Ufa! Até que enfim: 60 anos depois de Evita, a América Latina, finalmente, retoma a religião dos embalsamados.
E nós que pensávamos que ficaríamos de fora do circuito turístico-necrófilo das visitas a tiranos embalsamados, como já existe na Rússia e em diversas paragens da Ásia, estávamos obviamente enganados.
A América Latina, ainda bem, se rende a esse costume benéfico, que sempre pode render dólares a mais no balanço de pagamentos, e muitos pirulitos, garrafas d'água e retratos dos cadáveres vendidos na porta de mausoléus faraônicos, e retoma o espetáculo da devoção política-fundamentalista. Estávamos precisando dessa última demonstração de modernidade e de gratidão.
Vamos passar a figurar nos guias turísticos dos necrófilos anônimos, e logo, logo, assim que o mausoléu gigantesco, faraônico, ficar pronto em Caracas, multidões vão se espremer para contemplar a cara brilhante do comandante. Teremos voos charter a partir do Brasil para os companheiros que choram a perda do guia espiritual (e financiador eventual).
Comovente...
Paulo Roberto de Almeida
07/03/2013 às 21:36
Os comunas fazem questão de oprimir como um pesadelo o cérebro dos vivos
Os comunistas e esquerdistas de maneira geral são tão materialistas, mas tão materialistas!, que não se despedem deste mundo nem mortos. Nicolás Maduro, o presidente ilegal e ilegítimo da Venezuela, anunciou que o corpo de Chávez será embalsamado — “como o de Lênin”, ele foi claríssimo. As honras fúnebres durarão sete dias.
Que coisa! Alguns esquerdistas xexelentos de Banânia (os há não xexelentos?) dizem aqui e ali que a direita já foi muito melhor! Referem-se sempre, claro! a pessoas mortas — não sei se vocês entendem a sutileza de pensamento… Pode ser. Mas e a esquerda, hein? Tá bom! Nunca foi muito melhor, mas talvez já tenha sido menos pior, hehe.
Chávez embalsamado? O farsante cucaracha vem numa sequência de outras múmias homicidas, todas comunas: Lênin, Stálin, Kim Il Sung, Ho Chi Min, Mao Tse-Tung… Os vampiros morais ficam lá, expostos, com a sua face de cera. Curioso, não é?, quando nos lembramos que o comunismo é oficialmente ateu…
Como não recuperar as palavras quase iniciais de Marx em “O 18 Brumário”? Reproduzo:
“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E, justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens (…)”
Notem: os líderes comunistas foram embalsamos no período ainda da Guerra Fria. Exceção feita à Coréia do Norte, onde Kim Il-Sung ainda é tomado como referência incontrastável e a quem se atribuem verdadeiros milagres, as outras múmias não são mais do que atração turística hoje em dia. Repetir, em pleno século 21, o embalsamamento de um líder para que sirva de objeto de culto dá conta da degradação intelectual e moral a que chegou a política na Venezuela.
Vejam estas três imagens.
(...)
(http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/os-comunas-fazem-questao-de-oprimir-como-um-pesadelo-o-cerebro-dos-vivos/)
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A comissão de frente do Bloco dos Bufões Bolivarianos capricha na pose de quem virou órfão e viúvo de uma vez só
Augusto Nunes, 7/03/2013
Branca Nunes
Três titulares absolutos da comissão de frente do Bloco dos Bufões Bolivarianos começaram já nesta quarta-feira, na Venezuela, o aquecimento para o último desfile puxado por Hugo Cháves. No primeiro ensaio, a argentina Cristina Kirchner combinou o vestido preto-angústia com a maquiagem de Viúva-de-Tango. Sócio recente do clube dos liberticidas, o uruguaio Jose Mujica já aprendeu que é proibido usar gravata. Logo o Tupamaro-de-Fusca aprenderá que também paletó é coisa de burguês.
Sabe disso há muito tempo o boliviano Evo Morales, informa o blusão que virou uniforme de presidente e acaba de ganhar um novo adereço: apareceu na concentração em Caracas enfeitado pelo rosto de Che Guevara. Como atesta a foto, tanto o Lhama-de-Franja quanto seus parceiros capricham na pose de quem foi golpeado simultaneamente pela viuvez e pela orfandade. Estocadas nos cantos dos olhos, lágrimas furtivas estão prontas para descer ao som dos cliques que denunciam fotógrafos em ação.
A dor simulada pelos canastrões de longo curso é mais convincente do que a esboçada por Nicolás Maduro, fantasiado de bandeira venezuelana dois ou três metros atrás. Há alguns anos, o sucessor do bolívar-de-hospício era motorista de ônibus. Nomeado vice-presidente por Hugo Chávez, agora pilota um país. Sabe que precisa ficar triste, mas a euforia não para de pedir passagem e a alma hesita entre o pranto e a gargalhada. Caçula da turma, o bolívar-de-picadeiro tem muita coisa a aprender com os mestres que completam o grupo de elite.
Além da trinca à beira do caixão, a comissão de frente inclui a dupla brasileira Lula e Dilma, o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, o cubano Raúl Castro, o nicaraguense Daniel Ortega, o equatoriano Rafael Correa, o paraguaio Fernando Lugo, o hondurenho Manuel Zelaya e outras maravilhas da fauna permanentemente em guerra contra o estado democrático de direito, os Estados Unidos e o Código Penal. (Se soubessem o que significa a expressão muito frequente no Rio dos tempos de Nelson Rodrigues, seria fascinante conferir a reação dos enlutados fora-da-lei ao berro perturbador: “Olha o rapa!”)
Para que o homenageado pudesse ser visto pela multidão em companhia dos melhores amigos, o herdeiro Maduro prolongou o velório por mais sete dias e revogou o enterro. Numa urna de vidro, o corpo embalsamado ficará exposto à visitação pública pelos próximos anos, décadas ou séculos. Logo aparecerão devotos jurando que foram curados pelo milagreiro imortal. Se forem muitos, é improvável que Hugo Chávez resista à tentação de ressuscitar para um agradecimento de pelo menos cinco horas.
Ele merece. A plateia também.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
sexta-feira, 8 de março de 2013
quinta-feira, 7 de março de 2013
Triste Fim de Policarpo Albalino Bolivariano (com perdao de Lima Barreto)
Decadente, Alba caminha para a desintegração Luiz Raatz
O Estado de S. Paulo, 6/03/2013
A morte do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, preocupa os países da Aliança Bolivariana das Américas (Alba), grupo criado por ele para projetar sua influência regional, em 2004. Sem seu principal ideólogo, o bloco caminha para a agonia.
"Não vejo futuro para Alba. Ela foi criada sob uma condição ideológica anticapitalista e anti- imperialista, mas o sonho de Chávez não se cumpriu", disse ao Estado o cientista político Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela, especialista em política externa venezuelana.
Sem Chávez, a legislação venezuelana determina que novas eleições presidenciais sejam convocadas. O candidato do chavismo será o vice-presidente, Nicolás Maduro, escolhido definitivamente por Chávez como seu sucessor meses antes de sua morte. A oposição, provavelmente, deverá organizar novas votações primárias para definir seu candidato.
Mesmo que Maduro consiga manter o chavismo no poder sem seu carismático padrinho político, o bloco está condenado, acreditam analistas. "A Alba não foi eficaz em seu modelo de integração. O grupo não tem consenso sobre o que deve fazer", acrescentou Romero. "Muitos países, como a Bolívia, têm se aproximado dos EUA. Outros países caribenhos pequenos, como Dominica, votaram de maneira distinta da Venezuela em organismos internacionais."
Sem Chávez, o protagonismo da esquerda "bolivariana" deve ser requisitada pelo presidente do Equador, Rafael Correa. "Corrêa é ambicioso, mas não tem os recursos abundantes dos quais Chávez dispunha", disse o presidente do Diálogo Interamericano, Michael Shifter.
O presidente equatoriano ganhou, neste ano, os holofotes ao conceder asilo diplomático ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange, que vive há nove meses na Embaixada do Equador em Londres. Antes da última cirurgia de Chávez, Correa o visitou em Cuba e informou a imprensa sobre o início da operação.
Com uma mudança de governo em Caracas, no entanto, países pequenos da América Central, como a Nicarágua, do sandinista Daniel Ortega, Antígua e Barbuda, Dominica e São Vicente e Granadinas manteriam seus subsídios petrolíferos.
"A questão do petróleo é uma política de Estado. Se Maduro assumir ou a oposição ganhar novas eleições, não imagino que haverá grandes mudanças", disse o analista venezuelano.
Farc. As boas relações com a Colômbia, tumultuadas durante o mandato de Álvaro Uribe, mas retomadas com Juan Manuel Santos, devem se manter. Nos últimos anos, Chávez extraditou e colaborou com a prisão de guerrilheiros em território venezuelano. "Essa questão é política de Estado", disse Romero.
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A revolução depois de Hugo
Mac Margolis
O Estado de S. Paulo, 6/03/2013
Se em vida Hugo Chávez mobilizou multidões com suas exortações ao "libertador" Simón Bolívar e ao socialismo "do século 21", o que dizer da morte do presidente venezuelano? Coronel, comandante, companheiro e príncipe-palhaço, o líder bolivariano preencheu um espaço imenso no imaginário na Venezuela - e talvez em toda a América Latina. Após os quase 14 anos em que governou soberano, praticamente inconteste, sua repentina ausência deixa órfãos seus milhões de aliados.
Uma amostra do tamanho do vazio foi a cúpula de emergência da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), em dezembro, quando líderes dos Estados-membros do bloco reuniram-se em Caracas um dia depois da quarta e última cirurgia de Chávez em Havana. A pauta única: O que será de um dos experimentos político-sociais mais ousados do Hemisfério Ocidental ocorridos nos últimos 50 anos?
A angústia em Caracas atesta tanto a força do chavismo - que criou raízes em oito países no Ocidente - quanto também seu maior fracasso. A clamada revolução bolivariana tem exatamente o tamanho do seu fundador. Socialismo crioulo? Absolutismo com assistencialismo? Ditadura com aval das urnas? Independentemente de1 como se define o movimento, seu desenho e modelagem dependiam desde sempre da cabeça e dos caprichos de seu patriarca e mais ninguém. A Venezuela de Chávez era o socialismo de uma pessoa só.
Já na era pós-Chávez, ninguém arrisca dizer. Enquanto ainda agonizava o comandante, as apostas giravam em torno de três nomes. Um é do vice-presidente Nicolás Maduro, chavista "rojo rojito" e amigo do peito de Cuba.
No mesmo gabarito está o líder da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, com trânsito fácil entre os militares. Ainda há o ex-vice e atual chanceler, Elias Jaua, que perdeu as eleições regionais em Miranda, Estado matriz da maior esperança oposicionistas, para o opositor Henrique Capriles.
Em comum, os três chavistas ostentam a lealdade feroz a seu líder. E só. Quanto aos atributos de Chávez - visão, carisma, lábia, oportunismo e mão de ferro - todos deixam a desejar. Qualquer desfecho imaginável para o pós- chavismo passa impreterivelmente por uma negociação entre os três.
Ainda assim, não será fácil. Chávez deixou uma pegada enorme nas Américas. Com a crise galopante em Cuba e a doença do velho Fidel Castro, o venezuelano consolidou-se como herdeiro autorizado do desgastado socialismo latino. Mais notável, o chavismo prosperou justamente quando sua força motriz já caducara. Quando assumiu o governo, em 1999, o imperialismo ianque clássico e a ditadura militar à moda antiga, que tanto turbinaram a revolução castrista, já eram páginas viradas. Ensaiaram uma reprise na pele de George W. Bush, cuja inépcia e antipatia global Chávez conseguiu explorar ao máximo, para o aplauso geral. Sim, a democracia e o capitalismo de mercado despontaram como apostas vencedoras da região, convertendo até líderes da outrora esquerda (Lula, Alan Garcia, o uruguaio José Mujica) em paladinos da responsabilidade fiscal. Mesmo assim, Chávez resistia e conseguia imprimir e fortalecer sua pegada antigringos, capitalizando o descontentamento com a exclusão e as falhas do novo momento.
Graças à demografia e ao desenvolvimento, a América Latina emplacou uma temporada impressionante de mudança e melhoramento. A taxa de pobreza não sumiu, mas despencou. A distância entre ricos e pobres, sempre abismai, também encolheu. Fica para os estudiosos a missão de explicar porque o canto do bolivarianismo ganhou ouvidos ao mesmo tempo em que a pobreza encolheu mais e as classes médias latinas avançaram tanto.
Sim, os programas sociais do chavismo, bancados por petrodólares, ajudaram. Mas a ascensão dos excluídos foi a tendência em toda a região, onde de 2003 a 2010 a renda média latino-americana cresceu 30% e 73 milhões atravessaram a linha pobreza. Foi a combinação de políticas de mercado temperada por programas sociais - uma receita lu- lista e não bolivariana - que alçou a historicamente anêmica classe média brasileira à maioria. E não foram as missiones chavistas, mas os inovadores programas de transferência condicional de renda (a Bolsa Família brasileira, o Chile Solidário e o Oportunidades do México) que se tornaram tecnologia modelo de combate à pobreza latina, estudada e replicada no terceiro mundo afora.
Na balança, o PIB dos oito países da Alba, de US$533 bilhões, representa modestos 11% do PIB latino-americano, de $5,6 trilhões, segundo o Banco Mundial.
A urgência da reunião dos aliados em Caracas, que nada mais foi que a disputa antecipada de herdeiros da partilha do espólio do patriarca, explica-se. As dúvidas são existenciais. Que fará Cuba se for cortado o envio de mais de 100 mil barris de petróleo por dia para ilha? E Nicarágua, que recebeu de bondade US$ 609 milhões em petróleo venezuelano, equivalente a 10% de seu PIB de 2011? Como fica Bashar Assad, o déspota sírio, cuja sobrevida se deve, em boa medida, aos petroleiros venezuelanos, que ignoraram o bloqueio internacional?
A conta não é apenas econômica. A lacuna deixada por Chávez inclui todo um estilo de governança que impulsiona o carisma e força eleitoreira do grande líder para desbastar as instituições democráticas. Assim, uma vitória nas urnas "autorizou" Chávez a reescrever a Constituição, lotear os tribunais com magistrados amigos, intimidar a mídia independente e retalhar os distritos eleitorais - para garantir o domínio completo.
Mas tudo dependia da vara de condão do comandante. Chávez mantinha sua ascendência sobre as tendências bolivarianas com uma mistura entre cacetadas e confeites. Comprou lealdade, distribuindo benesses à hierarquia chavista - os "boligarcas" - que se serviram de sobras de orçamentos opacos e alheios à fiscalização. Era a corrupção do século 21. E ainda desequilibrava os potenciais rivais, passando-lhes descomposturas em praça pública, no seu programa dominical, o Alô, Presidente, e até demitindo-os ao vivo por seus deslizes.
A alta-costura do chavismo só não contava com a mortalidade. Desde meados de 2011, quando, enfim, divulgou-se o câncer do líder, a sorte da Venezuela mudou. Analistas, militantes políticos, chavistas e milicianos - todos na Venezuela viraram oncologistas. Pois, conforme as palavras astutas de Moisés Naím, a revolução bolivariana passou a depender mais da biologia do que da ideologia. Agora, depende de uma ciência bem menos exata e muito mais imprevisível. A disputa é entre rivais no seio do chavismo, cada qual de posse de um pedaço do legado bolivariano, mas nenhum com o cacife ou muito menos a aura do líder original.
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Um caudilho singular e de muitas faces
Demétrio Magnoli
O Estado de S. Paulo, 6/03/2013
Depositei minha esperança no tempo. Seu ventre enorme abriga mais esperanças do que os acontecimentos do passado - e os eventos do futuro devem ser superiores aos do passado." Hugo Rafael Chávez Frías apelou, como ; sempre, a Simón Bolívar para abrir o discurso aos venezuelanos no qual comunicou que se submetera a uma : cirurgia de remoção de um tumor pélvico, em Havana, em junho de 2011. O ventre do tempo, mesmo enorme, não tinha espaço suficiente para as esperanças incomensuráveis do caudilho. Chávez deixa o mundo dos vivos quatro cirurgias e uma reeleição depois. Na derradeira partida para Cuba, pela viatransversa da nomeação de um sucessor, ele final- I mente disse a seus concidadãos a verdade sobre o câncer que o destruía.
Nas democracias de massas, quando se trata da saúde, da doença e da morte, espera-se dos estadistas nada menos que a transparência absoluta. Chávez, porém, nunca acreditou na noção "burguesa" do interesse público. A sua vida estava consagrada a algo diferente: uma missão histórica. Por coerência, uma qualidade da qual não carecia, a doença e a morte precisavam se subordinar ao mesmo imperativo. O segredo férreo sobre o tipo de câncer, a opção desastrosa pelo tratamento em Cuba, a encenação eleitoral da cura e da reabilitação inscrevem-se na lógica política que marca o chavismo com um sinete singular. Como regra, caudilhos são líderes destituídos de ideologias. Chávez foi, sob esse aspecto decisivo, um caudilho especial.
A visão de mundo de Chávez não surgiu pronta da leitura de algum livro, mas evoluiu ao longo de uma trajetória em três etapas. O primeiro Chávez emergiu após o golpe frustrado de 1992, na roupagem do condotttieri nacionalista, antiamericano, hipnotizado pelos mitos românticos de Bolívar e do ex-presidente Cipriano Castro (1899-1908) - este, um caudilho extravagante, ganhou essa alcunha de "Bruto Louco" do ex-secretário de Estado americano Elihu Root por desafiar o presidente Theodore Roosevelt.
Moldado em parte pelo pensamento do sociólogo argentino Norberto Ceresole, o chavismo original flertava com o antissemitismo e almejava construir um Estado autoritário, de traços fascistas. Sua meta histórica era a restauração da Grã-Colômbia, ou seja, a reunificação geopolítica de Venezuela, Colômbia e Equador.
O chavismo de segunda água organizou-se em 1999, no alvorecer do mandato presidencial pioneiro, quando o caudilho rompeu com Ceresole e aproximou-se de outro sociólogo, o alemão Heinz Dieterich, um obscuro professor no México que alcançou notoriedade com o conceito do "socialismo do século 21". A expressão significa, essencialmente, capitalismo de Estado.
Nos anos seguintes, Chávez iniciou um programa de nacionalizações, controles de preços e "missões sociais" e concluiu um pacto estratégico com Cuba. Criou a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), converteu a petroleira PDVSA em aríete de política externa e engajou-se no financiamento dos governos de Bolívia, Equador, Nicarágua e Honduras.
Na versão chavista, o sonho bolivariano de unidade da América hispânica foi traduzido como um projeto de unificação da América Latina sobre o alicerce da Grã-Colômbia. Durante a etapa ascendente da "revolução bolivariana", o líder venezuelano qualificou a Colômbia como " Israel da América Latina", "um Estado terrorista subordinado ao governo dos EUA", e apostou suas fichas na guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
"O Ayacucho deste século é a Colômbia", proclamou Chávez no seu discurso mais aventureiro, referindo-se à Batalha de Ayacucho, de 1824, um triunfo decisivo do general Sucre na guerra de Bolívar contra os espanhóis. A falência militar das Farc, evidenciada em 2008, assinalou o encerramento da fase ofensiva da política externa do caudilho venezuelano.
Da derrota no referendo constitucional de 2007, que coincidiu com a ruptura com Dieterich, surgiu um terceiro Chávez. A reinvenção ideológica já se esboçava desde a reeleição, no ano anterior, quando o caudilho anunciou a decisão de substituir a coalizão de partidos chavistas por um Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSITV). A ideia não era dele, mas do trotskista britânico Alan Woods, um novo confidente e crítico feroz do "socialismo do século 21". Woods propunha a radicalização socialista da "revolução bolivariana".
Em tese, o PSUV deveria cumprir a função de organização revolucionária de massas, corrigindo o traço caudilhesco do regime chavista, que se equilibrava sobre uma coleção de máfias lideradas por burocratas e militares ligados ao condottieri. Na prática, o partido incorporou à sua máquina diversas facções chavistas, reproduzindo no seu interior o sistema de arbitragem política típico do caudilhismo.
Palimpsesto é o manuscrito várias vezes reescrito, pela superposição de camadas sucessivas de texto que não recobrem totalmente as camadas anteriores, de modo que a escritura mais recente mantém relações complexas com as precedentes. O chavismo é uma doutrina de palimpsesto que mistura a Pátria Grande bolivariana, os impulsos românticos do nacionalismo, um visceral antiamericanismo e os dogmas do marxismo.
O bizarro caldo ideológico resultante não apontou um rumo, mas conservou as portas abertas para as opções táticas do caudilho. Nos últimos dois anos, sob os impactos combinados dos fracassos econômicos, do crescimento da oposição e da batalha de Chávez contra o câncer, a "revolução bolivariana" . quase estancou, frustrando suas correntes mais radicais.
"Chávez une o que é diverso: o povo", explicou Aristóbulo Istúriz, um dirigente do PSUV, sintetizando a natureza do caudilhismo. A obsessão chavista pela reeleição presidencial ilimitada não refletia um apego excepcional do condottieri pelo poder, mas a sua aguda percepção da fragilidade da "revolução bolivariana".
Nos primeiros, gloriosos tempos do chavismo, o regime patrocinou a publicação de uma edição de centenas de milhares de exemplares do Quixote de Cervantes para distribuição gratuita entre os venezuelanos. Dom Quixote descreve sua missão como a destruição da injustiça - mas a injustiça definitiva é a morte. Chávez sabia que não tinha o direito de morrer pois, sem ele, não há chavismo nem "revolução bolivariana".
O Estado de S. Paulo, 6/03/2013
A morte do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, preocupa os países da Aliança Bolivariana das Américas (Alba), grupo criado por ele para projetar sua influência regional, em 2004. Sem seu principal ideólogo, o bloco caminha para a agonia.
"Não vejo futuro para Alba. Ela foi criada sob uma condição ideológica anticapitalista e anti- imperialista, mas o sonho de Chávez não se cumpriu", disse ao Estado o cientista político Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela, especialista em política externa venezuelana.
Sem Chávez, a legislação venezuelana determina que novas eleições presidenciais sejam convocadas. O candidato do chavismo será o vice-presidente, Nicolás Maduro, escolhido definitivamente por Chávez como seu sucessor meses antes de sua morte. A oposição, provavelmente, deverá organizar novas votações primárias para definir seu candidato.
Mesmo que Maduro consiga manter o chavismo no poder sem seu carismático padrinho político, o bloco está condenado, acreditam analistas. "A Alba não foi eficaz em seu modelo de integração. O grupo não tem consenso sobre o que deve fazer", acrescentou Romero. "Muitos países, como a Bolívia, têm se aproximado dos EUA. Outros países caribenhos pequenos, como Dominica, votaram de maneira distinta da Venezuela em organismos internacionais."
Sem Chávez, o protagonismo da esquerda "bolivariana" deve ser requisitada pelo presidente do Equador, Rafael Correa. "Corrêa é ambicioso, mas não tem os recursos abundantes dos quais Chávez dispunha", disse o presidente do Diálogo Interamericano, Michael Shifter.
O presidente equatoriano ganhou, neste ano, os holofotes ao conceder asilo diplomático ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange, que vive há nove meses na Embaixada do Equador em Londres. Antes da última cirurgia de Chávez, Correa o visitou em Cuba e informou a imprensa sobre o início da operação.
Com uma mudança de governo em Caracas, no entanto, países pequenos da América Central, como a Nicarágua, do sandinista Daniel Ortega, Antígua e Barbuda, Dominica e São Vicente e Granadinas manteriam seus subsídios petrolíferos.
"A questão do petróleo é uma política de Estado. Se Maduro assumir ou a oposição ganhar novas eleições, não imagino que haverá grandes mudanças", disse o analista venezuelano.
Farc. As boas relações com a Colômbia, tumultuadas durante o mandato de Álvaro Uribe, mas retomadas com Juan Manuel Santos, devem se manter. Nos últimos anos, Chávez extraditou e colaborou com a prisão de guerrilheiros em território venezuelano. "Essa questão é política de Estado", disse Romero.
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A revolução depois de Hugo
Mac Margolis
O Estado de S. Paulo, 6/03/2013
Se em vida Hugo Chávez mobilizou multidões com suas exortações ao "libertador" Simón Bolívar e ao socialismo "do século 21", o que dizer da morte do presidente venezuelano? Coronel, comandante, companheiro e príncipe-palhaço, o líder bolivariano preencheu um espaço imenso no imaginário na Venezuela - e talvez em toda a América Latina. Após os quase 14 anos em que governou soberano, praticamente inconteste, sua repentina ausência deixa órfãos seus milhões de aliados.
Uma amostra do tamanho do vazio foi a cúpula de emergência da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), em dezembro, quando líderes dos Estados-membros do bloco reuniram-se em Caracas um dia depois da quarta e última cirurgia de Chávez em Havana. A pauta única: O que será de um dos experimentos político-sociais mais ousados do Hemisfério Ocidental ocorridos nos últimos 50 anos?
A angústia em Caracas atesta tanto a força do chavismo - que criou raízes em oito países no Ocidente - quanto também seu maior fracasso. A clamada revolução bolivariana tem exatamente o tamanho do seu fundador. Socialismo crioulo? Absolutismo com assistencialismo? Ditadura com aval das urnas? Independentemente de1 como se define o movimento, seu desenho e modelagem dependiam desde sempre da cabeça e dos caprichos de seu patriarca e mais ninguém. A Venezuela de Chávez era o socialismo de uma pessoa só.
Já na era pós-Chávez, ninguém arrisca dizer. Enquanto ainda agonizava o comandante, as apostas giravam em torno de três nomes. Um é do vice-presidente Nicolás Maduro, chavista "rojo rojito" e amigo do peito de Cuba.
No mesmo gabarito está o líder da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, com trânsito fácil entre os militares. Ainda há o ex-vice e atual chanceler, Elias Jaua, que perdeu as eleições regionais em Miranda, Estado matriz da maior esperança oposicionistas, para o opositor Henrique Capriles.
Em comum, os três chavistas ostentam a lealdade feroz a seu líder. E só. Quanto aos atributos de Chávez - visão, carisma, lábia, oportunismo e mão de ferro - todos deixam a desejar. Qualquer desfecho imaginável para o pós- chavismo passa impreterivelmente por uma negociação entre os três.
Ainda assim, não será fácil. Chávez deixou uma pegada enorme nas Américas. Com a crise galopante em Cuba e a doença do velho Fidel Castro, o venezuelano consolidou-se como herdeiro autorizado do desgastado socialismo latino. Mais notável, o chavismo prosperou justamente quando sua força motriz já caducara. Quando assumiu o governo, em 1999, o imperialismo ianque clássico e a ditadura militar à moda antiga, que tanto turbinaram a revolução castrista, já eram páginas viradas. Ensaiaram uma reprise na pele de George W. Bush, cuja inépcia e antipatia global Chávez conseguiu explorar ao máximo, para o aplauso geral. Sim, a democracia e o capitalismo de mercado despontaram como apostas vencedoras da região, convertendo até líderes da outrora esquerda (Lula, Alan Garcia, o uruguaio José Mujica) em paladinos da responsabilidade fiscal. Mesmo assim, Chávez resistia e conseguia imprimir e fortalecer sua pegada antigringos, capitalizando o descontentamento com a exclusão e as falhas do novo momento.
Graças à demografia e ao desenvolvimento, a América Latina emplacou uma temporada impressionante de mudança e melhoramento. A taxa de pobreza não sumiu, mas despencou. A distância entre ricos e pobres, sempre abismai, também encolheu. Fica para os estudiosos a missão de explicar porque o canto do bolivarianismo ganhou ouvidos ao mesmo tempo em que a pobreza encolheu mais e as classes médias latinas avançaram tanto.
Sim, os programas sociais do chavismo, bancados por petrodólares, ajudaram. Mas a ascensão dos excluídos foi a tendência em toda a região, onde de 2003 a 2010 a renda média latino-americana cresceu 30% e 73 milhões atravessaram a linha pobreza. Foi a combinação de políticas de mercado temperada por programas sociais - uma receita lu- lista e não bolivariana - que alçou a historicamente anêmica classe média brasileira à maioria. E não foram as missiones chavistas, mas os inovadores programas de transferência condicional de renda (a Bolsa Família brasileira, o Chile Solidário e o Oportunidades do México) que se tornaram tecnologia modelo de combate à pobreza latina, estudada e replicada no terceiro mundo afora.
Na balança, o PIB dos oito países da Alba, de US$533 bilhões, representa modestos 11% do PIB latino-americano, de $5,6 trilhões, segundo o Banco Mundial.
A urgência da reunião dos aliados em Caracas, que nada mais foi que a disputa antecipada de herdeiros da partilha do espólio do patriarca, explica-se. As dúvidas são existenciais. Que fará Cuba se for cortado o envio de mais de 100 mil barris de petróleo por dia para ilha? E Nicarágua, que recebeu de bondade US$ 609 milhões em petróleo venezuelano, equivalente a 10% de seu PIB de 2011? Como fica Bashar Assad, o déspota sírio, cuja sobrevida se deve, em boa medida, aos petroleiros venezuelanos, que ignoraram o bloqueio internacional?
A conta não é apenas econômica. A lacuna deixada por Chávez inclui todo um estilo de governança que impulsiona o carisma e força eleitoreira do grande líder para desbastar as instituições democráticas. Assim, uma vitória nas urnas "autorizou" Chávez a reescrever a Constituição, lotear os tribunais com magistrados amigos, intimidar a mídia independente e retalhar os distritos eleitorais - para garantir o domínio completo.
Mas tudo dependia da vara de condão do comandante. Chávez mantinha sua ascendência sobre as tendências bolivarianas com uma mistura entre cacetadas e confeites. Comprou lealdade, distribuindo benesses à hierarquia chavista - os "boligarcas" - que se serviram de sobras de orçamentos opacos e alheios à fiscalização. Era a corrupção do século 21. E ainda desequilibrava os potenciais rivais, passando-lhes descomposturas em praça pública, no seu programa dominical, o Alô, Presidente, e até demitindo-os ao vivo por seus deslizes.
A alta-costura do chavismo só não contava com a mortalidade. Desde meados de 2011, quando, enfim, divulgou-se o câncer do líder, a sorte da Venezuela mudou. Analistas, militantes políticos, chavistas e milicianos - todos na Venezuela viraram oncologistas. Pois, conforme as palavras astutas de Moisés Naím, a revolução bolivariana passou a depender mais da biologia do que da ideologia. Agora, depende de uma ciência bem menos exata e muito mais imprevisível. A disputa é entre rivais no seio do chavismo, cada qual de posse de um pedaço do legado bolivariano, mas nenhum com o cacife ou muito menos a aura do líder original.
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Um caudilho singular e de muitas faces
Demétrio Magnoli
O Estado de S. Paulo, 6/03/2013
Depositei minha esperança no tempo. Seu ventre enorme abriga mais esperanças do que os acontecimentos do passado - e os eventos do futuro devem ser superiores aos do passado." Hugo Rafael Chávez Frías apelou, como ; sempre, a Simón Bolívar para abrir o discurso aos venezuelanos no qual comunicou que se submetera a uma : cirurgia de remoção de um tumor pélvico, em Havana, em junho de 2011. O ventre do tempo, mesmo enorme, não tinha espaço suficiente para as esperanças incomensuráveis do caudilho. Chávez deixa o mundo dos vivos quatro cirurgias e uma reeleição depois. Na derradeira partida para Cuba, pela viatransversa da nomeação de um sucessor, ele final- I mente disse a seus concidadãos a verdade sobre o câncer que o destruía.
Nas democracias de massas, quando se trata da saúde, da doença e da morte, espera-se dos estadistas nada menos que a transparência absoluta. Chávez, porém, nunca acreditou na noção "burguesa" do interesse público. A sua vida estava consagrada a algo diferente: uma missão histórica. Por coerência, uma qualidade da qual não carecia, a doença e a morte precisavam se subordinar ao mesmo imperativo. O segredo férreo sobre o tipo de câncer, a opção desastrosa pelo tratamento em Cuba, a encenação eleitoral da cura e da reabilitação inscrevem-se na lógica política que marca o chavismo com um sinete singular. Como regra, caudilhos são líderes destituídos de ideologias. Chávez foi, sob esse aspecto decisivo, um caudilho especial.
A visão de mundo de Chávez não surgiu pronta da leitura de algum livro, mas evoluiu ao longo de uma trajetória em três etapas. O primeiro Chávez emergiu após o golpe frustrado de 1992, na roupagem do condotttieri nacionalista, antiamericano, hipnotizado pelos mitos românticos de Bolívar e do ex-presidente Cipriano Castro (1899-1908) - este, um caudilho extravagante, ganhou essa alcunha de "Bruto Louco" do ex-secretário de Estado americano Elihu Root por desafiar o presidente Theodore Roosevelt.
Moldado em parte pelo pensamento do sociólogo argentino Norberto Ceresole, o chavismo original flertava com o antissemitismo e almejava construir um Estado autoritário, de traços fascistas. Sua meta histórica era a restauração da Grã-Colômbia, ou seja, a reunificação geopolítica de Venezuela, Colômbia e Equador.
O chavismo de segunda água organizou-se em 1999, no alvorecer do mandato presidencial pioneiro, quando o caudilho rompeu com Ceresole e aproximou-se de outro sociólogo, o alemão Heinz Dieterich, um obscuro professor no México que alcançou notoriedade com o conceito do "socialismo do século 21". A expressão significa, essencialmente, capitalismo de Estado.
Nos anos seguintes, Chávez iniciou um programa de nacionalizações, controles de preços e "missões sociais" e concluiu um pacto estratégico com Cuba. Criou a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), converteu a petroleira PDVSA em aríete de política externa e engajou-se no financiamento dos governos de Bolívia, Equador, Nicarágua e Honduras.
Na versão chavista, o sonho bolivariano de unidade da América hispânica foi traduzido como um projeto de unificação da América Latina sobre o alicerce da Grã-Colômbia. Durante a etapa ascendente da "revolução bolivariana", o líder venezuelano qualificou a Colômbia como " Israel da América Latina", "um Estado terrorista subordinado ao governo dos EUA", e apostou suas fichas na guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
"O Ayacucho deste século é a Colômbia", proclamou Chávez no seu discurso mais aventureiro, referindo-se à Batalha de Ayacucho, de 1824, um triunfo decisivo do general Sucre na guerra de Bolívar contra os espanhóis. A falência militar das Farc, evidenciada em 2008, assinalou o encerramento da fase ofensiva da política externa do caudilho venezuelano.
Da derrota no referendo constitucional de 2007, que coincidiu com a ruptura com Dieterich, surgiu um terceiro Chávez. A reinvenção ideológica já se esboçava desde a reeleição, no ano anterior, quando o caudilho anunciou a decisão de substituir a coalizão de partidos chavistas por um Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSITV). A ideia não era dele, mas do trotskista britânico Alan Woods, um novo confidente e crítico feroz do "socialismo do século 21". Woods propunha a radicalização socialista da "revolução bolivariana".
Em tese, o PSUV deveria cumprir a função de organização revolucionária de massas, corrigindo o traço caudilhesco do regime chavista, que se equilibrava sobre uma coleção de máfias lideradas por burocratas e militares ligados ao condottieri. Na prática, o partido incorporou à sua máquina diversas facções chavistas, reproduzindo no seu interior o sistema de arbitragem política típico do caudilhismo.
Palimpsesto é o manuscrito várias vezes reescrito, pela superposição de camadas sucessivas de texto que não recobrem totalmente as camadas anteriores, de modo que a escritura mais recente mantém relações complexas com as precedentes. O chavismo é uma doutrina de palimpsesto que mistura a Pátria Grande bolivariana, os impulsos românticos do nacionalismo, um visceral antiamericanismo e os dogmas do marxismo.
O bizarro caldo ideológico resultante não apontou um rumo, mas conservou as portas abertas para as opções táticas do caudilho. Nos últimos dois anos, sob os impactos combinados dos fracassos econômicos, do crescimento da oposição e da batalha de Chávez contra o câncer, a "revolução bolivariana" . quase estancou, frustrando suas correntes mais radicais.
"Chávez une o que é diverso: o povo", explicou Aristóbulo Istúriz, um dirigente do PSUV, sintetizando a natureza do caudilhismo. A obsessão chavista pela reeleição presidencial ilimitada não refletia um apego excepcional do condottieri pelo poder, mas a sua aguda percepção da fragilidade da "revolução bolivariana".
Nos primeiros, gloriosos tempos do chavismo, o regime patrocinou a publicação de uma edição de centenas de milhares de exemplares do Quixote de Cervantes para distribuição gratuita entre os venezuelanos. Dom Quixote descreve sua missão como a destruição da injustiça - mas a injustiça definitiva é a morte. Chávez sabia que não tinha o direito de morrer pois, sem ele, não há chavismo nem "revolução bolivariana".
A frase (bolivariana) da semana: Bolivar himself...
Bolivariana no sentido estrito, não seu arremedo chavista, que aliás parece ter sido visado preventivamente na frase de Bolívar, o verdadeiro.
Será que essa frase figura nas Obras Completas de Simón Bolivar, que Chávez certamente deve ter mandado compor, imprimir e distribuir a milhões de exemplares?
Dúvida! Mas não resta dúvida de que esta frase vem bien à propos...
Será que essa frase figura nas Obras Completas de Simón Bolivar, que Chávez certamente deve ter mandado compor, imprimir e distribuir a milhões de exemplares?
Dúvida! Mas não resta dúvida de que esta frase vem bien à propos...
Si un hombre fuese necesario para sostener el Estado, este Estado no debería existir, y al fin no existiría.
Simón Bolívar, 20 de Janeiro de 1830
Noticias de outro continente...
Atenção, se você for a Bombai, ou Mumbai, como os indianos preferem, cuidado com os leopardos soltos na periferia...
Isso me lembra aquela velha piada dos três leões que escaparam do zoológico, e cada um tentou se esconder em algum lugar: dois foram logo recapturados, mas o terceiro sobreviveu durante longos meses dentro de um armário numa repartição pública e só foi capturado depois que comeu o servidor de cafezinho. Na Índia o serviço público deve funcionar nas mesmas bases...
Paulo Roberto de Almeida
Des bidonvilles qui ont commencé à s'étendre jusqu'à l'intérieur d'une énorme forêt nationale qui jouxte Bombay, et où vivent une vingtaine de léopards. Mais durant les sept derniers mois, six personnes, dont des petits enfants, ont été tués par des léopards. Aujourd'hui, les autorités essaient, tant bien que mal, de gérer la coexistence entre les deux espèces de mammifères pour faire cesser cette hécatombe.
Isso me lembra aquela velha piada dos três leões que escaparam do zoológico, e cada um tentou se esconder em algum lugar: dois foram logo recapturados, mas o terceiro sobreviveu durante longos meses dentro de um armário numa repartição pública e só foi capturado depois que comeu o servidor de cafezinho. Na Índia o serviço público deve funcionar nas mesmas bases...
Paulo Roberto de Almeida
Inde
A Bombay, la plus grande ville du pays, se déroule une guerre de l'espace entre les habitants et les animaux sauvages qui bordent la ville. La capitale économique indienne est l'une des mégalopoles les plus peuplées au monde, avec près de 20 millions d'habitants, et le manque de logement est tel que plus de la moitié d'entre eux vivent dans des habitations informelles.Des bidonvilles qui ont commencé à s'étendre jusqu'à l'intérieur d'une énorme forêt nationale qui jouxte Bombay, et où vivent une vingtaine de léopards. Mais durant les sept derniers mois, six personnes, dont des petits enfants, ont été tués par des léopards. Aujourd'hui, les autorités essaient, tant bien que mal, de gérer la coexistence entre les deux espèces de mammifères pour faire cesser cette hécatombe.
Noticias de certo continente...
A gente sempre se surpreende com as manchetes do dia:
Ansa Latina (Itália) – Rousseff organiza frente contra golpe en Venezuela
Uau? Um golpe estava em curso? Então é preciso salvar o país dos conspiradores...
Venezolana de Televisión – Patriota: Chávez es un líder que quedará en la memoria de los venezolanos
Disso não existe a menor dúvida: HC é inesquecível...
El Nacional (Venezuela) – Aseguran que Maduro no puede ser candidato si ejerce como vicepresidente
Ops, os conspiradores se agitam; vamos fazer uma frente contra o golpe...
BBC (Reino Unido) – Chávez era "el mesías", según Ahmadinejad
Vamos ter de descobrir agora os fundamentos teológicos do novo culto...
Reuters (Reino Unido) – Una Cuba conmocionada empieza a imaginar el futuro sin Chávez
Uh, lá, lá: a mesada vai diminuir agora...
E assim vamos indo...
Sexta-feira tem mais...
Ansa Latina (Itália) – Rousseff organiza frente contra golpe en Venezuela
Uau? Um golpe estava em curso? Então é preciso salvar o país dos conspiradores...
Venezolana de Televisión – Patriota: Chávez es un líder que quedará en la memoria de los venezolanos
Disso não existe a menor dúvida: HC é inesquecível...
El Nacional (Venezuela) – Aseguran que Maduro no puede ser candidato si ejerce como vicepresidente
Ops, os conspiradores se agitam; vamos fazer uma frente contra o golpe...
BBC (Reino Unido) – Chávez era "el mesías", según Ahmadinejad
Vamos ter de descobrir agora os fundamentos teológicos do novo culto...
Reuters (Reino Unido) – Una Cuba conmocionada empieza a imaginar el futuro sin Chávez
Uh, lá, lá: a mesada vai diminuir agora...
E assim vamos indo...
Sexta-feira tem mais...
Historia economica da América Latina: Jose Antonio Ocampo, Luis Bertola
Um livro a ser comprado, lido, anotado...
The Economic Development of Latin America since Independence
José Antonio Ocampo, Luis Bertola
Over the past decade macro-economic stability and the rise of China and India have brought unprecedented economic growth to Latin America—and with it a flood of investment and praise from analysts. Has the region overcome the historical structural constraints that have led to the booms and busts of the past?
In his new book José Antonio Ocampo, with co-author Luis Bertola, includes original research and empirical data on trade and free trade agreements, capital flows, Latin America’s insertion into the global economy, human developmet and inequality, and the impact of these patterns and structures for the region’s future.
The Economic Development of Latin America since Independence
José Antonio Ocampo, Luis Bertola
Over the past decade macro-economic stability and the rise of China and India have brought unprecedented economic growth to Latin America—and with it a flood of investment and praise from analysts. Has the region overcome the historical structural constraints that have led to the booms and busts of the past?
In his new book José Antonio Ocampo, with co-author Luis Bertola, includes original research and empirical data on trade and free trade agreements, capital flows, Latin America’s insertion into the global economy, human developmet and inequality, and the impact of these patterns and structures for the region’s future.
Qusndo Chavez ainda nao era Chavez... - Mario Machado Filho
Simpática crônica dos tempos em que FHC ainda era "El Maestro", e quando Chávez, já socialista, mas cauteloso, ainda não tinha desembrulhado seu patético socialismo do século 21.
Mario Machado escreve muito bem, mas é muito sincero para fazer um militante de causas fundamentalistas. Espírito libertário, sabe avaliar com precisão a realidade contemporânea.
Estamos sempre conectados, pelas linhas invisíveis do espaço virtual...
Paulo Roberto de Almeida
O dia que apertei a mão de Chávez
Mario Machado
Coisas Internacionais, 05 Mar 2013 10:54 PM PST
A notícia da morte de Chávez tomou de assalto o noticiário e as redes sociais, não faltam opiniões, análises e até mesmo as sempre presentes piadas de humor negro. Ao saber da notícia, naturalmente comecei a pensar no que escreveria. Bom, decidi compartilhar com vocês a lembrança que veio imediatamente a minha cabeça.
Aquela foi uma manhã completamente atípica no bloco K, da Universidade Católica de Brasília, havia uma corrente elétrica no ar, todos estavam ouriçados, a maioria por que as aulas terminariam mais cedo, outros por que haviam sido convidados para estar na audiência do discurso que faria o presidente Venezuelano Hugo Chávez Frias, que acabará de conduzir uma série de consultas populares que estavam a gerar uma grande polarização em seu país. Não era ainda o Chávez socialista do século XXI, afinal estávamos no ano 2000 e o barril de petróleo era cotado na casa dos USD 29.00.
Chávez ainda não era um “household name”, ou seja, não se conhecia tanto o homem, ou eu teria optado por lanchar antes do discurso, que eu não imaginei que duraria tanto. O bloco K foi esvaziado naquela manhã, homens da Polícia Federal e dezenas de seguranças venezuelanos de Chávez ocuparam as entradas, o aparato parecia exagerado, havia alguns poucos manifestantes que pediam solidariedade de Chávez com as FARC, eram dias em que o Plano Colômbia acirrava ânimos.
Todos já estavam no auditório do nosso prédio, mas que não era mais nosso, naquela manhã pertencia a alta cúpula dos dirigentes da Católica, jornalistas venezuelanos e brasileiros se acotovelavam na porta sinal inequívoco que o convidado de honra havia chegado.
Cumprida as formalidades do cerimonial público, começou a fala de Hugo Chávez. “É um caudilho, um milico que quer calar a imprensa” me disse uma moça do movimento estudantil, que anos mais tarde se renderia ao bolivarianismo.
O homem sabia entreter uma platéia, era agradável, envolvia os estudantes, foi acessível e gentil no trato, sua retórica já era de alta octanagem, inflamatória por excelência arrancou aplausos ao denunciar os planos de internacionalização da Amazônia – esse eterno fantasma na mentalidade brasileira – e fez relatos sobre como os recursos do petróleo seriam malversados pelos oligarcas e que seu país possuía 80% da população na pobreza. Ele falou dos laços Brasil e Venezuela e de como tinha F.H.C como “El maestro”.
Ao terminar sua fala Chávez – como bom político – dedicou um pouco de seu tempo para tirar fotos cumprimentando os estudantes. E logo foi cercado por repórteres de sua terra natal que queriam saber de algum assunto urgente do dia, na comoção que isso causou aproveitei pra ficar entre os seguranças dele que talvez tenham sido levados a acreditar por conta do terno que eu vestia e do meu porte físico que eu era um segurança brasileiro, quando o presidente esteve em minha frente estendi a mão e recebi um aperto de mão efusivo e uma mensagem que não lembro bem, mas era algo como o futuro pertence a vocês.
Eu ainda tinha 19 anos e era um tanto imaturo e me deixei levar pela pompa e circunstância de estar na presença de um chefe de Estado e acabei por tietar um homem que hoje representa o contrário de tudo que eu acredito, mas são essas experiências que pouco a pouco vão construindo o rumo de nossas vidas.
Não sei, realmente não sei se essa história é pertinente a única certeza que tenho que os eventos daquele dia 31 de agosto de 2000 ajudaram a solidificar meu desejo de percorrer essa tortuosa estrada de ser analista de Relações Internacionais.
______________
Para algumas considerações sobre a situação venezuelana, clique aqui.
*Post dedicado ao meu bom amigo Bruno Amário e sua prodigiosa habilidade de encontrar reportagens antigas na internet.
Mario Machado escreve muito bem, mas é muito sincero para fazer um militante de causas fundamentalistas. Espírito libertário, sabe avaliar com precisão a realidade contemporânea.
Estamos sempre conectados, pelas linhas invisíveis do espaço virtual...
Paulo Roberto de Almeida
O dia que apertei a mão de Chávez
Mario Machado
Coisas Internacionais, 05 Mar 2013 10:54 PM PST
A notícia da morte de Chávez tomou de assalto o noticiário e as redes sociais, não faltam opiniões, análises e até mesmo as sempre presentes piadas de humor negro. Ao saber da notícia, naturalmente comecei a pensar no que escreveria. Bom, decidi compartilhar com vocês a lembrança que veio imediatamente a minha cabeça.
Aquela foi uma manhã completamente atípica no bloco K, da Universidade Católica de Brasília, havia uma corrente elétrica no ar, todos estavam ouriçados, a maioria por que as aulas terminariam mais cedo, outros por que haviam sido convidados para estar na audiência do discurso que faria o presidente Venezuelano Hugo Chávez Frias, que acabará de conduzir uma série de consultas populares que estavam a gerar uma grande polarização em seu país. Não era ainda o Chávez socialista do século XXI, afinal estávamos no ano 2000 e o barril de petróleo era cotado na casa dos USD 29.00.
Chávez ainda não era um “household name”, ou seja, não se conhecia tanto o homem, ou eu teria optado por lanchar antes do discurso, que eu não imaginei que duraria tanto. O bloco K foi esvaziado naquela manhã, homens da Polícia Federal e dezenas de seguranças venezuelanos de Chávez ocuparam as entradas, o aparato parecia exagerado, havia alguns poucos manifestantes que pediam solidariedade de Chávez com as FARC, eram dias em que o Plano Colômbia acirrava ânimos.
Todos já estavam no auditório do nosso prédio, mas que não era mais nosso, naquela manhã pertencia a alta cúpula dos dirigentes da Católica, jornalistas venezuelanos e brasileiros se acotovelavam na porta sinal inequívoco que o convidado de honra havia chegado.
Cumprida as formalidades do cerimonial público, começou a fala de Hugo Chávez. “É um caudilho, um milico que quer calar a imprensa” me disse uma moça do movimento estudantil, que anos mais tarde se renderia ao bolivarianismo.
O homem sabia entreter uma platéia, era agradável, envolvia os estudantes, foi acessível e gentil no trato, sua retórica já era de alta octanagem, inflamatória por excelência arrancou aplausos ao denunciar os planos de internacionalização da Amazônia – esse eterno fantasma na mentalidade brasileira – e fez relatos sobre como os recursos do petróleo seriam malversados pelos oligarcas e que seu país possuía 80% da população na pobreza. Ele falou dos laços Brasil e Venezuela e de como tinha F.H.C como “El maestro”.
Ao terminar sua fala Chávez – como bom político – dedicou um pouco de seu tempo para tirar fotos cumprimentando os estudantes. E logo foi cercado por repórteres de sua terra natal que queriam saber de algum assunto urgente do dia, na comoção que isso causou aproveitei pra ficar entre os seguranças dele que talvez tenham sido levados a acreditar por conta do terno que eu vestia e do meu porte físico que eu era um segurança brasileiro, quando o presidente esteve em minha frente estendi a mão e recebi um aperto de mão efusivo e uma mensagem que não lembro bem, mas era algo como o futuro pertence a vocês.
Eu ainda tinha 19 anos e era um tanto imaturo e me deixei levar pela pompa e circunstância de estar na presença de um chefe de Estado e acabei por tietar um homem que hoje representa o contrário de tudo que eu acredito, mas são essas experiências que pouco a pouco vão construindo o rumo de nossas vidas.
Não sei, realmente não sei se essa história é pertinente a única certeza que tenho que os eventos daquele dia 31 de agosto de 2000 ajudaram a solidificar meu desejo de percorrer essa tortuosa estrada de ser analista de Relações Internacionais.
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