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domingo, 20 de agosto de 2017

Um outro inedito (de 2002): palestra no Instituto Rio Branco - Paulo Roberto de Almeida

Creio que o texto transcrito abaixo -- que nunca foi lido, em sua íntegra, apenas serviu de guia, nem nunca tinha sido publicado -- constituiu meu último pronunciamento formal na academia diplomática brasileira, o Instituto Rio Branco, feito a convite de seu então diretor-geral, embaixador João Almino.
Eu tinha acabado de publicar, ainda servindo em Washington, meu grande "tijolo" de pesquisa historiográfica sobre a formação da diplomacia econômica no Brasil, e não o havia lançado, por estar no exterior. Mas já vinha colaborando com o Instituto Rio Branco, que então recém iniciava seu experimento (que durou dez anos apenas) de "mestrado em diplomacia", do qual eu era, estando no exterior, apenas um "professor orientador", antes de, eventualmente, tornar-me professor.
Lembro-me que nessa ocasião, quando vim ao Brasil, reuni-me separadamente com cinco ou seis "mestrandos", para discutir projetos de dissertação, bibliografia, orientações metodológicas, etc. Aprovei integralmente os projetos, com uma única exceção (mas isso talvez tenha sido um pouco mais tarde): um projeto que se situava na linha do FOCEM do Mercosul, que eu julgo um tremendo erro estratégico do lulopetismo diplomático, pois que implementado bem depois.
Um ano depois dessa palestra aos alunos do Rio Branco, da qual retirei grande prazer intelectual, eu recebi, do diretor-geral do IRBr o honroso convite para ser uma espécie (digo isto porque não havia DAS disponível, uma vez que o novo regime lulopetista havia feito um "rapa-tudo" geral em DAS da Esplanada, para servir aos novos companheiros no governo, certamente) de "coordenador do mestrado do Rio Branco".
Mesmo sem designação formal, pela ausência do já referido DAS, aceitei com satisfação, em vista de minhas naturais inclinações ao trabalho acadêmico e intelectual. Isso deve ter sido em abril de 2003, já sob a vigência, portanto, do novo regime companheiro.
Qual não foi minha surpresa quando, poucos dias depois, o mesmo diretor-geral me telefona a Washington todo constrangido para me anunciar que o "Secretário-Geral do Itamaraty tinha outras ideias a respeito desse cargo que eu viria a ocupar", o que revelava, em todo caso, que o convite estava desfeito e o novo cargo suprimido, ou pelo menos não a mim destinado.
Logo percebi que se tratava de um veto político, em vista de minhas conhecidas posições em diplomacia, e especificamente em relação à "diplomacia" do Partido dos Trabalhadores, que eu já tinha examinado em diversos artigos anteriores, todos de cunho rigorosamente acadêmico.
Dispensei o diretor-geral do IRBr de maiores considerações a respeito, e permaneci em Washington por mais alguns meses, até receber um convite para trabalhar numa "coisa" chamada "Núcleo de Assuntos Estratégicos", vinculado diretamente à Presidência da República. Um dia contarei minha experiência no NAE.
No momento pretendo apenas transcrever um texto que permaneceu rigorosamente inédito, e que se destinava, em princípio a apresentar meu livro "Formação da Diplomacia Econômica no Brasil" (em 1a. edição, agora já caminhando para a 3a.), mas no qual eu ia um pouco mais além, tecendo considerações sobre nossa diplomacia econômica da atualidade.
O registro é puramente histórico.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de agosto de 2017


Palestra proferida pelo
Ministro Conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington

Paulo Roberto de Almeida


DIPLOMACIA ECONÔMICA BRASILEIRA: LIÇÕES DA HISTÓRIA

Instituto Rio Branco
Brasília
2 de abril de 2002, 9:15 hs



Gostaria, antes de mais nada, de agradecer ao Ministro João Almino, Diretor do Instituto Rio Branco e de quem tenho o prazer de ser amigo desde os tempos em que ambos nos ocupávamos de dissertações acadêmicas sobre questões do desenvolvimento político brasileiro, o gentil acolhimento feito a esta idéia de, não propriamente lançar aqui um de meus livros, mas, mais justamente, de abrir esta oportunidade de manter um diálogo com todos vocês, alunos do Rio Branco, bem como com alguns dos demais colegas desta Casa. Um diálogo sobre algumas das lições que eu mesmo aprendi em longos anos de pesquisa sobre os fundamentos da diplomacia econômica no Brasil e sobre como esses fundamentos influenciam ainda hoje, e poderosamente, a forma e a substância de nossas relações econômicas internacionais. Apesar de já ter sido professor de sociologia política nesta Academia Diplomática, no seguimento de outros nomes de prestígio como Marcílio Marques Moreira e o Professor José Carlos Brandi Aleixo, trata-se esta da primeira vez que a ela me dirijo enquanto diplomata, mas sobretudo enquanto pesquisador e como autor.
Ao iniciar esta palestra, que prefiro seja considerada um diálogo com colegas, ainda que diplomatas aprendizes, creio dever explicar, em primeiro lugar, como veio a ser escrito este Formação da Diplomacia Econômica no Brasil, este volume maciço que demorou alguns anos para ser editado e que veio a lume graças ao empenho em tal sentido por parte da Fundação Alexandre de Gusmão, a quem igualmente gostaria de agradecer na pessoa do Embaixador Álvaro da Costa Franco, seu antigo Diretor, antes que a Embaixadora Tereza Quintela viesse a assumir a responsabilidade por essa instituição, sob a qual funciona o Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais, o IPRI, a outra “alma mater” da pesquisa acadêmica e das reflexões diplomáticas de nossa Casa.
Este livro deriva obviamente de meu continuado trabalho como pesquisador, não mais na categoria de sociólogo eventual, mas enquanto historiador aprendiz, em torno dos elementos básicos que moldaram a postura da diplomacia brasileira na frente econômica externa. Na verdade, o projeto não deveria tratar do século XIX, e sim do período contemporâneo, da história mais imediata, pois que foi concebido, num primeiro esquema, no contexto das etapas conclusivas da Rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais. Em 1992 eu tinha traçado um ambicioso programa de trabalho que deveria levar-me a expor criticamente e a discutir os métodos de atuação e os princípios diretrizes da diplomacia econômica brasileira em ação. Elaborado o projeto inicial, traçado um roteiro de pesquisas e redigido dois questionários de entrevistas (um para diplomatas, outro para não diplomatas), coloquei-me em campo para justamente entrevistar os atores, os protagonistas e os formuladores da diplomacia econômica então em ação.
Qual não foi a minha decepção com a escassa reação despertada por aquela minha tentativa de elaborar uma história in the making dessa diplomacia econômica em seu inner functionning. Foram marginais, para não dizer quase nulas, as respostas que obtive às minhas circulares de pedido de informação e de entrevistas. Para ser sincero, recebi, en tout et pour tout, algumas vagas promessas de “conversas numa ocasião futura” e duas únicas respostas a meus questionários, respectivamente de meu atual chefe em Washington, Embaixador Rubens Antônio Barbosa, e do grande jurista, eminente professor de direito internacional público e também diplomata, meu amigo Guido Fernando Silva Soares, hoje chefe do Departamento de Direito Internacional da faculdade do Largo de São Francisco e responsável pela implantação do mais recente curso de graduação em relações internacionais existente no Brasil, o da própria USP.
Duas respostas, convenhamos, não constitui muita matéria-prima como documentos de base para compor uma reflexão aprofundada sobre a diplomacia econômica brasileira contemporânea. Em condições normais, eu teria simplesmente desistido, enfiado a viola no saco e ido cantar em outras freguesias diplomáticas, eventualmente até abandonado minhas digressões acadêmicas em troca de ocupações mais amenas. Não fosse uma vocação docente e de pesquisador já definitivamente entranhada em uma longa carreira de diplomata regular e de acadêmico virtual, eu teria efetivamente desistido de perseverar na busca de documentação primária para sustentar meu projeto de análise da diplomacia econômica brasileira corrente. Abandonei, contudo, as escarpas íngremes do presente pelas planícies mais calmas, ainda que empoeiradas, do passado. Deixei o final do século XX e retornei ao início do século XIX, em busca dos fundamentos da moderna diplomacia brasileira. Fui buscar nas origens de nossa formação enquanto Estado independente as bases conceituais e empíricas de nosso estilo peculiar de fazer diplomacia e sobretudo as razões que explicam nosso estilo próprio de praticar a diplomacia econômica.
Elaborei um novo esquema para este livro quando servia em Paris, em 1993, e me coloquei imediatamente em marcha, retomando as notas que já havia elaborado de antigas leituras dos velhos relatórios da antiga Repartição dos Negócios Estrangeiros a partir de 1831 e até o início da República. Ao mesmo tempo mergulhei na leitura de vasta bibliograia secundária sobre esse período, com um critério porém: afastei deliberadamente as “interpretações” já elaboradas sobre a diplomacia brasileira do século XIX, novas ou velhas “histórias diplomáticas”, pois pretendia elaborar minha própria interpretação desse período, a partir da matéria prima dos fatos, não da análise de autores contemporâneos. Selecionei, em contrapartida, todas as obras sobre a economia do Império e do sistema econômico mundial nessa época, ademais de toneladas de dados brutos e de elementos fatuais e quantitativos, a exemplo de tabelas estatísticas e de listas de acordos internacionais e de outros documentos primários.
De volta ao Brasil, mergulhei na leitura dos relatórios do ministério da Fazenda, estes desde 1823, e de alguns outros documentos do Império, como as falas do Imperador, por exemplo, ademais da leitura, em fugas ocasionais ao Rio de Janeiro, de maços e maços de oficios das principais legações imperiais. Juntei assim uma massa impressionante de documentos e de dados brutos, passando a organizar e a sistematizar o material em função do plano original. Devo dizer que o retorno à documentação primária do Império e o diálogo com essas fontes hoje quase esquecidas deram-me mais prazer intelectual do que a releitura, rápida, de alguns “clássicos” da literatura consagrada sobre esse período, uma vez que o ato de percorrer os velhos relatórios da monarquia constitui quase que um “comércio de idéias” com nossos antecessores funcionais de um século e meio atrás.
O livro estava basicamente composto em meados de 1997 quando decidi apresentá-lo como tese do Curso de Altos Estudos (após, é verdade, a tentativa inicial de tratamento de um tema mais contemporâneo, e mais problemático, relativo à OCDE). Teve lugar então uma dolorosa operação “reducionista”, que consistiu em converter um volume de quase 500 páginas em um modesto opúsculo de menos de 200 páginas, o limite máximo para esse tipo de dissertação em nossa Casa. Feita a operação de cirurgia plástica e de emagrecimento textual, a tese foi considerada apta para publicação, a que eu entretanto objetei, já que, na verdade, não pretendia publicá-la no formato reduzido do CAE, de vez que seriam perdidas saborosas digressões de nossos colegas do Império e outros tantos dados coletados sobre um passado hoje longínquo. Passaram-se, desde então, quase cinco anos desde sua redação original, período no qual o texto foi ligeiramente burilado e certamente passou por novo período de engorda, ainda que moderada.
Ei-lo aqui, portanto, em sua versão editada, um livro que pretende ser, ademais de uma obra de referência sobre essa fase de formação – the making of – de nossa diplomacia, que também foi chamado de Bildungsprocess da diplomacia econômica no Brasil, também uma espécie de reflexão diacrônica sobre como nossos antepassados do Império responderam a determinados desafios externos e como eles construiram um instrumento diplomático que não apenas provou sua excelência na época em que foi mobilizado, mas que continuou a apresentar excelente desempenho nas décadas seguintes, ao longo de todo o período republicano e ainda hoje, como vemos pelos comentários da imprensa brasileira e internacional e de observadores isentos, comentários feitos sobre a qualidade de nossos negociadores nos foros econômicos internacionais e regionais.
Como chegamos a isso, como construímos um instrumento de valor num contexto de relativa anomia social e deficiente estrutura institucional? E como, em especial, o Brasil veio a ter um tal desempenho satisfatório no plano da diplomacia econômica, em contraste evidente com a modéstia dos nossos meios materiais e humanos e certamente em total contradição com as deficiências visíveis de nosso aparato econômico e de nossa organização política e social? Estas são, provavelmente, as perguntas mais importantes que subjazem ao esforço por mim empreendido na elaboração deste livro. Observo, com força, que estas constatações não eram evidentes no momento em que me lancei à aventura de sua pesquisa e redação. Registro, sobretudo, que o livro não é, longe disso, um exercício de auto-congratulação ou de satisfação naïve com as supostas excelências de nossa diplomacia econômica. Nele não faço apologia, nem distribuo cumprimentos.
Ao contrário, ele constitui um empreendimento rigoroso, relativamente isento – se assim posso argumentar, a partir de minha condição intelectual primariamente acadêmica e secundariamente diplomática –, enfim, trata-se de um esforço razoavelmente objetivo de examinar como e em que condições o Brasil foi capaz de erigir um instrumento diplomático certamente único (ainda hoje) no contexto da periferia semi-capitalista, em defesa de seus interesses econômicos primaciais e em favor da promoção de objetivos econômicos e políticos ultrapassando as meras e toscas fronteiras de uma economia agro-exportadora, quase exclusivamente monocultora no período aqui enfocado, mas que possuia uma consciência relativamente clara sobre os fins a serem atingidos, as metas a serem alcançados. A noção de desenvolvimento econômico, por certo ainda incipiente nesta fase, ou melhor, a idéia da necessidade de construção de uma nação avançada na América do Sul, rivalizando ou se igualando a outras no contexto internacional ou regional, esta concepção de um devir diplomático e de um dever nacional já fazia parte da agenda dos nossos colegas do Império desde praticamente o início das regências, quando se constrói, verdadeiramente, um Estado nacional no Brasil. Isto ao mesmo tempo, reconheçâmo-lo de pronto, em que esses mesmos colegas de punhos de renda – o estereótipo é aqui verdadeiro – e trajes de rigor, mesmo no calor do trópico, resistiam às investidas da Inglaterra para a cessação do tráfico negreiro – essa modalidade precoce de “cláusula social”, implementada pela via imperial –, em que esses colegas teimavam em não ver na escravidão uma nefanda instituição a contaminar todo o tecido social e a estrutura econômica do País, como queria Nabuco, em que esses colegas imitavam a aristocracia européia e olhavam com uma certa condescendência o democratismo e o espírito de trabalho dos americanos do Norte, em que esses colegas mantinham preconceitos evidentes contra a imigração de “mascates” levantinos, preferindo-lhes saudáveis agricultores nórdicos, mas de preferência entregues às fainas da plantation semi-escravagista, não como proprietários livres numa terra fortemente marcada pelo latifúndio e pelo coronelato arbitrário.
A despeito disso tudo, nossa diplomacia econômica foi boa, excelente mesmo segundo algumas opiniões insuspeitas (e minha, depois de concluir a pesquisa para este livro), provavelmente uma “diplomacia fora do lugar”, como coloquei numa paráfrase da crítica literária e da análise sociológica sobre as idéias desajustadas em relação ao seu meio social. Talvez essa diplomacia não tenha sido forte o suficiente para mudar o País, que digo?, para reestruturar a Nação, como sua visão de mundo, sua Weltanschauung poderia lhe autorizar, com base numa visão comparada com o itinerário mais exitoso de outros povos e outras formações nacionais. Mas esta certamente não era sua missão histórica, pois que a diplomacia, enquanto interface externa do aparato estatal, não poderia pretender “atirar para dentro”, ainda mais contra as bases de seus próprios privilégios aristocráticos e estamentais. Fomos eficientes, sim, mas nos limites estritos de um Estado nacional limitado (talvez ainda hoje) a um por cento da nacionalidade e da cidadania, uma diplomacia eficaz para defender os interesses de uma economia assim organizada, não necessariamente para empreender uma transformação de fora para dentro, o que aliás seria quase um contrasenso operacional e uma impossibilidade filosófica.
Tivemos, portanto, ao longo do tempo, nosso pequeno lote de revoluções pelo alto, nossas transformações bastante modestas da máquina política, nossa mobilidade social com preservação de desigualdades gritantes, nosso desenvolvimento econômico por impulsões descontinuadas, com a tal de “diplomacia de primeiro mundo” sempre presente, com suas maneiras francesas e produtos ingleses, importando a última moda européia com o dinheiro inglês (que nos entrava pela via exclusiva da monoexportação), enfim uma diplomacia eficiente, por certo, da qual podemos justamente nos orgulhar, ainda que num País que ainda deixa a desejar tremendamente no plano social ou tecnológico. O livro, justamente, explora algumas dessas ambiguidades, mas consoante seu escopo dirigido e sua orientação temática, ele descortina sobretudo a ação dessa diplomacia nos diversos campos de atuação abertos a seu engenho e arte no decorrer do tempo monárquico.
E o que descobrimos, como resultado da pesquisa exaustiva conduzida ao longo de cinco anos de leituras e dois de redação? Que causas explicam esse contraste entre a precária situação de desenvolvimento econômico do País na era imperial e o status relativamente avançado de sua diplomacia?
Com efeito, tínhamos uma elite no comando da Nação e na representação externa do Estado, ou seja, funcionários publicos dotados de boa formação e conscientes de representar um Governo com clareza de propósitos e objetivos bem determinados. A situação de precário desenvolvimento econômico efetivo se explica obviamente por questões estruturais evidentes: uma economia colonial, produtora e exportadora de matérias primas, pouco propensa à inovação e à industrialização autônoma, por falta de condições sociais e educacionais.
Por que preservamos durante tanto tempo tal situação? Pelas escolhas erradas dessas mesmas elites, que durante tanto tempo insistiram no sistema escravo e na especialização agrária. Devemos lembrar que Hipólito da Costa primeiro, Bonifácio de Andrada em seguida, Mauá logo adiante, todos insistiram na abolição do tráfico e da escravidão, e na adoção de uma legislação econômica aberta à imigração de pequenos proprietários de terras e suscetível, portanto, de impulsionar o progresso econômico e social. No entanto, as elites no comando do País fizeram a opção pela continuidade da escravidão e pela especialização agrária, incapazes que foram de propor autonomia social e econômica, educação das massas e investimento na capacitação técnica da população.
Nisso também fomos herdeiros da tradição lusitana, centralizadora e absolutamente infensa à autonomia econômica dos agentes privados. A despeito dessa herança burocrática bastante eficiente na defesa dos nossos interesses políticos – pois a cartografia vencedora do Barão deve tudo ao patrimônio luso – a diplomacia econômica igualmente eficiente no plano prático foi menos exitosa na transformação “mental”, por assim dizer, da agenda econômica interna dessas elites monárquico-republicanas. Cabe também reconhecer que a visão tradicional da nossa diplomacia – ornamental e aristocrática, no dizer de Hélio Jaguaribe –, até pelo menos a belle époque recusava em grande medida os temas econômicos, considerados como de low politics, preferindo se ocupar das chamadas questões de high politics, que seriam as de política bilateral e as questões de equilíbrio estratégico e militar. Era um arremedo de equilíbrio de poderes, numa época em que dispunhamos de muito pouco poder efetivo, talvez apenas o de determinar os preços do café nos mercados mundiais.
Não nos cabe agora passar julgamentos por erros passado, mas devemos sim tirar proveito da história para ilustrar – não determinar – nossas opções do presente. E o que constatamos como contraste entre a diplomacia econômica do Império e a diplomacia que foi seguida no longo século republicano, que agora se encerra em favor de uma nova era de globalização?
O detalhamento figura no último capítulo de meu livro, sobretudo sob a forma de uma tabela comparativa sobre a evolução conceitual da diplomacia econômica do Brasil do século XIX ao XX (disponível no meu site pessoal, www.pralmeida.org). Se posso resumir os ensinamentos, eles seriam os seguintes:
- no comércio, deixamos o carater errático do liberalismo do século XIX por um protecionismo industrializante no século XX, até voltarmos agora a um moderado protecionismo e a um esforço sincero de inserção econômica mundial, via abertura gradual e processos negociados de integração comercial.
- nas finanças, as mudanças são muito poucas, talvez inexistentes, pois permanece o recurso à divida externa e a mesma fragilidade financeira externa.
- em mão-de-obra, seguimos a tendência mundial de fechar as fronteiras aos imigrantes e passamos, aliás, a exportar nossos “excedentes” demográficos, mas isso na verdade só ocorre nos momentos de crise econômica e de desemprego. No mais, ainda não sabemos praticar a importação de cérebros como deveríamos, pois existem milhares de cientistas e pesquisadores que poderiam vir para o Brasil, se nossa política de captação de mão-de-obra especializada fosse mais esperta, ativa e aberta.
- na tecnologia continuamos igualmente dependentes do exterior, mas já somos produtores de bens com elevado conteudo tecnológico, como visto no caso dos aviões da Embraer. Mas ainda não soubemos desenvolver um “modo inventivo de produção”, que caracteriza os capitalismos mais avançados na América do Norte, na Europa e no Japão. Por outro lado, não sabemos explorar devidamente determinadas vantagens comparativas que têm muito a ver com nosso espírito inventivo na música, nos esportes, na culinária, por exemplo, todos terrenos nos quais poderíamos estar exportando serviços e produtos de forma exponencial. Não exploramos tampouco nossas possibilidades turísticas como deveríamos.
- no plano mais geral do nosso instrumento diplomático, ele continua excelente mas, como no século XIX, ele permanece um pouco “destacado” do País, no sentido de alheio, em certa medida, aos nossos grandes problemas nacionais.

Sei que vão me “crucificar” por dizer isto que acabo de dizer (o que aliás não figura no livro, pelo menos não de forma explícita), mas esta é a percepção que eu retiro do exame multissecular de uma diplomacia aparentemente excelente (e ágil) para negociar acordos comerciais, mas por vezes menos atenta a uma série de outras realidades próprias ao tecido social nacional. Se eu não corresse o risco de parecer demagógico e totalmente à côté, e se vocês me perguntassem para que, enfim, deveria servir a nossa diplomacia econômica, tida como excelente, eu diria, simplesmente isto: ela deveria servir para colocar crianças na escola, algo que continua a ser o nosso grande problema (e drama) nacional. OK, admitamos que já colocamos 98% dessas crianças na escola e que o problema não é mais este (mas ele ainda é, certamente, o do desempenho escolar). Então eu diria que a diplomacia deveria servir, antes de mais nada, para melhorarmos a qualidade de nosso sistema educacional, que continua a ser extremamente deficiente. De que adianta ter uma diplomacia avançada, mas um povo sem condições de competir na arena da economia mundial?

Se ouso terminar por mais uma reflexão crítica (que tampouco faz parte do livro, mas pode e deve integrar este nosso diálogo aberto), caberia reconhecer que, em todo o século XX e no começo do século XXI a diplomacia brasileira continua a ostentar padrões de excelência pouco vistos não apenas para o conjunto dos países em desenvolvimento (ou periféricos, como quer meu amigo Samuel Pinheiro Guimarães) mas igualmente entre os próprios países desenvolvidos. Nao se trata aqui de ufanismo gratuito, pois serviços diplomáticos europeus e de outros países desenvolvidos não deixam de reconhecer a qualidade dos nossos representantes. Basta consultar delegados em reuniões econômicas multilaterais, ou em conferências políticas internacionais, para constatar isso: nosso diplomata é preparado e se desempenha muito bem, mesmo a um contra dez, como soe acontecer frequentemente. Ou seja, a diplomacia continua e exibir um padrão de qualidade pouco visto em condições semelhantes ou similares, mas o Brasil tambem avançou bastante no século XX. Hesitaria em dizer que se trata de um país subdesenvolvido, ainda que do ponto de vista social ele continue a ostentar indicadores pouco otimistas. Trata-se de uma economia industrializada, diversificada, mas que ainda não atingiu autonomia tecnológica plena. Continuamos igualmente a sofrer de uma evidente fragilidade financeira externa, retrato da descontinuidade das políticas econômicas ao longo do século XX e igualmente reflexo das carências educacionais e cívicas da população como um todo.

Podemos terminar com Mário de Andrade, aquele ideólogo da literatura nacional que dizia, pouco depois do modernismo, que a sociologia é a arte de salvar rapidamente o Brasil, zombando assim da minha profissão primeira e de minha fonte de inspiração conceitual, mesmo nos meandros burocráticos de um telegrama ou de um memorandum de serviço. Constatando a notável persistência de nossas mazelas sociais, mas ainda assim a implementação de algum avanço nos planos econômico e  tecnológico – que um sociólogo aprendiz chamaria simplesmente de modernização – Mário de Andrade dizia de forma irônica que, “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”.
Espero, de minha parte, que saibamos escapar da fatalidade pouco sociológica de dispormos de uma excelente diplomacia econômica, e portanto de uma representação de altíssima qualidade no plano externo – o que muito nos envaidece, com razão –, ao mesmo tempo em que ostentamos um quadro pouco lisonjeiro, para não dizer dramático, no plano social interno. Eu me sentirei sinceramente recompensado, numa visão de progressos “não fatalistas”, no dia em que, ao examinar novamente o itinerário da nossa diplomacia no início do século XXI – quando, por exemplo, completarmos dois séculos de exercício diplomático contínuo a partir do território nacional, em 2008 – pudermos constatar que essa diplomacia não precisará mais servir, ainda que hipoteticamente, para colocar crianças na escola. Até lá, temos muito trabalho pela frente, e não apenas no plano da diplomacia econômica, ainda que este esforço continuado fosse apenas para manter e justificar nossa fama de excelentes. Mãos à obra, portanto, pois tenho a impressão de que a história não absolverá nossa geração diplomática, se daqui até lá não contribuirmos com todas as nossas forças para colocarmos o País real em compasso com a suposta excelência de sua diplomacia.
Muito obrigado.
Paulo Roberto de Almeida
Washington, 866: 14 fevereiro de 2002
(Revisão 28.03.02)

sábado, 19 de agosto de 2017

Um inedito de 2005 contra a diplomacia lulopetista - Paulo Roberto de Almeida

Em abril de 2005, bem antes, portanto, da inacreditável traição à pátria -- uma entre muitas outras mais -- perpetrada pelo Sr. Luís Inácio Lula da Silva no rumoroso caso da nacionalização dos recursos em hidrocarburos pelo seu companheiro boliviano, e bolivariano, Sr. Evo Morales, que humilhou não só a Petrobras, mas o próprio Brasil (com o pleno acordo do presidente brasileiro), eu escrevi um artigo denunciando a tremenda renúncia de soberania que eu via em várias das atitude diplomáticas do governo lulopetista. 
O artigo permaneceu inédito desde então, e eu o "redescobri" agora, e por isso decidi publicar, mais de um ano depois do final do deletério regime dos companheiros em nosso país.
Cabe registrar que, até então, em 2005, com algumas restrições justificadas, eu havia até feito algumas avaliações não de todo depreciativas sobre a nova diplomacia "ativa e altiva", tanto é que os próprios companheiros, em 2004, pediam permissão para reproduzir um artigo que eu havia feito comparando as diplomacias de FHC e de Lula.
Dei a autorização, mas para minha surpresa, quando vi o "produto final", numa revista de propaganda do novo regime companheiro, constatei que eles haviam meticulosamente suprimido todas as referências objetivas que eu fazia a ambas diplomacias, retendo apenas as avaliações positivas ao novo regime, e recortando maldosamente todas as demais referências à diplomacia de FHC, para colocá-la numa luz menos favorável, negativa mesmo. Achei aquilo de uma calhordice exemplar, mas não me lembro se reclamei naquele momento, tanto porque só vim a tomar conhecimento mais tarde, já decidido a nunca mais dar autorização nenhuma a qualquer instância do partido (que, como em todos os regimes comunistas, se confundia com o governo), para reproduzir qualquer coisa minha.
O fato é que, observando logo em seguida todos os despautérios perpetrados pelos companheiros em matéria de diplomacia, eu redigi, para meu próprio registro, o artigo que vai abaixo, sem jamais tê-lo levado a público, por razões evidentes: naquele momento eu ainda trabalhava numa dessas instâncias de "planejamento estatal", chamado "Núcleo de Assuntos Estratégicos", vinculado diretamente à Presidência da República. A publicação desse artigo representaria, obviamente, um tremendo choque no estado de euforia sob o qual vivia, então, o regime companheiro (estávamos, naquele momento, antes do choque do Mensalão, quando desnudou-se a natureza criminosa do regime).
A ficha desse trabalho, mantido rigorosamente "sob sigilo" desde então e até aqui, é esta

1415. “Uma vergonha nacional: A diplomacia petista produz renúncia inaceitável de soberania”, Brasília, 3 abril 2005, 4 p. Inédito. 

Se eu o revelo hoje, não é por nenhum "animus beligerandi", ainda que todos saibam, atualmente, de minha radical oposição, e combate pessoal, durante os últimos dez anos, pelo menos (antes disso de forma muito discreta, ou "clandestina", digamos assim), ao assim chamado "lulopetismo diplomático", um intervalo horroroso nas tradições de nossa diplomacia, que eu não tive nenhuma objeção de consciência em denunciar, assim que as condições se apresentaram.
Este blog, como referido diversas vezes, tornou-se uma espécie de "quilombo de resistência intelectual", contra a horda de irracionalidades dos novos bárbaros, e não só na diplomacia, mas em quase todas as demais esferas das políticas públicas também. Durante dez anos, ou mais, permaneci isolado nessas posições, até que finalmente se revelasse toda a extensão dos crimes perpetrados pelos companheiros, que levaram ao que eu chamo de A Grande Destruição, a pior recessão econômica de nossa histórica, e o mais gigantesco espetáculo de corrupção jamais visto no Brasil, no hemisfério, quiçá no mundo.
O artigo segue em sua íntegra, com algumas referências que hoje podem parecer superadas (Argentina, por exemplo), mas é um exemplo do que eu pensava ao início do regime companheiro, e do que veio a se agravar depois: a traição à pátria cometida pelos neobolcheviques em todas as situações nas quais o interesse nacional esteve confrontado aos interesses partidários, e possivelmente cubanos.
Um dia vou registrar, detalhadamente, todos esses episódios de retrocesso institucional, na diplomacia certamente, mas em outras áreas também.
 Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 19/08/2017 


O Fim da Soberania:

Consequências da diplomacia petista



            Desde o início do governo petista, seus representantes mais importantes, a começar pelo próprio presidente, têm repetidamente afirmado que defendem a soberania nacional. Acusam o governo anterior de ter praticado uma política externa submissa, atenta mais aos interesses de Wall Street e da finança internacional do que aos do Brasil. Afirmaram muitas vezes que a diplomacia anterior estava sacrificando as chances de desenvolvimento brasileiro ao comprometer o Brasil com a Alca, aos seus olhos um projeto de anexação da América Latina por parte dos Estados Unidos.

 Para contrapor-se a essa política externa que eles rotularam de “entreguista”, os encarregados atuais das relações internacionais do Brasil passaram a praticar uma inacreditável “diplomacia do espetáculo”, que redundou, paradoxalmente, na alienação completa da soberania nacional. Alguns exemplos comprovarão esta afirmativa.

Com um falso discurso de defesa da soberania nacional, a diplomacia petista tem realizado, na prática, uma das mais devastadoras operações de desmonte da soberania do país e de renúncia ao interesse nacional de que se tem notícia desde os tempos dos tratados desiguais com a Grã-Bretanha. Isso vem de antes da assunção ao poder: manifesta-se desde a determinação, apriorística e irracional, de que o Brasil necessitaria, em sua política externa, de “parceiros estratégicos”. O que significa, de fato, a escolha, a priori, de “parceiros estratégicos”, quaisquer que sejam eles?

A escolha, puramente ideológica e sem qualquer sentido pragmático, de um país A, B ou C como sendo um “parceiro estratégico”, como declarado unilateralmente, desde antes da posse, pelo atual presidente, redunda, inquestionavelmente, no alinhamento de nossos interesses diplomáticos com os desses países, sem que eles, em qualquer momento, tivessem declarado que também desejavam ser “parceiros estratégicos” do Brasil ou que se dispusessem a coordenar suas relações exteriores com nossas próprias posições.

O que é isso, senão renúncia de soberania? Pior do que isso: representa um dos piores desatinos diplomáticos desde que se inventou essa arte nos idos do Renascimento italiano. Estamos simplesmente anunciando ao mundo, e diretamente a esses países, que temos “aliados estratégicos”, e portanto “parceiros selecionados”, independentemente do que ocorra na agenda internacional ou no relacionamento mais amplo, regionalmente e com outros países.

Nunca se viu, em décadas, ou mesmo séculos, de serviço diplomático brasileiro, uma tal renúncia de soberania como essa manifestada nas “alianças estratégicas” do PT. Mas, as demonstrações não se limitam a isso. A renúncia de soberania também vai ao ponto de limitar a capacidade de ação da diplomacia brasileiro no exercício do simples direito de resposta, seja com base em argumentos próprios, seja com base em regras consagradas do direito internacional e das boas práticas de comércio internacional.

Ilustremos esse desatino pelo caso do Mercosul. De fato, a renúncia de soberania também se manifesta no patético assentimento passivo, por parte da “diplomacia altiva”, a todos os desmandos cometidos pela Argentina no âmbito do Mercosul e das relações comerciais bilaterais com o Brasil. O que significa o governo brasileiro aceitar a imposição unilateral de salvaguardas argentinas contra nossas exportações senão renúncia de soberania? Ela se dá em total contradição com a letra e o espírito do Tratado de Assunção, que não autorizam esse tipo de prática arbitrária da Argentina. Ela também se manifesta na passividade completa em face dos repetidos abusos cometidos pelo vizinho contra um número cada vez maior de produtos brasileiros.

A inoperância da diplomacia é provocada, como se sabe, por determinação direta do Palácio do Planalto, onde um “Rasputin diplomático” saído da academia pretende construir uma “diplomacia alternativa”, feita de alianças prioritárias com os “parceiros do Sul”, em detrimento dos nossos interesses nacionais, a começar pelos interesses diretos de quem produz e pretende vender ao exterior dentro das condições estabelecidas nos tratados assinados e consagrados em nossas relações exteriores. Essa passividade em face dos abusos argentino beira o limite do crime de responsabilidade política, pois se coloca contra os interesses nacionais, em primeiro lugar dos nossos empresários, frente a barreiras não justificadas pelo Tratado de Assunção.

O amesquinhamento da diplomacia se revela igualmente no incrível “protocolo” assinado com a ditadura cubana, visando ao “reconhecimento” de diplomas concedidos a alunos de “medicina” selecionados, não pelo Estado, mas pelo PT e por outros partidos e movimentos sectários. Mesmo que a tramitação dessa facilidade tenha sido barrada pela oportuna reação das universidades e da própria Ordem da área médica, o protocolo diplomático figura nos anais da diplomacia brasileira, como uma nódoa de indisfarçável renúncia de soberania. Pode-se pensar no constrangimento dos diplomatas da Secretaria de Estado ou daqueles servindo sob as ordens do incrível “embaixador” brasileiro em Havana, que já tinha declarado sua aprovação aos fuzilamentos contra dissidentes ordenados por Castro, a quem ele admira: contra as mais velhas tradições da diplomacia, eles tiveram de preparar um documento preliminar que representou a mais servil sujeição da diplomacia brasileira a interesses diretamente partidários.

Mas há mais. Renúncia de soberania representa alinhar-se preventivamente com a China na política obstrucionista, sem sequer exame de mérito, de uma investigação séria, por parte de órgãos da ONU, dos atentados aos direitos humanos cometidos naquele país. O Brasil tinha por prática, antes do governo atual, abster-se nesse tipo de votação, por vezes por razões alegadamente técnicas, outras porque muitas dessas resoluções tem de fato indisfarçável motivação política. Agora, este governo obriga a diplomacia a sustentar ativamente regimes violadores dos direitos humanos como os de Cuba e da China.

Em vários itens da agenda externa do Brasil, o governo petista age sofregamente, ao arrepio de nossas tradições diplomáticas, na busca ilusória de prestígio internacional e na obsessão quase risível de conquistar de imediato uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. A postura nas negociações da Alca e nos temas de comércio internacional, de modo geral, revelam uma concepção atrasada dos interesses econômicos brasileiros. As tentativas de agradar ao mesmo tempo aos antiglobalizadores do Fórum Social Mundial e aos homens de negócio de Davos confirmam que este governo e esta diplomacia não têm rumo próprio, apenas reações desencontradas.

A diplomacia brasileira tem um inegável prestígio dentro e fora do país. Ela sempre conseguiu traduzir a essência do interesse nacional. Atualmente, porém, o que se vê é um triste espetáculo de renúncia de soberania nacional.


[Fim da transcrição]

Fabio Chaddad e o Agronegocio - Marcos Sawaya Jank

Fabio Chaddad e o Agronegócio

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 19/08/2017

Marcos Sawaya Jank (*)

Como o empreendedorismo e formas organizacionais eficientes criaram um player global.


Na última quinta-feira, o INSPER organizou evento para lançar a edição em português do livro Economia e Organização da Agricultura Brasileira, do professor Fabio Ribas Chaddad, e batizou uma das salas de aula da instituição com o seu nome.

Em setembro passado, já muito debilitado por uma doença, mas com inacreditável energia e lucidez, Fabio veio ao Brasil para lançar a versão original do livro em inglês. Ele faleceu logo depois, aos 47, em Missouri, onde lecionava estratégias, organizações e agronegócio.

Fabio combinava características difíceis de serem encontradas em uma única pessoa: o rigor acadêmico, o ouvido sempre aberto e interessado nas pessoas e nas experiências do mundo real e uma invejável capacidade de síntese em inglês.

Seu livro traz a melhor narrativa existente sobre a evolução do agronegócio brasileiro desde os anos 1970, uma experiência de sucesso infelizmente ainda pouco reconhecida no país e desconhecida no resto do mundo. Fabio desenvolve uma abordagem microanalítica em cima de estatísticas precisas, descrições factuais e estudos de caso para explicar como o Brasil se tornou uma potência no agronegócio mundial, com ganhos de produtividade total superiores a 3% ao ano no período, quase o dobro dos EUA e o triplo do mundo. Isso colocou o Brasil entre os cinco maiores produtores de 36 commodities de origem agropecuária.

Ele chama de "condições capacitadoras" os fatores de geração de competitividade mais conhecidos e citados:
a) disponibilidade de recursos naturais (terra, água e clima);
b) investimentos públicos e privados em tecnologias tropicais;
c) políticas públicas estratégicas, não só as que apoiaram diretamente o agro —crédito rural, preços mínimos, estoques reguladores e programas sociais— mas também, e principalmente, as que o libertaram das garras excessivas do governo: fim dos controles de preços, desregulamentação, liberalização e enfrentamento da concorrência global.

Mas o lado mais inovador da obra é uma minuciosa descrição das formas organizacionais que marcaram a expansão do agro brasileiro e que talvez sejam os elementos mais sólidos para explicar os fortes ganhos de produtividade.

Fabio mistura histórias individuais de empreendedores que desbravaram o Brasil com a consolidação de robustas cooperativas (Coodetec, Castrolanda, Agrária), associações setoriais (OCB, Ocepar, Unica, Aprosoja) e notáveis instituições de pesquisa (Embrapa, CTC, Esalq, Fundação MT etc.).

Ele identifica três modelos distintos de organização das cadeias de valor do agro:

- Região Sul: integração de pequenos e médios produtores em sólidas cooperativas e arranjos contratuais com processadores de grãos, suínos, aves, lácteos e fumo.

- Região Sudeste: consolidação de sistemas verticalmente integrados de produção, apoiados por contratos a montante e a jusante, como no exemplo das indústrias da cana-de-açúcar, celulose e laranja, fortemente voltadas à exportação.

- Regiões Centro-Oeste e Centro-Norte: emergência de grandes grupos familiares e corporações empresariais, que inauguram sistemas que aproveitam economias de escala e escopo em grãos, algodão e carnes, mas com desafios a vencer na organização das cadeias de suprimento.

Fabio mostra que recursos naturais, tecnologia e subsídios foram condições relevantes, mas não suficientes, para fazer a festa acontecer no agronegócio. Na verdade, o sucesso do modelo brasileiro nasce de milhares de empreendedores anônimos que desbravaram o país, se organizando por meio de sistemas agroindustriais inovadores que geraram aumentos de produtividade sem paralelo no mundo. 

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

Reescrevendo a historia - Roberto Campos, de 1999 para os dias de hoje

O texto abaixo escrito no ano de 1999 por Roberto Campos está atualizado para os dias de hoje. Nada mudou, apesar de nossas constantes reformas. 
Ricardo Bergamini

 REESCREVENDO A HISTÓRIA...
Roberto Campos
Jornal do Comércio, em 21/03/1999
Quando for escrita a história econômica do Brasil nos últimos 50 anos, várias coisas estranhas acontecerão. A política de autonomia tecnológica em informática, dos anos 70 e 80, aparecerão como uma solene estupidez, pois significou uma taxação da inteligência e uma subvenção à burrice dos nacionalistas e à safadeza de empresários cartoriais. Campanhas econômico-ideológicas como a do "o petróleo é nosso" deixarão de ser descritas como uma marcha de patriotas esclarecidos, para ser vistas como uma procissão de fetichistas anti-higiênicos, capazes de transformar um líquido fedorento num unguento sagrado. Foi uma "passeata da anti-razão" que criou sérias deformações culturais, inclusive a propensão funesta às "reservas de mercado".
A criação do monopólio estatal de 1953 foi um pecado contra a lógica econômica. Precisamente nesse momento, o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, mendigava um empréstimo de US$ 300 milhões ao Eximbank, para cobertura de importações correntes (inclusive de petróleo). A ironia da situação era flagrante: de um lado, o país mendigava capitais de empréstimos que agravariam sua insolvência, de outro, pela proclamação do monopólio estatal, rejeitava capitais voluntários de risco. Ao invés de sócios complacentes (cuja fortuna dependeria do êxito do país), preferíamos credores implacáveis (que exigiriam pagamento, independentemente das crises internas). Esse absurdo ilogismo levou Eugene Black, presidente do Banco Mundial, a interromper financiamentos ao Brasil durante cerca de dez anos (com exceção do projeto hidrelétrico de Furnas, financiado em 1958). Houve outros subprodutos desfavoráveis.
Criou-se uma cultura de "reserva de mercado", hostil ao capitalismo competitivo. Surgiu uma poderosa burguesia estatal que, protegida da crítica e imune à concorrência, acumulou privilégios abusivos em termos de salários e aposentadorias. Criou-se uma falsa identificação entre interesse da empresa e interesse nacional, de sorte que a crítica de gestão e a busca de alternativas passaram a ser vistas como traição ou impatriotismo.  Vistos em retrospecto, os monopólios estatais de petróleo, que se expandiram no Terceiro Mundo nas décadas de 60 e 70, longe de representarem um ativo estratégico, tornaram-se um cacoete de países subdesenvolvidos na América Latina, África e Médio Oriente. Nenhum país rico ou estrategicamente importante, nem do Grupo dos 7 nem da OCDE, mantém hoje monopólios estatais, o que significa que os monopólios não são necessários nem para a riqueza nem para a segurança estratégica.
Essas considerações me vêm à mente ao perlustrar os últimos relatórios da Petrossauro. Ao contrário de suas congêneres terceiro-mundistas, que são vacas-leiteiras dos respectivos Tesouros, a Petrossauro sempre foi mesquinha no tratamento do acionista majoritário. Tradicionalmente, a remuneração média anual do Tesouro, sob a forma de dividendos líquidos, não chegou a 1% sobre o capital aplicado. Após a extinção de jure do monopólio, em 1995 (ele continua de facto), e em virtude da crítica de gestão e da pressão do Tesouro falido, os dividendos melhoraram um pouco, ma non troppo. Muito mais generoso é o tratamento dado pela Petrossauro à Fundação Petros, que representa patrimônio privado dos funcionários.
A empresa é dessarte muito mais um instituto de previdência, que trabalha para os funcionários, do que uma indústria lucrativa, que trabalha para os acionistas. Aliás, é duvidoso que a Petrossauro seja uma empresa lucrativa. Lucro é o resultado gerado em condições competitivas. No caso de monopólios, é melhor falar em resultados. Quanto à Petrossauro, se fosse obrigada a pagar os variados tributos que pagam as multinacionais aos países hospedeiros-bônus de assinatura, royalties polpudos, participação na produção, Imposto de Renda e importação - teria que registrar prejuízos constantes, pois é alto seu custo de produção e baixa sua eficiência, quer medida em barris/dia por empregado, quer em venda anual por empregado. 
Examinados os balanços de 1995 a 1998, verifica-se que o somatório dos dividendos ao Tesouro (pagos ou propostos) alcançam R$ 1,606 bilhão enquanto que as doações à Petros atingiram 2,054 bilhões.
Considerando que o Tesouro representa 160 milhões de habitantes e vários milhões de contribuintes, enquanto que a burguesia do Estado da Petrossauro é inferior a 40 mil pessoas, verifica-se que é o contribuinte que está a serviço da estatal e não vice- versa. 
Nota-se hoje no Governo uma perigosa tendência de postergação das privatizações seja na área de petróleo, seja na área financeira, seja na eletricidade. É um erro grave, que põe em dúvida nosso sentido de urgência na solução da crise e nossa percepção dos remédios necessários. A privatização não é uma opção acidental nem coisa postergável, como pensam políticos irrealistas e burocratas corporativistas. É uma imposição do realismo financeiro. Há duas tarefas de saneamento imprescindíveis. A primeira consiste em deter-se o "fluxo" do endividamento (o objeto mínimo seria estabilizar-se a relação endividamento/PIB). Essa é a tarefa a ser cumprida pelo ajuste "fiscal".  A segunda consiste em reduzir-se o estoque da dívida. Esse o objetivo da reforma "patrimonial", ou seja, a "privatização". 
Não se deve subestimar a contribuição potencial da reforma patrimonial para a solução de nosso impasse financeiro. Tomemos um exemplo simplificado. 
Apesar da crise das Bolsas, a venda do complexo Petrossauro-BR Distribuidora poderia gerar uma receita estimada em R$ 20 bilhões. Considerando-se que a rolagem da dívida está custando ao Tesouro 40% ao ano, uma redução do estoque em R$ 20 bilhões, representaria uma economia em curto prazo de R$ 8 bilhões. Isso equivale a aproximadamente 20 anos dos dividendos pagos ao Tesouro pela Petrossauro na média do período 1995-1998 (a média anual foi de R$ 401,7 milhões).
Se aplicarmos o mesmo raciocínio à privatização de bancos estatais e empresas de eletricidade, verificaremos que a solvência brasileira dificilmente será restaurada pela simples reforma fiscal. Terá que ser complementada pela reforma patrimonial.  É perigosa complacência a atitude governamental de que a reforma fiscal é urgente e a reforma patrimonial postergável. É dessas complacências e meias medidas que se compõe nossa lamentável, repetitiva e humilhante crise existencial.

Produtividade nao e' tudo, mas e' quase tudo: o caso da GB - Robert Colvile (CapX)

O artigo trata unicamente da queda de produtividade, em última instância da fragilidade do capitalismo inglês, na Grã-Bretanha, mas se a economia tem "leis" mais ou menos universais, ele poderia igualmente ser aplicado ao Brasil, e sobretudo ao investimento estrangeiro.
Como diz o artigo, "foreign ownership makes each UK firm 50 per cent more productive. Such firms employ only 15 per cent of the UK workforce, but account for 30 per cent of the country's productivity growth - and 50 per cent of R&D spending, which is a staggering five times higher under foreign ownership."
Certas coisas são tão eloquentes, tão evidentes, que não existem contra-argumentos econômicos.
Não só a Grã-Bretanha -- que estava doente antes de Margaret Thatcher -- está doente novamente.
O Brasil também padece da mesma doença.
Quando é que vamos nos curar?
Paulo Roberto de Almeida 

Can we cure the British disease?

When Theresa May became Prime Minister, one of her first promises was (as the Daily Mail put it) to protect our “City icons” from “foreign vultures”.
It’s a widely shared complaint. From our rail companies to our energy companies, from London property to Cadbury’s chocolate, we’ve let asset-stripping foreigners make off with the family silver. And with the plunge in the pound due to Brexit, the problem is only going to get worse.
But there’s another way of looking at it - which is that the simplest way to make this country more prosperous would be to gift-wrap those City icons and flog the lot.
That is the implication of a new blog from two Bank of England economists. It points out that, controlling for everything else, foreign ownership makes each UK firm 50 per cent more productive. Such firms employ only 15 per cent of the UK workforce, but account for 30 per cent of the country's productivity growth - and 50 per cent of R&D spending, which is a staggering five times higher under foreign ownership.
Productivity isn’t everything. But as Paul Krugman says, in the long run, it’s almost everything. It is higher productivity that drives improvements in wages, living standards and prosperity. Andrew Haldane, also of the Bank of England, points out that if productivity had remained flat since 1850, we would be only twice as rich as the Victorians. Instead, we are 20 times better off.
And this is the single biggest problem with Britain’s economy. Since the financial crisis, the UK has created jobs at an enviable rate. But the flipside is that productivity has flatlined. Between 1950 and 2008, it grew at an average of 1.7 per cent a year. Since then, it has fallen by 0.36 per cent a year. The latest figures, released this week, only confirm the trend.
These are statistics that should set not alarm bells ringing, but whacking great air raid klaxons. Because the global economy is polarising, as Haldane points out, between the productive and the unproductive – between “frontier” firms and countries, which make full use of the latest technological and managerial innovations, and laggards.
As Britain slips towards the back of the productivity pack, it becomes a place that relies not on the dynamism of its workers, but the fact they are dirt cheap - which is not a comfortable or sustainable position to be in.
So how do we fix this - apart from inviting in those foreign “vultures” to teach us how to be proper capitalists?
One solution suggested by Sir Charlie Mayfield’s official Productivity Review is to make firms aware of the problem. Just as each of us thinks we are an above-average driver, every firm tends to think of itself as well run. Confront executives with the figures, and they will sharpen up their act.
We also need to expose firms to the global market. Companies that export tend to be more productive than those who don’t. That's why some Brexiteers saw a Leave vote as a form of shock therapy - a way to force complacent British firms to shape up.
But this is a policy challenge that stretches beyond company management. We need better education and training. We need greater investment in IT. And above all, we need workers to be in the right places.
One of the most interesting laws of population is that productivity, like many other things, scales up with community size. Huddersfield will never be as productive as London, simply because it is smaller.
So one reason Britain's housing crisis has inflicted such devastating economic harm is that low housebuilding and high house prices have pushed workers away from the most productive parts of the country, trapping them in towns and jobs where they cannot reach their economic potential.
A new Resolution Foundation study confirms that the young are decreasingly likely to move for work - which means the British economy is getting even worse at marrying people to the most productive jobs, and giving them the highest possible salaries.
Britain was once known as the sick man of Europe. Today, we are still sick. And low productivity is our crippling disease.
Robert Colvile
Editor, CapX
 

Questionário sobre carreira diplomatica - Paulo Roberto de Almeida

Mais um daqueles questionários, com a peculiaridade que este nunca foi divulgado anteriormente.


Questionário sobre carreira diplomática

Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocada...


1) Qual sua formação acadêmica?
PRA: Doutor em Ciências Sociais, Mestre em Planejamento Econômico, Licenciado em Ciências Sociais; Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco.

2) Como a sua formação acadêmica o preparou para sua profissão?
PRA: As ciências sociais, em suas diferentes vertentes, possuem larga interface com o concurso e com a própria carreira diplomática: economia, ciência política, sociologia, antropologia, história, direito, estatística, geografia, todas essas matérias foram por mim estudadas nos diversos cursos de graduação e pós que tive a oportunidade de frequentar e de obter diplomas.

3) Como é seu dia-a-dia como diplomata?
PRA: Já respondi diversas vezes a este tipo de questão. Recomendo, em consequência, consultar este trabalho: http://diplomatizzando.blogspot.fr/2009/05/1112-carreira-diplomatica-respondendo.html.

4) Quais suas atividades como diplomata?
PRA: Em grande medida respondidos nos diversos textos consolidados em meu site e blog.

5) Quais as frustações de seu trabalho?
PRA: Não muito diferentes das demais profissionais: problemas de hierarquia, de disciplina (aqui mais do que em outras profissões), de não aproveitamento burocrático dos trabalhos produzidos no contexto da profissão, ausência de instruções claras para tratar de determinadas questões em conferências internacionais, ou elaboração deficiente dessas mesmas instruções, quando não se coadunam com um perfeito embasamento técnico do tema em pauta; a carreira diplomática é, como toda grande burocracia, feita de muitos interstícios decisionais, e nem sempre o ambiente coletivo, na ausência de estudos exaustivos, favorece uma perfeita tomada de decisões adequada ao contexto brasileiro.

7) Quais suas expectativas em relações ao mercado de trabalho?
PRA: A carreira de diplomata é de Estado, portanto, depois de fazer o concurso de ingresso, tal questão não se coloca mais, pois passamos a estar a serviço do Estado, retirados do mercado. Este só vale para os chamados internacionalistas, que vivem nessa área, mas não possuem carreira de Estado, e sim devem se inserir no mercado com agentes privados ou entidades coletivas, em relações contratuais. O diplomata não possui um contrato de trabalho e sim um estatuto que rege sua profissão.

8) Quais são as características pessoais necessárias para o exercício da profissão?
PRA: Grande conhecimento das áreas afins, sobretudo direito, economia, história, línguas e, evidentemente, relações internacionais; flexibilidade para trabalhar nos mais diferentes ambientes; disponibilidade para ser um perfeito nômade; adaptabilidade a novos ambientes de trabalho e de vida.

9) O que você menos gosta no seu trabalho?
PRA: Talvez a disciplina e a hierarquia, mas reconheço que são dois requisitos necessários nesse tipo de entidade, fortemente embasada no cumprimento de instruções, dos deveres básicos de um serviço coletivo, no âmbito do Estado.

10) Quais as diferenças entre um internacionalista e um diplomata?
PRA: Um diplomata é um servidor público. Um internacionalista é todo aquele que trabalha nas áreas afins às relações internacionais, mas costuma-se reservar a designação para os graduados na área ou que se preparam para trabalhar nesse área fora do âmbito do Estado.

Paulo Roberto de Almeida
Paris, 10 de abril de 2012.