Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
Eu até recebi o convite para ir, mas no mesmo momento estava atravessando por uma segunda vez os Estados Unidos, e já tinha estado no New Hampshire duas vezes, para ver os locais da conferência.
Aqui estão as transcrições do evento.
Permito-me informar que preparei um artigo: “O FMI e o Brasil:encontros e desencontros em 70 anos de
história” (Hartford, 30 julho 2014, 24 p.) que traça um itinerário histórico do FMI, desde
Bretton Woods, e segue os acordos feitos pelo Brasil, com ênfase nas diferentes
fases das políticas econômicas. Foi encaminhado para número especial da revista
FGV-Direito,
sob o título de “O Brasil e o FMI desde Bretton Woods: 70 anos de História”.
Paulo Roberto de Almeida
The Center for Financial Stability (CFS) is grateful to many speakers and delegates for the success of the working conference "Bretton Woods 2014: The Founders and the Future."
Delegates actively focused on the future of finance and the international monetary system to contemplate policies to foster global financial stability, growth, and cooperation. We also honored and rested on the vision and leadership demonstrated 70 years ago at the historic Mount Washington Hotel. Honorary Committee member Randy Quarles captured the spirit of the discussions by invoking an old Greek proverb:
"Society grows great when old men plant trees whose shade they know they shall never sit in."
Welcome Message
Jacques de Larosiére - Managing Director of the IMF (1978 - 1987)
Future Prospects for the World's Foreign Exchange System
Otmar Issing - Member of the Executive Board of the ECB (1998 - 2006)
Nice-Squared (Near an Internationally Cooperative Equilibrium)
John B. Taylor - Professor of Economics at Stanford University
A Few Thoughts on the Current International Monetary System
Liu Mingkang - Member, 17th Central Committee of the Communist Party of China
Bretton Woods Reconsidered: The Dollar Standard and the Role of China
Ronald I. McKinnon (***) - Professor of International Economics at Stanford University
Marriner Eccles: Father of the Modern Federal Reserve
Spencer F. Eccles - Chairman Emeritus, Wells Fargo Intermountain Banking Region
Critical Issues for the Bretton Woods Institutions
William R. Rhodes - President and CEO of William R. Rhodes Global Advisors
Ideas for Today from the British Delegation of 1944
Charles Goodhart - Member of the Bank of England's Monetary Policy Committee (1997 - 2000)
Mexico’s Role at Bretton Woods: An Assessment 70 Years Later
Francisco Suárez Dávila - Ambassador of Mexico to Canada
In Light of Recent Experiences: Is There a Future for International Cooperation?
Ernesto Zedillo - President of Mexico (1994 - 2000)
What Have We Learned about Bretton Woods from Recent Research?
Eric Helleiner - Author of "Forgotten Foundations of Bretton Woods"
Eric Rauchway - Author of "The Money-Makers: The Invention of Prosperity"
Kurt Schuler - Finder and editor of "The Bretton Woods Transcripts"
Thoughts on World War II in July 1944
Carole Brookins - U.S. Executive Director of the World Bank Group (2001 - 2005)
Summary and Next Steps
Randal K. Quarles - Under Secretary for Domestic Finance, U.S. Treasury (2005 - 2006)
We are grateful to the Marriner S. Eccles Foundation, BNY Mellon, the Citrone Foundation, and the Y.A. Istel Foundation in honor of André Istel for their vision and support of Bretton Woods 2014.
Sincerely yours,
Lawrence Goodman
(***) We are saddened by the loss of Professor Ron McKinnon, who enthusiastically shared his intelligence and humor with colleagues in New Hampshire earlier in the fall.
--
Lawrence Goodman
President
Center for Financial Stability, Inc.
1120 Avenue of the Americas, 4th floor
New York, NY 10036
www.CenterforFinancialStability.org
The Center for Financial Stability is a nonprofit, nonpartisan, independent think tank dedicated to financial markets for the benefit of investors, officials, and the public.
Apenas transcrevendo, sem muitos outros comentários sobre esse episódio específico. Acho que o essencial já está dito aí, pelo menos no que concerne a patética aventura iraniana dos companheiros.
Mas, existem muitos outros episódios que ainda necessitam de esclarecimentos, e duvido que existam registros escritos sobre determinadas questões controversas. Não preciso citar quais, os entendidos saberão quais são, algumas na região, outras fora dela...
Um dia a história se escreverá, e ela não os absolverá...
Paulo Roberto de Almeida
Diplomacia - Aposta em Teerã: A sombra do fracasso
Em Aposta em Teerã, o ex-chanceler Luiz Felipe
Lampreia revela que não foi por falta de aviso que o episódio mais
humilhante da diplomacia lulista ocorreu
Presidente Luis Inacio Lula da Silva, Presidente Iraniano Mahmoud Ahmadinejad, em Teerã, 16 Maio 2010.
DIOGO SCHELP
Em Aposta em Teerã, o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia revela que não foi por falta de aviso que o episódio mais humilhante da diplomacia lulista ocorreu
Apolítica externa no governo de Luiz Inácio Lula da Silva ficou
conhecida como "diplomacia megalonanica". "Megalo" por suas pretensões
de alterar o equilíbrio de poder entre países ricos e emergentes, de
solucionar conflitos que se arrastam por décadas e de reivindicar para o
Brasil uma liderança não apenas regional, mas global.
"Nanica" porque, na prática, o soft poder brasileiro, ou seja, o poder
de influenciar nações sem o uso da ameaça militar, é insuficiente para
atingir os objetivos grandiosos pretendidos pelo lulopetismo.
Em seu livro Aposta em Teerã (Objetiva; 152 páginas;
24,90 reais), que chega nesta semana às livrarias, Luiz Felipe Lampreia
evita usar expressão tão irônica — e, por isso mesmo, tão eficiente em
sintetizar a visão de mundo de Lula e de seus conselheiros
internacionais.
Sua análise do maior fracasso da diplomacia da era Lula, a tentativa de
solucionar o impasse em torno do programa nuclear iraniano, em 2010, dá
mais voltas, mas chega à mesma conclusão. Escreve Lampreia: "O governo
do presidente Lula sempre foi caracterizado por um forte desejo de
protagonismo diplomático. No caso do Oriente Médio, demonstrou um
excesso de voluntarismo, que se revelou gratuito e inútil. No caso do
Irã, fez uma leitura por demais otimista do nosso papel internacional".
Eis uma descrição diplomática do que é ser megalonanico.
Lampreia chefiou o Itamaraty entre 1995 e 2001, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, período que Celso Amorim, o chanceler de Lula, depois
afirmou ter sido marcado por uma diplomacia tímida e de subordinação
"aos ditames de outras potências". Na verdade, era apenas uma política
externa que não se subordinava a interesses partidários.
Com os contatos que ainda mantêm no meio diplomático, Lampreia reuniu
informações de bastidores que demonstram como o anseio pelo protagonismo
impediu que Amorim e Lula percebessem que as negociações com o Irã, em
parceria com a Turquia, eram uma armadilha.
Um pouco antes de desembarcar em Teerã, Lula esteve na Rússia, ocasião
em que o presidente Dimitri Medvedev alertou o colega brasileiro em
conversa reservada que "o jogo já estava jogado" e que os membros
permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha, já haviam
concordado em impor novas sanções econômicas ao Irã.
De nada adiantava, portanto, Lula arriscar a sua projeção externa em um
acordo pífio com o Irã. Depois, durante as duras negociações em Teerã,
em diversos momentos os representantes iranianos perguntavam aos
brasileiros e aos turcos se os americanos aprovavam o que estava sendo
discutido ali.
Afinal, sem o consentimento dos Estados Unidos, a suspensão das
sanções, objetivo maior dos iranianos, jamais poderia ocorrer. Amorim
garantia-lhes, enfaticamente, que sim. Ele estava se baseando em uma
carta que o presidente Barack Obama escreveu para Lula, discorrendo
sobre os planos do brasileiro de negociar com o Irã.
Lampreia demonstra de maneira muito didática que Amorim fez uma
interpretação equivocada da carta de Obama. Em 17 de maio de 2010,
divulgou-se a Declaração de Teerã, pela qual os aiatolás entregariam
1200 quilos de urânio enriquecido para ser guardado na Turquia. No dia
seguinte, Amorim recebeu uma ligação de Hillary Clinton, secretária de
Estado americana, desautorizando o acordo. Lula saiu humilhado do
episódio.
Foi a última grande aventura diplomática de seu governo. A sombra do
fracasso em Teerã acompanha a diplomacia petista desde então.
Dados Livro
Aposta em Teerã
Editora Objetiva
152 páginas
R$ 24,90
Nota DefesaNet
A aventura diplomática de Lula, Amorim e Marco Aurélio Garcia teve e tem consequências diplomáticas muito profundas.
O Brasil, por muito pouco, não foi colocado em quarentena pela comunidade internacional devido a aproximação com o Irã.
Até o momento pairam grandes suspeitas sobre as ações diplomáticas do
Brasil. Vários projetos estratégicos brasileiros são monitorados mais de
perto devido a esta aventura.
Um texto ainda mais antigo, da época do Mensalão, que, visto retrospectivamente, parece brincadeira de criança perto do Petrolão e de outras coisas ainda piores, das quais sequer desconfiamos.
Enquanto o castigo não vem, nossa única arma é a denúncia, a demonstração de que estamos conscientes de que eles são patifes, e sempre serão.
Paulo Roberto de Almeida
Dicionário Político dos Novos Pecados Capitais
Paulo
Roberto de Almeida
Como todos sabem, os sete pecados capitais da tradição cristã são,
sem ordem particular de prioridade, os seguintes:
1) inveja
2) avareza
3) cobiça
4) orgulho (ou soberba)
5) preguiça
6) luxúria e
7) gula
Sobre eles não precisamos nos alongar indevidamente, tendo em vista
toda a exegese já registrada na história, a começar por São Tomás de Aquino até
exemplos mais recentes na literatura. Pode-se questionar, inclusive se esses
“pecados” continuam sendo “capitais” ou se a sua presença na vida diária já não
vem sendo admitida com alguma tolerância pelos mais diversos personagens da
vida pública. Afinal de contas, todos eles, com alguma discrição para a
luxúria, vêm sendo exibidos por esses personagens, até mesmo com certa
desfaçatez, sem que autoridades morais ou religiosas venham a público condenar
atos e atores com a veemência que seria de se esperar.
Deixando de lado esses pecados da velha tradição, proponho-me agora
listar alguns novos pecados da moderna vida política, da brasileira em
particular. Os políticos, em geral, exibem uma penca deles, não todos os
políticos, em bloco, nem todos os pecados, ao mesmo tempo, mas vários
dessespersonagens da vida pública
ostentam alguns de forma cumulativa e, o que é pior, de maneira reincidente.
Não vou deter-me agora sobre casos concretos da vida pública
brasileira, tanto porque eles estão sendo expostos de maneira recorrente, nas
comissões parlamentares de inquérito e nas páginas da imprensa e em outros
meios de comunicação.
Parafraseando uma frase famosa, pode-se dizer que nunca, tantos
podres da vida pública foram assumidos de forma tão aberta, para o conhecimento
de tantos cidadãos, estupefatos. Assistimos, desde vários meses, a uma
enxurrada de denúncias, várias delas já substanciadas por provas contundentes,
sem que se tenha visto, até aqui, nenhuma condenação moral, ou qualquer
condenação de fato. Resta saber se velhos e novos pecados serão, de alguma
forma, julgados e condenados no futuro previsível.
Esperando que chegue o “dia do julgamento final”, proponho-me,
assim, a apresentar alguns novos pecados da vida política brasileira que, numa
lista não exaustiva, poderiam ser identificados com os seguintes:
1) corrupção
2) hipocrisia
3) fraude
4) desfaçatez
5) volubilidade
6) inconstância
7) mentira
8) mediocridade
9) transferência de encargos para terceiros
10) ignorância deliberada de fatos de sua
competência
11) irresponsabilidade quanto ao desempenho
de funções
12) pretensão
13) eleitoralismo desenfreado
14) propaganda indireta, com meios públicos
15) uso da máquina estatal para fins
particulares
16) populismo (velho e novo)
17) demagogia (aparentemente, uma segunda
natureza)
18) arrogância
19) clientelismo
20) fisiologia
21) nepotismo
22) fuga da realidade (autismo político)
23) esquizofrenia (defesa de objetivos
conflitantes na vida política)
24) ofensa à inteligência alheia (“eu não
sei”, “eu não vi”, “não estou sabendo”...)
Paro provisoriamente por aqui, e não pretendo, no momento, elaborar
sobre cada um desses novos pecados, esperando ao menos que eles sejam
auto-explicativos. Os fatos que poderiam substanciar cada um desses verbetes do
novo dicionário de costumes políticos da vida brasileira são conhecidos de
todos e não requerem nova descrição.
Termino parafraseando Dante Alighieri (1265-1321), o poeta italiano
autor de “A divina comédia”, que numa de suas frases memoráveis disse o
seguinte: “Não menos do que saber, me agrada duvidar.”
Passei uma parte da noite argumentando com um desses jovens e ingênuos companheiros, que armados apenas dos panfletos mentirosos da sua tribo, tentava mais uma vez me provar como o ancien régime neoliberal dos tucanos foi um horror econômico, e como tudo melhorou na gestão lulo-petista, para maior felicidade de todos neste país tão unido em torno das maravilhas que eles realizaram nesse novo regime do Nunca Antes.
Já sei que não adianta tentar convencer um petista: convertidos nunca se convencem, pois eles têm a verdade revelada, a luz imbatível das certezas incorrigíveis, e alguns números na mão, que eles torturaram para desvendar o reino das realizações mirabolantes.
Como eu conheço também todos os números, me seria seria fácil provar que eles estão errados. Seria fácil, mas custoso, pois primeiro precisaria demonstrar, com outros números à mão, que eles fazem "comparações" com base em valores nominais, não deflacionados, ou não corrigidos, que eles retiram as estatísticas do contexto para simplesmente agitar dois números discrepantes, que eles constroem, enfim, dados que não existem sem as muletas da má-fé e da distorção quantitativa.
Eu conheço isso de longe, e já assisti desde o início.
Aliás, todos nós, ou quase todos, saudamos o advento da era da justiça social, da ética na política e de todas aquelas promessas que iriam, finalmente, redimir o país da desigualdade, da corrupção, do fisiologismo, enfim, das trapaças habituais dos políticos.
Mal sabíamos o que nos esperava, que aliás começou em seguida, com a tal história da "herança maldita", uma das coisas mais sórdidas e mais desonestas que eu já vi, sendo proclamada o tempo todo, contra todas as evidências.
A desonestidade continuou, durante todo o primeiro mandato daquele que passou a ser chamado de Apedeuta, por Janer Cristaldo (a quem pago o copyright pela criação da expressão). Na campanha de 2006, os petistas soltaram uma das brochuras comparativas mais mentirosas que me foi dado ver com estes olhos de simples professor de economia, acostumado a lidar com os números das contas nacionais e das transações externas todos os dias, por força de ofício e de interesse intelectual.
Essa brochura, que devo ter ainda entre meus pertences me convenceu, em definitivo, que estávamos em face de um partido e de pessoas profundamente desonestas, que não hesitariam diante de nada para falsear a realidade para suas finalidades políticas.
Escrevi, então, o texto que vai abaixo, que ficou praticamente sem divulgação na ocasião, e que recupero agora de meus arquivos eletrônicos. Lamento não ter achado a brochura original do PT, para demonstrar como o exercício de mistificação era realmente escandaloso.
A partir daí, confesso que cansei de desmentir os companheiros, inclusive porque seria inútil: eles continuam, como vimos ainda agora, na campanha de 2014 (e foi assim também na de 2010), a mentir sobre a base de construções estatísticas manipuladas, e distorcendo os números.
Creio que por força do Apedeuta, eles têm uma obsessão pscicológica contra o FHC, pois não adianta estarmos há mais de 12 anos distante daqueles anos, eles voltam repetidamente a falar dos anos FHC, como se tivessem sido o horror na Terra, e eles tivessem vindo para inaugurar o Eden. Deve ser algum problema mental do chefe, um ódio incontido do sociólogo ex-presidente, que só o Apedeuta pode explicar de onde vem exatamente.
Em todo caso, parei de desmentir bandidos dessa laia, pois não adiantaria muito.
Mas, como passei metade da noite, hoje, tentando justamente educar um ingênuo, e tendo achado este texto nos meus arquivos, permito-me transcrevê-lo aqui apenas como registro histórico, já que ele fala de uma patifaria de oito anos atrás (mas elas continuaram no mesmo estilo, até piorando).
Fico por aqui, mas prometo escrever um dia um ensaio de cunho kafkiano, para tratar da questão.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 2/11/2014
Desconstruindo o Brasil:
como iludir com números
Paulo Roberto de Almeida
A liderança do PT na Câmara dos Deputados anunciou o
lançamento, em 12 de julho de 2006, do livro “Governo Lula: a construção de um
Brasil melhor - a verdade dos números”. Com ele, a bancada do PT na Câmara pretende
fazer, com fins nitidamente eleitoreiros, um balanço das realizações do governo
Lula, comparando-as com os dois mandatos do governo FHC.
Já se sabia que o PT, em geral, e Lula, em particular,
eram obsecados por uma suposta herança “maldita” que lhes teria sido legada
pelo antecessor de oito anos. O que não se sabia era que eles se dedicariam a
arranjar números e a fabricar comparações para “provar” que o governo atual faz
muito melhor do que tudo que se fazia antes, aliás, desde o descobrimento do Brasil.
O líder petista naquela casa legislativa pretende que
são “dados à prova de balas” e que o PFL e o PSDB pretendem deles fugir “como o
diabo foge da cruz”. Ele esqueceu-se apenas de mencionar que a maior parte dos
dados negativos no período imediatamente anterior à eleição e posse de Lula
pode ser justamente explicada pela deterioração sensível experimentada pela
economia brasileira em face da perspectiva da vitória eleitoral do partido que
prometia “mudar tudo isso que (estava) aí”, inaugurando uma era de ruptura
econômica e de revisão fundamental dos compromissos externos do Brasil.
O livro talvez seja mais relevante pelo que ele NÃO
mostra do que pelo que ele efetivamente mostra, ou seja, um conjunto de dados
estatísticos e de séries históricas habilmente arranjados – em gráficos,
histogramas e tortas coloridas – para dar essa impressão de progresso notável
nos números e nas tendências nos últimos três anos e meio. O PSDB vai
provavelmente arranjar outros números e um conjunto alternativo de fatos para
“provar” que muito do que se apresenta hoje como sucesso econômicoe conquistas sociais representa, na verdade,
uma herança “bendita” das sementes plantadas anos atrás, com o que os dois
principais partidos brasileiros terão dado sua contribuição original para a
velha arte de enganar com os números e de iludir com argumentos construídos.
A arte da comparação é sem dúvida alguma um velho
procedimento das ciências sociais e, mais ainda, das mágicas eleitorais,
bastando, no entanto, que seus praticantes se dediquem, efetivamente, a
comparar elementos comparáveis entre si – isto é, “animais” pertencentes a uma
mesma “família” – e que eles consigam construir argumentos que não ofendam o
leitor pela sua apresentação especiosa e, sobretudo, que eles não incidam
naquilo que se poderia chamar de desonestidade intelectual.
Ora, ao pretender que a “análise criteriosa dos dados mostra que o Brasil mudou
para melhor de 2003 em diante”, o líder do PT na Câmara quer nos fazer
acreditar que o Brasil, até então obstruído pelo mar de sargaços do não
crescimento e da desigualdade social absoluta, despertou em 1º de janeiro
daquele ano para um destino glorioso de desenvolvimento econômico e social, com
crescimento acelerado dos empregos e a distribuição generosa dos frutos de um
crescimento que só o partido do presidente Lula foi capaz de prover. A
desfaçatez só é comparável à ignorância deliberada que o PT continua a exibir
em relação aos “recursos não contabilizados”, ao esquartejamento das agências
regulatórias, ao loteamento do Estado e à alienação de soberania em diversos
lances de sua diplomacia partidária. Aliás, vários dos dados compilados foram
extraídos do livro do líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante, “Brasil
Primeiro Tempo: análise comparativa do governo Lula”, no qual já compareciam
muitos dos golpes de ilusionismo econômico que a liderança na Câmara pretende
agora nos impingir.
Por acaso, uma
única frase do líder petista na CD deve receber nosso
total assentimento, a de que “o Brasil de hoje, o Brasil de julho de 2006, é
bem melhor que o de 1º de janeiro de 2003, quando o governo Lula
iniciou-se". De fato, o Brasil de hoje não apresenta todo o cortejo de
números negativos que foram sendo criados ao longo de 2002, a partir da ameaça
de vitória, concretizada em outubro, do candidato do partido que sempre
prometeu alterar fundamentalmente os dados da economia brasileira. O que
ocorreu, naquele ano, utilizando-se de conhecida metáfora brasileira, foi a
introdução de um “bode” na sala; sua retirada gradual, a partir de janeiro de
2003, melhorou sensivelmente o ambiente na “casa Brasil”, tornando-o mais
respirável e sobretudo menos sombrio, tal como então se antecipava, em função
da eventual perspectiva de que os novos inquilinos pretendessem “chutar o pau
da barraca”.
À margem dos muitos números, figuras e gráficos otimistas, uma única
comparação – que seria absolutamente singela – não é jamais feita na pequena
brochura montada pelos “economistas” do PT: a de que a política econômica
conduzida pelo governo Lula é fundamentalmente diferente – em mecanismos,
instrumentos, natureza e orientação – da política econômica neoliberal que eles
diziam combater na era FHC. Se esses economistas conseguirem provar, a todos
nós, leitores da brochura ou simples cidadãos, que a atual política econômica
difere radicalmente em propósitos, nas modalidades e no ferramental utilizado
daquela que era aplicada antes de sua gloriosa assunção ao poder, então eles
merecem um prêmio Nobel de economia, ou melhor, talvez um prêmio de lata de prestidigitação
econômica.
O fato é, como sabem todos, que em nenhuma das políticas
macroeconômicas tidas como fundamentais – na área monetária, fiscal ou cambial
– ocorreu qualquer ruptura com tudo o que “estava ali antes”. Se mudanças
ocorreram, nas políticas setoriais, elas foram para pior, quando não para o
absolutamente negativo em termos de desempenho ou de regulação de setores
importantes para o crescimento do Brasil: na área agrícola, houve ameaça sobre
ameaça de “desconstrução” do agronegócio, com os constantes ataques do ministro
do subdesenvolvimento agrário à agricultura de exportação e as frequentes
ameaças de invasão de terras pelos neobolcheviques do MST; na área da pesquisa
agrícola, os impasses criado pelos opositores fundamentalistas dos transgênicos
foi dramática para o progresso dos experimentos no setor; na infraestrutura,
todos assistiram á tragédia das estradas esburacadas e aguardam apreensivos a
possibilidade de um novo apagão energético; todas as agências reguladoras foram
literalmente castradas em seu poder de monitoramento e de implementação de
normas apolíticas, substituídas estas por decisões governamentais que deixam os
investidores sem condições de se precaver contra a possível volatilidade e o
caráter errático das novas regras.
Nada na brochura nos lembra a não-reforma política, a não-reforma
trabalhista, a não-reforma previdenciária, a não-reforma educacional (a não ser
para constranger as universidades privadas e introduzir critérios dúbios de
“justiça social”, de caráter racial, nas públicas. Em nenhum momento se diz que
a carga fiscal, já pesadamente aumentada na gestão anterior, foi ainda mais
reforçada, sem que qualquer reforma tributária no sentido do alívio impositivo
tenha sido ensaiada nestes últimos três anos e meio. Tampouco se menciona o
crescimento expressivo das despesas públicas, muito acima da inflação e da
própria taxa de crescimento, tão pífia quanto ela tinha sido na administração
tucana.
A brochura tampouco menciona que a política externa “ativa e
altiva”, como gosta de repetir o chanceler a serviço da diplomacia partidária
absolutamente canhestra e amadora do PT, sofreu derrota após derrota em todas
as suas pretensões terceiro-mundistas e integracionistas. Quando Lula assumiu,
a prioridade estava com o reforço do Mercosul e a “união da América do Sul”,
para melhor negociar a – na verdade opor-se à – Alca. Não é preciso sequer
mencionar o estado atual do Mercosul e a efetiva desunião regional para
evidenciar o fracasso dessa política de “liderança” brasileira na região,
recusada por todos e obstaculizada por muitos. Todas as candidaturas
brasileiras para organismos internacionais – OMC, BID e sobretudo a obsessão
com uma cadeira permanente no CSNU – sofreram derrotas fragorosas, causadas
sobretudo por aqueles que tinham sido aprioristicamente definidos como
“parceiros estratégicos”, a começar pela Argentina e pela China. A alienação da
soberania nacional e a rendição a interesses estrangeiros da diplomacia petista
tornaram-se patentes quando foi um governante estrangeiro – no caso o
presidente Chávez – que definiu onde se instalaria uma nova refinaria de
petróleo (e não estudos técnicos conduzidos no próprio Brasil) e quando o
governo dobrou-se vergonhosamente à imposição da nacionalização dos recursos
energéticos da Bolívia, em frontal oposição a tratados assinados entre os dois
países e a acordos concluídos entre aquele governo e a Petrobras.
A desonestidade intelectual transparece, por exemplo, na comparação
detaxas anuais de inflação, quando se
menciona que quando Lula assumiu, algumas projeções
indicavam que a inflação poderia chegar em 2003 a 42,9% e que agora a inflação
de 2006 será de 4,5% ao ano. Desonestidade ainda maior vem associada à
lembrança de que em outubro de 2002, o risco-país (calculado com base na
aceitação dos títulos do governo brasileiro no exterior) estava em 2.035
pontos. Em maio deste ano [2006], estava em 216 pontos. Não é preciso dizer que
não se tratava, absolutamente do risco-Brasil, mas única e exclusivamente do
risco-Lula e do risco-PT.
Um outro “esquecimento virtual” comparece na
questão cambial: jamais comparece na brochura a noção de “populismo cambial”,
antes assacada permanentemente contra o ex-presidente do BC Gustavo Franco,
quando a taxa real do dólar, em sua época, estava abaixo, em termos reais, da
que hoje é suportada pelos exportadores e setores industriais. Tampouco se
lembra que o governo Lula cumpriu obedientemente os acordos com o FMI,
aumentando inclusive de forma totalmente voluntária o nível do superávit primário
(de 3,75% do PIB para 4,25%), honrando todos os compromissos e terminando por
devolver antecipadamente, num gesto claramente demagógico, os empréstimos de
baixo custo concedidos por aquele organismo financeiro apenas para lançar
títulos no mercado comercial a taxas de juros mais altas.
A questão do emprego é outro sintoma da
desonestidade intelectual da brochura do PT, uma vez que se sabe que mais da
metade do mais de um milhão de “empregos criados” corresponde, de fato, a
empregos existentes que foram simplesmente formalizados, sem que fosse
efetivamente gerados novos postos de trabalho. A redução das desigualdades é
apresentada como outra das “vitórias” deste governo, quando os estudos indicam
claramente que se trata de uma tendência dos últimos doze anos, pelo menos,
quando a redução da inflação permitida pelo Plano Real eliminou o “imposto
inflacionário” sobre os pobres e investimentos em infraestrutura e em educação
do governo FHC contribuíram para a melhoria de diversos indicadores sociais. O
coeficiente de Gini baixou sim, mas não exclusivamente em virtude do bolsa-família,
esse “mensalão” governamental que está criando um exército de assistidos do
tamanho de uma Argentina que mais se assemelha a um curral eleitoral do que a
uma comunidade de cidadãos que deveria ser paulatinamente inserida no mercado
de trabalho.
A produção agrícola, por sua vez, ameaça
novamente entrar em crise neste ano e no próximo, em virtude do pouco caso
revelado pelo partido aliado do MST em relação ao agronegócio, que grande parte
dos petistas despreza e pretende ver substituído por uma agricultura familiar
não mercantil. A cartilha também mente quanto ao número de assentados da
reforma agrária de Lula, misturando número de candidatos a lotes com
assentamentos efetivos.
Finalmente, nada se menciona quanto à bomba
fiscal que está sendo armada para 2007 pelos aumentos irresponsáveis dos
salários dos funcionários públicos feitos nesta conjuntura eleitoral pelo
governo Lula. Esses aumentos, travestidos de “correções de planos de carreira”
para não serem sumariamente vetados pela justiça eleitoral, ofendem claramente
os preceitos legais em matéria de legislação eleitoral, uma vez que são aumentos
claramente acima dos índices oficiais de inflação, têm por fim contemplar os
interesses de várias categorias do funcionalismo nesta época pré-eleitoral e
são feitos mediante medidas provisórias, quando nada indica que eles apresentem
urgência e relevância substantiva, como recomendariam os preceitos
constitucionais regulando a emissão desse tipo de medida.
Em suma, o PT
continua fazendo da propaganda seu principal instrumento político, mediante uma
maquiagem nos números dos últimos anos, esperando que a maior parte dos
cidadãos se deixe iludir quanto a uma suposta “excelência de resultados” do
governo petista. Em matéria de magia eleitoral, para não falar de desonestidade
intelectual, não poderia ser mais ilustrativo de tudo o que se tem assistido
nos últimos três anos e meio.
Revisando uma lista de trabalhos, acabei encontrando este aqui, praticamente esquecido.
Gostaria, em todo caso, de aproveitar esta oportunidade, para me desculpar com Moisés, e seus colaboradores, publicitários, escriturários e outros aspones, por interpretar de maneira assim tão pouco respeitosa os mandamentos tão sábios e tão politicamente corretos que ele nos legou.
Acho que algumas pessoas, companheiros, como não poderia deixar de ser, colocariam a lei mosaica na mesma categoria da "herança maldita" que eles acusam ter recebido de outros, numa inacreditável demonstração de má fé. Um dia a fúria do senhor, isto é, do povo, se abaterá sobre eles...
Paulo Roberto de Almeida
Os dez mandamentos da
política (em certos governos)
Paulo Roberto de Almeida
(com alguns agradecimentos a Moisés e seus
escribas)
1. Não reconhecerás nenhum deus, personagem inexistente
em nossa república laica, salvo o comandante em chefe, também chamado de Nosso
Guia, ou genial condutor dos povos.
2. Não farás publicidade indevida, salvo a do
próprio chefe e guia infalível.
3. Apenas o nosso guia tem o direito de aparecer
nos meios de comunicação de massa sem qualquer restrição, assim como requisitar
esses meios para aparição pública, sempre e quando ele determinar que existe um
interesse nacional envolvido.
4. Guardarás todos os dias santificados, que são
também os dias de recolhimentos de impostos, diretos e indiretos, assim como
taxas e contribuições.
5. Honrarás pai e mãe, e darás a eles o direito de
serem atendidos no serviço público de saúde.
6. É proibido matar, a não ser que seja pela boa
causa. A boa causa é determinada pelo Nosso Guia.
7. Não cometerás adultério, pelo menos não nas
horas de trabalho. Se tiver de ser, que não seja no local de trabalho. Se tiver
de ser, que seja pela boa causa, assim determinada pelo Nosso Guia.
8. Não roubarás, até que sejas eleito para algum
cargo público. A partir de então, o roubo não é mais enquadrado como roubo, mas
apenas como prestação de serviço público, para o qual deve necessariamente existir
alguma compensação pecuniária pelos esforços incorridos.
9. Não discriminarás contra os estrangeiros, a não
ser que sejam brancos de olhos azuis. Nossos aliados naturais são os morenos
oprimidos.
10. Não corromperás o próximo, nem o perseguirás
por qualquer motivo fútil, pois ele pode ser nosso aliado natural, sobretudo se
for sindicalista. Aos que não são próximos, nem nossos aliados, apenas
aplicarás a lei.
Um texto meu de 2009, mas totalmente apropriado ao Brasil dos dias que correm.
A liberdade de destruir a liberdade: um aviso preventivo vindo do
passado
Minha homenagem a
Norberto Bobbio nos seus 100 anos de nascimento
Paulo Roberto de
Almeida
Norberto Bobbio, o maior
intelectual italiano do século 20, nasceu em Torino no dia 18 de outubro de
1909, e teria, portanto, neste dia 18 de outubro de 2009, exatamente cem anos,
o que ele ‘falhou’ em completar em aproximadamente cinco anos, tendo falecido
em Torino em 9 de janeiro de 2004. Retomo esses dados da excelente cronologia
elaborada sobre sua vida e obra por Marco Revelli, no volume que adquiri
recentemente em Veneza tão pronto ele foi publicado:
Norberto Bobbio
Etica e Politica:
Scritti di impegno civile
Progetto editoriale e saggio introduttivo di
Marco Revelli
(Paguei 55 euros, o que representa 3 centavos
de euro por página, cada uma bem mais valiosa em sabedoria e conhecimento do
que o seu estrito valor monetário)
O volume é uma compilação de
seus escritos mais importantes, divididos em cinco partes, começando por sua Autobiografia intellettuale: Compagni e Maestri (seus colegas de
colégio, de universidade e de lutas políticas, sobretudo antifascistas e pela
liberdade e democracia na Itália republicana do pós-guerra); Valori Politici e Dilemmi Etici
(escritos e conferências sobre a ética e a política, sobre a liberdade e a
igualdade, sobre a paz e a guerra); Le
Forme della Politica (seus textos mais famosos de polêmica: Democrazia e dittatura, Socialismo e comunismo e Destra e sinistra); e, ao final, Congedo (seus escritos da idade senil: De senectute e A me stesso).
O livro é precedido por uma
introdução magistral de Marco Revelli (Nel
labirinto del Novecento), de uma cronologia e notas a esta edição, do mesmo
autor, que também complementa o livro por notas sobre os textos, por uma
bibliografia completíssima e por um índice dos nomes (não, infelizmente não
existe um índice de ideias, que teria sido um instrumento muito útil ao
pesquisador).
O livro é um tesouro de trouvailles (como os textos sobre os
amigos, homenagens publicadas em revistas, para nós obscuras, geralmente por
ocasião da morte de cada um deles; e Bobbio sobreviveu à maior parte dei suoi compagni), assim como um
instrumento poderoso de referências sobre todos os seus trabalhos publicados,
aqui apenas selecionados. Bobbio
tem, segundo Revelli, 4.803 escritos catalogados, em todas as categorias –
livros, artigos, conferências, entrevistas – o que daria 128 volumes, com 944
artigos, 1.452 ensaios, 457 entrevistas, 316 palestras). Ufa!: vai ser preciso
algum tempo para ler tudo, por isso mesmo este volume é um achado.
Na impossibilidade de falar aqui
de todos, ou sequer dos mais importantes textos selecionados neste volume, prefiro
fazer uma transcrição de um dos escritos compilados por Revelli, que talvez
guarde alguma similaridade com a situação política do Brasil atual. Ele foi
escrito por Norberto Bobbio em 1969 e fazia parte de uma homenagem prestada ao
seu colega de colégio Leone Ginzburg, intelectual de origem russa, judeu,
lutador antifascista, assassinado pela Gestapo em Roma, em 1944. No 25o.
aniversário de sua morte, Bobbio publicou uma carta numa edição especial, Dialogo con Leone Ginzburg, na revista Resistenza (a. XXXIII, n. 4, aprile
1969), na qual dizia o seguinte (transcrevo o original italiano, e depois tento
a minha tradução improvisada):
Oggi, sappiamo che la libertà si può usare per il bene e
per il male. Si può usare non per educare ma per corrompere, non per accrescere
il proprio patrimonio ideale ma per dilapidarlo, non per rendere gli uomini più
saggi e nobili, ma per renderli più ignoranti e volgari. La libertà si può
anche sprecare. Si può sprecarla fino al punto di farla apparire inutile, un
bene non necessario, anzi dannoso. E a furia di sprecarla, un giorno o l’altro
(vicino? lontano?) la perderemo. Ce la toglieranno. Non sappiamo ancora chi: se
coloro che abbiamo lasciato prosperare alla nostra destra, o coloro che stanno
crescendo tumultuosamente alla nostra sinistra. Abbiamo comunque il sospetto,
alimentato da una continua severa lezione durata mezzo secolo, che la
differenza non sarà molto grande. (p. cviii-cix)
(tradução não autorizada, e
sobretudo não competente, de Paulo R. de Almeida:)
Hoje, sabemos que a liberdade
pode ser usada para o bem e para o mal. Ela pode ser usada não para educar, mas
para corromper, não para aumentar o próprio patrimônio ideal [mental], mas para
dilapidá-lo, não para tornar os homens mais sábios e nobres, mas para torná-los
mais ignorantes e vulgares. A liberdade pode inclusive ser desperdiçada. Pode-se
desperdiçá-la até o limite de fazê-la parecer inútil, um bem não necessário, aliás
prejudicial. E nessa fúria de desperdiçá-la, um dia ou outro (próximo? longínquo?)
nós a perderemos. Vão tirá-la de nós. Não sabemos ainda quem: se aqueles que deixamos
prosperar à nossa direita, ou aqueles que estão crescendo tumultuosamente à
nossa esquerda. Temos de toda forma a suspeita, alimentada por uma contínua e
grave lição que perdurou por meio século, que a diferença não será muito
grande.
Acredito, pessoalmente, que esta advertência de
Bobbio, feita no seguimento das convulsões estudantis que agitaram a Europa, e
um pouco todo o mundo, a partir de 1968, com seu cortejo de atos libertários,
bastante criatividade e espontaneidade, mas também com muitas exibições de
irracionalidade anticapitalista e de comportamentos antidemocráticos – basta
dizer que a Revolução Cultural chinesa, um exemplo extremo de irracionalidade
obscurantista, era saudada pelos revoltosos de “maio de 1968” como se fosse a
libertação final da exploração capitalista e da democracia burguesa –, se
aplica inteiramente à conjuntura presente no Brasil, com seu cortejo de ataques
velados à liberdade de imprensa, seu festival de banalidades políticas e de
irracionalidades econômicas, enfim suas ameaças latentes a uma liberdade duramente
conquistada em algumas décadas de lutas democráticas (hoje enganosamente
apropriadas por aqueles mesmos que queriam esmagar a liberdade no altar de suas
crenças ultrapassadas).
Bobbio nasceu numa Itália pré-fascista, cresceu
na crise política do pós-primeira guerra, atravessou todo o período de
totalitarismo mussoliniano (tendo inclusive, por razões familiares, flertado
com o movimento em sua juventude), se fez homem na luta antifascista dos anos
1930 e 40, participou da construção constitucional da Itália liberada e
republicana do pós-segunda guerra, e deu sua imensa contribuição intelectual
para os debates do seu tempo: as difíceis escolhas entre liberdade e igualdade,
entre democracia representativa e seus simulacros pela via direta ou
plebiscitária – um cenário que infelizmente ressurge de maneira irracional na América
Latina – e faleceu sem ter visto o sistema político italiano expurgado das
pragas da corrupção e do loteamento das instituições estatais por políticos
fisiológicos.
A sua Itália era – e é – muito parecida com o
Brasil em seus “costumes” políticos. Pena que não ostentemos (ainda?) nenhum
Norberto Bobbio entre nós.
Minhas homenagens a Norberto Bobbio em seus ‘100’
anos de vida...
Todo mundo aqui, repito, todo mundo, já votou pelo PT algum dia, alguma vez, várias vezes, sempre na esperança de melhorar, que fosse um pouco, a política brasileira, livrá-la dos corruptos e dar início ao famoso processe de redistribuição de renda.
Ninguém imaginava que chegaríamos ao partido, E AO GOVERNO, mais corrupto da história do Brasil e que teríamos uma associação criminosa, totalmente mafiosa (não pelos seus militantes, embora estes mantenham um cumplicidade obsessiva pela mentira, antes de mais nada a si mesmos, mas pelos seu dirigentes) no comando país.
Este ex-petista reconhece. Só não tinha visto antes que o partido tinha muitos neobolcheviques reciclados. Tinha de dar no que deu...
Peço licença, inicialmente, para um breve relato pessoal. Nos anos 1980 contribuí mensalmente com parte do meu salário para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os depósitos duraram de dois a três anos, quando a campanha foi encerrada, por falta de adesão. Com sacrifício, cheguei a oferecer até 10% do meu ganho e ainda guardo os recibos. Por que fiz isso? Naqueles anos, saindo do ciclo militar e ansioso pela democracia, ingenuamente entendi ser o MST uma força que renovaria a oligárquica política rural. Como os seus militantes passaram a ameaçar as famílias em assentamentos, o sonho desmoronou e retornei à vida universitária.
Na época, quase todos nós apoiávamos o PT, mesmo não sendo filiados. Imaginávamos que o partido também forçaria transformações em alguma direção positiva. Ou a reforma social ou, ao menos, a democratização da sociedade. Vivíamos então um período febril de debates plurais e de experiências práticas. Lembram-se do "modo petista de governar"? Era simbolizado pelo orçamento participativo, que prometia a livre participação dos cidadãos em decisões públicas sobre os orçamentos municipais. Na campanha de 2002, contudo, o candidato petista mal falou do assunto e, no poder, o tema se esfumaçou.
O assombroso escândalo da Petrobrás, que nos deixa estupefatos, é apenas o efeito inevitável da história do Partido dos Trabalhadores. A causa original é um mecanismo que o diferencia das demais agremiações partidárias. Trata-se de um processo de mobilidade social ascendente, inédito em sua magnitude. Movimento que poderia ser virtuoso, se aberto a todos, pois seria a consequência do desenvolvimento social. Mas, na prática, vem sendo uma odiosa discriminação, pois é processo atado à filiação partidária.
O núcleo pioneiro do PT recrutou segmentos das classes baixas e mais pobres, mobilizados pelo campo sindical, pelos setores radicalizados das classes médias, incluindo parte da intelectualidade, e pela esquerda católica, ampliando nacionalmente o grupo petista inicial. À medida que o partido, já nos anos 90, foi conquistando nacos do aparato estatal, vieram os cargos para os militantes e, assim, a chance arrebatadora de ascender às vias do dinheiro, do poder, das influências e do mando pessoal. Esse foi o degenerativo fogo fundador que deu origem a tudo o que aconteceu posteriormente.
Inebriados, cada vez mais, pelo irresistível prazer do novo mundo aberto a essas camadas, até mesmo impensáveis formas de consumo, todos os sonhos fundacionais de mudança foram sendo estilhaçados ao longo do caminho, incluídos a razoabilidade e os limites éticos. O PT gerou dentro de si uma incontrolável ânsia de mobilidade, uma voragem autodestruidora inspirada na monstruosa desigualdade que sempre nos caracterizou. Conquistado o Planalto, não houve nem revolução nem reforma e o fato serviu, particularmente, para saciar a fome histórica dos que vieram de baixo.
Instalou-se, em consequência, o arrivismo e a selva do vale-tudo: foi morrendo o padrão Suplicy e entrou o modelo Delúbio-Erenice. Logo a seguir, ante a inépcia da ação governamental, também foi necessário impor a mentira como forma de governo. Por fim, o PT mudou de cabeça para baixo o seu próprio financiamento. Abandonou o apoio miúdo e generoso dos milhões que o sustentaram na primeira metade de sua história, pois se tornara mais cômodo usar o atacado para ancorar-se no poder. Primeiro, o mensalão e, agora, os cofres da Petrobrás.
Nessa espiral doentia de mudanças, a partir de meados dos anos 1990 o partido enterrou o seu passado. Sua capacidade de reflexão, por exemplo, deixou de existir e o imediatismo passou a prevalecer. Assim, um projeto de nação ou uma estratégia de futuro não interessavam mais. O pragmatismo tornou-se a máxima dessa nova elite e sob esse caminho o subgrupo sindical e seus militantes vêm pilhando o que for possível dentro do Estado. Examinados tantos escândalos, invariavelmente a maioria veio do campo sindical. E foi assim porque da tríade original dos anos 80, a classe média radicalizada e os religiosos abandonaram o partido. Deixaram de reconhecê-lo como o vetor que faria a reforma, sobretudo moral, da política brasileira.
Entrando neste século, o PT não tinha nada mais para oferecer de distintivo em relação aos demais partidos. A aliança com o PMDB ou Lula abraçando Maluf foram decorrências naturais. Também por tudo isso, o campo petista reivindicar o monopólio da virtude é o mesmo que fazer de idiotas todos os cidadãos. No primeiro turno, a fúria das urnas demonstrou a reação indignada dos eleitores à falsidade.
O que vemos atualmente é a soma dessa descrição com as nossas incapacidades políticas de construção democrática em favor do bem comum. O PT é hoje uma neo-Arena que promove, sobretudo, o clientelismo nos grotões. Não aqueles definidos geograficamente, mas os existentes nos interstícios sociais, confundindo as pessoas por meio da mentira, do bolsismo e das mistificações de toda ordem. É uma trajetória vergonhosa para um partido que prometeu a lisura republicana, o aprofundamento democrático, a reforma de nossas muitas iniquidades e, especialmente, prometeu corrigir a principal deformação de nossa História, que é um padrão de desigualdade que nos infelicita desde sempre. É ação que igualmente vem abastardando o Estado, atualmente tornado disfuncional e semiparalisado em inúmeros setores.
Por todas essas razões, incluindo o benéfico aperfeiçoamento que, fora do poder, sofrerá o próprio PT, é preciso mudar. E com urgência, pois o Brasil se esfarinhará sob outros quatro anos dessa gigantesca manipulação política, o desprezo pela democracia, o primado da lealdade partidária sobre a meritocracia e a fulgurante incompetência técnico-administrativa do campo petista no poder.
SOCIÓLOGO, É PROFESSOR APOSENTADO DA UFRGS (PORTO ALEGRE) EMAIL: Z.NAVARRO@UOL.COM.BR