O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Os delinquentes da lingua e os responsaveis do atraso

Eu ja disse aqui, e em varias outras ocasiões, em qualquer lugar aliás, que sou moderadamente pessimista quanto aos rumos da economia brasileira -- acho que continuaremos no crescimento medíocre e com aumentos contínuos na carga fiscal -- mas que sou ABSOLUTAMENTE pessimista quanto aos rumos da educação no Brasil: acredito que caminhamos direto para o brejo, e para a deterioração completa de nossas instituições de ensino.
Isso graças às pedagogas freireanas do MEC, as novas saúvas do Brasil, e aos delinquentes da língua, como os estupores que defendem a versão popular da inculta e bela (hoje feia) como igualmente válida e devendo ser não só respeitada como legitimada.
Como não tenho tempo para escrever a respeito, transcrevo o post de um jornalista conhecido para expressar algumas ideias simples sobre esse debate em si mesmo estapafúrdio, e revelador de quão baixo o Brasil chegou em matéria de educação.

A tropa de choque da “gramática diferenciada” pode botar o burro na sombra; não me assusto com a gritaria dos jihadistas lingüísticos deste aiatolá
Reinaldo Azevedo, 18/05/2011

Marcos Bagno (foto): ele fez fama e fortuna afirmando que aquilo que seus leitores ignoravam não tinha mesmo a menor importância e era só autoritarismo...

Que burrice a tropa de choque dos amigos do professor Marcos Bagno tentar me intimidar na base do “sabe com quem está falando?” Desde quando eu dou bola pra isso? Fico ainda mais animado. Eu adoro chutar o traseiro de especialistas arrogantes, especialmente quando convertem ideologia vagabunda em ciência não menos. Marcos Bagno? Quem é esse há de se perguntar o leitor desavisado.

Às 17h55 desta segunda, escrevi o texto que segue no pé deste post, apontando a responsabilidade intelectual de Bagno nessa história de vale-tudo da língua portuguesa. Eu sabia bem o que estava fazendo. Seria mais grave do que chutar a santa. Bagno é um notório depredador da norma culta da língua e da gramática e transformou isso numa profissão rentável. Está para a lingüística como Gabriel Chalita está para a filosofia. E é quase tão prolífico quanto, mas com um agravante: Chalita é desprezado no mundo acadêmico; fazem chacota dele em qualquer circulo universitário com alguma seriedade. Seus livros, com aquela ignorância palavrosa cut-cut, dão motivos de sobra pra isso.

Já o tal Bagno, o “lingüista”, é visto como um verdadeiro aiatolá da língua alternativa. É também autor de livros infanto-juvenis, adorado pelos professores — em particular por aqueles que são incapazes de entender um manual de gramática. Bagno lhes dá a sensação de que sua ignorância é irrelevante ou é uma inteligência alternativa, e eles acabam achando que não ensinam gramática aos alunos ou porque não querem ou porque seria inútil. O fato é que não sabem.

Bagno é aquele tipo perigoso que, dada a constatação de que níveis de linguagem reproduzem, por óbvio, desigualdades sociais, logo conclui que a língua é causa da desigualdade, não uma conseqüência dela. Então ele tenta mudar a sociedade mudando, ora vejam!, a língua! Fez-se um teórico supostamente refinado do assunto e convence os ignorantes e os incautos com as suas facilidades. Uma coisa é constatar, e todos estamos de acordo, que, no geral, as aulas de gramática têm um nível sofrível; outra é decretar a sua inutilidade.

Segundo os dados do Programa Internacional de Avaliação dos Alunos 2009 (Pisa), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil ainda ocupa o 53º lugar no ranking geral, num total de 65 países que fizeram o exame. Uma vergonha! Os alunos brasileiros ficaram em 53º em ciências e leitura — superando Argentina, Panamá e Peru na América Latina, mas atrás de Chile, Uruguai, México e Colômbia — e em 57º em matemática. No ranking geral dos países avaliados na América Latina, o Brasil fica à frente de Argentina e Colômbia, mas aparece 19 pontos atrás do México (49º), 26 pontos do Uruguai (47º) e 38 do Chile (45º). Foram avaliados os processos educativos em 65 países, 34 deles da OCDE. Vinte mil estudantes brasileiros nascidos em 1993 responderam às provas de leitura, matemática e ciências.

Ora, é vergonhoso que uma economia do porte da brasileira — que, atenção!, investe, sim, relativamente bastante em educação — apresente um resultado miserável como esse. Como se dará o salto necessário? Com a professora Heloísa Ramos, ancorada nas teses de Bagno, a fazer a apologia da ignorância em nome do fim do preconceito lingüístico? Que língua será cobrada desses alunos na vida profissional?

Essa meninada não tem dificuldade nenhuma de se comunicar, por exemplo, na estranha língua das redes sociais, com seus códigos específicos. Ocorre que serão outros os textos que serão chamados a interpretar. A norma, a língua padrão, há de ser o eixo em torno do qual se organizam as demais experiências da linguagem. E ela não pode ser um código para iniciados, a que só alguns poucos têm acesso. É o padrão que nos unifica, já que a desejável diversidade nos separa. Não entender isso é não compreender coisa nenhuma e investir na bagunça. No caso de Bagno e desses professores que têm livros adotados pelo MEC, trata-se de uma bagunça muito rentável.

Pode-se ficar rico no Brasil fazendo profissão de fé na ignorância e ainda posar de democrata e libertador. Pra cima de mim? A turminha bocuda dos “especialistas bagnistas” pode pôr seu burro na sombra; aqui não se cria. A escola existe para tratar da norma. A vida se encarrega da diversidade, e ninguém precisa de professor para ensinar o erro. Uma das qualidades da democracia é permitir que cada um erre segundo a sua própria ignorância. Ninguém precisa de um Marcos Bagno e de Heloísa Ramos como organizadores da ignorância.

Segue o texto sobre Bagno que deixou a turma dele invocada. É assim que eu gosto. Quanto mais bravos ficam esses valentes, mais convicto estou de que foram pegos no pulo. Adoraria ver essa gente toda submetida a uma prova de gramática para testar seu conhecimento da língua. Há muitos malandros ocupados em referendar os erros dos alunos porque eles próprios não sabem o que é o acerto.

Se você já leu o que segue, vá para os comentários.

Este é o sacerdote do erro; é ele o burguês do socialismo na língua portuguesa; é ele quem faz de Lula uma teoria de resistência lingüística!

A professora Heloísa Ramos, a autora do tal livro que faz a apologia do erro, é, do ponto de vista intelectual, apenas uma noviça na área. O verdadeiro sacerdote dessa bobajada se chama Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília. É esse que vocês vêem acima.

O valente tem uma página na Internet. Ele é o propagador, nas escolas brasileiras, do conceito do “preconceito lingüístico”. Bagno denuncia o que não existe e propõe métodos profiláticos contra o mal que ele mesmo inventou. Professores de língua portuguesa, a maioria incapaz de entender e de ensinar gramática, apegam-se a seus textos como o náufrago busca uma bóia: “Ah, finalmente alguém diz que essa conversa de regra é bobagem!”. É batata, queridos! O sujeito radicalmente contrário a que se ensine o que é uma oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo costuma não saber o que é uma oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo. E ele sente, então, a necessidade de combater aquilo que ignora.

Resultado: professores de português se tornam “debatedores”. Essa praga está em todo lugar. Não pensem que floresce apenas em escolas públicas, em que não há critérios para medir o desempenho do professor. Textos do tal Bagno são debatidos também nas escolas privadas. Alguns tarados, sob o pretexto de “problematizar” o preconceito lingüístico, brincam mesmo é de luta de classes. A única função meritória de um professor de português é cuidar da harmonia de classes — da classe das palavras.

Na página de Bagno, encontro essas pérolas:
As pessoas que falam e escrevem sobre a língua na mídia em geral são jornalistas, advogados ou professores de português que não estão ligados à pesquisa, não participam do debate acadêmico, não estão em dia com as novas tendências da Lingüística - são os que eu chamo de gramatiqueiros”, critica Bagno. Para ele, esses “pseudo-especialistas”, ao tentar fazer as pessoas decorarem regras que ninguém mais usa, estariam vendendo “fósseis gramaticais”, fazendo da suposta dificuldade da língua portuguesa um produto de boa saída comercial.Outro “mito” tratado no livro Preconceito lingüístico: o que é, como se faz é a idéia, bastante difundida, de que a língua portuguesa é difícil. Bagno afirma que a dificuldade de se lidar com a língua é resultado de um ensino marcado pela obsessão normativa, terminológica, classificatória, excessivamente apegado à nomenclatura. Um ensino que parece ter como objetivo a formação de professores de português e não a de usuários competentes da língua. E que ainda por cima só poderia formar maus professores, já que estaria baseado numa gramática ultrapassada, que não daria conta da realidade atual da língua portuguesa no Brasil."

Viram? É mais um que ataca a norma culta, alegando, para isso, a sua condição de especialista. E todos os que discordam dele seriam meros “gramatiqueiros”. Bagno se tornou a referência culta dos militantes da ignorância. Bagno fez afama e, acho, fortuna afirmando essas coisas. Seus livros sobre preconceito lingüístico são um sucesso. Qualquer um que combata a gramática sem saber gramática é só um vigarista. Bagno é uma espécie de autor de auto-ajuda dos despossuídos da norma. Convenham: o ignorante fica feliz ao ler que aquilo que ignora não teria mesmo importância…

Não por acaso, quem apareceu ontem no jornal O Globo em defesa do tal livro adotado pelo MEC? Ele próprio. E encontrou uma saída típica dos petistas, acusando adivinhem quem… Sim, FHC!!! Leiam:
Não é coisa de petista. Já no governo Fernando Henrique, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação lingüística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo transforma qualquer idioma usado por uma comunidade humana.”

Oh, não me diga! Quem nega que a língua seja viva? Quem nega a existência de diferenças entre a norma culta e a fala? Quem nega a criatividade do falante no uso do próprio idioma? Uma coisa é descrever esses fenômenos, tentar entender a sua gênese, ver como podem servir ao ensino; outra, distinta, é negar as virtudes da norma. É a sua compreensão que permitirá ao aluno, é bom deixar claro, entender direito o que lê.

A ser como quer esse valentão todo cheio de si, muito cônscio da sua especialidade, os brasileiros se dividirão em grupos com determinado domínio da língua e viverão, como dizia aquela musiquinha, presos “a seu quadrado”. O especialista Bagno, tão “progressista”, é um notável exemplo de reacionarismo. A seguir seu modelo, em breve, a língua portuguesa será um arcano cujo domínio pertencerá à elite dirigente. O “povão”, este de que os petistas dizem gostar tanto, que se contente com o domínio precário do idioma. Por que ter mais? Para as universidades vagabundas do ProUni, tá bom demais!

Professor que usa as aulas para debater “preconceito lingüístico” está enganando. Ou joga fora o dinheiro público, se escola pública, ou o dos pais dos estudantes, se escola privada. É como se um professor de matemática ocupasse seu tempo provando a inutilidade da matemática. Muitos se espantam: “Mas por que os nossos alunos são, na média, incapazes de interpretar um texto”. Bagno diria que isso é mentira. É que deram ao jovens o texto errado… Eles precisa ler alguma coisa que seja própria de sua classe. ..

Bagno sai em defesa do petismo porque ele próprio floresce junto com o PT. É o “intelectual” símbolo da cultura disseminada pelos petistas, pouco importa se filiado ou não.

Para todos os efeitos, ele seria o amigo do “povão”, não os seus críticos. Questionado, imediatamente evoca a sua condição de “especialista”, o que não seria o caso dos adversários intelectuais. Propagando a ignorância, tornou-se um nababo da sua própria especialidade: depredar a norma culta da língua. Se alguém tem ainda alguma dúvida sobre qual é a dele, leiam este outro trecho de uma entrevista:
“Outro grande perpetuador da discriminação linguística são os meio de comunicação. Infelizmente, pois eles poderiam ser instrumentos maravilhosos para a democratização das relações linguísticas da sociedade. No Brasil, por serem estreitamente vinculados às classes dominantes e às oligarquias, assumiram o papel de defensores dessa língua portuguesa que supostamente estaria ameaçada. Não interessa se 190 milhões de brasileiros usam uma determinada forma linguística, eles estão todos errados e o que apregoam como certo é aquela forma que está consolidada há séculos. Isso ficou muito evidente durante todas as campanhas presidenciais de que Lula participou. Uma das principais acusações que seus adversários faziam era essa: como um operário sem curso superior, que não sabe falar, vai saber dirigir o país? Mesmo depois de eleito, não cessaram as acusações de que falava errado. A mídia se portava como a preservadora de um padrão linguístico ameaçado inclusive pelo presidente da República. Nessas sociedades e nessas culturas muito centradas na escrita, o padrão sempre se inspira na escrita literária. Falar como os grandes escritores escreveram é o objetivo místico que as culturas letradas propõem. Como ninguém fala como os grandes escritores escrevem, a população inteira em teoria fala errado, porque esse ideal é praticamente inalcançável.”

A pergunta que não quer calar: por que ele próprio se expressa segundo a norma culta? Mais: nessa entrevita, Bagno, agarrado à demagogia, diz que podemos, sim, cultivar e gostar da nossa língua, mas sem esquecer quantas pessoas sofreram para que ela se impusesse. Entendeu, leitor? A cada vez que você ler, sei lá, um verso de Camões, acenda uma vela para o grande cacique Touro Sentado…

Paranoias brasileiras (e sul-americanas): estrangeiros estao indo embora com nossas terras...

Bem, parece que não é possível fugir com as terras embaixo dos braços, não é mesmo, caro leitor?
Então qual a razão das pauras sul-americanas?
Que chineses e outros estrangeiros venham a produzir exclusivamente para a exportação?
Que tragédia não é caro leitor?
Que terrível destino, esse, de um país sendo usado e abusado por estrangeiros, para produzir aqui, exportar daqui, ganhar divisas aqui, ficar rico aqui, só para alimentar estrangeiros...
Deve ser um dilema terrível.
Pois então os paranoicos estão inteiramente certos: é preciso impedir esses estrangeiros de cometerem essas barbaridades contra os nossos interesses.
Imagina se a gente vai permitir que se produza para exportação: o que é nosso, é nosso, tem de ficar aqui.
Vamos lutar para que seja assim.
Aliás, podia começar proibindo as exportações de alimentos, e também de minérios e outras coisas. Afinal de contas, pode faltar por aqui.
Eu sempre me surpreendo comigo mesmo, como não consigo ter essas reações geniais.
Ainda bem que o governo está pensando em minha segurança alimentar e mineral, e vai impedir que esses perversos estrangeiros comprem muitas terras aqui.
Ufa, estamos salvos.
Viva a soberania alimentar, a mineral, a... sexual?
Paulo Roberto de Almeida

Enfim, o Mercosul protege suas terras
Marcela Valente*, da Envolverde-IPS
Outras Palavras, 17/05/2011

Depois do Brasil, também Argentina e Uruguai agem para frear vendas de enormes áreas rurais a estrangeiros. Mas medidas ainda são tímidas e insuficientes.

Buenos Aires, Argentina, 11/5/2011 – Os governos de Brasil, Argentina e Uruguai começam a propor leis para pôr fim à avidez estrangeira por suas cobiçadas e extensas terras aptas para a produção de alimentos. No geral, estas medidas são tímidas. Nenhum dos três sócios do Mercosul, juntamente com o Paraguai, propõe uma rejeição à aquisição de terras por parte de capitais privados e estatais estrangeiros, não fixam regulamentações sobre uso do solo, nem revisam o que já foi vendido. Na verdade, procuram pôr limites ao avanço sobre estas propriedades agropecuárias por parte de países que as cobiçam para facilitar o abastecimento de seus próprios mercados de alimentos ou como instrumento de investimento especulativo.O Brasil já limita a compra de terras por estrangeiros e empresas brasileiras com capital estrangeiro, enquanto na Argentina e no Uruguai estão em estudo projetos que seguem na mesma direção. Em todos os casos, o alerta foi dado pela crescente compra de terras registradas nestes países nos últimos anos devido ao aumento dos preços internacionais dos alimentos e da falta de alternativas de investimento financeiro.

Um estudo apresentado em 2008 pela organização não governamental internacional Grain, que trabalha a favor de camponeses e pequenos produtores rurais, já havia alertado para este processo e mostrado casos concretos. China, Egito, Japão, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Índia, Bahrein, Kuwait, Omã, Catar e Emirados Árabes Unidos estão adquirindo ou arrendando terras férteis em outros países onde nem sempre os alimentos abundam, afirma a ONG.

A investigação mostra que o Camboja, que recebe ajuda do Programa Mundial de Alimentos, arrenda campos de arroz no Catar e no Kuwait, enquanto Uganda cede campos de trigo e milho para o Egito, e às Filipinas chegam interessados da Arábia e dos Emirados. Este avanço não só procura garantir o fornecimento de alimentos. Também há compras de terras com fins especulativos por parte de bancos e financeiras no Brasil, Paraguai, Senegal, na Ucrânia, Nigéria e Rússia, afirma o documento.

Em entrevista à IPS, o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), José Pedro Stédile, disse que no Brasil foi percebida esta presença cada vez mais importante de capitais especulativos no setor. Compraram terras, usinas de álcool e represas, entre outros investimentos, afirmou. “O MST está preocupado porque isto coloca em risco a soberania e causa mais insegurança alimentar”, alertou. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou que há cerca de 4,5 milhões de hectares em mãos de estrangeiros, mas o governo admite que isto não reflete a realidade e que pode ser mais que o dobro.

Stédile aplaude a norma aprovada em setembro, que limita a compra ou o arrendamento de áreas acima de um tamanho mínimo a estrangeiros e fixa em 25% o limite da superfície de um mesmo município que podem adquirir. “A prioridade do uso da terra deve ser produzir alimentos para nosso povo e as empresas estrangeiras compram terras para especular, para proteger seus patrimônios, e plantam o que lhes dá mais lucro”, assegurou.

Na Argentina, o governo federal enviou ao parlamento, em abril, um projeto de lei fixando em 20% o limite para titularidade de estrangeiros em território nacional e não lhes permite comprar mais do que mil hectares em áreas produtivas. No entanto, não limita, como no Brasil, a participação de estrangeiros em fundos de investimento, nem tampouco revisa o que já está vendido.

As autoridades argentinas estimam que haja sete milhões de hectares em mãos estrangeiras, mas a Auditoria Geral da Nação fixou em 17 milhões essa propriedade, o que representa 10% do território ou mais da metade da área plantada. Apenas o magnata italiano Luciano Benetton possui quase um milhão de hectares de terras na região da Patagônia.

A iniciativa governamental reivindica a terra como recurso natural não renovável e baseia-se em uma análise do contexto global no qual se destaca o constante aumento da população mundial e a crescente deterioração das terras cultiváveis. A Federação Agrária Argentina, que reúne produtores em pequena escala, pedia uma norma desse tipo desde 2002, e por isso comemorou o projeto. No entanto, alerta que também é preciso uma lei de arrendamentos.

Nessa lei deveriam ser estabelecidos critérios sobre o que se produz em terras arrendadas. A objeção aponta, por exemplo, para uma polêmica surgida em Rio Negro, província da Patagônia. O governo rionegrense assinou convênio de cooperação com um grupo de empresas chinesas para arrendar 240 mil hectares destinados à produção de soja nos próximos 50 anos, com opção de renovação automática do contrato.

O engenheiro agrônomo argentino Walter Pengue, do Grupo de Ecologia da Paisagem e do Meio Ambiente, da estatal Universidade de Buenos Aires, disse à IPS que se a iniciativa não revisar o que já foi vendido nem regular o uso do solo terá sérias limitações. “O projeto é ótimo, mas me preocupa porque no mundo acadêmico internacional se discute a disponibilidade da terra, e para 2020 se prevê que haverá cerca de 15 países com terras produtivas, entre eles a Argentina”, afirmou. Pengue questiona o acordo do governo de Rio Negro. “Não vendem a terra, mas a arrendam e ali se produz o que o locatário deseja, então, a pegada ecológica de outros países fica para sempre em nosso território”, ressaltou.

No Uruguai, a tentativa do governo de Tabaré Vázquez (2005-2010) de aprovar uma lei que limite a estrangeirização não foi possível de se concretizar, mas a Frente Ampla espera concretizá-la este ano, graças à maioria absoluta que tem no parlamento em seu segundo governo, agora encabeçado por José Mujica. O censo de 2000 indicou que 17% da terra desse país estava em mãos de capitais externos, disse à IPS o geógrafo Marcel Ashkar, da Faculdade de Ciências. Porém, hoje se estima que já cobre entre 20% e 30% das terras aptas para a agricultura.

O Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca informou que, entre 2000 e 2009, foram comercializados mais de seis milhões de hectares e que mais da metade foi adquirida por estrangeiros, principalmente brasileiros e argentinos. O peso da soja, do arroz e do reflorestamento em grande escala atrai capital, além dos de seus dois vizinhos, também da Espanha, Finlândia e do Chile, que aumentam suas posses no Uruguai de mãos dadas com grandes complexos industriais de produção de celulose. Envolverde/IPS

* Colaboração de Fabiana Frayssinet (Rio de Janeiro) e Raúl Pierri (Montevidéu).

Relacoes Brasil-China: reciprocidade e paranoias

Segundo se sabe, o Brasil esta tentando limitar a aquisção de terras por estrangeiros, especificamente preocupado, como se sugeriu, com a compra de grandes extensões de terras por chineses, que aqui viriam plantar "o que é bom para eles", não o que supostamente seria bom para nós.
Enquanto continuarmos a ter esse tipo de paranoia, vai ser dificil inserir o Brasil na globalização ou aumentar a relação com a Chona (sem falar da questão da "reciprocidade": como limitar aqui e pedir que eles abram lá?).
Acho que precisamos colocar ordem no discurso interno.
Paulo Roberto de Almeida

Entrevista: Antônio Patriota
“Não é só entrar, extrair e levar o minério ou a soja embora”
Simone Cavalcanti, de Brasília
Brasil Econômico, 17/05/2011

Segundo ministro, Itamaraty trabalha para assegurar transferência de tecnologia na relação com a China

Uma aposta estratégica. É assim que o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antonio Patriota, vê a posição da China não só em relação ao Brasil, mas à toda América Latina, por se tratar, no conjunto, de uma potência na produção de alimentos e de energia. “E tudo isso tem a ver coma segurança alimentar e energética da China, para que continue crescendo.” Por isso mesmo, o diálogo entre os governos só tem melhorado, diz.

Qual a avaliação dessa visita da delegação chinesa?
Sinaliza a retomada de contatos em nível ministerial que havia desacelerado em 2010, em compasso de espera da eleição aqui. A reunião da subcomissão de comércio permite acompanhar a implementação dos compromissos acordados, como a liberação da carne suína e os jatos da Embraer. E avançar no planejamento futuro para identificação de novos projetos e áreas.
>
Como o quê?
Um dos pontos é o setor automotivo. Temos uma experiência que é valorizada internacionalmente em termos de biocombustíveis, e a China poderá ter interesse em participar de produtos com essas características. Quando a presidenta Dilma Rousseff esteve em Pequim, participou de um evento cujo título era Além da Complementariedade. Isso diz muito. Porque a complementariedade a gente conhece. Exportamos muita matéria-prima. Não queremos deixar de exportar, mas queremos também embarcar produtos com maior grau de elaboração. Queremos desenvolver parcerias em áreas tecnologicamente mais avançadas, que contribuam para competitividade industrial.

Quais as áreas consideradas estratégicas pelo governo?
Desde biocombustíveis, nanotecnologia, biotecnologia até a questão das terras raras, incluindo a extração e processamento do lítio. E energia de modo geral.

O que mais foi discutido?
Também discutimos um pouco a questão do turismo e da importância das conexões aéreas. A TAM está querendo estabelecer presença na China. A Air China faz um voo com uma escala apenas em Madri. E agora com Copa do Mundo, Olimpíadas, Rio+20 e outros acontecimentos esperamos que haja um crescimento da visita de lado a lado.

Segundo o Mdic, há um empenho do governo para direcionar os investimentos à cadeia produtiva de setores de interesse nacional.
Isso traz à tona o que pode ser descrito como um novo momento da relação entre Brasil e China. Em termos de quantidade, o comércio e a atração de investimentos vai bem, mas nós queremos operarumsalto qualitativo. Isso inclui diversificação da pauta de exportação, os embarques de produtos de maior valor agregado, buscar parcerias com os chineses em que possamos incorporar um conteúdo de tecnologia mais avançado.

Roger Agnelli, ex-presidente da Vale, já reclamou do fato de os chineses comprarem jazidas no Brasil sendo que há uma proibição para entrada naquele mercado. Como isso está sendo tratado?
Mais do que o Itamaraty, a própria presidenta abordou isso. Quando esteve na China disse que quer continuar atraindo investimento chinês, mas aquele que traga um valor agregado. Não é só entrar, extrair e levar o minério ou a soja embora, sem contribuir para o desenvolvimento seja ele de que tipo for. É essa mensagem.
>
Mas não quer dizer que a China vá mudar suas proibições?
Vamos olhar o que acontece no médio e longo prazo. Nós somos uma potência no que se refere à produção de alimento. Se juntar todos da América do Sul somos também uma potência energética. Somos fonte de recursos minerais. E tudo isso tem a ver com a segurança alimentar e energética da China, para que continue crescendo. Isso é um pouco a equação da complementariedade. Quando fala em ir além disso, queremos que não seja uma via de mão única, que também esse relacionamento no sentido inverso nos traga uma contribuição em desenvolvimento qualitativamente superior. A questão da reciprocidade foi levantada, pois empresas nossas têm dificuldade de se estabelecer na China. Se eles aqui têm uma limitação ou se ressentem de alguma dificuldade na aquisição de terras, bom, lá não há nem essa possibilidade. Há uma compreensão das assimetrias e um desejo de superá-las.

Em que prazo?
O calendário de reuniões vai estabelecendo os prazos. Mas nós gostaríamos de ter avanços até a Cosban (Comissão de Alto Nível Sino-Brasileira) que se reúne no segundo semestre.

Politica cambial: a obsessao dos equivocados...

Onze entre dez economistas autodenominados desenvolvimentistas estão preocupados com o câmbio. Alguns, como os que escreveram essa coisa aí abaixo, chegam até a mencionar uma fantasmagórica "política de apreciação cambial", como se isso existisse ou fosse uma política deliberada de governos (malucos?).
É certo que políticos demagogos gostam de câmbio alto: dá a impressão de que somos ricos e de que todo mundo pode viajar para a Disneyworld duas vezes por ano. Claro que isso acontece e eles ficam contentes, mas a intenção inicial não era essa.
Valorização cambial é sempre o efeito de certo "sucesso" econômico: exportações crescentes, atração de capital estrangeiro, facilidade no lançamento de emissões internacionais. Mas ela é sempre o resultado, não a causa dos problemas de competitividade e de desequilíbrios (futuros, quase certamente).
Vejam também a lista dos problemas brasileiros abaixo relacionados:

"1. Carga tributaria elevada.
2. Custo da infraestrutura
3. Folha salarial sobrecarregada com encargos.
4. Custo do investimento.
5. Baixo estágio tecnológico.
6. Estrutura incipiente de investimento em inovação"

Ou seja, nenhum deles, friso, NENHUM, tem a ver com o câmbio. Todos eles são produzidos internamente, são nossos próprios pecados, problemas "made in Brazil", como se diz.
Como é, então, que, partindo desses problemas, se chega à conclusão de que se tem de desvalorizar o câmbio?
Só pode ser obsessão ou burrice.
O câmbio baixo vai reduzir a carga tributária, induzir à inovação, melhorar a infraestrutura?
Não, absolutamente nada, nadicas de peteberebas.
Então porque se tem de mexer no câmbio?
Ora, esse pessoal precisa ser coerente...
Paulo Roberto de Almeida

Os novos riscos de super-real
Blog Outras Palavras, 17/05/2011

Luís Nassif alerta: como nos anos 90, governo hesita em interromper valorização da moeda. Isso comprometerá desenvolvimento – e não será compensado por gambiarras

Pode-se colocar a Petrobras como agencia de desenvolvimento, adquirindo produtos nacionais. Pode-se aumentar substancialmente o capital do BNDES. Pode-se até criar estímulos fiscais para novos investimentos. Mas enquanto não se acertar o câmbio, será apenas uma fantasia, uma gambiarra, um arremedo de política industrial.

Nenhuma economia emergente conseguirá se desenvolver adequadamente sem trabalhar o fator preço, aquele que impacta diretamente o custo final do produto.***

A competitividade é uma soma de ações em diversas áreas, mas não é uma poção mágica, que estabelecerá com os competidores a igualdade de condições da noite para o dia.

A lógica de qualquer política industrial consistente é a de criar condições iniciais favorecidas para a produção nacional, mas visas do mais à frente a sustentabilidade do setor.

Tome-se o caso dos setores que serão beneficiados pelas compras da Petrobras. Em um primeiro momento ganharão encomendas e ampliarão a estrutura. Mas sem preços competitivos se criará uma indústria de estufa, incapaz de oferecer seus produtos a terceiros.

***

Suponha um determinado produto competindo com o estrangeiro. Em relação aos países avançados, o Brasil possui as seguintes desvantagens:

1. Carga tributaria elevada.

2. Custo da infraestrutura

3. Folha salarial sobrecarregada com encargos.

4. Custo do investimento.

5. Baixo estágio tecnológico.

6. Estrutura incipiente de investimento em inovação.

Todos esses fatores encarecem o custo do produto brasileiro de forma expressiva, especialmente nos setores mais dinâmicos da economia, em que há maior valor agregado.

***

São esses setores – mais expostos à concorrência internacional – que garantem o dinamismo da economia, a qualificação do emprego, os avanços tecnológicos, os investimentos, a vitória nas disputas com produtos estrangeiros.

E a arena de batalha não é apenas o comércio internacional, mas o próprio mercado interno. A não ser que se pretenda fechar a economia brasileira, cada dia de apreciação cambial significa mais produtos brasileiros sendo substituídos por produtos importados.

***

Em todo processo de desenvolvimento – seja na Inglaterra do século 18, no Japão, Alemanha e Itália do pós-guerra, na Coréia dos anos 50, o tiro de partida para a recuperação ou para o início do crescimento foi o câmbio.

A razão é simples. Em cada linha de produto, há os de menos e os mais sofisticados. Países adiantados produzem os mais sofisticados, cobrando mais caro. Países menos adiantados apresentam a vantagem do preço.

Depois, à medida que as empresas vão crescendo, aumentam os investimentos em tecnologia e inovação e seus produtos passam a disputar segmentos mais avançados.

Não há mistério nessa fórmula, não se está contando novidade.

***

Ocorre que em momentos cruciais da história – fim do século 19, no pós-guerra, nos anos 90 – prevaleceu a política de apreciação cambial. E ligada a interesses imediatos seja do grande capital (que sempre especulou associado ao capital internacional), seja do populismo cambial de sucessivos governantes, preferindo faturar politicamente com a falsa sensação de fartura trazida pela moeda apreciada.

***

Se não se resolver a questão cambial, pré-sal e companhia não passarão de embromação.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Aceleraçao inflacionaria: finalmente a economia do PT...

Durante anos, os "melhores economistas" do PT pediram uma "outra política econômica", uma que não fosse tão neoliberal e conservadora, que não fosse monetarista e recessiva, que pudesse entregar crescimento e bem-estar para todos, sem aquelas velhas obsessões com o equilíbrio fiscal, os juros altos, o rigor orçamentário, enfim, essas velharias dos economistas ortodoxos.
Eles, como bons estruturalistas e desenvolvimentistas, queriam um melhor desempenho geral, o que significava uma menor preocupação com a inflação e maior com o emprego e a distribuição de renda. Como dizia Celso Furtado, pode-se aceitar um "pouquinho mais de inflação para ter um pouco mais de crescimento e mais emprego".
Deu no que deu: tiveram o seu crescimento e mais emprego, e também mais inflação.
Essa é a herança maldita da era Lula e o "triunfo definitivo" da política econômica petista, como eles queriam, da forma como eles queriam.
Pois bem, se precisavam de mais alguma prova, aí a tem: o teste foi feito.
Deixo vocês com um artigo a respeito.
Paulo Roberto de Almeida

Inflação fora de controle?
Rodrigo Constantino
O Globo, 17/05/2011

A inflação acumulada nos últimos 12 meses, medida pelo IPCA, passou de 6,5%. Rompeu, portanto, o topo da meta do Banco Central (BC). Ao que tudo indica, ela deverá subir ainda mais nos próximos meses. Diante deste quadro preocupante, o governo abusa da retórica, mas faz pouco para domar o dragão.
O BC, que não possui independência legal no Brasil, aposta em uma inflação migrando para o centro da meta em 2012. Seu presidente, Alexandre Tombini, chegou a afirmar que a medida do governo, de impor à BR Distribuidora uma redução de preço dos combustíveis, ajuda a combater a inflação. O ministro Guido Mantega pediu que empresários não repassassem aumentos dos custos. Será que voltamos aos tempos do congelamento de preços, que ataca o sintoma e não as causas da inflação? Qual será o próximo passo? Resgatar os famosos fiscais do Sarney?
O governo tem jogado a culpa da inflação em fatores exógenos, como a alta das commodities. É verdade que seu preço subiu bem nos últimos meses, o que também colaborou para o crescimento da economia brasileira, abundante em recursos naturais. Mas não é correto limitar o problema a este fator. Os preços ligados ao setor de serviços subiram ainda mais que a média geral, chegando perto de 9% nos últimos 12 meses. O que está causando esta acelerada alta dos preços então?
Como sabia Milton Friedman, a inflação é sempre um fenômeno monetário. Os demagogos já culparam até a ganância dos empresários, ou choques de oferta fora do controle dos governos, mas o fato é que nada disso produz aumento generalizado dos preços. Quando isto ocorre, é porque há aumento da base monetária e do crédito na economia. E ambos são controlados pelo governo. A inflação é uma deliberada política de governo.
Esta é a “herança maldita” que o governo Lula deixou para sua sucessora, que pouco tem feito para contornar o problema. Os gastos públicos explodiram nos últimos anos de mandato do presidente Lula, e o “corte” de R$ 50 bilhões anunciado pela presidente Dilma representa, na verdade, um aumento de gasto em relação a 2010, pois corta em cima de um orçamento inflado. O governo deveria efetivamente reduzir, de forma significativa, seus gastos explosivos.
Além disso, a expansão de crédito segue em ritmo irresponsável. O BNDES, que utilizou o argumento de medida anticíclica para aumentar absurdamente seus desembolsos durante a crise, não pisou no freio agora que a economia já está claramente aquecida, quiçá superaquecida. A demanda segue firme, a economia se encontra em pleno emprego e pode-se falar até mesmo em apagão de mão-de-obra em certos setores.
Para piorar a situação, o governo não apresentou uma única reforma estrutural, como a previdenciária, trabalhista ou tributária, que permitisse um choque de produtividade ao país. Os investimentos em infraestrutura e educação continuam pífios e de péssima qualidade. O modelo de expansão calcado em crédito e consumo está perto do esgotamento, e os gargalos levam justamente ao aumento da inflação. A economia brasileira parece um carro popular a 150 km/h em uma estrada esburacada, trepidando e com parafusos começando a se soltar. E há no governo quem pense que a solução é acelerar mais!
O BC fica de mãos atadas neste contexto. Suas medidas macroprudenciais são uma aposta incerta, e contar com a queda do preço das commodities é arriscar demais. Até porque uma correção das commodities poderia ser benéfica para a inflação, mas uma queda drástica poderia deteriorar nosso cenário econômico. Afinal, ele depende muito da melhora dos termos de troca, i.e., da alta do preço dos produtos que exportamos em relação ao que importamos. O governo deveria tomar cuidado com aquilo que deseja.
Para quem possui apenas um martelo, tudo se parece com um prego. Uma vez que o governo não faz sua parte, o único instrumento que o BC tem para atuar contra a inflação é a taxa de juros, além do compulsório dos bancos. Não existe mágica, ao contrário do que pensam os industriais da Fiesp. Manter a taxa de juros artificialmente baixa é permitir a volta do dragão inflacionário, o pior imposto para os mais pobres. Em um país com trauma de inflação e economia indexada, aceitar “um pouco mais” de inflação é brincar com fogo ao lado de um barril de pólvora. Nada recomendável.
A credibilidade de um banco central é crucial para ancorar as expectativas inflacionárias. Enquanto o governo ficar somente no discurso, os agentes de mercado terão motivos para receio. A pergunta é legítima: será que a inflação está saindo do controle?

Etica dos poroes (2): mais se "explica"...

Palocci se justifica, não se explica e tenta botar outros nomes da rodinha, Curiosamente, não cita José Dirceu!
Reinaldo Azevedo, 17/05/11

Quem sai aos seus não degenera, certo, Antonio Palocci? Leiam o que informa Gabriela Guerreiro na Folha Online. Volto em seguida:

A Casa Civil encaminhou nesta terça-feira e-mail a um grupo de senadores com explicações sobre a evolução do patrimônio do ministro Antônio Palocci nos últimos quatro anos. Na mensagem, a Casa Civil justifica a evolução no patrimônio ao lembrar que, como ex-ministro da Fazenda, Palocci recebeu uma “experiência única” que dá valor a profissionais de consultoria no mercado e cita outros ex-integrantes do governo que também enriqueceram ao deixarem seus cargos. “Não por outra razão, muitos outros se tornaram, em poucos anos, banqueiros, como os ex-presidentes do Banco Central e BNDES Pérsio Arida e André Lara Rezende, diretores de instituições financeiras como o ex-ministro Pedro Malan ou consultores de prestígio como o ex-ministro Maílson da Nóbrega.”

A Casa Civil também afirma que todas as informações relacionadas à evolução patrimonial do ministro constam de sua declaração de renda de pessoa física, assim como são “regularmente enviadas” à Receita Federal –incluindo informações da empresa Projeto, da qual Palocci tem 99,9% das ações. Diz ainda que Palocci não reside no apartamento de R$ 6,6 milhões comprado em São Paulo.

A empresa Projeto, segundo a nota, foi aberta em 2006 para a prestação de serviços de consultoria econômico-financeira - por meio da qual o ministro aumentou o seu patrimônio. “Não há nenhuma vedação que parlamentares exerçam atividade empresarial, como atesta a grande presença de advogados, pecuaristas e industriais no Congresso. Levantamento recente mostrou que 273 deputados federais e senadores da atual legislatura são sócios de estabelecimentos comercial, industrial, de prestação de serviços ou atividade rural”, diz a nota.

Na nota, a Casa Civil afirma que a empresa de Palocci prestou serviços para “clientes da iniciativa privada” –tendo recolhido sobre a remuneração os tributos devidos– mas sem mencionar quais os clientes. Diz ainda que muitos “ministros importantes” fizeram o percurso inverso ao vir do setor privado para o governo. “O patrimônio auferido pela empresa foi fruto desta atividade e é compatível com as receitas realizadas nos anos de exercício”, diz a Casa Civil.

O órgão argumenta que o objeto social da empresa foi modificado antes da posse de Palocci no ministério para “vedar qualquer prestação de serviço que implique conflito de interesse com o exercício de cargo público”. Segundo a Casa Civil, a gestão dos recursos da empresa foi transferida a uma “gestora de recursos” com autonomia para realizar aplicações e resgates –para evitar conflitos de interesse, seguindo recomendação da Comissão de Ética Pública da Presidência. Atualmente, segundo a mensagem, a empresa tem a “única função” de administrar os seus dois imóveis em São Paulo.

Voltei [Reinaldo Azevedo]:
Pois é… Palocci, como se nota, resolveu recorrer a alguns colaboradores do governo FHC e até a Mailson, que foi ministro de José Sarney, para se justificar, não para se explicar, já que explicação não há.

Há uma nada ligeira diferença entre os nomes acima elencados: depois que passaram a se dedicar à iniciativa privada, cessaram suas atividades públicas. Mailson, por exemplo, foi ministro — e de um período difícil, bem conturbado, na economia. Quando passou a ser consultor, estava claro que não tinha mais nenhuma interferência nos assuntos da República. Até porque Fernando Collor chegou tentando desmoralizar o governo anterior. Os clientes que confiam nas análises e conselhos de sua empresa sabem que não podem contar com ele para, por exemplo, fazer lobby partidário. Se é, e é, muito bem-sucedido em sua empreitada, é porque deve fazer análises pertinentes.

O mesmo se diga de Pérsio Arida e André Lara Rezende, não é mesmo? A estes dois, em particular a Pérsio, deve-se a engenharia única do Planto Real, que tirou o Brasil da taba. Encerrada as suas atividades no serviço público, todos souberam que eles haviam migrado para a iniciativa privada.

O problema de Palocci é outro. Quem sabia que ele tinha empresa de consultoria? Os primeiros a ignorar tal fato, estou certo, eram seus eleitores. Os três migraram para empresas conhecidas, reconhecidas pelo mercado em suas respectivas áreas. O que distingue a de Palocci na comparação com os exemplos por ele citados é a clandestinidade. Se ele revelasse o nome dos clientes, talvez diminuísse a sombra da suspeita — a menos, claro, que ela aumentasse…

Sua empresa era bem mais clandestina do que a de José Dirceu, que também enriqueceu no ramo da “consultoria”. Por alguma razão, Palocci não citou o caso do “companheiro” de partido. Os petistas mais íntimos, inclusive a presidente Dilma Rousseff, até poderiam saber de tudo, mas nem o mercado sabia — exceção feita aos “clientes” para os quais ele trabalhou. E olhem que Palocci poderia ter feito as coisas às claras, não? Sendo quem é, amado como é por setores do capital, poderia ter ganhado um dinheirão com palestras.

Mas, entendo, poderia pegar mal um deputado cobrar para falar em público. Ele preferiu cobrar para falar privadamente. Mais: há muitos empresários deputados, sem dúvida. Mas com o poder que Palocci tinha para interferir em questões de estado, eu diria, não há um só.

Etica dos poroes (1): comecando a cheirar mal...

A Comissão de Ética do governo federal disse que não há nada a investigar no fato de o ministro Palocci ter saído de um patrimônio de 350 mil para um superior a 7 milhões de reais.
Eu também acho: coisa normal, qualquer um pode ganhar isso, basta fazer algumas consultorias bem pagas.
Eu vou pedir a ele algumas recomendações. Suponho que ele tinha tempo como deputado de se dedicar a consultorias, mas agora como ministro não deve ter tempo sobrando.
Pode ser que ele queira me passar o serviço...
Paulo Roberto de Almeida

"Palocci, desprendido e patriota"
Coluna Carlos Brickmann
Edição de Quarta-feira, 18 de maio de 2011

O caro leitor não deve imaginar que um repórter tenha acordado de manhã com a idéia de investigar o patrimônio do chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. Digamos que é mais provável que alguma alma caridosa lhe tenha soprado a informação. A questão, portanto, não é apenas descobrir como é que o patrimônio de Sua Excelência teve tão substancial aumento; é também saber quem se beneficia com a publicação da notícia e o enfraquecimento de um ministro forte.

Da oposição, certamente, a notícia não partiu: quem não existe não distribui informação. Uma boa possibilidade é que tenha sido gente do Governo: gente que, embora com cargos pomposos e, imagina a opinião pública, de primeiro escalão, não consegue furar o cerco de Palocci e chegar à presidente da República. No PT e no Ministério, há inúmeros dignitários que têm todos os motivos para torpedear o primeiro-ministro - desculpe, o chefe da Casa Civil. Outra boa possibilidade são os aliados insatisfeitos: políticos que se aliaram ao PT pensando em bons cargos, daqueles que dão emprego e distribuem verbas, e acabaram esquentando os sofás das salas de espera, muito longe das tetas prometidas.

Dá para fazer uma bela lista de nomes ilustres, não é?

E não seria possível encerrar esta nota sem um elogio sincero ao ministro Antônio Palocci, um homem desambicioso e que só pensa no bem-estar da Pátria. Não é auspicioso saber que um político é capaz de trocar uma empresa de consultoria tão bem sucedida e lucrativa pelo trabalho mal-remunerado de ministro?

Fim de caso
A notícia sobre a multiplicação dos bens do ministro Palocci saiu no fim de semana, na segunda o Governo já tinha investigado tudo e resolvido o problema: segundo informaram, "o caso está encerrado". É uma boa idéia: suponha que algum órgão do Governo queira bisbilhotar algum fato pitoresco em sua vida financeira. Basta mandar-lhes um ofício: o caso está encerrado.

Que tal acabar com a estabilidade de funcionario publico?: eu topo...

Funcionarios públicos acham que a sociedade deve trabalhar para sustentá-los. Se eles não estão satisfeitos com o que ganham, não tem problema: eles podem parar, tranquilamente, fazer a sociedade de reféns, passar dias e dias parados, e nada acontece; simplesmente continuam ganhando igual.
Máfias sindicais são assim: assaltam o pobre do contribuinte e ainda acham que têm razão.
Eu simplesmente recomendo acabar com a estabilidade, totalmente, de todas e quaisquer categorias, inclusive de juízes. Juízes teriam estabilidade garantida durante 2 anos, renováveis mediante exame de produtividade e exames periódicos, para ver se melhoraram...
Todo o resto, sem garantia de estabilidade.
Para quê? Se é para não fazer nada, melhor fazer em casa...
Paulo Roberto de Almeida

Servidores rejeitam proposta da prefeitura e ameaçam parar
Alexandre Leboutte

Oferta de 6,51% desagrada os municipários, que reivindicam 18%.Os servidores públicos da prefeitura de Porto Alegre podem entrar em greve se o Executivo não alterar a proposta de conceder um índice de reajuste de 6,51%. A oferta foi apresentada na manhã de ontem à direção do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), em encontro que ocorreu no paço municipal.

"A proposta está muito abaixo do que a categoria está reivindicando e, se não for alterada, vamos discutir a possibilidade de greve na assembleia geral de quinta-feira", projetou a diretora-geral do Simpa, Carmen Padilha. Os municipários reivindicam um reajuste de 18%, que, segundo Carmen, compreenderia perdas desde 2005.

Na reunião com a direção do sindicato, o coordenador do Comitê de Política Salarial do município e secretário de Governança, Cézar Busatto (PMDB), propôs a reposição da inflação dos últimos doze meses. O índice de 6,51% (IPCA) seria aplicado aos salários e vale-alimentação.

O governo municipal também ofereceu um abono para complementar a diferença dos cerca de 3 mil servidores que têm o salário-base menor do que o mínimo nacional. Busatto destaca também o plano de saúde do IPE (Instituto de Previdência do Estado), que será implementado até outubro, e a reformulação do plano de carreira dos municipários. O secretário entende que as perdas reivindicadas pelos servidores se referem aos anos de 2003 e 2004, quando não receberam aumento em virtude do teto estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal à folha de pagamento. "Só em 2007 recuperamos o equilíbrio fiscal", observa.

Busatto diz que o percentual pedido "é inviável, está completamente fora da realidade, seria voltarmos a uma situação que não interessa nem aos servidores nem à cidade". A folha salarial do município é de R$ 121 milhões mensais e teria um acréscimo de R$ 20,8 milhões por mês se fosse atendida a reivindicação dos municipários. O secretário adianta que a reformulação da proposta não está nos planos do governo.

Os servidores fizeram ontem um dia de paralisação para pressionar a prefeitura a atender suas reivindicações. Participaram de um ato em frente ao paço municipal mais de 2 mil trabalhadores. Carmen Padilha estima que 70% da categoria aderiu ao movimento.

Foram garantidos os serviços essenciais, como os de saúde, e plantões do Deparamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) e da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov). A maior adesão ocorreu entre os professores das escolas municipais.

A possibilidade de greve gerou comentários na Câmara Municipal ontem. A vereadora Maria Celeste (PT) defendeu que o prefeito José Fortunati (PDT) receba os funcionários do município para negociar. O líder da base governista, João Dib (PP), acredita que a postura do prefeito está correta. "Esse é o papel da Secretaria de Governança. Senão, não precisa ter essa secretaria."

Katia de Queiroz Mattoso - saudades de uma grande historiadora

Katia de Queiroz Mattoso: obituário de um membro do Conselho da RBPI
Paulo Roberto de Almeida

Sou suspeito para escrever sobre a professora e, sobretudo, amiga Katia de Queiroz Mattoso, por uma ou duas razões muito simples: eu era um admirador de sua obra, e com ela assinei um pequeno livro de história do Brasil, publicado em Paris, em 2002. Tive a ideia assim que cheguei em Paris, em 1993, e fui visitá-la, pedindo autorização para que um texto seu, sobre a história do Brasil dos tempos coloniais ao final do regime militar fosse editado pela Embaixada do Brasil, para uso dos estudantes secundários franceses, com um complemento meu sobre a fase contemporânea, até o final do governo Itamar Franco. O panfleto teve bom acolhimento entre as escolas, daí nossa decisão de passar a uma edição comercial, ampliada, graças a nosso bom amigo Denis Rolland, editor da coleção latino-americana da Harmattan, uma editora essencialmente universitária.
Estive em seu apartamento diversas vezes, numa pracinha fechada, perto da Avenue Victor Hugo, invariavelmente para encontros com historiadores brasileiros, franceses, americanos, enfim, com a pequena République des Lettres que circulava em torno da nossa grande dame da cadeira de Histoire du Brésil na Sorbonne (Paris-IV), onde fui diversas vezes, palestrar ou assistir aulas e dissertações sobre os mais diversos temas da história do Brasil e assuntos correlatos. Ela tinha um gabinete minúsculo na Sorbonne, mas sua casa estava sempre aberta aos muitos estudantes brasileiros, franceses ou de quaisquer outras nacionalidades que desejassem estudar o Brasil, em todos os seus aspectos. Todo historiador brasileiro passando pela França – e eles sempre foram muitas dezenas – tinha de falar com a “Katia”, o que geralmente terminava por uma sessão de conversa e de chá em seu apartamento acolhedor.
Também sou suspeito para falar (bem) dela, pois fui quem tomou a decisão de agraciá-la com a Ordem do Rio Branco, assim que a oportunidade se apresentou. Com razão, com mérito e com honra, pois pouca gente fez tanto pelo estudo da história do Brasil na França (e no mundo, pois alguns de seus livros e trabalhos foram também traduzidos para o inglês) quanto essa grega de origem, brasileira por casamento e baiana de coração. Minhas afinidades com ela também passavam pela carreira diplomática, já que ela também teve sua primeira experiência, no serviço exterior da Grécia, muito jovem, servindo como adida cultural na Embaixada da Grécia em Berna, que foi também meu primeiro posto diplomático, onde retomei um doutoramento interrompido algum tempo antes do final do regime militar. Intercambiavámos nossas impressões diplomáticas e assim ficamos amigos até o final, amizade partilhada com Carmen Lícia, minha esposa historiadora, a quem Katia ajudou muito nos contatos com bibliotecas, arquivos e historiadores franceses, na fase de pesquisa para sua tese de doutoramento sobre os viajantes franceses no Brasil, nos primeiros séculos da colonização.
Nos muitos encontros que tivemos em Paris – e depois, em visitas ocasionais – falávamos sobre tudo, especialmente sobre a Bahia, onde ela tinha vivido por longos anos e onde tinha dado aulas de história nas universidades federal e Católica de Salvador, e que tinha sido o objeto de sua monumental tese de Doctorat d’État (apresentada a uma banca respeitável em 1986), feita num modelo braudeliano e abordando a história social e econômica da mais importante província do Império. A tese foi mais tarde traduzida do francês e publicada pela Nova Fronteira (1992), como Bahia Século XIX: Uma província no Império, tendo sido muito bem acolhida pela crítica especializada, como a mais perfeita tradução da metodologia da escola dos Annales aplicada ao Brasil. De fato, esse trabalho condensa o que de mais importante se pesquisou e se escreveu sobre a Bahia nos planos antropológico, social, econômico e político, a partir de pesquisas de arquivo e de farto material secundário. Mas ela ficou mais famosa bem antes, talvez, pelo seu Être Esclave au Brésil (diversas edições em várias línguas), que renovou metodologicamente os estudos nessa área.
Ainda mais importante, provavelmente, foi seu trabalho como professora e orientadora de dezenas de estudantes brasileiros e estrangeiros, em todos os cursos de que foi responsável ou de que participou, na Bahia e na França. A cadeira de História do Brasil na Sorbonne foi criada especialmente para ela, tanto em homenagem ao seu trabalho, quanto em reconhecimento a seus esforços para elevar a qualidade e o padrão dos estudos brasileiros na França. Esta área estava anteriormente entregue a mestres franceses que, certamente, conheciam o Brasil e que aqui tinham vivido, mas que não tinham a sua sensibilidade de baiana e de brasileira para interpretar as peculiaridades de nossa trajetória histórica com o instrumental analítico francês e com o conhecimento profundo dos documentos e da sociedade brasileira. Essa cadeira, depois de sua aposentadoria da Sorbonne, passou aos cuidados do historiador Luís Felipe de Alencastro, que também conhece profundamente os arquivos brasileiros, africanos e a escola histórica francesa. Lembro-me de seminários na Sorbonne em que os dois pontificavam sobre episódios relevantes de nossa história passada e presente.
Ela deixou muitos netos, e bisnetos, no Brasil e na Grécia, e muitas saudades nos seus muitos amigos em três ou quatro continentes. Ela faleceu em 11 de janeiro de 2011, em Paris, França, aos 78 anos, e foi enterrada na tumba da família, em sua Grécia natal. A Revista Brasileira de Política Internacional orgulha-se dela ter aceitado integrar seu Conselho Editorial, e rende aqui uma homenagem modesta, mas sincera, a uma de nossas maiores historiadoras. Um livro em sua homenagem tinha sido organizado por um dos membros de sua banca de doutorado, de fato seu orientador, François Crouzet, e publicado na França quase dez anos atrás. Seus colegas professores da Universidade Federal da Bahia, da qual ela ostenta o título de Doutora Honoris Causa, poderiam organizar um novo volume em sua homenagem.

Brasília, 17 de maio de 2011

Existe democracia e ilusocracia, na China - Claudia Trevisan

Democracia e eleições com ‘características chinesas’
por Cláudia Trevisan
Blog Estadão, 16.maio.2011

“Esta é uma eleição do Partido Comunista e não uma eleição americana”. A frase foi dita por um policial na semana passada no momento em que ele comandava a prisão de Liu Ping, desempregada e candidata independente ao Conselho de Representantes de sua cidade, na província de Jiangxi. Seu crime foi fazer campanha durante a eleição, algo absolutamente banal em vários lugares do mundo, mas inconcebível na “democracia com características chinesas”. Liu foi carregada pelos policiais e teve sua casa vasculhada.
Advogados chineses ressaltaram que não há nada na legislação do país que proíba candidatos de divulgarem seus nomes e propostas, mas o que menos conta quando os interesses do Partido Comunista estão em xeque é o que diz a lei.
A infeliz frase do policial se transformou de maneira instantânea em um hit da versão chinesa do Twitter, que é bloqueado no país. Chamada de Weibo (microblog), a ferramenta do site Sina tem 140 milhões de usuários registrados e, apesar da censura, se transformou em um importante canal de denúncia contra abusos de poder por autoridades desde que foi criado, em 2009.
É claro que o Weibo também está sujeito aos limites oficiais, o que se reflete no fato de que a frase “Esta é uma eleição do Partido Comunista e não uma eleição americana” foi deletada pelos censores e não podia mais ser encontrada ontem. Mas o nome “Liu Ping” continuava popular e havia se transformado em um símbolo da defesa dos direitos de voto dos cidadãos.
Contra todas as evidências, os líderes chineses repetem com frequência que seu país é uma democracia, diferente da ocidental, mas uma democracia. Entre os argumentos que utilizam estão os de que existem outros partidos além do Comunista (dos quais ninguém nunca ouve falar) e que há eleições para todos os órgãos de base da sociedade (realizadas em circunstâncias que restringem a liberdade de escolha dos eleitores, como os fatos recentes demonstram).
A mensagem implícita em “Esta é uma eleição do Partido Comunista e não uma eleição americana” é a de que nenhum resultado que contrarie os interesses dos ocupantes do poder é admissível. Os eleitores não precisam saber em quem estão votando, não há apresentação de propostas e tudo é absolutamente controlado pelo governo, que na China se confunde com o Partido. No fim, são “eleitos” aqueles previamente escolhidos pelos comunistas, que deixam mais uma vez clara sua falta de disposição para afrouxar o controle sobre o sistema político chinês.
Quanto a Liu Ping, ela continuava presa ontem, sob a suspeita de “esconder material de propaganda perigoso”, supostamente o mesmo que ela distribuía abertamente na porta do supermercado onde foi detida. A polícia revistou sua casa, confiscou o material “perigoso” e dois celulares. A eletricidade e a conexão de internet do local foram cortados.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Viagra gratis no FMI, mas nem sempre dá certo... Strauss-Kahn que o diga

Os últimos pacotes de "estímulo" do FMI incluíam algumas pílulas azuis, mas nem sempre dá certo: a Grécia que o diga. Portugal vai pelo mesmo caminho, embora por razões distintas.
Melhor ficar com aquelas receitas eróticas chinesas...
Paulo Roberto de Almeida

News analysis
The arrest of Dominique Strauss-Kahn
No he Kahn’t (updated)

The Economist, May 16th 2011, 17:49 by S.P. and Z.B.

PARIS and WASHINGTON, DC - EVERYTHING was in place to enable Dominique Strauss-Kahn, the IMF head, to declare next month his candidacy for the Socialist primary, ahead of French presidential elections next year. Polls consistently showed that he was the most popular Socialist candidate, and the best placed to beat President Nicolas Sarkozy in a run-off. But Mr Strauss-Kahn’s arrest on May 14th in New York, for an alleged sexual assault, has thrown all those plans in the air, and looks almost certain to wreck his political future.

Mr Strauss-Kahn was arrested when he was already aboard an Air France plane at Kennedy International Airport, just minutes before it was due to take off. New York police said he was charged with “a criminal sexual act, attempted rape, and an unlawful imprisonment in connection with a sexual assault” on a chambermaid in a Manhattan hotel. Reports suggested that Mr Strauss-Kahn had left his hotel room in a hurry. His lawyer, Benjamin Brafman, told Reuters that his client would plead not guilty.

The news has rocked the political class in Paris. Martine Aubry, the Socialist Party leader, called it a “thunderbolt”. Others talked of a “cataclysm”. Even were Mr Strauss-Kahn to be cleared eventually of the charges, the prospect of a court case and the intense scrutiny of his private life would make it virtually impossible for him to return to France to fight a primary. Already, in 2008, he faced an internal IMF investigation into an affair with a fellow member of staff. In the end, the fund concluded that Mr Strauss-Kahn had not abused his position, but he accepted their view that he had made “a serious error of judgment”. His wife, Anne Sinclair, a popular and well-known French television journalist, stood by him. The Fund's decision then to keep him on now looks timid and ill-judged.

Even before this latest shock, it was becoming clear that the French presidential campaign was set to be a nasty exercise in low politics. Over the past week or so, doubtless fed by the political right, the French media has been filled with reports about Mr Strauss-Kahn’s lifestyle, complete with photographs of his pad in Marrakech and swanky Paris flats. A picture of him getting into a Porsche, belonging to an adviser, set off a fierce and tortured French debate about whether it is possible to be left-wing and rich.

All of this, however, pales in comparison with news of the charges of sexual aggression. The French are well-known for shrugging their shoulders at their politicians’ private lives, and consider affairs to be de rigeur for political leaders. But sexual violence is an altogether different matter. If the charges are proved correct, the tragedy is that Mr Strauss-Kahn was in all other ways a strong and attractive candidate, with the international standing and economic authority needed to challenge Mr Sarkozy in 2012. Now, it looks likely that either Ms Aubry, or François Hollande, the party’s ex-leader, will secure the Socialist nomination, after a vote by party supporters this autumn. Without Mr Strauss-Kahn, the French Socialists’ chances of winning next year’s presidential election, for the first time since 1988, have not collapsed—but the race suddenly looks far more open.

Whatever the fall-out on French politics, Mr Strauss-Kahn's arrest has left the IMF reeling. One insider called it a “disaster”. Although he had been expected to leave within a couple of months, Mr Strauss-Kahn, unless quickly exonerated, will now presumably be forced out far sooner.

That leaves the fund without a political heavyweight at the top in the midst of important negotiations with European policymakers over Greece’s debt crisis. Mr Strauss-Kahn was due to meet with Germany’s Chancellor Angela Merkel today and attend a crucial meeting of Euro group finance ministers on May 16th. At those meetings the fund’s boss was to make clear that the IMF would not go along with more dithering or fudges over Greece’s debt mess. Europe would have to come up with more money for Greece fast, or its debt will need to be reprofiled. Even if the fund sends another messenger, its heft in the euro debt mess is significantly diminished without a heavyweight at the top.

If Mr Strauss-Kahn goes, the fund’s first deputy managing director, John Lipsky, would take charge. Not only does Mr Lipsky lack Mr Strauss-Kahn’s (erstwhile) political stature, he is himself a bit of lame-duck: only three days ago, on May 12th, Mr Lipsky announced that he planned to leave in August. In a short statement released on May 15th, the IMF’s spokeswoman had no comment on Mr Strauss-Kahn’s arrest, but said that “The IMF remains fully functioning and operational.” That may be true. But there are going to be some gaping holes at the top.

UPDATE May 16th 17:50 GMT Mr Strauss-Kahn has been remanded in custody until his next appearance in court, scheduled for May 20th. A New York judge denied him bail on the grounds that he posed a flight risk. Meanwhile, French radio has reported that Mr Strauss-Kahn's lawyers plan to mount a defence based on evidence showing that their client was having lunch with his daughter when the attempted rape is alleged to have taken place. But there have also been reports that the New York police now say the incident took place earlier than was originally reported.

Another troubling development for Mr Strauss-Kahn is the possible revival of an earlier sexual-assault claim. David Koubbi, a lawyer for Tristane Banon, a 31-year-old French writer, says she may file a criminal complaint against Mr Strauss-Kahn relating to an alleged incident in 2002. At first Ms Banon supposedly did not press charges on the advice of her mother; Mr Koubbi says she now believes her case will be taken more seriously.

A frase da semana, talvez do ultimo meio século... -- Oscar Niemeyer

Eu acho esse arquiteto um completo idiota: um stalinista que provavelmente só faz isso, ou seja, elogiar o comunismo de Stalin, de Mao e de Fidel, por idiotice mesmo, não por acreditar que eles sejam geniais. Se ele acredita nisso, então é um idiota maior ainda do que já o considero.
Eu também o considero um arquiteto medíocre: ele tem alguns traços, alguns, apenas, que podem até ser bonitos, mas são poucos, e geralmente dentro daquela porcaria que ele desenha, não se consegue viver, ou trabalhar (mas para isso ele não se importa), em paz; ao contrário; suas concepções são completamente disfuncionais, antiecoloógicas, desperdiçadoras de energia, perigosas, enfim, um desperdício de aço, cimento e vidro, para coisas inúteis (e caras). Todas as universidades que ele desenhou são horríveis: luz artificial, quentes, horríveis, por dentro e por fora.

Enfim, depois de falar bastante mal desse idiota completo, tenho de concordar com ele:

"Na verdade quem projetou Brasília foi Lúcio Costa. Eu fiz uns prédios e avisei que aquela merda não ia dar certo."

Oscar Niemeyer

Bem, por uma vez ele acertou. A frase nem é da semana: vale pelos últimos 51 anos desde a inauguração de Brasília (mas ela torrou dinheiro por quatro anos antes disso).
Mas esse idiota não se arrependeu, ainda. do que fez.
Desejo que ele reencarne como um escravo egípcio, daqueles que construíam pirâmides...

Paulo Roberto de Almeida

O falar dificil e a destruicao da civilizacao -- Reinaldo Azevedo

O título acima é meu, o do Reinaldo Azevedo segue abaixo, antes de seu artigo, sempre iracundo, sempre furibundo, contra os ignorantes e os incompetentes que nos (des)governam. Concordo com ele. Esse pessoal que se apossou de certos comandos em Brasília -- como se tomassem uma fortaleza da burguesia -- pensa que deve desmantelar tudo o que encontram pela frente, sobretudo porque se trata do ancien régime, do neoliberalismo e outras bobagens do gênero.
Eles são ignaros, mas não sabem. E até se orgulham de sua ignorância. Afinal de contas, um chefe sindical chegou à presidência sem precisar ter diploma, como dizia ele (o que não tem nenhuma importância), mas sobretudo se vangloriando de não ler: "ler é chato", dizia o energúmeno, e com isso destruindo vocações de pequenos leitores pelo Brasil afora e pelo futuro adentro...
Como já disse algumas vezes, sou moderadamente pessimista quanto a nosso itinerário futuro no plano econômico -- acho que vamos continuar com essas taxas medíocres de crescimento, as que nos permitem um Estado extrator, que arranca 40% do PIB e só investe 1% do que arrecada --, mas eu sou, faço questão de CAPSIZE, ABSOLUTAMENTE PESSIMISTA QUANTO AO FUTURO IMEDIATO, DE MÉDIO E TALVEZ ATÉ DE LONGO PRAZO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA. Acho que estamos caminhando para pior, e rapidamente, ou seja para a mediocridade total e absoluta com esses debilóides que orientam a já horrível educação brasileira.
Acho que fui suficientemente pessimista, vocês não acham?
Paulo Roberto de Almeida

Eles odeiam é a civilização!
Reinaldo Azevedo, 15/05/2011

Escrevi ontem um post post sobre o livro didático de língua portuguesa “Por Uma Vida Melhor” — não, não é a 539ª obra de Gabriel Chalita. Como ficou evidenciado, trata-se de um repto contra a norma culta. Seus autores sustentam que “é importante que o falante de português domine as duas variantes e escolha a que julgar adequada à sua situação de fala”. Uma das variantes é o “erro”. Assim, tem-se que, para esses valentes, há situações em que ele é preferível ao acerto. Só se esqueceram de considerar que, afinal de contas, cada usuário da língua pode errar à sua maneira.

Alguns bobalhões, achando que sou do tipo que se intimida com o fácil falar difícil, vêm me “informar” — vontade de gargalhar! — sobre os modernos estudos da “sociolingüística” (a minha ainda com trema), que eu teria ignorado no meu comentário. Essa gente vive na bolha de plástico de certos grupelhos universitários e está convicta de que, de fato, conhece o mundo. Quem não partilha de sua mesma loucura estaria desinformado. Qual é, manés? Conheço muito bem esse debate. Não tentem misturar as estações.

Uma coisa é entender por que a fala “inculta” do povo — e ninguém, com efeito, se expressa perseguido por um manual de gramática — é eficiente, funciona, comunica; outra, diferente, é sugerir que as variantes são só uma questão de escolha e que a norma culta é uma imposição do preconceito lingüístico, determinado — não se fala o nome, mas está subjacente — pela luta de classes. Trata-se de uma tolice, de uma falsa questão.

Um certo Jair afirma: “O autor [eu!!!] deveria, antes de sair enaltecendo a norma culta, perceber quantas vezes deixa de dizer os ’s’ nos plurais ou os ‘r’ nos verbos no infinitivo, para ver como funciona isso de ‘falar errado’. Mais: preconceito deste tipo é, para mim, tão detestável quanto o racial ou o de gênero.” Coitado do Jair — ou coitados dos alunos do Jair! Ele não entendeu nada! Eu exalto, sim, a norma culta como uma necessidade… normativa, se me permitem a tautologia. Ninguém defende que o sujeito tenha cassados seus direitos constitucionais por falar ou escrever errado.

A questão não diz respeito a direitos, energúmenos!, mas a oportunidades. Em qualquer lugar do mundo — Brasil, Cuba ou Suécia —, o pleno domínio da língua oficial acaba selecionando pessoas para determinadas atividades. Vale até para a China, que tem o mandarim como o idioma da administração do estado. Assegurar aos estudantes — que já falam e escrevem segundo os ditames de seus próprios erros e pautados por ignorâncias específicas — que os níveis de linguagem são equivalentes e que se está diante de uma questão de escolha corresponde a uma mentira, que será desmentida pela vida. Ocupar uma única aula que seja com esta bobagem, em vez de lhe ensinar análise sintática, constitui um crime contra a educação.

A quem interessa esse debate sobre preconceito lingüístico, níveis de linguagem, eficiência da comunicação e afins? Aos estudantes? Não! Isso é, e deve ser, preocupação de especialistas, inclusive os do ensino. Se um professor consegue identificar os erros mais freqüentes de seus alunos — tendo a norma culta como referência —, se consegue caracterizá-los, entender a sua natureza, então se torna certamente mais fácil ensinar a, vá lá, língua oficial.

O país vive um fenômeno terrível. A escola era um privilégio, expressão óbvia da injustiça social, o que condenava o país ao atraso. Era para poucos, mas, sabe-se, eficiente naquele pequeno universo. A necessária massificação trouxe consigo a perda da qualidade. Uma escola universalizada é necessariamente ruim? Não! Mas, para ser boa, precisa operar com critérios muito rígidos de seleção de mão-de-obra e de avaliação de desempenho dos professores — além, obviamente, de contar com infra-estrutura adequada. Não temos nada disso.

A “democratização” do ensino só faz sentido e só será útil aos mais pobres se estes puderem ter acesso aos códigos da cultura que ditam as escolhas relevantes que se fazem no país. Ninguém nega que os milhões de brasileiros que se apropriam da língua à sua maneira sabem se comunicar e até descobrem modos muito criativos de fazê-lo. Mais: sabem os especialistas que a mais errada expressão de uma língua conserva intocada a sua estrutura profunda. Mesmo o discurso dos loucos obedece a certas regras. Levar esse debate à sala de aula é uma tolice, uma perda de tempo, uma estupidez.

Uma das marcas históricas do Brasil é a unidade lingüística — e sempre soubemos lidar bastante bem com as diferenças, sem que prosélitos tenham de transformá-las numa teoria do poder. Ainda hoje, quando especialistas mundo afora pensam as condições objetivas dos países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), essa unidade distingue positivamente o nosso país. Ah, não se de depender dos autores do livro “Por Uma Vida Melhor”. Para eles, o ensino da língua portuguesa se confunde com uma imposição de classe.

Não deveríamos estar expostos a essa picaretagem, mas estamos. Chegamos a esse debate miserável depois de três décadas de militância ativa do petismo nas universidades e nas escolas. Já escrevi aqui outro dia e reitero: nem se pode dizer que foi o velho marxismo que fez isso com a inteligência brasileira. Essa boçalidade, acreditem, nem mesmo marxista é. O antigo comunismo conjugava com a sua vocação homicida a crença num novo homem, que desfrutaria dos bens da civilização quando se libertasse da opressão dos burgueses e aristocratas. Essa gente que hoje dá as cartas na educação tem um ódio muito mais perverso e devastador do que o ódio de classe: ela odeia é a civilização propriamente dita..

Para essa canalha, o homem se perdeu definitivamente quando passou a andar com a coluna ereta. A partir daquele momento, estava destinado a devastar a natureza e a criar normas, inclusive as da linguagem, que só serviriam à opressão.

Os direitu dus homi (segundo a nova ortografia oficial...)

Desculpem o excesso de complexidade no título, mas espero que esteja ao alcance das novas redatoras de livros oficiais de Português para os programas do MEC, na parte do vernáculo, ou seja, a língua oficial do Brasil.
Caso não esteja ao alcance das pedagogas do MEC, eu posso tentar flexibilizar mais um pouco, torturando nossa última flor do Lácio, que está cada vez mais inculta e não é mais bela.

Mas, tenho de pedir desculpas a meu amigo Carlos Pio, por transcrever seu belo artigo com uma introdução tão melancólica...
Paulo Roberto de Almeida

A política internacional, o Brasil e os direitos (dos) humanos
Carlos Pio
Ordem Livre, 15 de Maio 2011

Entre os principais temas da política internacional contemporânea, destacam-se claramente segurança e combate ao terrorismo; governança econômica e o equacionamento da crise financeira; mudança climática e o estabelecimento de padrões ambientalmente sustentáveis de produção e de consumo. Todos são temas de natureza transnacional – não só porque afetam muitos países ao mesmo tempo (ou todos, no limite), mas porque sua solução requer a cooperação de todos nós que habitamos o condomínio planetário. Há várias dificuldades para construir diagnósticos precisos, esboçar alternativas de intervenção e determinar como repartir os custos e benefícios da opção escolhida. Por isso, não há como esconder o caráter político das discussões multilaterais desses assuntos.

Este difícil contexto internacional ainda é marcado pelas incertezas que derivam da flagrante deterioração da unipolaridade que caracterizou as relações internacionais no imediato pós-Guerra Fria. Não há dúvida alguma entre os principais analistas quanto à manutenção, ainda por muito tempo, do poderio econômico, militar e cultural dos Estados Unidos – de fato a única superpotência. Mas ninguém é ingênuo para sugerir inexistirem sinais tanto de declínio do poder norte-americano quanto do surgimento de novas potências – algumas globais, outras regionais – que, se não afrontam os Estados Unidos e a ordem liberal por ele construída no imediato pós-Segunda Guerra, tampouco se alinham a eles, como haviam feito as nações da Europa Ocidental (notadamente Inglaterra, França e Alemanha) e o Japão, naquele mesmo período..

China, Rússia e Índia são as únicas potências emergentes com capital político para movimentar peças importantes nos tabuleiros militar e econômico – detêm arsenal nuclear e têm enormes recursos produtivos sub ou desempregados, o que lhes permitirá crescer a taxas muitos elevadas se seus governos persistirem no caminho das reformas estruturais. A China, em particular, já tem o status de potência econômica global em razão de sua importância comercial, produtiva e financeira. A Indonésia tem importância estratégica por ser o maior país muçulmano do mundo. Por isso, mesmo estando numa região muito próxima da China, escapa à sua influência. Egito e Israel têm relevância porque formaram uma aliança velada que funcionava como força de estabilização de uma região turbulenta por natureza e essencial para os Estados Unidos, por razões de política interna (o lobby pró-Israel) e externa (segurança e estabilidade dos países produtores de petróleo). Desde que tiveram início as manifestações em Tahir Square que derrubaram o presidente Mubarak, estão em suspenso tanto a continuidade dos termos que deram sustentação a essa aliança quanto a certeza de que o novo governo egípcio se manterá disposto e capaz de desempenhar o mesmo papel estabilizador na região. Irã e Coreia do Norte têm sido capazes de atrair a atenção da comunidade internacional mais pela disposição de seus governos de sacrificar o bem-estar de parcelas significativas de suas respectivas populações com o propósito de produzir a Bomba, do que pelo poder de desestabilizar o seu entorno.

A emergência do Brasil ao grupo das potências regionais se dá, essencialmente, por três razões. A primeira, menos importante, é econômica. O PIB tem crescido um pouco mais do que no passado, o país é líder na produção de alguns gêneros particularmente importantes para a economia internacional – carnes, minérios e grãos – e, por isso, o crescimento do Brasil não deixa de ser bem-vindo para a comunidade internacional. No entanto, por ser um país de renda média, o potencial de crescimento econômico do Brasil é limitado – são poucos os recursos físicos e humanos desempregados, o que explica em parte taxas menores quando comparadas às dos países mais pobres citados acima. Para crescer mais será cada vez mais fundamental encontrar formas de elevar a produtividade, e isso depende da consecução de reformas institucionais politicamente complexas, que viabilizem a absorção no país de inovações geradas no exterior, que promovam investimentos privados em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento e que ampliem os mecanismos de formação de capital humano (educação, saúde, capacitação e treinamento de trabalhadores).

A segunda razão que explica a ascensão do Brasil é de natureza político-cultural: o papel potencialmente importante que o país pode vir a desempenhar no processo de superação do atraso econômico e social em nossa área de influência – América do Sul (exceto Chile e Colômbia, já mais próximos dos Estados Unidos que do Brasil) e a comunidade africana de países de língua portuguesa. Esse papel está ameaçado, especialmente na África, pela entrada pesada do governo da China como comprador de commodities e, principalmente, como financiador e executor de obras de infraestrutura para viabilizar a expansão daquelas compras.

A terceira razão é a capacitação instrumental do corpo diplomático brasileiro, que tem sido capaz de desempenhar papel de agregação de interesses e liderar coalizões de países periféricos em diferentes arenas multilaterais e regionais. No entanto, o peso do Brasil tem sido mais relevante para vetar do que para construir saídas negociadas para impasses no seio da comunidade internacional. E isso não apenas desagrada os mais poderosos e seus aliados, mas também aumenta o desencanto com o funcionamento do sistema internacional dos que seguem as posições do Brasil. Afinal, mantém-se o status quo. Em suma, bloqueamos, mas não construímos saídas viáveis que ampliem a legitimidade e a eficácia das instituições internacionais para lidar com novas e antigas questões.

Essa rápida análise de aspectos estruturais, substantivos e conjunturais da política internacional contemporânea apresenta um claro desafio para o Brasil. Com vistas a consolidar e, eventualmente, ampliar os fundamentos de seu poder, a política externa brasileira (PEB) precisa estabelecer uma ponte mais efetiva entre o doméstico e o externo (seu eixo vertical); outra ponte entre o país e seus vizinhos; e uma terceira ponte vinculando o país às demais potências regionais e com os Estados Unidos e a China (seu eixo horizontal). Para tanto, os fundamentos tradicionais da PEB precisam ser profundamente alterados.

Na última década verificou-se a surpreendente convergência ideológica na formulação da PEB entre petistas, de um lado, e os membros da Casa de Rio Branco, notoriamente detentora de tradição terceiro-mundista de pensamento, por outro. Dela derivou uma agenda irrealista – a obtenção de um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas – a qual foi perseguida por meio de uma estratégia demasiadamente custosa para o país, tanto em termos políticos quanto econômicos. Refiro-me à expansão desmesurada e esquizofrênica dos tentáculos do país no tabuleiro geopolítico global, via (a) abertura de embaixadas em mais de 30 países (nos tornando um dos cinco maiores países do planeta em número de embaixadas); (b) estabelecimento de vínculos políticos com governos autoritários, especialmente na África, insignificantes tanto do ponto-de-vista econômico como político na esfera multilateral, os quais envolveram diretamente a figura do nosso ex-presidente; (c) aceitação e mesmo incentivo ao aprofundamento dos choques político-ideológicos em vários países vizinhos – Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador, Peru, Honduras e Nicarágua – numa direção que cada vez mais os afasta dos padrões de modernidade política e econômico-financeira que o Brasil diz professar internamente; (d) tentativa de envolver o país como mediador de conflitos estruturantes da política internacional contemporânea – alguns com raízes históricas profundas – em relação aos quais jamais o Brasil teve qualquer interesse ou legitimidade para atuar, como os casos do acordo nuclear negociado com o Irã, em parceria com a Turquia, e o que envolvia palestinos e israelenses; entre outros de menor envergadura.

Ao mesmo tempo em que a diplomacia brasileira – envolta num novo arranjo doméstico de forças em que o presidente dispunha de um assessor internacional do seu partido, com muitos poderes e atribuições normalmente monopolizados pelo Itamaraty – envolvia o país e o presidente em terrenos movediços, mantinha também uma linha de atuação condizente com seu estoque de tradições. Estas estiveram voltadas aos propósitos simultâneos de (a) promover a paz mundial e os direitos humanos por meio da doutrina da não-intervenção, quase sempre usada como justificativa para o país se abster ou se contrapor a iniciativas da comunidade internacional efetivamente interessadas em estancar violações de direitos humanos e/ou integridades territoriais; (b) liderar coalizões de países pobres e em desenvolvimento – o alardeado Sul –, supostamente em prol do desenvolvimento econômico, as quais tenderam a contar com maior poder de veto que de construção de saídas para eventuais conflitos de interesse, conforme já mencionado; (c) contrabalançar o poderio norte-americano, tanto no subcontinente quanto, o que é ainda mais recente, no globo.

Essa tradicional agenda é inconsistente tanto internamente quanto em relação à dinâmica do mundo contemporâneo e à posição que nela ocupa o Brasil. Sua inconsistência interna deriva do fato de que sendo os direitos humanos essencialmente individuais – pois só os indivíduos são humanos – qualquer princípio que limite a legitimidade de ação da comunidade internacional para garantir-lhes onde sejam violados atenta contra sua universalidade. E é justamente esse papel de obstáculo à efetiva universalização dos direitos civis – vida, liberdade e propriedade – que o princípio da não-intervenção desempenha. Ao esposá-lo, a PEB abre mão de uma consistente defesa dos direitos humanos. Outra dimensão de inconsistência da agenda brasileira está no próprio modelo de desenvolvimento alardeado por nossas elites: centrado numa perspectiva estruturalista anacrônica, ele defende em fóruns internacionais a liberdade dos governos nacionais para planejar a atividade econômica em substituição do mercado, impondo perdas substanciais de bem-estar à maioria de suas sociedades, mais especialmente aos pobres. Para o Brasil, o requisito do desenvolvimento vem em detrimento da preponderância da democracia (direitos políticos) e do primado do consumidor na política e na regulação econômica. Com isso, defende um modelo concentrador da renda e fadado ao fracasso, como foi o caso do modelo de industrialização por substituição de importações seguido em nosso subcontinente.

Uma agenda de desenvolvimento compatível com a expansão de direitos humanos requer, portanto, que se revise a prioridade atribuída ao modelo westfaliano das relações internacionais – em que o estado é o único ator legítimo – em prol de outro em que os indivíduos e suas associações civis assumam maior centralidade entre as preocupações da comunidade internacional.

E é justamente esse aspecto que nos remete à inconsistência da agenda da PEB em relação à dinâmica do mundo contemporâneo e ao papel que nela desempenha o Brasil. O mundo já é pós-westfaliano, ou seja, a política e a economia internacional são crescentemente dominadas por questões que expressam o crescente reconhecimento de que os indivíduos nascem dotados de um conjunto de direitos universais (civis); que os sistemas políticos devem se ajustar a esse entendimento por meio da realização de reformas institucionais visando assegurar um conjunto crescente de direitos de expressão, organização e participação política; e que os países precisam construir instituições que promovam a interdependência econômica, a qual aumenta o leque de escolhas abertas aos cidadãos, beneficiando seu bem-estar.

Ao negar a obviedade desses fatos, os formuladores da PEB ampliam o fosso que os separa (a) da população brasileira – que deseja consumir produtos e serviços da economia global, sempre que forem mais baratos e de melhor qualidade do que os similares nacionais; (b) dos segmentos mais competitivos da nossa economia – que se internacionalizam por convicções próprias por causa das vantagens oferecidas pelo mercado global e não a reboque dos programas de governo; (c) dos setores mais modernos e internacionalizados das economias dos países pobres e em desenvolvimento, assim como de suas populações mais educadas e urbanas – os quais querem mais (e não menos) interdependência com o resto do mundo; (d) do aprendizado de nossa própria história recente, pós-reformas liberais – as quais permitiram os ajustes econômicos necessários ao aumento da competitividade econômica e a estabilidade política de que hoje desfrutamos; (e) da dinâmica das negociações multilaterais e da opinião pública global, que quer a resolução dos problemas pela via da cooperação e não do veto.

E o fosso, assim construído, aumenta a resistência das principais lideranças da política internacional contemporânea à consolidação do Brasil como um ator global capaz de fomentar a cooperação entre governantes e agentes sociais de países estruturalmente muito diferentes – mas não necessariamente separados entre Norte e Sul como a diplomacia brasileira nos induz a encará-los.

A preparação para o desempenho desse papel exige o reconhecimento de que a proteção de um conjunto de direitos humanos, indissociáveis dos indivíduos – independentemente de sua localização geográfica ou nacionalidade –, está se estruturando como um dos eixos da política internacional. Após reconhecê-lo, caberá aos formuladores da política externa brasileira rever todos os princípios e tradições do Itamaraty com vistas a promover maior eficácia e eficiência na representação dos interesses da maioria da população brasileira num cenário internacional em profunda transformação.

Carlos Pio é doutor em Ciência Política, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Professor Titular do Instituto Rio Branco e autor do livro Relações Internacionais – economia política e globalização (Brasília, Funag/Ibri, 2001).

Dois pesos, dois procedimentos, duas eticas, pouca moral...

Acabo de ouvir, nas notícias de rádio, duas pérolas absolutamente representativas do que podem ser, aqui e lá fora, os comportamentos dos agentes públicos encarregados de zelar pela moralidade e até pelo respeito às leis.

Nos Estados Unidos, a juiza encarregada da primeira audição no já famoso caso de assédio sexual -- tentativa de estupro, ao que parece -- do Diretor-Gerente do FMI, Dominique Strauss-Khan, contra uma simples camareira do hotel em que ele se hospedou na última sexta-feira: ela indeferiu liberação sob fiança sob risco de que o indiciado se evadisse para a França. Muito bem.
(Tratei desse caso aqui abaixo, num post que tem a ver com Law & Order: Special Victims Unit.)

Pois bem: no Brasil, a Comissão de Ética (acho que deveriam mudar o nome, para algo mais aceitável, ou mais conforme a realidade) do governo federal disse que não vai investigar o caso do Ministro-Chefe da Casa Civil Antonio Palocci -- que enriqueceu 20 vezes nos últimos quatro anos -- porque não houve denúncia, e tudo não passou de notícias de jornal.

Se é por falta de denúncia, não tem problema: apresento aqui mesmo a minha, agora.
Posso provar que com os seus rendimentos de parlamentar, mais os de quaisquer serviços de consultoria que ele tenha exercido, de conformidade com a lei (ou seja, devidamente declarados em sua folha fiscal), seria impossível ele ter tudo aquilo em condições normais.
Se foi realmente pago por consultoria, deve ter havido um "plus" que caberia justamente investigar.
Se a Comissão de Ética do Planalto se recusa a fazer qualquer investigação, ela deveria mudar de ramo, fechar a barraca, declarar-se inepta, whatever...

Vou fazer uma previsão, o que raramente faço, pois não gosto de apostas: o ministro Palocci cai em três meses...
Paulo Roberto de Almeida

Ritmos latinos: depacito, hermanito...

Não, não estou me referindo a nenhum novo ritmo de música ou de dansa regional, ainda que integracionista, caso no qual o compasso seria obviamente mais rápido, como a salsa, a cumbia, o samba, até a lambada.
Estou me referindo ao ritmo de aprovação dos atos internacionais contraídos pelos países membros do Mercosul.
A Comissão Parlamentar Conjunta, e agora o Parlamento do Mercosul foram criados justamente para acelerar os trâmites legais para a entrada em vigor dos acordos assinados entre os membros.
Vejam a data de aprovação destes aqui:


• PDS 641/2010: que aprova o texto do Acordo sobre Tráfico Ilícito de Migrantes entre os Estados Partes do Mercosul, feito em Belo Horizonte, em 16 de dezembro de 2004, com as correções contidas no texto da Fé de Erratas ao Acordo, assinado em 28 de junho de 2007.

• PDS 640/2010: que aprova o texto do Acordo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais entre os Estados Partes do Mercosul, a República da Bolívia e a República do Chile, aprovado pelo Conselho de Ministros do Mercosul, em Buenos Aires, em 18 de fevereiro de 2002.

Venga, hermano, vamos a bailar...

Roteiristas de Law & Order: o diretor do FMI como caso para o Special Victims Unit

Em New York, ainda por cima. Tem tudo a ver.
Vocês não podem perder o caso mais espetacular que se apresentou, de graça, para servir de "case study" para um próximo Law & Order com todos os componentes da série.
E vocês talvez ainda podem ajudar a polícia de NW a solucionar alguns casos misteriosos que ocorreram naquela cidade: basta conferir os casos no calendário, com a agenda oficial do diretor-gerente do FMI, cada vez que esse fauno passava pela cidade...

REVIEW & OUTLOOK
The Strauss-Kahn Charges
The Wall Street Journal, MAY 16, 2011

The stunning sexual assault case against the French IMF chief

The arrest of Dominique Strauss-Kahn on charges of sexually assaulting a hotel cleaning woman in New York City is a personal humiliation for the French politician, but it is also a black mark on the International Monetary Fund that chose to overlook his previous sexual behavior. It will be fascinating to see how the grandees of French and international financial politics handle this one.

Mr. Strauss-Kahn is entitled to the presumption of innocence, and his attorney says he will plead not guilty. Some in the French press and even a French government minister are suggesting that the 62-year-old Socialist Party panjandrum may have been set up by his rivals. The charges are stunning enough—and French politics is strange enough—that we suppose anything is possible, but such a conspiracy would have to include a large number of players.

The facts of the case as reported by New York police so far do not look promising for the IMF managing director. The woman who entered to clean the Frenchman's $3,000-a-night Sofitel suite at midday on Saturday reported the incident immediately. She told police that Mr. Strauss-Kahn emerged naked from the bathroom, pursued her down a hallway and pulled her into the bedroom. She escaped and he then chased her again and dragged her into a bathroom.

In other words, this is not a case in which misunderstandings about mutual consent are at issue. The charge is the unlawful imprisonment and attempted rape of a vulnerable hotel employee trying to do her job. Police also say that Mr. Strauss-Kahn fled the hotel in a rush, leaving behind his cellphone and other personal items. Police were impressed enough with the facts to take Mr. Strauss-Kahn from the first-class section of an Air France aircraft lest he leave U.S. jurisdiction.

The IMF declined to comment yesterday, but its board should do some soul-searching about the pass it previously gave Mr. Strauss-Kahn. The married Frenchman pursued and had an affair with a senior fund economist not long after taking the top job in 2007. After her husband blew the whistle, the fund board let Mr. Strauss-Kahn off with a wrist slap that he had committed a "serious error of judgment."

The IMF board's forbearance contrasts with the way the World Bank pushed out American Paul Wolfowitz as bank president on the pretext that he had secured a raise for his girl friend, though Mr. Wolfowitz had kept bank officials informed from start to finish and had not violated bank policy. The boards of both institutions are dominated by Europeans, who deployed a double standard for Mr. Strauss-Kahn as one of their own.

Especially pungent in retrospect is the report by a consultant to the board at the time that "going forward" the IMF should consider whether its managing director should be held to a "higher standard of conduct" than the staff. A. Shakour Shaalan, the longest-serving member of the board, announced at the time that he had personally told Mr. Strauss-Kahn that "this should not happen again."

We'll see if those tolerant IMF officials consider the New York charges to be consistent with their admonitions. Yesterday the fund named its number two official, the capable U.S. economist John Lipsky, as acting managing director. Under Mr. Strauss-Kahn, the IMF promoted multiple European bailouts and we doubt that will change.

The charges are roiling France, where Mr. Strauss-Kahn was the favorite to be the Socialist nominee for President next year and was even leading in the polls against Nicolas Sarkozy. The French are legendary for nonchalance toward the sexual appetites of their politicians, and they sniffed at Americans who disapproved of Bill Clinton when he lied under oath about sex. But we doubt even the French will be blasé about assaulting a hotel chamber maid.

Mr. Strauss-Kahn's humiliation would leave the Socialists without a presidential front-runner. It could help Martine Aubry, the party chief and godmother of the 35-hour work week, who remains as hardcore a Socialist as there is these days. That is not a winning platform. Mr. Sarkozy, who supported Mr. Strauss-Kahn's candidacy for the top IMF job in part to get him out of the country, would appear again to be the favorite.

As we neared our deadline Sunday, we heard different views on whether Mr. Strauss-Kahn has diplomatic immunity because he works for an international organization headquartered in Washington. The New York police say he does not. If Mr. Strauss-Kahn is innocent, we assume he'd rather clear his name in court than escape accountability by returning to France. For his sake, for the sake of his accuser, and for the integrity of American justice, the world needs to see that this case is prosecuted transparently and well.

101 comentários, no momento deste post (06h43)