica, que não deu a atenção devida aos interlocutores sindicais. Dessa vez, a equipe econômica derrapou", criticou.
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, avalia também que a reunião foi marcada muito próxima do horário do anúncio, o que impede as entidades de debaterem de maneira efetiva a nova política industrial. "É pouco tempo", afirma. "O que o movimento sindical quer é discutir as questões gerais, como interlocutores sociais", acrescentou. O dirigente sindical opinou ainda que seria positivo se a presidente Dilma adiasse o anúncio das medidas.
Na nota, as centrais sindicais ressaltam que a necessidade de uma política industrial vem sendo discutida há meses com as entidades empresariais. "Só no mês passado, 58 mil empregos foram perdidos na indústria brasileira, segundo o Dieese. Os empresários brasileiros da área de calçados, têxteis e até da fabricação de ônibus estão transferindo suas fábricas para a Ásia, gerando empregos lá, e não aqui", destaca a nota.
"Diante deste quadro, não nos parece adequado que as centrais sindicais e os empresários sejam chamados agora, de surpresa, apenas para tomar conhecimento e aplaudir medidas que desconhecem", acrescenta. As centrais sindicais salientam ainda que estarão sempre prontas para conversar com o governo federal e apelam à presidente para que o diálogo com as entidades se torne "uma prática constante".
Só a CUT, que é uma central amestrada, domada, comandada pelo poder se submete ao papel submisso de apoiador acrítico de tudo o que o governo faz. Enfim, ela foi comprada pelo governo, como a UNE, e dezenas de outras ONGs ditas sociais (mas que na verdade são apenas balcões de negócios).
Em todo caso, não se espere muito da nova política industrial do governo: deve ser a quarta ou a quinta que ele anuncia, sempre com resultados inócuos...
Paulo Roberto de Almeida
Centrais rechaçam convite para nova política industrial
Agência Estado, 29/07/2011
Os dirigentes da Força Sindical, da União Geral dos Trabalhadores (UGT), da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) divulgaram hoje nota à imprensa na qual rechaçam convite feito pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Fernando Pimentel, para discutir a nova política industrial do governo federal. No texto, as lideranças sindicais ressaltam que a reunião foi marcada para as 8h30 da próxima terça-feira (dia 2), horas antes do anúncio das novas medidas de fomento à indústria nacional, marcado para as 11 horas. A expectativa, contudo, é de que a presidente Dilma Rousseff adie o anúncio, decisão que deve ser tomada amanhã (dia 30), em encontro com ministros no Palácio da Alvorada.
O secretário-geral da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Francisco Canindé Pegado, afirma que, nos últimos meses, as centrais sindicais se reuniram com o governo federal, mas que o assunto não foi abordado durante os encontros, apesar da demanda das entidades. "Essa convocação é praticamente para aplaudir a iniciativa. Isso nós não concordamos. Nós queremos propor medidas", afirma o dirigente da UGT, segundo o qual o "equívoco" de não convocar antes as entidades sindicais foi da equipe econômica do governo federal. "A presidente Dilma Rousseff foi muito sensível, inclusive pedindo um exame imediato, quando foi informada da gravidade da invasão de produtos chineses no Brasil", elogiou. "O equívoco foi da equipe econômica, que não deu a atenção devida aos interlocutores sindicais. Dessa vez, a equipe econômica derrapou", criticou.
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, avalia também que a reunião foi marcada muito próxima do horário do anúncio, o que impede as entidades de debaterem de maneira efetiva a nova política industrial. "É pouco tempo", afirma. "O que o movimento sindical quer é discutir as questões gerais, como interlocutores sociais", acrescentou. O dirigente sindical opinou ainda que seria positivo se a presidente Dilma adiasse o anúncio das medidas.
Na nota, as centrais sindicais ressaltam que a necessidade de uma política industrial vem sendo discutida há meses com as entidades empresariais. "Só no mês passado, 58 mil empregos foram perdidos na indústria brasileira, segundo o Dieese. Os empresários brasileiros da área de calçados, têxteis e até da fabricação de ônibus estão transferindo suas fábricas para a Ásia, gerando empregos lá, e não aqui", destaca a nota.
"Diante deste quadro, não nos parece adequado que as centrais sindicais e os empresários sejam chamados agora, de surpresa, apenas para tomar conhecimento e aplaudir medidas que desconhecem", acrescenta. As centrais sindicais salientam ainda que estarão sempre prontas para conversar com o governo federal e apelam à presidente para que o diálogo com as entidades se torne "uma prática constante".
Governo encomenda inflacao - Carlos Alberto Sardenberg
Elevando a inflação
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo, 01 de agosto de 2011
Junte as histórias: a presidente Dilma Rousseff afirma que o combate à inflação não pode matar o crescimento econômico. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirma que, se a inflação do ano ficar abaixo de 6,5%, a meta terá sido cumprida. O Banco Central (BC) deixa de dizer que seu objetivo é levar a inflação para o centro da meta (4,5%) em 2012.
Conclusão: os 4,5% ficaram para 2013.
Ninguém do governo disse isso com todos os números e muitos analistas acham que o compromisso com a meta em 2012 está de pé. Mas o jeitão da coisa parece ter mudado: o governo se encaminha para aceitar uma inflação mais alta por um tempo maior.
Não faz muito tempo que a Fazenda esperava para este ano uma inflação (sempre medida pelo IPCA, índice do IBGE) em torno dos 5%. Aos poucos, foi admitindo algo maior - tudo por culpa dos preços internacionais de alimentos - e, mais recentemente, Mantega disse que até 6,5% estaria tudo bem.
É uma análise tão criativa quanto a contabilidade que turbinou as contas públicas no ano passado. A meta de inflação no Brasil é de 4,5%, com tolerância de dois pontos para baixo (que ninguém conta) ou para cima. Logo, pode ir até 6,5%, mas em circunstâncias excepcionais. Essa margem é colocada justamente para acomodar pressões inesperadas, que estejam em parte ou totalmente fora do controle das autoridades locais.
É justamente o caso da alta internacional de preço de alimentos, causada por aumento de consumo, mas também por quebra de safra e problemas climáticos em diversos países. Essas cotações pressionam os preços locais e a inflação de alimentos contamina o índice ao consumidor. E aí? Uma forte alta de juros, aqui, não altera o clima na Rússia.
Assim, é preciso acomodar essas elevações e combater seus efeitos secundários, utilizando-se, por algum período, da margem de tolerância. Ou seja, não se pode dizer, aqui, que qualquer inflação abaixo de 6,51% ao ano cumpre a meta.
Não cumpre. É um desvio. Transformar esse desvio em regra equivale, simplesmente, a elevar a meta de inflação - e parece ser exatamente essa a intenção do governo.
Nas projeções do Banco Central, divulgadas na última Ata do Comitê de Política Monetária (Copom), a inflação só volta para a meta em meados de 2013, daqui a dois anos, portanto, um tempo muito largo.
Quando os cenários mostram isso, o Banco Central, pela atual política monetária, deve elevar os juros hoje para trazer a inflação para a meta num prazo menor, digamos 12 meses, que era a conversa inicial das autoridades monetárias.
Ficaria assim: em 2010 e 2011, a inflação rodaria na casa dos 6%, mas caindo forte no segundo semestre deste ano para chegar nos 4,5% em 2012.
Mas a Ata disse umas coisas e deixou de dizer outras, levando analistas a entender que o Banco Central está preparando o ambiente para suspender o ciclo de alta de juros nos atuais 12,5%. Sendo isso mesmo, o conjunto só fecha com a aceitação de inflação maior ao longo de todo o próximo ano e início de 2013.
Ficamos assim: em 2010, o BC parou de elevar juros para não atrapalhar a eleição de Dilma Rousseff e, assim, comprometeu os resultados daquele ano e de parte deste. Agora, o pretexto é não elevar juros para manter o crescimento perto dos 5%. O risco é indexar a inflação num nível perigoso e obter menos crescimento econômico.
Agora, no segundo semestre, ocorrem negociações salariais de categorias importantes e numerosas. O Banco Central alerta: aumentos acima da produtividade são inflacionários.
De fato, são, mas a medida da produtividade não é trivial. E como dizer aos trabalhadores que a inflação está elevada por um bom tempo, a economia veio bem, setores estão com lucros bons, mas os salários têm de ser regulados pela expectativa de inflação menor? Sobretudo quando se sabe que o salário mínimo vai subir 14% em janeiro.
Dinheiro do povo. A coluna da semana passada (Com o dinheiro do povo), sobre o uso de dinheiro público na Copa do Mundo e seus estádios, provocou respostas que me deixaram entre surpreendido e preocupado.
Alguns leitores aderiram totalmente à tese do "locupletemo-nos todos". Se tem roubalheira por toda parte, escreveram, se os políticos se aproveitam dos cargos, se o governo ajuda tantas empresas e bancos, por que não dar dinheiro para os estádios da Copa?
Leitores corintianos - alguns, é claro - foram ainda mais longe. Acham que seu time tem o direito de receber dinheiro público para a construção do estádio, por uma série de motivos: é um time popular, ou seja, representa parte do povo; sua torcida movimenta negócios; outros times ganharam presentes equivalentes; e, afinal, todo mundo mete a mão.
No que se refere ao debate proposto sobre a prioridade dos gastos públicos - vale a pena gastar em estádios, em vez de aplicar em hospitais e escolas? O estádio do Corinthians seria a melhor maneira de estimular o desenvolvimento da região de Itaquera? -, algumas respostas foram ainda mais desanimadoras. Alguns leitores simplesmente entenderam que, sendo o colunista um torcedor do São Paulo, estava simplesmente tentando torpedear o estádio do "rival".
Outros ainda disseram que havia uma conspiração carioca para levar o jogo de abertura para o Maracanã.
Digamos, com boa vontade, que há, aí, apenas o efeito negativo de paixões regionais e/ou por clubes. Mas é preocupante a frequência com que se repete o argumento pela "democratização" da roubalheira.
JORNALISTA
SITE: WWW.SARDENBERG.COM.BR
E-MAIL: SARDENBERG@CBN.COM.BR
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo, 01 de agosto de 2011
Junte as histórias: a presidente Dilma Rousseff afirma que o combate à inflação não pode matar o crescimento econômico. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirma que, se a inflação do ano ficar abaixo de 6,5%, a meta terá sido cumprida. O Banco Central (BC) deixa de dizer que seu objetivo é levar a inflação para o centro da meta (4,5%) em 2012.
Conclusão: os 4,5% ficaram para 2013.
Ninguém do governo disse isso com todos os números e muitos analistas acham que o compromisso com a meta em 2012 está de pé. Mas o jeitão da coisa parece ter mudado: o governo se encaminha para aceitar uma inflação mais alta por um tempo maior.
Não faz muito tempo que a Fazenda esperava para este ano uma inflação (sempre medida pelo IPCA, índice do IBGE) em torno dos 5%. Aos poucos, foi admitindo algo maior - tudo por culpa dos preços internacionais de alimentos - e, mais recentemente, Mantega disse que até 6,5% estaria tudo bem.
É uma análise tão criativa quanto a contabilidade que turbinou as contas públicas no ano passado. A meta de inflação no Brasil é de 4,5%, com tolerância de dois pontos para baixo (que ninguém conta) ou para cima. Logo, pode ir até 6,5%, mas em circunstâncias excepcionais. Essa margem é colocada justamente para acomodar pressões inesperadas, que estejam em parte ou totalmente fora do controle das autoridades locais.
É justamente o caso da alta internacional de preço de alimentos, causada por aumento de consumo, mas também por quebra de safra e problemas climáticos em diversos países. Essas cotações pressionam os preços locais e a inflação de alimentos contamina o índice ao consumidor. E aí? Uma forte alta de juros, aqui, não altera o clima na Rússia.
Assim, é preciso acomodar essas elevações e combater seus efeitos secundários, utilizando-se, por algum período, da margem de tolerância. Ou seja, não se pode dizer, aqui, que qualquer inflação abaixo de 6,51% ao ano cumpre a meta.
Não cumpre. É um desvio. Transformar esse desvio em regra equivale, simplesmente, a elevar a meta de inflação - e parece ser exatamente essa a intenção do governo.
Nas projeções do Banco Central, divulgadas na última Ata do Comitê de Política Monetária (Copom), a inflação só volta para a meta em meados de 2013, daqui a dois anos, portanto, um tempo muito largo.
Quando os cenários mostram isso, o Banco Central, pela atual política monetária, deve elevar os juros hoje para trazer a inflação para a meta num prazo menor, digamos 12 meses, que era a conversa inicial das autoridades monetárias.
Ficaria assim: em 2010 e 2011, a inflação rodaria na casa dos 6%, mas caindo forte no segundo semestre deste ano para chegar nos 4,5% em 2012.
Mas a Ata disse umas coisas e deixou de dizer outras, levando analistas a entender que o Banco Central está preparando o ambiente para suspender o ciclo de alta de juros nos atuais 12,5%. Sendo isso mesmo, o conjunto só fecha com a aceitação de inflação maior ao longo de todo o próximo ano e início de 2013.
Ficamos assim: em 2010, o BC parou de elevar juros para não atrapalhar a eleição de Dilma Rousseff e, assim, comprometeu os resultados daquele ano e de parte deste. Agora, o pretexto é não elevar juros para manter o crescimento perto dos 5%. O risco é indexar a inflação num nível perigoso e obter menos crescimento econômico.
Agora, no segundo semestre, ocorrem negociações salariais de categorias importantes e numerosas. O Banco Central alerta: aumentos acima da produtividade são inflacionários.
De fato, são, mas a medida da produtividade não é trivial. E como dizer aos trabalhadores que a inflação está elevada por um bom tempo, a economia veio bem, setores estão com lucros bons, mas os salários têm de ser regulados pela expectativa de inflação menor? Sobretudo quando se sabe que o salário mínimo vai subir 14% em janeiro.
Dinheiro do povo. A coluna da semana passada (Com o dinheiro do povo), sobre o uso de dinheiro público na Copa do Mundo e seus estádios, provocou respostas que me deixaram entre surpreendido e preocupado.
Alguns leitores aderiram totalmente à tese do "locupletemo-nos todos". Se tem roubalheira por toda parte, escreveram, se os políticos se aproveitam dos cargos, se o governo ajuda tantas empresas e bancos, por que não dar dinheiro para os estádios da Copa?
Leitores corintianos - alguns, é claro - foram ainda mais longe. Acham que seu time tem o direito de receber dinheiro público para a construção do estádio, por uma série de motivos: é um time popular, ou seja, representa parte do povo; sua torcida movimenta negócios; outros times ganharam presentes equivalentes; e, afinal, todo mundo mete a mão.
No que se refere ao debate proposto sobre a prioridade dos gastos públicos - vale a pena gastar em estádios, em vez de aplicar em hospitais e escolas? O estádio do Corinthians seria a melhor maneira de estimular o desenvolvimento da região de Itaquera? -, algumas respostas foram ainda mais desanimadoras. Alguns leitores simplesmente entenderam que, sendo o colunista um torcedor do São Paulo, estava simplesmente tentando torpedear o estádio do "rival".
Outros ainda disseram que havia uma conspiração carioca para levar o jogo de abertura para o Maracanã.
Digamos, com boa vontade, que há, aí, apenas o efeito negativo de paixões regionais e/ou por clubes. Mas é preocupante a frequência com que se repete o argumento pela "democratização" da roubalheira.
JORNALISTA
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E-MAIL: SARDENBERG@CBN.COM.BR
Quando as palavras nao coincidem com os atos: integracao latino-americana
Na verdade, não se trata propriamente de integração latino-americana, sequer sul-americana, e ainda menos mercosuliana. Se trata simplesmente da integração Brasil-Argentina, base do Mercosul e de qualquer processo de integração regional.
Os atos das autoridades argentinas são a negação completa do que seu discurso afirma:
Cristina Kirchner defende integração da América Latina
A presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, defendeu o fortalecimento da integração entre os dois países [Brasil e Argentina] e união do empresariado da região para tentar manter boas relações comerciais e proteger as economias regionais de impactos de problemas econômicos globais. Segundo Cristina, “é preciso reelaborar o processo de integração da América do Sul para que os países possam somar recursos e blindar a região”.
Na verdade, a única coisa que vai resultar disso é a proteção contra produtos estrangeiros, incluindo no caso os brasileiros no mercado argentino...
Paulo Roberto de Almeida
Os atos das autoridades argentinas são a negação completa do que seu discurso afirma:
Cristina Kirchner defende integração da América Latina
A presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, defendeu o fortalecimento da integração entre os dois países [Brasil e Argentina] e união do empresariado da região para tentar manter boas relações comerciais e proteger as economias regionais de impactos de problemas econômicos globais. Segundo Cristina, “é preciso reelaborar o processo de integração da América do Sul para que os países possam somar recursos e blindar a região”.
Na verdade, a única coisa que vai resultar disso é a proteção contra produtos estrangeiros, incluindo no caso os brasileiros no mercado argentino...
Paulo Roberto de Almeida
Nom de plume - Lucia Guimaraes (OESP)
Quando assinar não é preciso
Lúcia Guimarães
O Estado de S.Paulo, 30 de julho de 2011
Em Nom de Plume, a americana Carmela Ciuraru aborda a utilização de pseudônimos e heterônimos no século 19 e seu declínio em nossa época, marcada pela fama, em que o autor é garoto-propaganda
O que pode revelar um nome? Muito ou muito pouco. Virginia Woolf dizia que uma condição da autoria é "nunca ser você mesma, e sempre ser - este é o problema". O poeta Walt Whitman se satisfazia em conter multidões.
Em 1858, Marian Evans e seu companheiro George Lewes receberam, em Londres, a visita do editor John Blackwood. Ele havia acabado de publicar a coleção de contos Scenes From Clerical Life, que começara como uma série de contribuições para sua Blackwood"s Edinburgh Magazine. Lewes perguntou: você gostaria de conhecer George Eliot? Claro, respondeu o editor, que só mantinha contato com sua nova estrela literária através de cartas e estava convencido de que o autor era um membro do clero. O casal saiu da sala e voltou momentos depois. Lewes reapresentou sua mulher a Blackwood. George Eliot e Marian Evans eram a mesma pessoa.
Esta e outras histórias formam Nom de Plume, uma fascinante exploração biográfica de 16 pseudônimos literários ao longo de um século, das irmãs Brontë a Pauline Réage-Anne Desclos, de História de O. A autora Carmela Ciuraru diz que a decisão de entrar na pele de outro eu, além de familiar para qualquer autor de ficção, é quase um impulso erótico.
Na noite da última quarta-feira, Carmela Ciuraru (seu nome real), está diante do microfone no subsolo de uma das bravas livrarias independentes que resistem em Manhattan.
Depois de responder a afiadas perguntas do público, a autora anuncia que vai haver uma seleção dos melhores pseudônimos sugeridos pelos presentes. Pedaços de papel circulam entre a plateia e começa a leitura dos nomes, uma mistura de trocadilhos e uma curiosa incidência de evocações da literatura russa. Os escolhidos vão ganhar prêmios - romances clássicos escritos sob pseudônimo, chaveiros e até um pacote de salame. "Sasha Raskolnikov" se revela uma mulher de meia-idade borbulhante, ao contrário do torturado Raskolnikov de Crime e Castigo. "Will Back" é um jovem que confessa ter se envergonhado com a má qualidade dos artigos que publicara numa revista e quis começar zero quilômetro, sob outro nome.
O clima de programa de auditório ajuda a ilustrar a tese de Carmela Ciuraru sobre o declínio do pseudônimo no século 21: o autor literário hoje é garoto-propaganda, interlocutor obrigatório do leitor e marca à venda. Além disso, ela lembra, com a internet todo mundo quer ter uma voz e aparecer como si mesmo.
Dias antes, num café do bairro de Chelsea, a voz de Carmela Ciuraru é abafada pelo homem que senta na mesa mais próxima, decidido a aparecer com seus brados intermináveis no celular. Pergunto por que ela escolheu retratar apenas autores mortos em Nom de Plume. "Morto não move processo", diz, meio brincalhona, e completa: "Preferi examinar histórias concluídas. E, como ficou claro ao longo da pesquisa, os motivos para esconder a identidade também evoluem".
No século 19 os pseudônimos literários viraram sensações. Além das irmãs Brontë, George Sand-Aurore Dupin, George Eliot-Marian Evans, Lewis Carrol-Charles Dodgson, Mark Twain-Samuel Clemens se tornaram clássicos mas escondiam seus nomes verdadeiros por motivos diferentes. Nom de Plume é rico em autoras mulheres que se emanciparam como figuras literárias graças ao nome masculino. Mas Ciuraru lembra que a profissão de escritor, no século 19, podia ser considerada vulgar e o pseudônimo protegia também a respeitabilidade de homens.
"O pseudônimo pode começar", diz, "como simples estripulia, como Mark Twain (Samuel Clemens) que queria brincar com seu nome. Ou pode ser a única saída, como no caso de James Tiptree Jr.- Alice Bradley Sheldon, para mim, é uma história muito triste." Sheldon, insegura e atormentada, se fez passar por James Tiptree Jr., o confiante e celebrado autor de ficção científica. Como Tiptree Jr, Sheldon escreveu o emblemático The Women Men Don"t See (As Mulheres Que os Homens Não Veem) e confundiu as noções convencionais de identidade sexual na narrativa. Quando tentou publicar sob o próprio nome e escreveu sob outro pseudônimo, a inspiração secou. Sheldon não suportou a perda de seu eu alternativo e se suicidou, em 1987.
O caso de Romain Gary (Émile Ajar) ilustra para Ciuraru o uso do pseudônimo como recomeço. Ele achava a fama restritiva e já era aclamado por uma vasta obra que incluía o romance As Raízes do Céu. Como Émile Ajar, ele se tornou o primeiro autor a ganhar, pela segunda vez, o Prêmio Goncourt com Uma Vida À Sua Frente. Só com o suicídio de Gary, em 1980, foi revelada a identidade de Ajar. "É irônico", diz Ciuraru, "que ele logo tenha se tornado famoso como Ajar. Passou a enfrentar novo conjunto de estereótipos, o que mostra como a fama desafia o autor e como temos a necessidade de rotular pessoas."
Em 1837, aos 21 anos, a jovem Charlotte Brontë, a mais velha do trio de irmãs escritoras, escreveu numa carta ao poeta laureado Robert Southey, que queria ser "conhecida para sempre". Amargou três meses de espera pelo veredicto sobre seus primeiros escritos e a resposta incluía a advertência: "A literatura não pode ser o negócio da vida de uma mulher, nem deve ser". Desafiante, ela disparou a tréplica mordaz: "À noite, eu confesso que penso. Mas nunca incomodo ninguém com meus pensamentos". A futura autora de Jane Eyre prometeu ao velho poeta que, se a ambição literária voltasse, ia reler seus conselhos e suprimir o impulso.
Embora Anne, Charlotte e Emily Brontë tenham se beneficiado do mundo masculino para se emancipar como Acton, Currer e Ellis Bell, na primeira metade do século 19, Ciaruru acha que elas representam, em parte, o uso do pseudônimo como meio de controle do processo: "Charlotte queria controlar a produção de seus livros. Era mais do que uma mulher com um nome de homem. Escolhia um tipo específico de papel, determinava as publicações que podiam resenhar as obras. Ela se apresentava como agente para Currer, Acton e Ellis".
O caso de George Eliot-Marian Evans é, talvez, o mais extraordinário exemplo do pseudônimo masculino de uma mulher que já era admirada por seu intelecto e desafiou convenções literárias e sociais. Nascida Mary Anne, ela ainda se assinava Marian Evans quando se tornou uma rara editora de resenha literária em Londres, aos 31 anos. Ao ler Scenes From a Clerical Life, Charles Dickens escreveu para Eliot: "Observei tal toque feminino nestas ficções comoventes, que o nome sob o título é insuficiente para me convencer".
Depois de ver seu suposto religioso revelado em Marian Evans, o editor John Blackwood manteve o segredo. Como Eliot, a poeta, contista e romancista se tornaria a mais celebrada escritora vitoriana, com romances que incluem Silas Marner, Middlemarch e Daniel Deronda, obras-primas de crítica social e crônicas incomparáveis da vida privada na Inglaterra. Invariavelmente descrita como feia e desenxabida, Marian despertava admiração nos maiores intelectos do seu tempo. Henry James escreveu sobre sua aparência "deliciosamente horrenda": "Nesta vasta feiura reside a beleza mais poderosa que, em poucos minutos, se impõe, seduz a mente e, no fim, você, como eu, está se apaixonando por ela".
Em Nom de Plume, Ciuraru questiona os variados ímpetos para a clandestinidade autoral: "George Orwell-Eric Blair, por exemplo, dizia que não se orgulhava do que escrevia e não queria constranger sua família. Mas ele era também meio paranoico, cheio de manias e não há dúvida de que perseguia a fama".
O caso da poeta Sylvia Plath, que escreveu seu único e semiautobiográfico romance, A Redoma de Vidro, como Victoria Lucas, marca o pseudônimo sacrificado pela morte prematura. Plath se suicidou pouco depois da publicação na Grã-Bretanha, em 1963. A partir de 1967, A Redoma de Vidro saiu com o nome real da autora, cuja vida curta e trágica atraiu enorme atenção para o romance.
Nenhum dos escritores retratados em Nom de Plume fascinou tanto Carmela Ciuraru quanto Fernando Pessoa, com suas dezenas de heterônimos. Ela conta que encontrou uma tradução de O Livro do Desassossego numa livraria de Nova York, há alguns anos, e se apaixonou de imediato. "Fico surpresa com a ignorância do mundo literário americano sobre o Pessoa", reclama. "Toda vez que vou a um evento em livraria peço para o público dizer se já ouviu falar dele e, às vezes, só uma pessoa levanta a mão." Ciuraru explica aos potenciais novos leitores que o caso de Fernando Pessoa-Alberto Caeiro-Ricardo Reis-Álvaro de Campos, entre tantos outros, vai além do pseudônimo porque há uma pluralidade de eus. "Isto me interessa muito. Mas ele não era um ventríloquo, experimentava vozes diferentes, que falavam através dele", diz. "E acredito que ele acreditava nisso."
Lúcia Guimarães
O Estado de S.Paulo, 30 de julho de 2011
Em Nom de Plume, a americana Carmela Ciuraru aborda a utilização de pseudônimos e heterônimos no século 19 e seu declínio em nossa época, marcada pela fama, em que o autor é garoto-propaganda
O que pode revelar um nome? Muito ou muito pouco. Virginia Woolf dizia que uma condição da autoria é "nunca ser você mesma, e sempre ser - este é o problema". O poeta Walt Whitman se satisfazia em conter multidões.
Em 1858, Marian Evans e seu companheiro George Lewes receberam, em Londres, a visita do editor John Blackwood. Ele havia acabado de publicar a coleção de contos Scenes From Clerical Life, que começara como uma série de contribuições para sua Blackwood"s Edinburgh Magazine. Lewes perguntou: você gostaria de conhecer George Eliot? Claro, respondeu o editor, que só mantinha contato com sua nova estrela literária através de cartas e estava convencido de que o autor era um membro do clero. O casal saiu da sala e voltou momentos depois. Lewes reapresentou sua mulher a Blackwood. George Eliot e Marian Evans eram a mesma pessoa.
Esta e outras histórias formam Nom de Plume, uma fascinante exploração biográfica de 16 pseudônimos literários ao longo de um século, das irmãs Brontë a Pauline Réage-Anne Desclos, de História de O. A autora Carmela Ciuraru diz que a decisão de entrar na pele de outro eu, além de familiar para qualquer autor de ficção, é quase um impulso erótico.
Na noite da última quarta-feira, Carmela Ciuraru (seu nome real), está diante do microfone no subsolo de uma das bravas livrarias independentes que resistem em Manhattan.
Depois de responder a afiadas perguntas do público, a autora anuncia que vai haver uma seleção dos melhores pseudônimos sugeridos pelos presentes. Pedaços de papel circulam entre a plateia e começa a leitura dos nomes, uma mistura de trocadilhos e uma curiosa incidência de evocações da literatura russa. Os escolhidos vão ganhar prêmios - romances clássicos escritos sob pseudônimo, chaveiros e até um pacote de salame. "Sasha Raskolnikov" se revela uma mulher de meia-idade borbulhante, ao contrário do torturado Raskolnikov de Crime e Castigo. "Will Back" é um jovem que confessa ter se envergonhado com a má qualidade dos artigos que publicara numa revista e quis começar zero quilômetro, sob outro nome.
O clima de programa de auditório ajuda a ilustrar a tese de Carmela Ciuraru sobre o declínio do pseudônimo no século 21: o autor literário hoje é garoto-propaganda, interlocutor obrigatório do leitor e marca à venda. Além disso, ela lembra, com a internet todo mundo quer ter uma voz e aparecer como si mesmo.
Dias antes, num café do bairro de Chelsea, a voz de Carmela Ciuraru é abafada pelo homem que senta na mesa mais próxima, decidido a aparecer com seus brados intermináveis no celular. Pergunto por que ela escolheu retratar apenas autores mortos em Nom de Plume. "Morto não move processo", diz, meio brincalhona, e completa: "Preferi examinar histórias concluídas. E, como ficou claro ao longo da pesquisa, os motivos para esconder a identidade também evoluem".
No século 19 os pseudônimos literários viraram sensações. Além das irmãs Brontë, George Sand-Aurore Dupin, George Eliot-Marian Evans, Lewis Carrol-Charles Dodgson, Mark Twain-Samuel Clemens se tornaram clássicos mas escondiam seus nomes verdadeiros por motivos diferentes. Nom de Plume é rico em autoras mulheres que se emanciparam como figuras literárias graças ao nome masculino. Mas Ciuraru lembra que a profissão de escritor, no século 19, podia ser considerada vulgar e o pseudônimo protegia também a respeitabilidade de homens.
"O pseudônimo pode começar", diz, "como simples estripulia, como Mark Twain (Samuel Clemens) que queria brincar com seu nome. Ou pode ser a única saída, como no caso de James Tiptree Jr.- Alice Bradley Sheldon, para mim, é uma história muito triste." Sheldon, insegura e atormentada, se fez passar por James Tiptree Jr., o confiante e celebrado autor de ficção científica. Como Tiptree Jr, Sheldon escreveu o emblemático The Women Men Don"t See (As Mulheres Que os Homens Não Veem) e confundiu as noções convencionais de identidade sexual na narrativa. Quando tentou publicar sob o próprio nome e escreveu sob outro pseudônimo, a inspiração secou. Sheldon não suportou a perda de seu eu alternativo e se suicidou, em 1987.
O caso de Romain Gary (Émile Ajar) ilustra para Ciuraru o uso do pseudônimo como recomeço. Ele achava a fama restritiva e já era aclamado por uma vasta obra que incluía o romance As Raízes do Céu. Como Émile Ajar, ele se tornou o primeiro autor a ganhar, pela segunda vez, o Prêmio Goncourt com Uma Vida À Sua Frente. Só com o suicídio de Gary, em 1980, foi revelada a identidade de Ajar. "É irônico", diz Ciuraru, "que ele logo tenha se tornado famoso como Ajar. Passou a enfrentar novo conjunto de estereótipos, o que mostra como a fama desafia o autor e como temos a necessidade de rotular pessoas."
Em 1837, aos 21 anos, a jovem Charlotte Brontë, a mais velha do trio de irmãs escritoras, escreveu numa carta ao poeta laureado Robert Southey, que queria ser "conhecida para sempre". Amargou três meses de espera pelo veredicto sobre seus primeiros escritos e a resposta incluía a advertência: "A literatura não pode ser o negócio da vida de uma mulher, nem deve ser". Desafiante, ela disparou a tréplica mordaz: "À noite, eu confesso que penso. Mas nunca incomodo ninguém com meus pensamentos". A futura autora de Jane Eyre prometeu ao velho poeta que, se a ambição literária voltasse, ia reler seus conselhos e suprimir o impulso.
Embora Anne, Charlotte e Emily Brontë tenham se beneficiado do mundo masculino para se emancipar como Acton, Currer e Ellis Bell, na primeira metade do século 19, Ciaruru acha que elas representam, em parte, o uso do pseudônimo como meio de controle do processo: "Charlotte queria controlar a produção de seus livros. Era mais do que uma mulher com um nome de homem. Escolhia um tipo específico de papel, determinava as publicações que podiam resenhar as obras. Ela se apresentava como agente para Currer, Acton e Ellis".
O caso de George Eliot-Marian Evans é, talvez, o mais extraordinário exemplo do pseudônimo masculino de uma mulher que já era admirada por seu intelecto e desafiou convenções literárias e sociais. Nascida Mary Anne, ela ainda se assinava Marian Evans quando se tornou uma rara editora de resenha literária em Londres, aos 31 anos. Ao ler Scenes From a Clerical Life, Charles Dickens escreveu para Eliot: "Observei tal toque feminino nestas ficções comoventes, que o nome sob o título é insuficiente para me convencer".
Depois de ver seu suposto religioso revelado em Marian Evans, o editor John Blackwood manteve o segredo. Como Eliot, a poeta, contista e romancista se tornaria a mais celebrada escritora vitoriana, com romances que incluem Silas Marner, Middlemarch e Daniel Deronda, obras-primas de crítica social e crônicas incomparáveis da vida privada na Inglaterra. Invariavelmente descrita como feia e desenxabida, Marian despertava admiração nos maiores intelectos do seu tempo. Henry James escreveu sobre sua aparência "deliciosamente horrenda": "Nesta vasta feiura reside a beleza mais poderosa que, em poucos minutos, se impõe, seduz a mente e, no fim, você, como eu, está se apaixonando por ela".
Em Nom de Plume, Ciuraru questiona os variados ímpetos para a clandestinidade autoral: "George Orwell-Eric Blair, por exemplo, dizia que não se orgulhava do que escrevia e não queria constranger sua família. Mas ele era também meio paranoico, cheio de manias e não há dúvida de que perseguia a fama".
O caso da poeta Sylvia Plath, que escreveu seu único e semiautobiográfico romance, A Redoma de Vidro, como Victoria Lucas, marca o pseudônimo sacrificado pela morte prematura. Plath se suicidou pouco depois da publicação na Grã-Bretanha, em 1963. A partir de 1967, A Redoma de Vidro saiu com o nome real da autora, cuja vida curta e trágica atraiu enorme atenção para o romance.
Nenhum dos escritores retratados em Nom de Plume fascinou tanto Carmela Ciuraru quanto Fernando Pessoa, com suas dezenas de heterônimos. Ela conta que encontrou uma tradução de O Livro do Desassossego numa livraria de Nova York, há alguns anos, e se apaixonou de imediato. "Fico surpresa com a ignorância do mundo literário americano sobre o Pessoa", reclama. "Toda vez que vou a um evento em livraria peço para o público dizer se já ouviu falar dele e, às vezes, só uma pessoa levanta a mão." Ciuraru explica aos potenciais novos leitores que o caso de Fernando Pessoa-Alberto Caeiro-Ricardo Reis-Álvaro de Campos, entre tantos outros, vai além do pseudônimo porque há uma pluralidade de eus. "Isto me interessa muito. Mas ele não era um ventríloquo, experimentava vozes diferentes, que falavam através dele", diz. "E acredito que ele acreditava nisso."
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