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segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Brasil ja comecou a falar grego?

No que depender do governo, sim, grego antigo e moderno, escrito e falado...

Comprometendo o futuro
SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo, 9.05.2010

A Grécia levou algum tempo para destruir os instrumentos de proteção ao crescimento e à estabilidade econômica e pôr no lugar o caos que fez mergulhar o país na maior crise social de sua história recente. Funcionou assim: por vários anos o governo gastou mais do que arrecadava, o déficit cresceu como bola de neve e, para cobri-lo, o país tomava empréstimos cada vez mais caros, elevando a dívida pública a patamares absurdos, impagáveis. Para esconder a ameaça de descontrole, os governantes falsificaram os indicadores econômicos e seguiram tomando empréstimos.

Mas o mercado financeiro não é bobo, percebeu a falseta e fez secar as fontes que jorravam dinheiro na Grécia. Falido, sem tostão para pagar os credores, o governo grego recorreu ao FMI para evitar o pior: a moratória que arrastaria a Europa inteira.

O leitor com mais de 35 anos conhece bem esse script. O Brasil o viveu em dois momentos: nas moratórias de 1982 e de 1987. Nos dois episódios, sair do caos e recuperar o crédito perdido implicou recessão econômica, retração dos investimentos, desemprego, congelamento de salários e empobrecimento do País e dos brasileiros. Como acontece agora na Grécia, aqui também ocorreram manifestações de protesto, confronto com a polícia, feridos nas ruas.

O governo FHC criou mecanismos institucionais para proteger o País contra gestões públicas irresponsáveis, e o mais importantes deles foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, que acaba de completar dez anos e foi comemorada em seminário em Brasília.

No debate foi unânime a aprovação à lei. Até o PT, que brigou para não aprová-la em 2000, hoje no governo a aplaude. Mas para governadores e prefeitos, não para a gestão Lula. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse no seminário ser contra definir limites para o endividamento da União, como há para Estados e municípios. Se José Serra for eleito, com certeza o ministro muda de opinião. Agora não, porque Lula quer ter liberdade para aumentar a dívida pública e emitir dinheiro para gastos questionáveis, sem se submeter a limites e ameaçando o futuro do País.

O governo Lula foi bem na gestão de gastos e da dívida enquanto o ex-ministro Antonio Palocci comandava a economia. Ele e Paulo Bernardo, do Planejamento, arquitetavam um plano de redução de despesas e da dívida pública quando foram golpeados pela ex-ministra Dilma Rousseff. A partir daí o governo deu uma guinada política em direção ao Estado forte, grande e caro, que não se limita a regular - interfere e toma o lugar de agentes privados.

No modelo Dilma, se o Estado precisa de dinheiro para funcionar, não há problema: aumenta-se a dívida pública, mas com a artimanha de maquiar a contabilidade e parecer para os credores que não vai tirar do superávit primário (economia para pagar a dívida). O governo transfere dinheiro para o BNDES e diz que está emprestando; emite dívida para capitalizar a Petrobrás e não inclui no superávit primário; promete fazer o mesmo com a Eletrobrás e, em final de gestão, ressuscita a Telebrás e empurra para o próximo presidente desembolsar R$ 3,2 bilhões para capitalizá-la. Nada disso entra na contabilidade da dívida líquida, mas a dívida bruta explode.

São esqueletos que o governo Lula deixa para o sucessor. E, como do Palácio do Planalto saem sinais de que quem comanda é o interesse político e o papel da economia é viabilizá-lo, os súditos da Câmara dos Deputados seguem a lição do chefe e aprovam o fim do fator previdenciário e o aumento de 7,7% para aposentados, acrescentando mais R$ 5,4 bilhões no enorme rombo na Previdência. Não causará espanto se Lula não os vetar. Afinal, o bem-amado não quer deixar o governo odiado por aposentados.

A situação financeira do Brasil é diferente da da Grécia. Mas a Grécia não chegou ao colapso rápido, foram anos de má gestão. Aqui, o risco é estarmos iniciando a trajetória da Grécia, conduzidos por um governo que gasta mais do que pode e expande a dívida pública para saciar seus gastos. E pior: com a inflação ascendendo.

3 comentários:

Glaucia disse...

Do blog do Reinaldo Azevedo:

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/lula-avisa-que-nao-havera-aumento-para-servidores-este-ano/

Paulo Roberto de Almeida disse...

Duas ressalvas:
Os funcionários públicos, de maneira geral, e algumas categorias, em especial, já foram contemplados com generosos aumentos nos anos passados, aliás, alguns meses passados.
Esses aumentos vão comprometer o orçamento público pelos próximos 40 anos e vão pesar, pesadamente se ouso dizer, sobre a Previdência pelos 40 anos seguintes, com agravamento do quadro muito em breve, tendo em vista as atitudes irresponsáveis de parlamentares, que dificilmente serão barradas pelo Executivo.
Segunda coisa: aposto que, com greves selvagens se multiplicando aqui e ali, o governo vai acabar cedendo para várias categorias.
Adivinha quem vai pagar a conta?
Essas bravatas políticas -- a expressão você sabe de quem é -- não me impressionam muito...
Paulo Roberto de Almeida

Glaucia disse...

Ah, disso estou certa: não há atitude lulesca que não possa ser descrita ou como uma irresponsabilidade esquerdista ou como uma traição das próprias convicções, ou como um jogo de cena, não? Já foi colocado por outro bem melhor do que eu seria capaz:

"Desenganados da legalidade, alguns principais da vila recorreram secretamente ao barbeiro Porfírio e afiançaram-lhe todo o apoio de gente, de dinheiro e influência na corte, se ele se pusesse à testa de outro movimento contra a Câmara e o alienista. O barbeiro respondeu-lhes que não; que a ambição o levara da primeira vez a transgredir as leis, mas que ele se emendara, reconhecendo o erro próprio e a pouca consistência da opinião dos seus mesmos sequazes; que a Câmara entendera autorizar a nova experiência do alienista, por um ano: cumpria, ou esperar o fim do prazo, ou requerer ao vice-rei, caso a mesma Câmara rejeitasse o pedido. Jamais aconselharia o emprego de um recurso que ele viu falhar em suas mãos e isso a troco de mortes e ferimentos que seriam o seu eterno remorso.

— O que é que me está dizendo? perguntou o alienista quando um agente secreto lhe contou a conversação do barbeiro com os principais da vila.

Dois dias depois o barbeiro era recolhido à Casa Verde.— Preso por ter cão, preso por não ter cão! exclamou o infeliz."