O que apontam alguns dos novos acordos fechados entre Brasil e China
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
sábado, 23 de novembro de 2024
Relações Brasil-China ganham nova dimensão com visita de Xi Jinping - Paulo Pinto (Linkedin)
BRASIL-CHINA: “SOB VELAS CHEIAS, POR MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS EM DIREÇÃO A UMA TRILHA BRASILEIRA”. “TAMO JUNTO”.
É sabido que os chineses são chegados a elaborar metáforas para descrever, tanto iniciativas de política interna (vide meu artigo, em 17 de novembro corrente) quanto para anunciar propostas de inserção internacional. Daí, antes de sua chegada ao Brasil, o Presidente Xi Jinping publicou artigo, na imprensa brasileira, no qual antecipa, com o emprego de “imagens folclóricas”, as parcerias que gostaria de ver implementadas, durante sua visita oficial realizada a nosso País, durante o mês em curso.
Seguindo a própria lógica metafórica chinesa cabe lembrar o pensamento de Deng Xiaoping de que “cabe procurar a verdade através dos fatos”.
Nessa perspectiva, caberia assinalar os fatos de que:
- O artigo do Presidente Xi em questão afirma que “ As relações diplomáticas China-Brasil, estabelecidas em 15 de agosto de 1974, têm resistido às mudanças e turbulências na situação internacional nesses 50 anos e são cada vez mais maduras e dinâmicas. Têm promovido efetivamente o desenvolvimento dos dois países, contribuído positivamente para a paz e a estabilidade do mundo e oferecido um exemplo de cooperação ganha-ganha e futuro compartilhado entre dois grandes países em desenvolvimento.”
Visão mais realista dos fatos revela que, desde o “estabelecimento de relações diplomáticas com a República Popular da China” houve, a partir de 1974, principalmente, concessões do Brasil, em favor da China. Desconheço, além do fato de que aumentaram, desde então, as importações de minérios e produtos agrícolas brasileiros, vantagens que a RPC nos tenha concedido nesta citada “cooperação ganha-ganha”.
Nessa perspectiva, quando transferimos a Embaixada do Brasil de Taipé, para Pequim, em 1974, influenciamos vários países na América Latina e África a agirem da mesma forma. Contribuímos, assim, para o reconhecimento internacional da RPC, com a redução da presença da “província rebelde de Taiwan” neste espaço.
- Um segundo fato, sempre com vantagens para a China, no sentido de uma “estratégia de parceria” com Pequim, foi realizado em junho de 1984. Durante visita do Presidente João Batista Figueiredo à China, naquele período, foram assinados importantes acordos que, enquanto beneficiaram ambas as partes, favoreceram mais a RPC no contexto da disputa que Pequim mantinha, então, com a antiga União Soviética, por liderança no “bloco socialista”, em momento que vigorava a “Guerra Fria” entre os EUA e a antiga URSS.
Pude acompanhar, como Segundo Secretário da Embaixada naquela capital, sob a Chefia do Embaixador Ítalo Zappa, a negociação para a assinatura de acordos: na área cultural; para a criação de Adidâncias Militares nas duas capitais; e o estabelecimento de consulados em São Paulo e Xangai. Cabe enfatizar que não concedíamos – no período do governo militar no Brasil - estas prerrogativas a país socialista algum, do “bloco soviético”. Mais uma vez, o exemplo foi seguido por países latino-americanos e africanos e tais providências foram passos adiante na nossa “estratégia de parceria” com vantagens para a China.
Após a ida do último Presidente militar brasileiro à RPC, foi assinado o acordo CBERS que é, como se sabe, um programa de cooperação tecnológica entre China e Brasil para a produção de uma série de satélites de observação da terra. Tive a oportunidade de, ainda em 1984, acompanhar a primeira missão brasileira, chefiada pelo Ministro Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, responsável então pelo programa espacial brasileiro. Nos deslocamos à cidade de Xian, para conhecer o avanço chinês, no setor de “sensoriamento remoto” e foi verificado, a propósito, que, naquele momento, contávamos com tecnologia superior aos chineses.
Em seguida, fomos a Xangai, para visitar o setor de fabricação de foguetes de lançamento de satélites, no qual havia evidente superioridade chinesa. A parceria continuava a avançar, com a transferência de tecnologia brasileira, na área de sensoriamento remoto, e chinesa, na fabricação de foguetes e lançamento de satélites.
- Na área cultural, o referido artigo do Presidente Xi, na imprensa brasileira, antes de sua chegada aqui, houve, a meu ver, omissão ou retrocesso significativos. Isto porque, no texto publicado ele menciona “as fofinhas capivaras, a bossa-nova, o samba e a capoeira são populares na China, enquanto festivais tradicionais como o da primavera e outros elementos de cultura chinesa como a medicina tradicional são cada vez mais conhecidos pelos brasileiros”.
Esquecido parece que ficou o fato de que, no início de 1985, no auge da popularidade de novelas brasileiras na televisão chinesa, se deu a visita de Lucélia Santos, com sucesso que divulgou enormemente o conhecimento do Brasil junto ao público chinês, que apenas recentemente era permitido acessar o que se passava pelo mundo, após o turbulento período da “Revolução Cultural”.
Na ausência do embaixador, eu exercia as funções de encarregado de negócios da embaixada em Pequim — com o pomposo título em chinês de “Taipan” [expressão que significa “poderoso estrangeiro”]. Cabia a mim, portanto, colaborar na elaboração do programa da atriz brasileira durante o período de sua permanência na China.
O evento inicial foi a organização de conferência de imprensa na sede de nossa representação diplomática. Cabe ressaltar que, naquela ocasião, havia mais jornalistas chineses presentes do que os que compareceram à embaixada dos EUA por ocasião da visita do Presidente Ronald Reagan, havia apenas algumas semanas.
Entre as curiosidades quando da ida de Lucélia à Grande Muralha, foi a multidão de fãs que quase desabavam da imensa construção, com enorme destaque na imprensa, enquanto, quase coincidindo com a mesma data, lá havia estado a atriz norte-americana Elizabeth Taylor, que só mereceu uma modesta foto em jornal.
O principal objetivo da ida de Lucélia à China era para receber o troféu “Águia de Ouro”, concedido a artista estrangeiro, na cidade de Hangzhou – conhecida por seu lindo lago e prato típico: A Galinha do Mendigo, cercado de uma história longa para contar. Fomos de trem, com passagens por Wuxi – antiga capital chinesa – Sujhou – minha cidade preferida, famosa por seus jardins e rios, que muito me lembra minha terra natal, Recife, – Shangai – maior centro industrial do país – até chegarmos ao local da premiação. Durante todo o percurso Lucélia era cercada por centenas de fãs, gritando “Isola”, tendo em vista sua personagem “Escrava Isaura” e o idioma chinês dificultar a pronúncia de palavras estrangeiras com a letra “R”.
A propósito, a referência a “capivaras fofinhas” no artigo em questão, me deixou a impressão de “interesse culinário”, tendo em vista a diversidade de ingredientes constantes da cozinha chinesa. De minha parte, por exemplo, enquanto servi naquele país, desenvolvi o gosto por sopa de cobras e abelhas fritas.
Cabe lembrar que, após sua visita inicial à China, em 1985, Lucélia Santos foi incluída em sucessivas visitas presidenciais brasileiras àquele país, nos Governos dos Presidentes Sarney e Fernando Henrique. Sempre foi recebida com afeto por dirigentes e povo daquele país.
- Em 1994, foi estabelecida a “parceria estratégica” entre Brasil e China, proposta pelo então Primeiro-Ministro Zhu Rongji, em visita ao Brasil. Na preparação de sua vinda a Brasília, tive o privilégio de estar em missão transitória na Embaixada em Pequim - a convite do Embaixador Roberto Abdenur, cuja competência profissional muito contribuiu para o sucesso da missão do dirigente chinês a nosso país.
Lembro, a propósito – conforme me traduziu um diplomata chinês – que a China já cultivava “parcerias” com diferentes países. O conceito de “estratégica”, no idioma chinês, contudo, variaria de acordo com cada parceiro. No caso da parceria estratégica com a Rússia (herdeira da URSS) significaria “paz”. Quanto aos EUA, “competição”. No que diz respeito ao Brasil aquele conceito significaria “cooperação futura”.
Essa breve recapitulação da evolução política da estratégia da parceria Brasil China – que não pretende ser exaustiva e omite os detalhes econômicos e comerciais – almeja, pretensiosamente, contribuir para a reflexão sobre uma futura “parceria para a prosperidade”, entre os dois países – conforme expressa em linguagem cheia de metáforas o mencionado artigo do Presidente Xi - de forma a criar vantagens mútuas (“win-win situations”), inclusive em projetos conjuntos a serem desenvolvidos na África e América Latina.
Sabe-se que, em países daqueles continentes, uma vez incluídos em projetos da RPC de “cinturão e rota das sedas”, ouvem-se críticas frequentes a formas autoritárias e métodos de produção restritivos a trabalhadores chineses, com a exclusão de nacionais onde empresas da RPC se instalam. É citada, ademais, a concentração de lucros para os investidores orientais, enquanto os receptores adquirem dívidas excessivas.
Nessa perspectiva, poderia haver esforço para alinhar a “eficiência e necessidades chinesas de acesso a insumos para seu continuado crescimento econômico”, com a nossa capacidade de “promover o diálogo entre diferentes culturas”[1], bem como procurar soluções comuns para problemas compartilhados entre países em desenvolvimento, enquanto se busca a geração de benefícios mútuos.
Nesse sentido, inicialmente, no que diz respeito às relações com a China, caberia definição clara de nossos objetivos de inserção internacional, que não poderiam se resumir a “reagir” a propostas chinesas de “cinturão e rota das sedas”. Para a continuação de uma “estratégia da parceria”, cabe pensar, por exemplo, em uma “trilha” brasileira.
No momento, a China está expandindo seus interesses, em busca de acesso a recursos naturais e novos mercados na África e América Latina, onde, conforme mencionado acima, tem encontrado incentivos e resistências.
Daí, na perspectiva sugerida, a “soft power” brasileira, no sentido da facilidade de “negociação cultural” e a identificação de interesses compartilhados, com vistas à prosperidade de todas as partes, poderiam, gradativamente, vir a configurar mais uma vertente da “estratégia da parceria” que se pretende estabelecer entre o Brasil e a China.
O objetivo seria manter um fluxo de livre comércio e intercâmbio de ideias, facilitando a integração de mercados e a convivência entre diferentes formas de governança. Assim, a parceria sino-brasileira almejaria novos “networks” de integração de cooperação (“conectividade” para empregar o termo preferido por Pequim) entre os países a serem “conectados pelo cinturão e rota chineses” e por eventual “trilha” brasileira.
Caberia, no entanto, introduzir conceito dinâmico, como o da “prosperidade compartilhada” para consolidar no Atlântico Sul uma região de paz, estabilidade, democracia e desenvolvimento. Esta parte do mundo se apresenta como uma imensa fonte de oportunidades, não apenas para o Brasil, mas para todos os países que o margeiam.
Nossa capacidade de transformar essas oportunidades em benefícios concretos depende da coordenação cada vez mais estreita com os demais países da região.
Nesse contexto, seria de grande importância para a “trilha” brasileira um “Corredor Bioceânico”, que ligasse áreas de produção agrícola no Brasil, por ferrovia, ao Porto de Chancay, no Peru. O investimento chinês, por exemplo, neste projeto teria especial valor, de forma a facilitar o escoamento de nossa produção de commodities, que é grande parte do comércio que temos com a China, bem como baratearia essa produção.
De retorno ao imaginário antecipado pelo dirigente chinês, seu artigo aqui publicado afirma, também, que “No mundo de hoje, transformações de escala nunca vista em um século estão ocorrendo em um ritmo acelerado, e novos desafios e mudanças continuam surgindo. Diz um ditado chinês: "Em corrida de barcos, vencem aqueles que remam com força; em regata de veleiros, ganham aqueles que ousam avançar sob vela cheia." China e Brasil, dois grandes países em desenvolvimento nos hemisférios leste e oeste e membros importantes do Brics, devem se unir mais estreitamente, ousar ser pioneiros e caçadores de ondas, e juntos abrir novas rotas de navegação que levam a um futuro mais belo que os povos dos dois países e a humanidade merecem.”
- Em conclusão, talvez fosse um fato mais realista – sempre na lógica de Deng Xiaoping - simplificar a proposta do Presidente Xi, que visaria a uma evolução da suposta “parceria estratégica” atual para uma “parceria estratégica global”, com capivaras fofas, caçadores de ondas, por apenas “velas cheias” que, no idioma codificado que empregamos no “beach-tennis” em Copacabana, signifique apenas rumo a um “tamo junto”.
[1] Vide “Manifesto Antropófago”, de Oswald de Andrade, em 1928, que nos indica o caminho brasileiro de aceitar o que nos é estranho sem deixar de transformá-lo em algo mais próximo de nossa personalidade nacional.
O Euro não é o Real: a auteridade imposta à Grécia - Marcelo Guterman
Fernando Gabeira defende, em seu artigo de hoje, que os cortes de gastos devem ser feitos no “andar de cima”, basicamente supersalários do funcionalismo público e subsídios a grandes empresas. Sem entrar no mérito da proposta do jornalista, em si boa e justa, atacar esses problemas proporcionaria um alívio de curto prazo e traria uma bem-vinda sensação de justiça, mas seria uma questão de tempo para termos o mesmo problema de volta, dado que as despesas obrigatórias e as vinculações constitucionais referem-se, basicamente, aos “gastos sociais”. Ou seja, sem mexer nisso, é questão de tempo para que tenhamos, novamente, o mesmo problema, qual seja, gastos obrigatórios crescendo acima da capacidade do PIB.
Gabeira relembra a saga da Grécia, e alega que os programas de austeridade fiscal foram colocados em cheque depois daquilo que o mercado financeiro, através do FMI e União Europeia, obrigou a Grécia a fazer. Não por outro motivo, um partido de esquerda radical, o Syriza, foi eleito em 2015 e reviu todas as políticas de austeridade, segundo o jornalista. O único problema dessa história contada por Fernando Gabeira é que ela não é verdadeira.
Eu detalho a saga da Grécia em um dos capítulos de meu livro Descomplicando o Economês. O problema da Grécia, em primeiro lugar, foi o de ter escondido sua real situação financeira através de subterfúgios contábeis. Sim, eles também tiveram suas “pedaladas contábeis”. Quando ocorreu a Grande Crise Financeira, com a quebra do setor de imóveis nos EUA em 2008, a água da piscina baixou e descobriu-se quem estava nadando pelado. Revelou-se, então, que a Grécia estava rodando um déficit fiscal da ordem de 14% do PIB, muito mais do que os 3% de limite imposto pelo tratado de Maastricht, que estabeleceu as bases do Euro. A Grécia havia adotado o Euro no ano 2000, e aderido às regras do tratado.
Em 2011, o país tinha duas alternativas à sua frente: ou levava a cabo um ajuste brutal de suas contas públicas para permanecer no Euro, ou voltava ao Dracma, que se desvalorizaria também de maneira brutal, queimando todas as suas dívidas e provocando uma inflação monstruosa para os gregos. Ambas as alternativas envolviam sofrimento para os cidadãos, não havia saída fácil. O governo grego optou por continuar no Euro, provocando uma recessão de 25% em 4 anos. Alguns vão dizer que os gregos ficaram 25% mais pobres. Eu digo que os gregos estavam artificialmente 25% mais ricos, e o corte do cheque especial só mostrou a realidade.
Do jeito que Gabeira coloca, parece que a austeridade foi adotada por uma espécie de sadismo do mercado financeiro. Não, foi uma imposição da realidade econômica. A Grécia aproveitou-se, durante uma década, para se endividar com as taxas de juros baixas proporcionadas pelo fato de emitir dívidas em Euro, uma moeda não inflacionária. Agiu como o playboy, filho do magnata, que usa o cartão de crédito do pai para viver loucamente. No caso, o pai da Grécia era a Alemanha. Como era um país pequeno, passou debaixo do radar durante vários anos, até ser descoberto. Se a Grécia tivesse que pagar suas próprias contas desde o início, o espaço para o déficit fiscal seria bem menor e bem mais caro.
Gabeira afirma que o Syriza foi eleito em 2015 como uma resposta a essa política de austeridade. Só esqueceu de dizer que o partido de esquerda manteve a disciplina fiscal e, talvez por isso, tenha perdido as eleições de 2019 para o Nova Democracia, o mesmo partido que havia implantado as medidas de austeridade em 2012. Afinal, se é para fazer a mesma coisa, pra que mudar, não é mesmo?
O jornalista diz que a situação do Brasil não é a mesma. Fato. Aqui temos o Real, não o Euro, e o nosso banco central fica em Brasília, não em Frankfurt. Aqui não temos que obedecer o duro Tratado de Maastricht, mas o muito mais malemolente Novo Arcabouço Fiscal. Essas diferenças fazem com que a pressão para adotar políticas austeras sejam muito menores. Afinal, a nossa moeda pode desvalorizar-se e a inflação decorrente vai fazer o serviço, o que não era uma alternativa para os gregos dentro do Euro. Temos a licença poética para discutirmos os males da austeridade, pois, no final, a inflação “resolverá” o problema da dívida.
Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.
Camões, 500 Anos - Paulo Gustavo (Revista Será? - enviado por Mauricio David)
Camões, 500 Anos
Postado por Paulo Gustavo |
Revista Será?, nov 22, 2024
Camões
Camões entra cedo em nossas vidas pela mão invisível e onipresente da cultura. De minha parte, tive o privilégio de ter sido aluno, no Colégio de Aplicação da UFPE, de um dos grandes estudiosos do poeta no Brasil: refiro-me ao admirável e saudoso mestre Rubem Franca, um enlouquecido de Camões, que, com apenas treze anos de idade, já lera e praticamente decorara “Os Lusíadas”, possuidor que era de impressionante memória e aguda inteligência, passando a levar, dentro de si, como um órgão vital, a epopeia camoniana. Essa paixão continuaria vida afora, dividida com a medicina e o magistério de História e Geografia. Suas aulas, nas quais por vezes recitava o poeta, eram de fato mágicas, e sua devoção ao gênio português, um fervor quase religioso.
No entanto, esse “meu Camões”, tão logo encontrado, por algum tempo submergiu, só emergindo anos depois. Mas Camões algum submerge ou naufraga, até porque, como reza a sua legendária biografia, ao certa vez escapar de um naufrágio, ele teria nadado com um só braço, com o outro salvando o manuscrito do seu poema épico. Uma cruel ironia: salvar do mar um poema embebido de mar.
Mario Quintana (1906–1994), numa obra-prima de síntese, nos legou este extraordinário poema: “Camões, / Seu nome retorcido como um búzio. / Nele sopra Netuno”. Naturalmente, Quintana refere-se ao Camões de “Os Lusíadas”, que, com sua epopeia em dez cantos, escrita em 8.816 decassílabos, confunde-se com o esplendor da nação portuguesa à época das Grandes Navegações. Com efeito, como assinala Joaquim Nabuco, em famoso ensaio, “‘Os Lusíadas’ são, como obra de arte, o poema da pátria, a memória de um povo”. Todavia, há que se fazer uma necessária distinção, como bem pondera o poeta e ensaísta luso-brasileiro José Rodrigues de Paiva, pois equivocadamente alçaram Camões a um patamar político: “[…] ideologias de Estado, felizmente agora já ultrapassadas, apodaram Camões de ‘o poeta da raça’, ‘o poeta do Império’. Fizeram dele, então, o poeta ‘oficial’ que ele nunca foi” (“Celebrando Camões” 2. ed. Recife: UFPE; Associação de Estudos Portugueses Jordão Emerenciano, 2016).
Além do marítimo e épico, há um outro Camões tão gigantesco quanto o seu Adamastor e tão vivo quanto aquele de sua enciclopédica epopeia. É o Camões lírico: o dos sonetos, o das odes, o das elegias, o das sextinas, o das redondilhas. É o Camões que navega pelo amor, “fogo que arde sem se ver”, e de versos como: “Busque, Amor, novas artes, novo engenho / para matar-me, e novas esquivanças; / que não pode tirar-me as esperanças, / pois mal me tirará o que não tenho […] Que dias há que na alma me tem posto / um não sei quê, que nasce não sei onde, / vem não sei como, e dói não sei porquê”.
Ao leitor contemporâneo, será interessante saber que esse Camões lírico escreveu versos que foram, originalmente, apreciados como música! É o que nos informa Maria de Lourdes Saraiva, organizadora da “Lírica Completa” do poeta (Cf. Vila da Maia: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1980): “É bom ter presente que muitas vezes os versos (e é esse especialmente o caso das redondilhas) foram escritos não para serem lidos, mas para serem ouvidos, e até para serem cantados […] Os valores que presidiam a essa mensagem musical e poética — ritmo, argúcia, malícia, sátira, ambiguidade, alusão a factos, pessoas e situações, agravo, doçura, melancolia, protesto, tudo se perde com o emudecimento da música a cujo som era cantada”. Ainda assim, com tantas perdas, quanta riqueza e quanto encantamento!
No Brasil, tanto o Camões lírico quanto o épico jamais deixaram de estar presentes. São inúmeros os autores que o amaram ou foram por ele influenciados. É o que nos prova, de forma cabal, a obra “Camões e a poesia brasileira” (Rio de Janeiro: Departamento de Assuntos Culturais/MEC: UFF: Fundação Casa de Rui Barbosa), de Gilberto Mendonça Teles (1931–). Nessa exaustiva pesquisa, o crítico goiano ainda aborda o que chamou de “mito camoniano”, mostrando-nos como Camões vive em nossa cultura popular, em nossas sátiras, em nosso humorismo.
É do livro de Gilberto Mendonça Teles que pinço uma estrofe de curioso soneto em homenagem a Camões. Curioso porque escrito com versos de 19 sílabas! A autoria é do pernambucano Austro-Costa (1899-1953). Diz ela: “Camões: teu gênio, que enche o Universo, tal qual teu nome que, alto, ressoa / de boca em boca, de peito em peito — símbolo e orgulho de tua Raça — / se um te fez triste, pois te fez poeta — guerreiro e poeta — soldado em Goa, / e outro se libra, através dos tempos, aos céus da Glória cheia de Graça!”.
A despeito desse nome que “alto ressoa, de boca em boca, de peito em peito”, o Camões que vemos em esculturas e pinturas não passa de uma ficção, pois nunca foi retratado. Seu rosto é uma invenção do Romantismo, conquanto se saiba que ele, de fato, perdera um olho. Faltando-nos a sua efígie (uma imperdoável lacuna do destino), é de se pensar que tão imenso poeta não poderia ficar sem uma face. Criaram-na. E ganhou vida. Tem algo de poético esse destino póstumo, tem algo de profunda homenagem coletiva o soerguimento desse rosto. Viva Camões!
Instrumentos de Avaliação dos Investimentos Externos (IAIE) - Michelle Ratton Sanchez-Badin Renato Baumann Victor do Prado (Revista do Cebri nas nuvens
Instrumentos de Avaliação dos Investimentos Externos (IAIE) como resultado da nova geoeconomia: como repensar o Brasil neste contexto?
Michelle Ratton Sanchez-BadinRenato Baumann
Victor do Prado
cebri-revista.emnuvens.com.br
Resumo: Este policy paper contextualiza a criação de Instrumentos de Avalia-ção dos Investimentos Externos, sua retomada por economias centrais em um novo cenário de disputas geoeconômicas e os desafios para o Brasil e sua política de inves-timentos externos nesse novo contexto, que resgata conceitos e políticas ligadas à segurança nacional ou econômica.
Palavras-chave: investimento externo; controle; segurança nacional; geoeconomia.
Foreign Investment Screening Instruments (FISI) as a Result of the New Geoeconomy: How to Rethink Brazil in this Context?
Abstract: This policy paper contextualizes the creation of Instruments for Evaluating External Investments, their resurgence among central economies in a new scenario of geoeconomic disputes, and the challenges for Brazil and its external investment policy in this new context, which revives concepts and policies related to national or economic security.
Keywords: foreign investment; screening; national security; geoeconomics.
https://cebri-revista.emnuvens.com.br/revista/article/view/234/336
sexta-feira, 22 de novembro de 2024
The Palgrave Handbook on Geopolitics of Brazil: Middle and South Atlantic - obra coletiva; colaboração de Paulo Roberto de Almeida
Preparatórios:
4704. “Geopolitical thinking ahead of its time: Varnhagen’s Organic Memorial in mid-19th century Brazil”, Brasília, 17 julho 2024, 2 p. Projeto de ensaio apresentado previamente no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/07/geopolitical-thinking-ahead-of-its-time.html).
4740. “Varnhagen as an avant la lettre geopolitician”, Brasília, 21 September 2024, 3 p. Concluding chapter for the essay presented in “Geopolitical thinking ahead of its time: Varnhagen’s Organic Memorial in mid-19th century Brazil” (Brasília, 4704: 17 julho 2024, 2 p.), already with 16 pages prepared (in revision) as a contribution to The Palgrave Handbook on Geopolitics of Brazil: Middle and South Atlantic.
Capítulo terminado:
4741. “Brazilian geopolitical thinking ahead of its time: Varnhagen’s Organic Memorial (1849)”, Brasilia, 26 September 2024, 18 p. Contribution to The Palgrave Handbook on Geopolitics of Brazil: Middle and South Atlantic. Sent to Francisco José Bernardino Leandro (University of Macau), Rodrigo Franklin Frogeri (Unis-MG), Yichao Li (Institute of African Studies, Zhejiang Normal University), Francisco Proença Garcia (UCP), Antonio Ruy de Almeida Silva (ex-diretor do Colégio Naval).
Agora, toca esperar a publicação...
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