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sexta-feira, 12 de agosto de 2022

O desafio democrático - Sergio Fausto (revista Piauí)

Para salvar o Brasil, não bastará derrotar Bolsonaro nas urnas

Sergio Fausto 

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

À espera de Lula - Marcos Magalhães (Metrópoles Online)

 À espera de Lula

Marcos Magalhães

Metrópoles Online
09 de agosto de 2022

Gustavo Petro torce pela vitória do petista contra Bolsonaro

Era um domingo de festa em Bogotá. Depois de duas tentativas frustradas, o economista Gustavo Petro, de 62 anos, tomava posse como o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia. Ao grupo de jornalistas brasileiros que lhe perguntaram quais eram suas expectativas sobre o vizinho ao sul, ele foi sucinto: "Pois, que ganhe Lula!".

Oitenta e três dias separam a simbólica cerimônia de posse de Petro - e de sua vice-presidente negra Francia Márquez - do segundo turno das eleições brasileiras. E dois meses inteiros ainda se passarão antes que chegue ao Palácio do Planalto o vencedor nas urnas eletrônicas.Já é possível observar, porém, que a grande mudança na Colômbia pode ser considerada o mais recente capítulo de um importante ciclo de transformações políticas que tem lugar nos últimos anos na América do Sul. Um ciclo cujo momento mais importante ocorrerá neste ano, no Brasil.Alguns dos protagonistas desse ciclo estiveram presente no domingo à posse do novo presidente colombiano. Viajaram a Bogotá para prestigiar a cerimônia, por exemplo, os novos presidentes da Bolívia, Luis Arce, e do Chile, Gabriel Boric - ambos de uma nova geração de líderes de esquerda no subcontinente.

Jair Bolsonaro preferiu enviar seu ministro das Relações ExterioresCarlos França, que logo tratou de classificar as declarações pró-Lula do novo presidente colombiano como frutos tardios da retórica eleitoral. Mas em Brasília se detecta com clareza a onda de mudanças que se espalha nas demais capitais sul-americanas.Caso Bolsonaro venha a obter um novo mandato, estará praticamente cercado de governos um pouco mais ou um pouco menos à esquerda, com as exceções do Paraguai e do Uruguai, os dois sócios menores do Brasil no Mercosul.Se Luís Inácio Lula da Silva voltar a ser o presidente, por outro lado, as mudanças que começaram a oeste e agora se espalham ao norte do subcontinente chegarão ao coração da América do Sul. E poderão exercer influência sobre os resultados das eleições previstas para o ano que vem na Argentina, principal sócia brasileira na integração regional.

Mas que tipo de esquerda será essa? Aparentemente uma esquerda menos barulhenta que a do início do século, quando os vastos recursos provenientes da exportação de commodities agrícolas e minerais irrigavam promessas de bem-estar nem sempre realizadas.A nova safra de governos de esquerda não contará com os benefícios de uma economia mundial em expansão. Muito pelo contrário, existem indicadores de permanência de altas taxas de inflação e de baixos índices de crescimento - quando não de recessão.A primeira consequência imediata é a ascensão do pragmatismo como qualidade política. Os novos líderes sabem que precisarão equilibrar promessas de crescimento e de distribuição de renda com medidas de austeridade, o que pode tornar mais curta a lua de mel com os eleitores.Mas há também uma oportunidade ainda pouco explorada no novo cenário global, mas que pode ser bastante útil para governos sul-americanos dispostos a abraçar um novo modelo econômico: o estímulo global à construção de uma economia de baixo carbono.

Isso vale até mesmo para países de intensa exploração de hidrocarbonetos como a Bolívia, que obtém boa parte de suas reservas internacionais com a exportação de gás natural. O país já tenta se posicionar - assim como o Chile - como grande produtor de lítio, mineral essencial para a produção de carros elétricos.Os horizontes ainda apenas entrevistos da transição ecológica abrem também grandes possibilidades para a Colômbia de Petro. Assim como para o Brasil. Os dois países contam com largas porções de seus territórios cobertos pela floresta amazônica, que pode vir a ser exemplo mundial na construção de uma nova e inclusiva bioeconomia.

O Brasil detém mais de 60% da floresta, enquanto a Colômbia responde por aproximadamente 6% do total. Mas a floresta representa nada menos do que 40% do território colombiano. Ou seja, boa parte do futuro do país depende do futuro da Amazônia.Atualmente a região de fronteira entre os dois países é mais conhecida pelos riscos ligados ao narcotráfico e à destruição da floresta. O novo presidente colombiano disse que a guerra contra as drogas foi perdida, e ele ainda precisará demonstrar como pretende lidar com o tema.Em seu discurso de posse, porém, Petro já demonstrou que pretende adotar políticas favoráveis à transição ambiental e valorizar a Amazônia, que classificou como "um dos pilares do equilíbrio climático e da vida no planeta".Em sua opinião, é possível transformar a população que hoje habita a região em cuidadora da floresta, mas para isso são necessários recursos internacionais. Ele propôs converter a dívida externa em investimentos para recuperar as florestas. Anunciou também que pretende se empenhar na defesa ambiental."Não vamos permitir que a avareza de uns poucos ponha em risco a nossa biodiversidade", disse Petro em seu discurso, onde defendeu a transição para uma economia sem carbono e sem petróleo. "A Colômbia será uma potência mundial da vida. O planeta Terra é a 'casa comum' dos seres humanos, e a Colômbia vai liderar essa luta pela vida planetária".Gustavo Petro terá quatro anos de mandato para dar início à guinada que pretende promover em seu país, em busca de paz, proteção ambiental, distribuição de renda e crescimento econômico. Não será trivial.Se a tendência de mudança na América do Sul contagiar o Brasil em outubro, ele poderá ter o novo ocupante do Palácio do Planalto como parceiro nessa difícil tarefa. Petro já está à espera de Lula. 

Marcos Magalhães

Governo 'esconde' raio-x sobre direitos humanos entregue para a ONU - Jamil Chade (UOL)

 Esconder as vergonhas e os desatinos é típico e próprio deste desgoverno.

Governo 'esconde' raio-x sobre direitos humanos entregue para a ONU

Jamil Chade
Colunista do UOL
11/08/2022 04h00

O governo de Jair Bolsonaro não distribui para a sociedade civil o informe final que o Executivo foi obrigado a preparar sobre a situação de direitos humanos no país e que foi entregue para a ONU, nesta semana.

No final de novembro, o Brasil passa por uma sabatina de suas políticas de direitos humanos e, na ocasião, governos e ativistas de todo o mundo poderão questionar e criticar as atitudes das autoridades brasileiras.

Mas, para tal exercício, o governo é obrigado a apresentar sua versão do que foi feito em termos de direitos humanos no país. Durante o governo de Michel Temer, o mesmo informe foi entregue à sociedade civil no mesmo dia em que as autoridades apresentaram os dados para a ONU.

Questionado, o Itamaraty afirmou que "governo brasileiro entregou o relatório ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Genebra dentro do prazo estipulado, que deverá ser tornado público pelo referido Escritório nas próximas semanas, conforme calendário e procedimento estipulado pela organização".

A versão dada para a sociedade civil foi de que o governo esperaria algumas semanas antes de divulgar o informe, para aguardar eventuais comentários que a ONU possa ter.

Já o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, órgão legalmente responsável pela elaboração do relatório, disse apenas que repassou o documento ao Itamaraty.

Na ONU, a informação oficial é de que o informe será traduzido nas línguas oficiais e formatado para entrar no modelo padrão. A expectativa é de que o informe seja colocado nas páginas oficiais das Nações Unidas um mês antes da sabatina.

Mas nada impede que o governo, por decisão própria, circule o informe entre os atores da sociedade civil e da imprensa, inclusive por uma questão de transparência.

Informe preliminar do governo ignorou crise social e criticou ONU 
Em maio, o governo chegou a circular uma versão preliminar do informe para consulta pública. Mas ativistas de direitos humanos apontam que, sem ver a versão final por parte do governo, não há como saber se aquele documento inicial foi mantido ou modificado.

Sem citar crise social e nem números de famintos que explodiu, governo insistiu na versão preliminar do informe em destacar o papel do Auxílio Emergencial.

"As políticas de direitos humanos empreendidas pelo Estado brasileiro foram orientadas para garantia de direitos essenciais das populações mais vulneráveis. Assim, destacam-se como públicos atendidos mulheres, crianças e adolescentes, idosos, povos e comunidades tradicionais e pessoas com deficiência, principalmente", afirmou.

"No contexto da pandemia da COVID-19, que assolou o mundo nos últimos 2 anos e meio, tais públicos estão entre os cerca de 68 milhões de brasileiros diretamente e prioritariamente contemplados pelo Auxílio Emergencial que buscou mitigar os efeitos financeiros causados nas famílias, pois mães chefes de família receberam o auxílio financeiro em dobro, respeitando sua condição de maior vulnerabilidade", disse.

O governo também omitiu a demora na compra de vacinas e o fato de que Bolsonaro chegou a criticar o imunizante. No informe, o Executivo apenas afirma que, "em fevereiro de 2022, 85% da população já estão plenamente imunizadas".

"A esse respeito, cabe esclarecer que foram distribuídas mais de 380 milhões de doses de vacina em nosso país, com priorização de grupos mais vulneráveis, inclusive dos povos indígenas, estes já completamente imunizados em sua grande maioria", disse.

O que ainda surpreendeu as entidades da sociedade civil foi a decisão do governo brasileiro de destinar um importante trecho do documento a críticas contra a ONU.

"Apesar do comprometimento do Poder Executivo Federal ao longo do 3º ciclo, temos visto o desenvolvimento de diversas iniciativas relacionadas à RPU sendo apoiadas pela ONU no Brasil sem o envolvimento do governo federal, seja na formulação dessas iniciativas, seja nas etapas subsequentes", afirmou o governo.

O documento ainda se queixou do fato de que, ainda que a competência foi realizar o informe seja do Executivo, a ONU não entrou em contato "para ações de construção de capacidade, apoio ou assistência técnica, ao passo que outros poderes e outros atores foram fortalecidos e priorizados no processo, sem a participação do Governo Federal".

"O que observamos ao longo do 3º ciclo foi uma escolha da ONU em priorizar outros atores institucionais em detrimento do Governo Federal, quando muitas vezes os demais poderes sequer se posicionam como Estado e, nessa divisão confusa de papeis, acabam

"cobrando" do Executivo como se apenas este fosse responsável por dar cumprimento às recomendações endereçadas ao Brasil", criticou o governo.

"Registramos, para o 4º ciclo, a expectativa de que a ONU reposicione sua atuação no país no que diz respeito à maior coordenação com o Poder Executivo nas ações de construção de capacidade, assistência técnica e apoio, sem abandonar os avanços já obtidos com os demais poderes (Legislativo e Judiciário)", completou.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/08/11/governo-esconde-raio-x-sobre-direitos-humanos-entregue-para-a-onu.htm

Carta em defesa do Estado Democrático de Direito, em 11/08/2022 - entrevista Celso Lafer (OESP)

Uma entrevista absolutamente essencial sobre o sentido histórico da manifestação cidadã de 11 de agosto no território livre da Faculdade de Direito da USP, na linha da Carta aos Brasileiros, de 1977,  contra a ditadura militar, e agora uma nova Carta, contra uma ameaça de ditadura.

Paulo Roberto de Almeida


Manifestos geram poder de resistência para preservar a democracia, diz Celso Lafer

Por Marcelo Godoy
Estadão, 11/08/2022 | 05h00

Para jurista e ex-chanceler, Bolsonaro é a ‘expressão de um líder da facção’ e cometeu crime de responsabilidade por atentar contra decoro do cargo em reunião com embaixadores para difamar as urnas eletrônicas

O professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e ex-chanceler Celso Lafer afirmou que, ao atacar de maneira infundada as urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro revela “falta de confiança na Constituição e, por tabela, no pacto da redemocratização. O jurista estará presente nesta quinta-feira, 11, na leitura do manifesto Estado de Direito Sempre!. “Penso que o Bolsonaro é a expressão de um líder da facção. É o que alimenta a polarização de um governo facilitado pelo segredo, que oculta e esconde, como no caso do orçamento secreto, que se contrapõe à transparência e ao princípio constitucional da publicidade, que permite o controle dos governados.”

Lafer diz confiar na resiliência das instituições e na atuação da sociedade civil para a preservação da democracia e das liberdades. E vê nos diversos manifestos em defesa das eleições uma expressão da “sensibilidade democrática da sociedade brasileira, que gera poder para afirmar uma resistência a qualquer tentativa de atropelo”. Por fim, o jurista afirmou: “Não existe papel próprio das Forças Armadas para a fiscalização dessas e de outras eleições.”

Leia aqui a íntegra de sua entrevista ao Estadão.

Que tipo de ação o manifesto pode iniciar nesse momento que a Nação vive?

O manifesto, por ter se ligado ao antecedente, à Carta aos Brasileiros, de 1977, e os outros manifestos que estão surgindo resultam da percepção de que existe uma insegurança na sociedade brasileira, insegurança também gerada pela polarização. E uma das razões fundamentais dessa insegurança é a ameaça que ronda o Estado de Direito. Essa insegurança nasce de várias manifestações do presidente que se contrapõem às regras do jogo democrático, e a mais óbvio delas é o capítulo das eleições, a sua lisura, a sua periodicidade e a maneira pela qual em nosso País a Justiça Eleitoral e as urnas eletrônicas têm assegurado uma regra fundamental do jogo democrático: eleições livres e a transição de poder. É a ameaça da polarização, os riscos que geram essa insegurança, que explicam a razão desse manifesto. Ele tem muitas qualidades. A primeira delas é a natureza institucional. Não é um documento partidário. É uma defesa do Estado Democrático de Direito, que, afinal de contas, é o que estipula a Constituição em seu artigo primeiro. Ele tem a qualidade da formulação e, igualmente, a abrangência de apoios. A fonte inspiradora foi a Carta do professor Gofredo (da Silva Teles), mas isso alcançou uma irradiação mais ampla e abrangente de diversos setores da sociedade civil. Não resisto à permanente tentação de citar Hannah Arendt, quando ela diz que você gera poder pela ação conjunta. Os manifestos são uma geração de poder voltada para preservar as instituições democráticas.

Se esfera pública é o espaço onde se efetiva a liberdade, qual é a importância do manifesto para reafirmar as liberdades?

Como nós sabemos, a liberdade não é una, mas múltipla. Ela é como disse a Cecília Meirelles no Romanceiro da Inconfidência: “é uma palavra que o sonho humano alimenta”. Uma das dimensões da liberdade é evidentemente o potencial de autorrealização do indivíduo; outra é a liberdade do cidadão de participar da coisa pública, da res publica, clássica análise da liberdade antiga, que é um valor visto da perspectiva da ação. Outra dimensão é a liberdade como não interferência, como assegurar um espaço onde eu não sou governado nem pelo Estado nem pelos outros e é, nesse sentido, que a liberdade é essa palavra que o sonho humano alimenta. Ela pressupõe que o mundo não seja uma realidade necessária, mas um conjunto de probabilidades e de possibilidades, a faculdade de começar algo novo, tanto na singularidade da liberdade individual da autorrealização da pessoa quanto naquilo que ocorre na pluralidade da convivência da liberdade pública. E, naturalmente, o Estado Democrático de Direito é uma organização da convivência coletiva que permite o exercício das múltiplas dimensões da liberdade.

A pluralidade está sob ataque daqueles que pretendem negar a política. Por que reafirmar a política e garantir o seu espaço é tão importante para a defesa dos direitos humanos?

Eu vou responder em duas partes. Começando por uma observação de que o Estado Democrático de Direito é a expressão de uma pergunta clássica. O que é melhor: o governo das leis ou o governo dos homens? E aí vem a preferência pelo governos das leis. A lei tem generalidade, ela não obedece a paixão dos homens e, ao respeitar a lei, o governante se vê tolhido do exercício de suas preferências pessoais. É o respeito à lei que impede que o governante exerça o poder em defesa do interesse privado. A expressão moderna da preferência pelo governo das leis é o constitucionalismo. Ele tem entre as suas matrizes inspiradoras o legado da revolução americana e as virtudes que têm para a organização da convivência coletiva, que é o espaço da pluralidade. Qual é esse legado? O mérito de uma Constituição escrita, a existência da hierarquia das normas, a divisão dos poderes, o papel do Judiciário independente e a tutela dos direitos humanos. Por quer a tutela dos direitos humanos é tão importante? Porque ela insere no ordenamento jurídico – é uma grande observação do (Norberto) Bobbio – a perspectiva dos governados. Do dever do súdito para o direito do cidadão. É ela o que contém também a discricionariedade dos governantes. É o que abre o espaço para a pluralidade. Num Estado Democrático de Direito o poder é regulado por normas jurídicas e deve ser exercido com respeito a elas. A ação política submete-se ao juízo de conformidade que deve ser de conformidade às normas fundamentais e à Constituição. É o tema do juízo de conformidade que está em jogo quando faço a defesa do Estado Democrático de Direito. E, naturalmente, o poder político nesse contexto é limitado pelas normas jurídicas, pela tutela dos direitos humanos e pelas leis. Ou seja, a Constituição estipula o que um governo pode e não pode fazer, quem tem competência ou autoridade para tomar uma decisão. A afirmação do Estado de Direito sempre significa – e essa é a minha linha de reflexão – assegurar a segurança das expectativas que permitem a fruição das múltiplas dimensões da liberdade. É o que está em jogo hoje, pois há uma difusão do senso de insegurança que se combina com a intensidade da polarização. Para dar um exemplo óbvio: não temos carros que saem com símbolo de adesão a tal ou qual candidatura, não temos pessoas com camisetas com o nome de tal ou qual candidato. Há uma insegurança de explicitar a sua escolha, a sua preferência. É isso que motiva a carta aos brasileiros assim como o manifesto da Fiesp, pois naturalmente, também o bom funcionamento da economia depende da segurança da garantia do direito. Agora, depois disso, volta à pergunta, com o perdão de recorrer novamente à Hannah Arendt. A pluralidade é o conceito à qual Hannah Arendt deu uma importância especial. Eu diria que o conceito de pluralidade permeia a obra dela. O que ela quer dizer com isso? Que nós somos ao mesmo tempo iguais e diferentes. É o que nos caracteriza constitutivamente como pessoas e como membros da comunidade política, como agimos e como pensamos. E nós existimos no plural e não no singular, em um mundo que não se reduz à multiplicação da espécie. O tema da pluralidade coloca a nossa responsabilidade de organizar politicamente a convivência da pluralidade humana, e eu penso que é isso que faz o Estado Democrático de Direito, que cria o espaço para o exercício das liberdades, que é o que nos permite, enfim, ser ao mesmo tempo iguais e diferentes. Ela é uma recusa á uniformidade . Volto ao tema dos direitos humanos, do dever do súditos para o direito do cidadão e das pessoas, que significa que você instaura na convivência coletiva não a perspectiva do governante, mas a legitimidade da perspectiva dos governados. Por isso, é democrática a tutela direitos humanos como um dos componentes do Estado de Direito.

Se a liberdade é a razão de ser da política, é possível dizer que aqueles que apregoam a antipolítica na verdade querem atacar a liberdade?

Eu acho que sim, pois a política é fruto desse processo de ação conjunta e é inerente às instituições de um Estado de Direito e a antipolítica apregoa, no fundo, uma uniformidade, que é a negação das liberdade e da liberdade em uma de suas dimensões, que é a liberdade como participação. O professor Gofredo, na Carta de 1977, que é uma contestação do regime autoritário disse: ‘Nós não queremos o regime que governa para nós sem nós. O nós do Estado Democrático de Direito permite, assegura e consagra’.

O senhor deve estar presente amanhã na Faculdade?

Eu vou. E queria fazer uma observação sobre por que é significativo a leitura da carta no pátio da faculdade. O pátio da faculdade é um local de memória, do papel multissecular dos alunos, de gerações e gerações de alunos da faculdade em prol das grandes causas da vida política nacional. O professor Gofredo tinha muita sensibilidade em relação ao papel da faculdade na história do Brasil e é por isso que atribuiu à leitura da carta no pátio da faculdade, à razão de ser daquele documento, uma expressão de bravura cívica, contestando o regime autoritário. Ela teve um papel muito significativo na capitalização do processo de redemocratização, que foi o que levou à Constituinte e à Constituição de 1988, que é a expressão do pacto da redemocratização. É esse pacto que está sendo questionado pelo presidente da República, não só nessas manifestações em relação à eleição, mas por todo o histórico do percurso dele, em que manifesta grande apreço pelo regime autoritário, inclusive, pelas dimensões mais negativas, como a discricionariedade. Então, é muito importante afirmar a relevância do Estado de Direito e é natural que tenha como antecedente a Carta de 1977.

Como o senhor classificaria os constante ataques do presidente à Justiça Eleitoral?

Eu vou ser simples na reposta, mas incisivo. Existem regras do jogo democrático, como eleições livres e alternância do poder. É o que têm sido garantido pelo TSE e pelas urnas eletrônicas. E é evidente que são infundados os constantes ataques do presidente à Justiça Eleitoral, aos seus membros e às urnas. Eles são um atentado às regras do jogo democrático, daí a oportunidade de uma nova carta, como essa que vai ser lida amanhã, dia 11 de agosto, pois o presidente da República revela em suas manifestações uma falta de confiança na Constituição Federal e, por tabela, em seu pacto de redemocratização.

O senhor usou o termo cupinização do Estado de Direito ao se referir ao governo Bolsonaro em 2021. E viu nele um governo inspirado na ideia da exceção do Carl Schmitt e na servidão voluntária de Étienne de La Boétie. Esse diagnóstico se mantém?

Esse diagnóstico se mantém. Mas deixe eu comentar a origem da metáfora. Eu recorri ao grande historiador da antiguidade, que era Políbio. Ele fez a análise das instituições políticas, do que as preservam e do que as degradam. E aí disse que a ferrugem compromete o ferro e os cupins comprometem a madeira. E existe o risco sempre da cupinização das instituições de um bom governo. Ele diz que existem os que são promotores da corrupção, que impelem a corrupção. Então, ele dá os exemplos: o demagogo grosseiro, o plutocrata das oligarquias que defendem os interesses de grupos específicos e os Césares de plantão das tiranias, que são componentes do populismo. A meu ver, você identifica ingredientes dessa corrupção na ação política do presidente, que procura, realmente, pela sua palavra e ação cupinizar as instituições democráticas e o Estado de Direito. É por isso que eu disse, citando o Carl Schmitt, que o importante não era a norma, mas a exceção; que o importante é o soberano, aquele que tem a capacidade de declarar a exceção. No fundo, a aspiração do presidente é não seguir a norma e decretar a exceção. A contraparte desse poder do governante é a servidão voluntária. Aí eu me lembrei da análise do fascismo, esse processo de identificação do povo com o chefe, o Mussolini. E um dos lemas deles era Duce, tu sei noi, Duce, você é a gente. Então, penso que no grupo mais aguerrido dos defensores de Bolsonaro existe essa identificação que identifica a figura do presidente com o tu sei noi, que é a servidão voluntária, adaptada à nossa conjuntura.

A criação de inimigos reais ou imaginários é um dos traços dos governos autoritários. O senhor acredita que essa característica se manifesta em forças políticas do Brasil? Em quais delas?

Eu acho que ela se manifesta inequivocamente e ela provém não só dos recursos da era digital, que multiplica o potencial das fake news, mas ela é proveniente do espírito de facção, em que o adversário torna-se o inimigo com o qual cabe travar um combate sem tréguas e sem limites. E as facções voltam-se para suas vantagens e privilégios, para a sua servidão voluntária. E desconhecem a res publica, que é comum a todos, e abre caminho para a res privada dos interesses particulares. Daí encontrar comunistas onde não existe mais um regime dessa natureza ou identificar aqueles que querem destruir a família. Eu penso que o Bolsonaro é a expressão de um líder da facção. É o que alimenta a polarização e uma governança facilitada pelo segredo que oculta e esconde, como no caso do orçamento secreto, que se contrapõe à transparência e ao princípio constitucional da publicidade, que permite o controle dos governados. Na democracia, como diz o Bobbio, o poder público é exercido em público. Mas o Bolsonaro almeja é ocultar nas arcas de seu Estado aquilo que ele não quer divulgar. Pôr em segredo por cem anos coisas dessa natureza é algo que escapa ao bom senso.

Como o sr. qualificaria a reunião mantida pelo presidente com embaixadores para difamar as urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral brasileira?

O presidente da República é o responsável pela condução da política externa do País e, nesse capítulo, ele exerce não só uma representação política e jurídica, mas também uma representação simbólica do que o País significa aos outros e quais sãos os ingredientes de atração ou afastamento que resultam da sua conduta. Obviamente, a mensagem que ele transmitiu de contestação das regras do jogo democrático são um absurdo, porque na avaliação de todos as urnas eletrônicas e a Justiça eleitoral tem sido exemplo de lisura e eficiência no trato da matéria. Olha, eu vou extrapolar, vou lembrar que existe a lei de 1950, que estipula crimes de responsabilidade. Em matéria de administração pública e de probidade, um dos critérios é uma conduta compatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. Claramente essa reunião feriu a dignidade, a honra e o decoro do cargo e, nesse sentido, é um exemplo do que é inaceitável e não deve ser feito. Só reforça o isolamento em que ele se encontra nessa matéria, exceto paras os adeptos da servidão voluntária.

Recentemente, o governo húngaro de Viktor Orbán teria oferecido ajuda ao presidente para sua reeleição. Como é que se pode classificar um contato desse?

A escolha de parceiros no plano internacional é sempre uma escolha pela afinidade no campo dos valores. A Hungria de Orbán é a expressão de uma afinidade antidemocrática. Além do que, se formos aos extremos jurídicos, fere o princípio de não intervenção. E, para voltar aos crimes de responsabilidade, também considera-se crime de responsabilidade aqueles contra a existência política da União, entretendo direta ou indiretamente inteligência com governos estrangeiros, levando-os a cometer hostilidades contra a República. É a escolha de um parceiro que só aumenta a razão de ser de nossos manifesto. É o exemplo de alguém que promoveu a cupinização das instituições democráticas da Hungria: o Congresso, as universidades e o Judiciário. É o antimodelo do que queremos.

Bolsonaro também teria feito críticas a Lula da Silva e pedido ajuda ao presidente americano Joe Biden ajuda para sua reeleição. Esse comportamento é semelhante ao outro com Orbán?

Biden foi eleito para preservar a alma dos EUA, tendo em visto o que foi a presidência Trump e as ameaças à democracia com a invasão do Capitólio. Então, não faz sentido buscar a interferência de terceiros nem o seu apoio para escolhas políticas. Cabe sim você ter observadores internacionais que acompanham a transparência de um processo democrático, que obedece a ideia da publicidade.

Qual o papel que o Ministério da Defesa e os militares devem ter na eleição, se é que devem ter um, e por que a República brasileira até hoje não conseguiu instituir de forma satisfatória o princípio da subordinação do Poder Militar ao Civil?

A criação do Ministério da Defesa e o exercício desse ministério por um civil foi uma das conquistas do processo de redemocratização. E foi algo que foi levado adiante com muito cuidado, mas com muita perseverança pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que sempre reiterou com toda razão que a democracia foi um valor que norteou sua vida pública. O papel das Forças Armadas é de subordinação ao poder civil, ao poder da República. É o que contempla o artigo 142 da Constituição Federal, que foi fruto do pacto da redemocratização. Não está no âmbito de sua competência ser “o poder moderador”, como existia na Carta do Império, uma magistratura própria para arbitrar conflitos. Instigar uma mudança do papel das Forças Armadas é questionar as regras do jogo democrático. O mesmo vale em outra esfera para os militares dos Estados, que são igualmente regidos pela hierarquia e pela disciplina. As posições do presidente nessa matéria são também uma expressão de seu empenho inédito de atribuir às Forças Armadas um papel que não está no âmbito do que estimulam as normas do Estado Democrático de Direito. É o que inspira a preocupação, que levou aos manifestos. A competência para a condução das eleições cabe à Justiça Eleitoral e aos seus magistrados, que têm exercido esse papel com grande qualidade e muito sentido cívico. Não existe papel próprio das Forças Armadas para a fiscalização dessas e de outras eleições.

Qual o futuro que o senhor enxerga para a democracia e para as liberdades no Brasil?

Eu confio na resiliência das instituições e na atuação da sociedade civil para a preservação da democracia e das liberdades. E vejo, justamente, nessa nossa carta como nos diversos manifestos que estão pipocando, uma expressão dessa sensibilidade democrática da sociedade brasileira, que gera poder para afirmar uma resistência a qualquer tentativa de atropelo.

Toda essa mobilização da sociedade civil não pode acabar sendo vista por uma parte da sociedade apenas como uma reação da elite, enquanto a base da pirâmide se sentiria atraída pelos benefícios sociais e pela maquiagem dos problemas econômicos que o Bolsonaro têm se esforçado tanto em oferecer e conceder nesse ano eleitoral? Não seria fenômeno semelhante ao que afetou no passado a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes?

Sim, na eleição em 1950. Esse é um risco, evidentemente, que as iniciativas do presidente gerem simpatia nos que são os mais necessitados. Não há dúvida de que o problema da desigualdade é um dos primeiros da agenda política do nosso País. Agora, eu vejo tanto na candidatura do ex-presidente Lula quanto na candidatura de Simone Tebet uma clara sensibilidade em relação a esse tema da desigualdade e do acesso aos benefícios tão indispensáveis para as melhorias das condições de vida, a ideia de renda mínima e sucessivamente. De maneira que eu creio de que eles terão condições de colocar isso, como sendo parte constitutiva de suas propostas de governo.

https://www.estadao.com.br/politica/manifestos-geram-poder-de-resistencia-para-preservar-a-democracia-diz-celso-lafer/

Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito! - Vamos todos assinar!

 903.505 adesões em torno de 01:45hs deste dia 11 de agosto. Às 10:00hs será lido a carta-manifesto, quando o ideal seria termos UM MILHÃO de assinaturas no documento. Vamos lá minha gente, um último esforço junto a famíliares e amigos, ou via disseminação em suas redes e grupos. Todos assinando neste link: https://www.estadodedireitosempre.com/

Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:

Estado Democrático de Direito Sempre!!!!


Assine a Carta em defesa do Estado Democrático de Direito


quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Caderno do CEBRI sobre a diplomacia regional do Brasil: lançamento em painel no IRI-USP

 Apresentação do vídeo de lançamento neste link: 

https://www.youtube.com/watch?v=xTfaxGwJzmM

Policy Papers do CEBRI

A Hora da Diplomacia Brasileira Voltar a Priorizar o seu Entorno Regional



Nenhum país do mundo consegue ser relevante globalmente se não for relevante em seu tabuleiro regional. Em que pese a importância relativa dos nossos vizinhos em nossas exportações de bens semimanufaturados e manufaturados, o Brasil
atualmente está à deriva na América do Sul e, com isso, deixamos um vácuo de poder na região e promovemos uma enorme retração do processo de integração sul-americano. O Brasil precisa ser um ativo promotor do desenvolvimento na região e dos processos de cooperação e integração entre os países da América do Sul.

Download do paper: 



Lula virou um bolsonarista anti-China? Não, ele apenas quer agradar a FIESP - O Antagonista

 "A China está ocupando o Brasil, está tomando conta do Brasil", diz Lula; assista ao vídeo

09.08.22 16:22
Redação O Antagonista

Lula disse, em debate na Fiesp nesta terça-feira (9), que a China está “ocupando” e “tomando conta” da economia brasileira. “A gente tem a ilusão, dizendo que a China está ocupando a África, a América Latina. Não, ela está ocupando o Brasil. Ela está tomando conta do Brasil“, declarou o petista.

“Eu achei muito grave isso, achei muito grave”, acrescentou, ecoando críticas normalmente feitas por Jair Bolsonaro.

O presidenciável listou a participação de fabricantes chineses em diversos produtos comercializados no Brasil.

Sem citar suas fontes, Lula afirmou que eles são responsáveis por 95% dos eletrodomésticos no mercado brasileiro.

Ele também atribuiu aos fabricantes chineses, dentre outros produtos, 79% dos cabos de fibras ópticas e 77% dos equipamentos de comunicação vendidos no Brasil.

“Eu fiquei muito assustado quando vi isso”, disse.

O petista disse que o empresariado, e não o governo, deve encontrar a solução para se contrapor à influência dos fabricantes chineses na economia brasileira.

O petista aparenta se esquecer de que, em 2004, durante o seu primeiro mandato presidencial, o governo brasileiro reconheceu a China como uma economia de mercado.

A medida significa que qualquer processo antidumping, que envolve produtos vendidos abaixo do preço do mercado, seja sujeito às regras da OMC, a Organização Mundial do Comércio.

“O Brasil hoje deu uma demonstração de confiança, deu uma demonstração de que a nossa relação estratégica é para valer. Isso é a demonstração mais inequívoca da objetividade, da seriedade e da prioridade que nós damos à relação Brasil-China”, disse Lula na época.

O ex-presidente também defendeu inúmeras vezes uma “parceria estratégica” com o gigante asiático, para estabelecer “uma nova ordem mundial”.

https://oantagonista.uol.com.br/brasil/a-china-esta-ocupando-o-brasil-esta-tomando-conta-do-brasil-diz-lula-assista-ao-video/

O Brasil e sua circunstância geográfica e diplomática - Paulo Roberto de Almeida (Interesse Nacional)

 Meu trabalho mais recente publicado:  

1466. “O Brasil e sua circunstância geográfica e diplomática”, portal Interesse Nacional (10/08/2022; link:https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-brasil-e-sua-circunstancia-geografica-e-diplomatica/). Relação de Originais n. 4209.

O Brasil e sua circunstância geográfica e diplomática

Por Paulo Roberto de Almeida*

Portal Interesse Nacional, 10 de agosto de 2022

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-brasil-e-sua-circunstancia-geografica-e-diplomatica/


Invasão da Ucrânia pela Rússia criou uma nova agenda nas relações internacionais que coloca o mundo ante uma nova divisão geopolítica. Próximo governo brasileiro terá de efetuar uma revisão dos conceitos básicos da atual diplomacia, com a adoção de uma política externa que vise a recuperação da credibilidade externa do país com foco em um retorno ao multilateralismo, na inserção do país na economia global, e na revisão das atuais ‘alianças estratégicas’ num sentido puramente pragmático


O filósofo espanhol Ortega y Gasset, escreveu, nas suas Meditaciones del Quijote (1914), uma frase constantemente repetida pelos seus admiradores: “Eu sou eu e a minha circunstância, e se não a salvo, eu tampouco me salvo.”

Cabe, com efeito, atribuir forte importância à geografia, que pode ser considerada como a circunstância inevitável no plano das nações ou, mais precisamente, dos Estados e sua geopolítica. Em outros termos, os Estados podem escolher a sua organização interna, na esfera política e econômica, e sobretudo suas relações externas, mas eles não podem escolher a sua geografia. Ela lhes é dada pela história, ou seja, pelo longo desenvolvimento de um povo –ou vários deles– num determinado território, partindo dessa condição primária para constituir uma nação, ou um Estado, ou seja, a representação dessa nação no âmbito regional e internacional. A do Brasil é a América do Sul, sempre foi e sempre será.

‘A circunstância geográfica do Brasil, a sua projeção estratégica se estende não muito naturalmente pelos vastos espaços da América do Sul, e não muito além disso’

A circunstância geográfica do Brasil, a sua projeção estratégica –para usar um conceito dos geopolíticos– se estende não muito naturalmente pelos vastos espaços da América do Sul, e não muito além disso. Não naturalmente, pois que existem as barreiras naturais da Floresta Amazônica, dos contrafortes andinos, do próprio pantanal e da quase total ausência de facilidades de comunicações terrestres ou mesmo fluviais nos vastos ermos de nosso heartland, o cerrado central, penosamente acessados apenas pelos grandes rios da bacia amazônica, ao norte, e da bacia platina, ao sul. Nessa região se situava, justamente, o espaço natural de projeção do poder instalado na costa atlântica do Brasil, tanto que a metrópole portuguesa tentou por diversas vezes assenhorear-se da margem superior do Prata, instalando uma colônia em Sacramento e depois lutando contra os castelhanos para tentar manter a Província Oriental, ou Cisplatina, ou pelo menos garantir a livre navegabilidade dos rios da bacia do Prata, como única maneira de alcançar a província do Mato Grosso.

Como não se pode discutir com a geografia –pois ela existe, simplesmente, como dizia o teórico geopolítico Nicholas Spykman–, cabe examinar a circunstância diplomática do Brasil. Desse ponto de vista, se pode tomar como natural uma política externa do Brasil que buscasse construir um vasto espaço econômico integrado no coração da América do Sul, pela liberalização recíproca dos mercados e pela própria abertura até unilateral dos seus próprios mercados a todos os vizinhos regionais. Ou seja, construindo um espaço natural de projeção econômica, política e cultural do Brasil no seu entorno imediato, garantindo paz, segurança e prosperidade na América do Sul, os espaços “externos” seriam alcançados para fins de desenvolvimento econômico e social, mobilizando capitais, tecnologia, recursos de todos os tipos para conectar nossa economia, e a do espaço de integração liderado pelo Brasil, à dos grandes centros dinâmicos da economia global.

Tal seria a conformação de um relacionamento exterior, regional, continental e mais além, totalmente compatível com nossa dotação de fatores, nossas vantagens comparativas, nossa capacidade competitiva e nossas ambições diplomáticas de desempenhar um papel positivo em nosso “ambiente natural” –as circunstâncias geográficas– e mais além, em outros quadrantes de um planeta ainda muito desigual, mas vocacionado ao crescimento e à prosperidade, desde que as grandes potências, as economias avançadas, mas também as potências médias, como o Brasil, se concertassem em garantir paz e segurança –como rezam os primeiros artigos da Carta da ONU– e, a partir daí, traçar um vasto plano de eliminação da miséria, de redução da pobreza, e de cooperação ampliada visando elevar os indicadores de bem-estar de imensos contingentes dos povos e nações do planeta.

‘As circunstâncias geográficas e diplomáticas do Brasil recomendariam uma dedicação especial de sua política externa no sentido de recompor as bases de uma liderança natural em direção dos países vizinhos do continente sul-americano como a base indispensável para sua projeção global’

As circunstâncias geográficas e diplomáticas do Brasil recomendariam, portanto, uma dedicação especial de sua política externa no sentido de recompor as bases de uma liderança natural, que se exerceria a partir de um amplo projeto de abertura econômica –unilateral, se for o caso– em direção dos países vizinhos do continente sul-americano, como a base indispensável para sua projeção global. Assim foi feito sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, que refinou o antigo conceito regional da diplomacia brasileira, no sentido de se falar mais, e agir diretamente na América do Sul, preferencialmente a uma América Latina vagamente estruturada e submetida a outras circunstâncias que não apenas às dos povos e Estados ibero-americanos. Assim também foi feito no regime sucessivo, o de Luiz Inácio Lula da Silva, que buscou inclusive, devido a um não disfarçado antiamericanismo, afastar a OEA da América do Sul e criar, em seu lugar, novas instâncias de consulta e coordenação que, depois de idas e vindas, acabaram resultando na Unasul e em alguns de seus órgãos assessórios.

Mas, não contente de dispor de tais “vantagens comparativas” no continente, a antiga diplomacia lulopetista decidiu empreender novos saltos extrarregionais de puro voluntarismo diplomático internacional, primeiro congregando dois outros sócios no projeto do IBAS, a Índia e a África do Sul, depois se lançando com a Rússia, na construção do BRICS, que incorporou a China –sempre propensa a se utilizar de novos tabuleiros para seu projeto de preeminência global–, ambos carentes de estudos técnicos compatíveis com as prioridades econômicas e diplomáticas do Brasil, apenas respondendo a aspirações grandiosas de projeção internacional do então chefe de Estado.

Depois da invasão e anexação ilegais da península da Crimeia, juridicamente sob a soberania da Ucrânia, em 2014, pelo governo de Vladimir Putin, a nova decisão do líder russo de empreender uma guerra de agressão contra o país vizinho, em fevereiro de 2022, acelerou alguns desenvolvimentos que já se processavam no ambiente internacional, mas sobretudo criou uma nova agenda nas relações internacionais que coloca o mundo ante uma nova divisão geopolítica que se pensava superada na década final do século XX. Depois de quase meio século de um cenário bipolar –confrontando dois sistemas políticos e econômicos antagônicos, o mundo parecia encaminhar-se para uma “nova ordem internacional”, de impulso à globalização sobre a base de sistemas de mercados razoavelmente ancorados na ordem econômica de Bretton Woods: o multilateralismo econômico fundado num consenso básico em torno dos intercâmbios abertos administrados pela tríade FMI-BM-OMC.

No máximo, a antiga Guerra Fria geopolítica tinha dado lugar a uma nova Guerra Fria econômica, caracterizada pelo encolhimento geográfico e econômico da antiga União Soviética e pela irresistível e extraordinária ascensão econômica da China, impulsionada desde sua adesão ao GATT-OMC em 2001. Mas, o que foi chamado de “unilateralismo arrogante” por parte dos Estados Unidos, na última década do século XX, assim como sua postura paranoica de considerar a China um “adversário estratégico”, incitou esta última a rever sua posição mantida desde os anos 1970 (ou talvez até antes), de ver nos EUA um possível aliado na confrontação que ela mantinha com a União Soviética –por diversos motivos, inclusive territoriais– e de passar a reinserir o gigante americano no rol das antigas potências ocidentais que pretendiam manter o gigante asiático –quando este era o “homem doente” da Ásia– numa espécie de continuidade do “século de humilhações”.

O que ocorreu a partir daí foi uma reaproximação entre as duas grandes autocracias socialistas do passado, mediante diversos mecanismos –entre eles o próprio BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai–, até resultar na “aliança sem limites” proclamada por Xi Jinping junto a Putin, menos de um mês antes da invasão das forças russas contra a Ucrânia. Essa quase repetição da invasão da Polônia por Hitler, em 1939, criou uma nova situação internacional que colocou o Brasil em face de dilemas que não tinham sido registrados desde aquela época da Segunda Guerra Mundial. Com efeito, mesmo a ditadura do Estado Novo, depois do atropelo feito contra a Constituição de 1934, substituída pela “polaca” de novembro de 1937, não ousou contrariar a doutrina jurídica seguida sem hesitações pela diplomacia brasileira desde o Império: o Brasil não reconheceu a suserania nazista sobre a Polônia, assim como não reconheceu a incorporação dos três Estados bálticos ao império soviético em 1940, pois que tais usurpações do Direito Internacional tinham sido efetuadas por meio da força bruta, tal como se processou no caso da anexação russa da Crimeia, em 2014, e na subsequente invasão da Ucrânia oriental, assim como do resto do país, em 2022.

‘O Brasil conheceu, desde 2019, um processo de deterioração da qualidade de suas políticas públicas’

O Brasil conheceu, desde 2019, um processo de deterioração da qualidade de suas políticas públicas, a começar pelo fato de que, justamente, o país nunca exibiu, nesse período, um programa definido de políticas gerais ou setoriais em direção a metas ou objetivos claramente explicitados. O que tivemos, mais propriamente, foi uma ruptura com padrões usuais de governança, parcialmente na economia, enganosamente na política –que, a despeito dos anúncios iniciais, voltou ao velho padrão da “velha política”– e, bem mais nitidamente, em áreas setoriais, como meio ambiente, direitos humanos, cultura e educação e, sobretudo, nas relações exteriores, todas elas contribuindo para uma deterioração excepcional da credibilidade brasileira no plano internacional. Poucas dessas rupturas superam o desastre incomensurável que tem sido o rebaixamento da imagem do Brasil no ambiente externo e uma perda de qualidade notável da ação externa da diplomacia profissional.

A maior parte desses problemas deriva dramática incapacidade do presidente de não só não corrigir os problemas apontados por observadores isentos, mas de criar novos problemas e agravar os existentes, numa dramática demonstração de ausência de governança. Na área do meio ambiente, essa extraordinária capacidade de criar problemas para si próprio e para o país foi evidente, pois o que se registrou foram recordes seguidos de destruição ambiental, sobretudo na Amazônia, que estão justamente no cerne das críticas internacionais à atual postura do governante brasileira, ademais de seus reiterados ataques ao sistema democrático do Brasil, especialmente em relação ao seu fiabilíssimo sistema eleitoral.

O próximo governo terá de efetuar uma revisão dos conceitos básicos da atual diplomacia, com a adoção de uma política externa que vise a recuperação da credibilidade externa do país. Os eixos principais são, na área política, um retorno ao multilateralismo com base no Direito Internacional e em princípios e valores tradicionais de nossa diplomacia; na área econômica, cabe perseguir a inserção do país na economia global, por meio da abertura econômica geral e, sobretudo, da integração regional. Caberia, igualmente, proceder à revisão das atuais “alianças estratégicas” num sentido puramente pragmático, não mais ideológico. O Brasil precisa antes de tudo reforçar a sua circunstância geográfica e diplomática.


* Paulo Roberto de Almeida é diplomata, doutor em ciências sociais pela Université Libre de Bruxelles, mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia, licenciado em ciências sociais pela Université Libre de Bruxelles, 1975). Atua como professor de economia política no Programa de Pós-Graduação em direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). É editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional.