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segunda-feira, 29 de março de 2010

1015) Contas publicas enroladas - Carlos Alberto Sardenberg

Alguém vai se decepcionar
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo, 29.03.2010

Para ficar apenas no noticiário mais recente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer capitalizar, ou seja, colocar mais dinheiro na Petrobrás, na Eletrobrás, na Telebrás, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e num novo banco de financiamento à exportação.


Também quer gastar dinheiro, na forma de subsídios a compradores e de financiamento a empreiteiras, para "acabar com o maldito déficit habitacional", como disse na sexta-feira.

Acrescente aí os compromissos com o aumento real do salário mínimo e das demais aposentadorias, com a ampliação das bolsas e com os reajustes do funcionalismo, mais as megaobras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - como o trem-bala e a transposição do Rio São Francisco - e se verifica que, sem fazer contas, o governo não tem dinheiro para isso tudo.

Há algumas engenharias financeiras ou simplesmente alguns truques em andamento, como essa ideia do governo de capitalizar a Petrobrás "pagando" com barris do petróleo do pré-sal, que ainda não existem. Mas continuam enroladas.

Já o endividamento do Tesouro existe. O governo andou lançando uns papagaios na praça para emprestar ao BNDES - o que aumentou a dívida pública bruta, que, aliás, já se aproxima perigosamente dos limites.

Ou seja, esse é um artifício de pouco uso, daqui em diante, se o governo pretende, como promete, manter a estabilidade das contas públicas.

Também há - ou havia - promessas de aliviar a carga tributária de alguns setores da economia, como o de exportação, o que também significa custo para o Tesouro.

De novo, a conta real não fecha com as promessas.

E aí?

Aí é que muita coisa simplesmente não vai acontecer. O pacote de apoio à exportação, por exemplo, saiu bem mixuruca.

A principal reivindicação dos exportadores é que eles possam compensar automaticamente os impostos que pagam indevidamente. A exportação é isenta, mas, quando o exportador compra insumos e partes, esses produtos vêm com impostos embutidos no preço, em razão do nosso sistema - perverso - de cobrar antecipadamente.

Com isso, os exportadores ficam com uma espécie de crédito, que gostariam de descontar automaticamente de outros impostos, devidos sobre o comércio local, por exemplo. Gostariam, também, de poder vender esse crédito de maneira simples e rápida. Mas não saiu. Ficou o sistema antigo, pelo qual o exportador tem de praticamente implorar a devolução. Entra na fila, e aí já viu.

E por que não mudaram a regra, se todos estão de acordo que é preciso apoiar a exportação? Porque o governo precisa do dinheiro para os gastos já contratados, a Previdência Social, pessoal, os programas sociais e o custeio, que levam mais de 90% das receitas líquidas do governo federal.

Ou seja, eis a alternativa: ou o presidente Lula se convenceu de que ganhou uma licença para gastar e deixou de lado as metas de superávit primário e de redução do endividamento público ou esse amontoado de planos e promessas não passa de agitação e propaganda.

O mercado, que o presidente Lula e seus companheiros adoram atacar, acredita piamente na promessa de austeridade que está no Orçamento: superávit primário de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) - ante menos de 1% no ano passado - e redução da dívida líquida do setor público de 41,5% para 39,5% do PIB, com juros em alta e inflação contida. É o cenário que aparece no Relatório de Mercado, publicado pelo Banco Central (BC), com base nos cenários desenhados por instituições financeiras e consultorias.

Por outro lado, o setor produtivo - especialmente entre aqueles que dependem de encomendas do governo e das estatais - acredita piamente que o dinheiro para os seus negócios vai pintar.

Um dos dois vai se decepcionar. Capaz de os dois se decepcionarem, o que seria o pior cenário para o País.

Fixação. Parece que dois sentimentos movem a atividade externa do presidente Lula. Um é a fixação nos Estados Unidos. O outro é uma espécie de teimosia, que o leva a dobrar a aposta toda vez que é criticado.

Dirão: como fixação, se o presidente não perde a oportunidade para atacar "a subserviência" aos Estados Unidos?

Pois é justamente isso, uma fixação ao revés. Lembram-se daquela diplomacia do regime militar - "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil ?" Troquem um "bom" por um "ruim" - e eis o comportamento atual.

Quanto ao segundo sentimento, basta observar as reações do presidente. Quanto mais criticam, por exemplo, sua futura visita ao Irã, mais Lula anuncia que vai lá, que vai falar isso e aquilo e que, para não perder o embalo, não vai deixar de ir só porque os Estados Unidos não querem.

Na sexta-feira passada, por exemplo, Lula disse que era "subserviência" aceitar a tese de que a paz no Oriente Médio depende dos Estados Unidos. Por isso, o Brasil está se metendo na história.

E, se dizem que a capacidade da diplomacia brasileira por lá é muitíssimo limitada, o presidente Lula acusa os críticos de sentimento de inferioridade e declara que vai fazer muito mais pela paz.

Bobagem, portanto, querer discutir a eficiência dessa política externa. A coisa não passa por essas racionalidades.

sábado, 27 de março de 2010

1014) Mudancas na economia mundial: perspectiva historica de longo prazo

Meu mais recente artigo publicado:

Mudanças na Economia: uma história de longo prazo
seção de Economia do Portal IG (23/03/2010).
Título original:
Transformações da economia mundial: visão histórica de longo prazo
Paulo Roberto de Almeida

A economia mundial, tal como a conhecemos atualmente, é um “arquipélago” em construção desde o século 16, pelo menos e, ainda hoje, ela não constitui um sistema perfeitamente unificado, sequer homogêneo, a despeito de toda a retórica em torno da globalização. Talvez, um dia, ela venha a ser unificada num mesmo universo de redes comerciais, financeiras e de recursos humanos circulando sem restrições sobre fronteiras e controles alfandegários. Por enquanto, contudo, trata-se de uma colcha de retalhos, reunindo pedaços hoje essencialmente capitalistas, é verdade, mas ainda dotados de características nacionais distintas em seu colorido diversificado. Ela poderá caminhar progressivamente para um conjunto mais homogêneo de sistemas econômicos nacionais, mas isso depende dos progressos da liberalização comercial, financeira e “humana”, o que ainda está longe de ser garantido.
Vejamos esse processo com lentes de longo alcance, começando na era dos descobrimentos. Mesmo a partir da unificação geográfica conduzida por Colombo (1492), Vasco da Gama (1498) e Fernão de Magalhães (1521), a economia mundial do início da era moderna não era, em absoluto, universal. Nessa primeira onda de globalização, de caráter mercantil, tratava-se, mais exatamente, de um arquipélago de economias centrais, predominantemente de origem européia, vinculadas a suas respectivas periferias nas novas terras descobertas, mediante um sistema usualmente conhecido como ‘exclusivo colonial’. Os demais centros regionais – o ‘Império do Meio’ (China), o império Mogul, na Índia, o mundo muçulmano (que começava a ser unificado sob o jugo otomano) e outros ‘blocos’ sub-regionais, na Eurásia ou nas Américas – não tinham realmente condições de disputar qualquer hegemonia econômica mundial, como diriam os marxistas.
Até o final do século 18, China e Índia constituíam duas grandes economias, produzindo bens valorizados nos mercados ocidentais, mas dotadas de instituições pouco adaptadas aos desafios da nova economia industrial, caracterizada pelo que se poderia chamar, ainda no jargão marxista, de um ‘modo inventivo de produção’. Foi precisamente a partir da revolução industrial na Inglaterra, nessa mesma época, que tem início a diferenciação dos centros econômicos mundiais, processo que os historiadores econômicos chamam de ‘grande divergência’, ou seja, a aceleração da transformação tecnológica no Ocidente, seguida da dominação absoluta das potências européias sobre o resto do mundo (destinada a durar cinco séculos, talvez até hoje).
Essa segunda grande onda da globalização, de natureza industrial, conforma o que se poderia chamar, pela primeira vez, de economia mundial, uma rede integrada de centros produtores de matérias primas, de um lado, servidas pelos centros financeiros europeus – com a libra inglesa e os bancos britânicos em seu núcleo – e as oficinas manufatureiras, de outro, dotadas das novas tecnologias industriais de produção em massa. As economias nacionais, até então pouco diferenciadas entre si – posto que uniformemente e predominantemente de base agrícola ou mercantil – começam a exibir diferenças estruturais, a partir de níveis de produtividade bem mais elevados nos sistemas industriais. A defasagem de renda começa sua escalada para índices sempre crescentes, entre o centro e a periferia, num processo que se desenvolveria durante praticamente dois séculos, com um recrudescimento ainda maior durante a maior parte do século 20, para diminuir apenas a partir da terceira onda de globalização, a partir do último quinto desse século.
No intervalo, a economia mundial capitalista seria desafiada por duas ameaças muito diferentes, entre si, mas concordantes em sua ação desagregadora de um sistema verdadeiramente unificado de relações mercantis e financeiras. A partir da primeira guerra mundial, as crises recorrentes dos centros capitalistas desenvolvidos no entre guerras (em especial a de 1929 e a depressão que se seguiu) e a implantação de sistemas coletivistas (de natureza soviética, desde 1917, e os fascismos, pouco depois), com suas experiências estatizantes e antiliberais, representaram uma ‘breve’ interrupção de setenta anos no processo de globalização. No imediato pós-segunda guerra mundial, as muitas experiências de nacionalizações e de estatizações no Ocidente capitalista, com seu cortejo de práticas intrusivas, dirigistas e planos de ‘desenvolvimento’ (com muito planejamento estatal centralizado, mesmo no capitalismo) representaram, igualmente, um retrocesso na reunificação de um sistema de mercado verdadeiramente mundial, desde então colocado sob a égide dos dois irmãos de Bretton Woods (o FMI e o Banco Mundial) e do GATT (OMC, em 1995).
Foi somente a partir das reformas econômicas ‘neoliberais’ iniciadas na China a partir dos anos 1980 e da implosão e quase completo desaparecimento dos regimes socialistas, entre 1989 e 1991, que o processo de reunificação da economia mundial é retomado, no bojo da terceira onda de globalização capitalista, desta vez dominada pela sua vertente financeira (mas que inclui também os investimentos diretos). O fim do socialismo representou pouco em termos de concorrência manufatureira – já que o socialismo era um medíocre produtos de bens industrializados – e menos ainda em termos de fluxos financeiros e tecnológicos – onde os países socialistas eram ainda mais marginais, senão irrelevantes – mas significou um impacto decisivo em termos de mercados e, sobretudo, de mão-de-obra (com um destaque absoluto para a China).
A fase atual, se ainda não pode ser identificada com um novo processo de ‘convergência’ da economia mundial, caracteriza-se, pelo menos, pela diminuição da divergência entre as regiões – com notáveis exceções, como nos casos da África, do Oriente Médio e em grande medida da América Latina – e pelo rápido catch-up experimentado por alguns emergentes dinâmicos. No curso dos últimos vinte anos de globalização, a China e a Índia retiraram centenas de milhões de pessoas de uma miséria abjeta, colocando-as numa situação de pobreza moderada, justamente em função das reformas econômicas empreendidas e de sua inserção na globalização. Esse processo deve continuar, pelo menos naqueles países que decidiram substituir antigas políticas protecionistas e estatizantes por uma abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros diretos.
O lado financeiro permanece ainda a dimensão problemática da globalização, não porque a liberdade de circulação de capitais seria, em si, desestabilizadora das economias nacionais, mas porque os governos ainda insistem em praticar políticas monetárias e cambiais inconsistentes com os novos dados da economia mundial. O monopólio dos bancos centrais na emissão de moedas-papel, na fixação das taxas de juros (sem correspondência efetiva com o equilíbrio real dos mercados de capitais) e seu papel na manutenção de regimes cambiais irrealistas e desajustados explica muito das crises financeiras ocorridas na segunda metade dos anos 1990 e em 2007-2009. As bolhas que se formam não são o resultado de ‘forças cegas do mercado’ – como políticos inescrupulosos e economistas pretensamente keynesianos proclamam – mas sim a conseqüência das manipulações dos governos em setores sensíveis da economia real. A possibilidade de maiores progressos em direção à convergência econômica mundial depende, assim, tanto da continuidade da abertura dos países ao processo de globalização quanto da habilidade dos governos em manterem soberania monetária e cambial no novo contexto criado pela unificação paulatina dos mercados de capitais.
Não é provável que essa convergência se dê rapidamente, tendo em vista a resistência de muitos governos à abertura comercial e financeira e sua tendência a continuar manipulando taxas de juros e regimes cambiais, mas é previsível que a globalização continue avançando naqueles países e regiões propensos a aceitarem as novas regras de mercado. Independentemente do que digam aqueles que condenam as novas políticas ‘neoliberais’, é um fato que os países que mais progressos fizeram no plano do crescimento econômico e da prosperidade de seus povos são aqueles que mais rapidamente souberam integrar-se comercialmente na economia mundial, e dela puderam aproveitar os efeitos benéficos dos investimentos diretos, que trazem capitais, know-how e tecnologia. A lição parece ter sido aprendida, mas nem todos souberam dela retirar os ensinamentos adequados. Esse tempo chegará, um dia...

Rio de Janeiro, 17 de Março de 2010.

1013) Teoria da Jabuticaba (2): estudos de casos

Eis a segunda, mais completa:

Teoria da jabuticaba, II: estudos de casos
Brasília, 2 julho 2006, 5 p. Continuidade do exercício iniciado com o trabalho 1488, listando casos dignos de estudos e de serem enquadrados no modelo teórico pretendido.

Em outubro de 2005, retirando das catacumbas de meu pensamento algo que me incomodava desde longos anos, eu finalmente tive a petulância de redigir um pequeno ensaio sobre algumas das idiossincrasias nacionais, ou seja, nossa indesmentível tendência a achar – e oferecer ao resto da humanidade – soluções geniais a alguns dos mais velhos problemas que angustiam essa mesma humanidade. Dei ao pequeno ensaio o título sofisticado de “Teoria da jabuticaba, I: prolegômenos”, mas à época ele estava tão simplesmente apresentado como um conjunto de considerações sobre uma nova teoria em formação. Vejam que modesto, consciente e honesto pesquisador eu sou, sempre preocupado em não vender gato por lebre, nunca pretendendo oferecer aos leitores uma teoria grandiosa, quando eu tinha apenas os rabiscos de uma crítica à razão tupiniquim.
Em sua versão parcial e reconhecidamente incompleta – uma vez que eu não tinha ainda sido capaz de elaborar um verdadeiro tratado filosófico sobre essa nova “teoria da jabuticaba” –, esse texto preliminar foi publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico (nº 54, novembro de 2005) e ficou desde então aguardando complementação. Ou seja, os meus “prolegômenos” deveriam receber elaboração mais sofisticada, tendo em vista sua possível relevância teórica na vida intelectual do país e sua importância prática para a própria organização da nacionalidade.
Explico agora resumidamente do que se trata e volto em seguida ao objeto deste texto, que recebe o elegante número romano II, indicando que minha intenção agora é, justamente, a de oferecer case studies, como diriam nossos colegas anglo-saxões, também conhecidos como scholars. Repito aqui o que já disse antes a título de introdução à citada teoria:

“Teoria da jabuticaba é tudo aquilo que só existe no Brasil, como essa saborosa fruta selvagem da respeitada família das mirtáceas (myrciaria jaboticaba). Isso significa pertencer a uma família de ‘explicações sociais’ única e exclusiva neste planeta, situação inédita no plano universal, que consiste em propor, defender e sustentar, contra qualquer outra evidência lógica em sentido contrário, soluções, propostas, medidas práticas, iniciativas teóricas ou mesmo teses (em alguns casos, antíteses) que só existem no Brasil e que só aqui funcionam, como se o mundo tivesse mesmo de se curvar ante nossas soluções inovadoras para velhos problemas humanos e antigos dilemas sociais.” (Apud e copyright, Paulo R. de Almeida, op. cit., p. 1).

Voilà! Creio que a teoria está mais ou menos exposta, ainda que sob prováveis protestos dos epistemólogos kuhnianos. Em todo caso, ela parece funcionar de acordo com aquele velho princípio segundo o qual “para cada problema complexo, existe uma solução simples, em geral equivocada”. Com efeito, como eu ainda explicava no citado trabalho, a teoria da jabuticaba pertence a essa família das respostas rápidas a problemas complicados que, aparentemente, se conformam ao chamado senso comum, mas que no fundo derivam de concepções equivocadas sobre a origem desses problemas e que apontam para soluções mais errôneas ainda. Nem por isso essas soluções “geniais” deixam de ser apresentadas como a mais perfeita resposta “indígena”, isto é endógena, a problemas supostamente universais, enchendo de justo orgulho patriótico seus formuladores e promotores.
Eu fazia digressões de cunho teórico e metodológico, tentando explicar o estatuto da “coisa” e procurando validar seus fundamentos epistemológicos. Eu falei, então, que ela consistia, nitidamente, em: (a) uma anomalia lógica, mas que tem toda a aparência de algo normal (ou seja, de solução aparentemente adequada ao problema que tenciona enfrentar); (b) que ela constitui uma contradição nos termos, uma vez que consagra e mantém o próprio problema que pretende resolver; (c) e que, finalmente, ela é absolutamente indígena, isto é, autóctone, legitimamente nacional (como a fruta que lhe dá o nome), constituindo mais uma dessas nossas contribuições originais para a felicidade geral da humanidade, podendo, talvez, rivalizar com o jeitinho, a caipirinha, a broa de milho. Em suma, um “fenômeno”.
Não sei se fui feliz na minha primeira abordagem do problema – os scholars diriam, nesse first approach –, mas eu ainda não consegui terminar a definição de um “tipo-ideal” de explicação “jabuticabal”, em sintonia com o que se espera de uma verdadeira teoria do conhecimento. Não seja por isso, não vamos ficar por aí nos enrolando em teorias quando a realidade brasileira é muito mais rica, motivadora e despreza solenemente qualquer teoria que não se conforma à prática, como sabem todos os empiristas anglo-saxões. Eu tinha, aliás, deixado de lado os contornos conceituais da teoria da jabuticaba, para oferecer, naquele momento, alguns exemplos práticos de como ela se apresentava no Brasil (e do Brasil para o mundo, como sempre acontece, modestamente, como nossas trouvailles mais geniais).
Pois bem, cessa agora tudo o que a antiga musa canta e vamos passar diretamente ao objeto desde segundo ensaio, que como diz o próprio conceito, é uma tentativa, cheia de erros e enrolações. Faço agora apelo à generosidade dos meus (poucos) leitores, para começar um enunciado de casos representativos da “teoria da jabuticaba”. Vale tudo o que se enquadra, de perto ou de longe, em meus citados critérios de inclusividade: anomalia lógica, contradição nos termos e caráter indígena do fenômeno em questão.
Sei que muitos candidatos a case studies não conseguem passar pelo teste de validação e legitimar-se como representativos da espécie, mas vale a tentativa e o esforço analítico, pois uma vez isolado o caso pode-se depois aplicar a famosa teoria popperiana da falsificabilidade e constatar se ele merece ou não elevação ao museu das jabuticabas. Por exemplo: seriam o “caixa 2” e os chamados “recursos não contabilizados” exemplos perfeitos dessa teoria ou simples inovações no campo da ciência política e da contabilidade partidária? Mistério ainda não resolvido, mas tenho certeza de que esses exemplos de “informalidade política” devem deixar boquiabertos de admiração os vizinhos imediatos e outros observadores estrangeiros.
Eu listava, naqueles prolegômenos, alguns poucos exemplos que me pareciam suficientemente representativos da “minha” teoria – mas estou disposto a compartilhá-la com outros pesquisadores –, dizendo que eram apenas ilustrativos e prometendo completar o rol em prazo razoável. Entre esses poucos casos encontravam-se os seguintes: bolsa-escola, bolsa-família e a reserva de mercado para jornalistas (ou seja, a obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão nas redações dos meios de comunicação).
Pois bem, chegou a hora, caro leitor, de arregaçar as mangas, tirar a poeira da memória e começar a colocar no papel todos os casos possíveis e imagináveis de teoria da jabuticaba que possam acorrer à lembrança. A tarefa, devo confessar, nos é imensamente facilitada pela atualidade política, pois esta sempre traz tudo o que é preciso e humanamente imaginável em matéria de exemplos perfeitos e acabados da “nossa” teoria (eu já a estou considerando uma construção coletiva). Não é que, nestes primeiros dias de julho de 2006, eu leio nos jornais um exemplo totalmente ilustrativo daquilo que pretendemos? Refiro-me ao projeto do ilustre presidente da Câmara dos Deputados sobre a adição de farinha de mandioca ao pão nosso de cada dia. É justamente por esse belo exemplo que eu começo a minha lista de case studies.

1) Mandioca no pão: projeto de lei que torna obrigatória a mistura de derivados de mandioca à farinha de trigo, do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), apresentado em 2001, agora em votação final na Câmara dos Deputados. Corre o risco de ser aprovado, para gáudio dos plantadores de mandioca e outros amigos dos tubérculos. Mas, atenção deputado: não vale mais patentear a invenção, pois o critério da confidencialidade já foi há muito rompido. Permanecem, no entanto, o salto inventivo, o chamado “estado da arte”, sua aplicabilidade industrial e o caráter absolutamente nacional da genial inovação para o pão nosso de todo dia; ou seja, é tudo o que se requer de uma boa invenção tupiniquim, conforme à teoria. Nosso tradicionalíssimo pão francês vai, finalmente, ser nacionalizado, sob o vibrante slogan: “Mandioca nele!”. Falando nisso, já foi instituído o “dia da mandioca”?

2) Estudos afro-brasileiros e de história da África nas escolas nacionais: mais uma genial contribuição para resgatar nossa imensa dívida histórica com o continente negro, sobretudo em direção daqueles alemãezinhos e polacos do sul do país, ou seja os descendentes dos imigrantes europeus, que ainda não sabem o quanto os antecessores dos atuais afro-brasileiros sofreram nas mãos dos feitores e latifundiários perversos que fundaram este Estado desigual e racista. Vale um prêmio Unesco de educação.

3) Obrigatoriedade do ensino de espanhol nas escolas primárias: vai no mesmo sentido de agregar valor aos estudos do ciclo básico, contribuindo para a plena integração dos povos do Mercosul e da Comunidade Sul-Americana de Nações, mesmo se eles, os castelhanos, ainda não agiram conforme a “teoria da reciprocidade” (que, como se sabe, comanda ao fichamento de americanos em nossos portos e aeroportos) e não decidiram, até o momento, introduzir o ensino de português em seus currículos correspondentes. Servirá, pelo menos, para constituir um imenso exército de professores treinados em “portunhol” que, como todo mundo sabe, é uma língua perfeitamente necessária e adaptada aos nossos tempos de globalização assimétrica.

4) Estatuto da Desigualdade Racial: Ops, perdão, eu quis dizer “igualdade”, mas é aquele projeto que vocês conhecem, n° 3.198/2000, do Senador Paulo Paim (PT-RS) que visa, africanamente, separar os brasileiros em afro-descendentes, de um lado, e todo o resto da população, do outro lado. Agora, teremos algo como “preto no branco”, já incluídos na primeira categoria, obviamente, os mulatos e assemelhados, o que permite, portanto, deixar as coisas muito mais claras do que elas são hoje, com todo esse racismo insidioso se infiltrando nos poros da nacionalidade. O digníssimo senador, que já tem alguns problemas com a aritmética simples – ele está sempre querendo corrigir o salário mínimo por um fator de três, o que faria estourar de vez o orçamento das prefeituras e da Previdência –, pretende apenas conferir direitos aos que nunca desfrutaram de um bom apartheid, organizado e patrocinado em bases racionais pelo Estado. Prêmio Martin Luther King para o senador.

5) O escritor de carteirinha: Trata-se do projeto de Lei nº 4641, apresentado em setembro de 1998 pelo deputado federal Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) e que “dispõe sobre o exercício da profissão de escritor”. A Câmara dos Deputados é realmente pródiga em case studies para a nossa teoria (e eu ainda nem fiz uma pesquisa em sua base de dados). Acredito que exemplos de nossa teoria seriam ainda mais surpreendentes nas câmaras de vereadores, mas aí o trabalho de seleção teria de ser deslocado para um exército inteiro de pesquisadores pagos. Não é preciso, sequer, descrever o projeto, não é mesmo, caros colegas escrevinhadores? Eu apenas queria saber se o escritor profissional terá de trabalhar 8 horas por dia (bate cartão em casa mesmo?), se ele descontaria imposto sindical, se teria férias remuneradas, FGTS, essas coisas todas... Com a palavra, o nobre deputado.

6) Sociologia e filosofia no ensino médio: traidor da categoria, me dirão alguns leitores, meus colegas. Pois é, não queria dizer, mas eu também pertenço à “tribo” dos sociólogos, embora nunca tenha exercido legalmente a profissão – esqueci de me inscrever na associação da categoria – e vivo por aí pontificando em sociologuês sem o devido registro na classe. Mas, não seja por isso: não deixo de me manifestar virulentamente contra essa iniciativa que visa apenas criar mais uma reserva de mercado legal para um bando de sociólogos e filósofos sem emprego no mercado, além de servir para infernizar a vida dos pobres estudantes com alguma contrafação do marxismo vulgar, sem que eles consigam aprender direito o que deveriam: português, matemáticas, ciências e estudos sociais (onde deveriam estar normalmente compreendidas essas matérias, junto com história e geografia, que não deixam de ser variações sobre um mesmo tema, inclusive com fortes doses de certa religião política). Alerto que eu não tenho nada contra o ensino das duas matérias em quaisquer anos dos ciclos fundamental e médio, e até da pré-escola, se assim decidirem os defensores da iniciativa, mas o que sou contra é essa “obrigatoriedade” que torna tudo o que é bom uma chatice insuportável. Por que é que o Brasil não pode ser um país normal, no qual as pessoas, as associações de pais e mestres, os educadores geniais, enfim, decidem democraticamente, depois de um bom estudo de “custo-benefício”, o que as escolas vão enfiar ou não na cabeça das crianças, sujeitas as decisões a revisões periódicas em função da experiência adquirida e das vantagens constatadas (if any)? Por que é que tudo tem de ser objeto de uma lei obrigatória? Nossa natureza jabuticabal está sempre nos traindo...

Creio que bastam esses casos, por enquanto, mas certamente eles existem em maior número: como, por exemplo, aquele outro projeto de um nobre deputado que pretende limitar o rendimento máximo dos brasileiros, desviando tudo o que ultrapassar um valor limite para uma poupança coletiva nacional. A cooperação de meus leitores não deixará de enriquecer a galeria de candidatos a exemplos puros da teoria da jabuticaba. Não me parecem ainda suficientemente claras as razões desse extraordinário sucesso, no Brasil, da teoria – não da fruta, obviamente – mas pode ter algo a ver com nossas bizarrices institucionais. Afinal de contas, qual é o país que consegue ter, simultaneamente, dois chefes de governo (e de Estado) atuando paralelamente, ambos dotados de plenos poderes para assinar atos legais? Sim, ninguém ainda ouviu dizer que quando o presidente viaja – e fica lá fora, assinando acordos internacionais, ou seja, no pleno exercício de seu mandato – o vice, montado na cadeira presidencial, também assina leis e outros atos de sua potestade imperial? Um país que tem coisas desse gênero, pode ter quaisquer outras coisas, podendo-se daí deduzir que a teoria da jabuticaba ainda tem, em nosso país, brilhantes dias (e anos) pela frente.
Com a ajuda dos leitores, nós vamos mapear todos esses casos, descrevê-los e extrair sua racionalidade intrínseca – sim, eles devem ter alguma, do contrário não se sustentariam no plano da institucionalidade jurídica e não se validariam do ponto de vista da teoria pura – de maneira a oferecer ao mundo mais alguns lampejos de nossa genialidade. Espero, portanto, a colaboração voluntária de todos – e de todas, como convém, agora, segundo um outro projeto de lei, que visa evitar, justamente, discriminações de gênero – nesse esforço jabuticabal de teorizar sobre o inútil e o absurdo. Se por um desses acasos do destino – e num desses exercícios de história virtual –, Kant fosse transplantado de Königsberg para este patropi, jamais teria conseguido escrever seus muitos tratados de filosofia, ou então teria virado um passista de escola de samba, com sua peruca empoada e sua bengala de mestre-sala. Enfim, alguma razão deve haver para tantos exemplos de surrealismo cotidiano em nossa terra. Com sua ajuda, encontraremos a explicação, caro leitor...

P.S.: Não vale incluir a seleção brasileira de futebol na teoria da jabuticaba, pois ela não passaria pelo teste. Como adiantei, os exemplos precisam ser genuinamente nacionais e nossa seleção está mais para Legião Estrangeira Futebol Clube (sans aucun Beau Geste).

Brasília, 2 de julho de 2006

1912) Teoria da Jabuticaba (1): formulando a propria

Para ajudar na leitura, transcrevo aqui meu primeiro artigo sobre a teoria da jabuticaba, disponível online, mas melhor quando diretamente acessável:


Teoria da jabuticaba, I: prolegômenos
Paulo Roberto de Almeida
Espaço Acadêmico (ano 5, n. 54, novembro 2005).

No contexto da produção sociológica, categoria das obras “inúteis e inacabáveis”, estou interessado em formular e propor formalmente à comunidade acadêmica, uma “teoria da jabuticaba”. Explico rapidamente do que se trata e volto depois aos meus prolegômenos, já que esta teoria deveria merecer, no Brasil, elaboração mais sofisticada, tendo em vista sua relevância teórica na vida intelectual do país e sua importância prática para a própria organização da nacionalidade.

Teoria da jabuticaba é tudo aquilo que só existe no Brasil, como essa saborosa fruta selvagem da respeitada família das mirtáceas (myrciaria jaboticaba). Isso significa, para ser rápido, pertencer a uma família de “explicações sociais” única e exclusiva neste planeta Terra, situação inédita no plano universal, que consiste em propor, defender e sustentar, contra qualquer outra evidência lógica em sentido contrário, soluções, propostas, medidas práticas, iniciativas teóricas ou mesmo teses (em alguns casos, até antíteses) que só existem no Brasil e que só aqui funcionam, como se o mundo tivesse mesmo de se curvar ante nossas soluções inovadoras para velhos problemas humanos e antigos dilemas sociais.

Como já disse um ministro do ancien régime, pensando nas propostas geniais que volta e meia pipocavam com estridência nos meios da oposição (hoje situação), “para cada problema complexo, existe uma solução simples, em geral equivocada”. Pois a teoria da jabuticaba pertence, justamente, a essa família das respostas rápidas a problemas complicados que, aparentemente, se conformam ao chamado senso comum, mas que no fundo derivam de concepções equivocadas sobre a origem desses problemas e apontam para soluções mais errôneas ainda. Nem por isso essas soluções “geniais” deixam de ser apresentadas como a mais perfeita resposta “indígena”, isto é autônoma, a problemas supostamente universais, enchendo de justo orgulho seus formuladores e promotores.

Pois bem, vejamos em primeiro lugar o estatuto do “fenômeno” antes de entrar em seus fundamentos epistemológicos. Infelizmente, se é verdade que ela existe, de fato, trata-se de uma teoria extremamente rara et pour cause. Uma pesquisa rápida na Internet – via Google “normal” – revelou a existência de apenas oito “reações” a essa menção entre aspas, dentre cerca de 33 possibilidades virtuais, mas aparecem respostas repetidas, como uma pesquisa mais acurada se encarregou de comprovar. De fato, uma investigação mais focada nessa expressão – via Google Scholar – deu zero resultado (“Your search – “teoria da jabuticaba” – did not match any articles”), o que não deveria surpreender além da conta. Afinal de contas, essa temática ainda não existe enquanto objeto de preocupações acadêmicas e a teoria ainda precisa ser construída (e testada).

Não seja por isso: estou decidido a “desenterrá-la” enquanto conceito respeitado e respeitável e mesmo a propor sua elevação à categoria de recurso heurístico, para casos evidentemente complicados, como ocorrem ser os problemas sociais do Brasil. Aliás, dos oito retornos na pesquisa Google, dois se referem a um texto anterior meu, sobre o “fim do desenvolvimento” (artigo publicado na revista eletrônica Intellector, disponível no link www.revistaintellector.cenegri.org/pauloralmeida.pdf, ou então em meu próprio site: www.pralmeida.org/05DocsPRA/1353FimDesenv.pdf), no qual argumento que o Brasil já é, para todos os efeitos práticos, um país desenvolvido, bastando agora melhorá-lo socialmente (não, sinto muito, mas isto não é uma demonstração da referida teoria).

Uma pesquisa mais acurada sobre os fundamentos epistemológicos da teoria da jabuticaba certamente revelaria seus traços fundamentais, no contexto da formação social brasileira, contribuindo, quiçá, ao desenho de uma proposta explicativa abrangente – no sentido da Verstehen weberiana –, podendo inclusive contribuir para o oferecimento de algum “tipo-ideal” de explicação “jabuticabal”, em perfeita sintonia com o que se espera de uma verdadeira teoria do conhecimento. Antes que isso se faça, vejamos rapidamente quais seriam os contornos conceituais da teoria da jabuticaba, para oferecer em seguida alguns exemplos práticos de como ela se apresenta no Brasil (e daqui para o mundo).

Essa “teoria” – concedamos-lhe aspas, por enquanto, já que alguns poderiam objetar ao seu estatuto “científico” – se apresenta, antes de mais nada, como uma anomalia lógica. Isto é: ela se refere a algum evento real, a algum processo efetivamente existente, mas ela introduz uma irregularidade ou anormalidade nesse processo, ao formular proposições que são aparentemente factíveis ou até mesmo necessárias, mas que contrariam profundamente a lógica formal, quando não a trajetória normal daquele processo ou evento. Nota de dicionário: segundo o Aurélio, anomalia, em astronomia, se refere a “qualquer desigualdade periódica na trajetória normal de um planeta”, o que me convém inteiramente, sendo o planeta, no caso da “minha” teoria, este nosso Brasil. A “teoria da jabuticaba” também contraria a lógica, mas ela tem toda a aparência de algo normal, de solução absolutamente adequada ao problema que tenciona enfrentar.

A “teoria” em questão constitui, em segundo lugar, uma contradição nos termos, uma vez que ela consagra o próprio problema que pretende resolver. Ou seja: o que ela proclama não é a solução do problema, mas sua eternização ou perenidade, pois a solução desse problema a inviabilizaria enquanto “teoria”, isto é (ainda segundo o dicionário), um conjunto de princípios fundamentais ou de proposições sobre um domínio qualquer de conhecimento. Para que ela seja “teoria” e adquira com isso a devida respeitabilidade é preciso que o aglomerado de banalidades lógicas que ela pretende promover seja aceito enquanto “solução genial” a angustiantes problemas da nacionalidade.

A “teoria”, finalmente, é absolutamente indígena, autóctone, legitimamente nacional, como a própria fruta que lhe dá o nome, constituindo mais uma dessas nossas contribuições originais para o bem-estar da humanidade. Ela pode, talvez, rivalizar com o “jeitinho”, a “caipirinha”, a “broa de milho” (um ministro da cultura chegou a propor sua universalização) e outras tantas invenções, como por exemplo, no campo da ética política e da contabilidade partidária, a normalização do “caixa 2” e dos chamados “recursos não contabilizados”, que devem deixar boquiabertos de admiração nossos vizinhos imediatos e outros observadores estrangeiros.

Interrompo, pelo momento (prometendo voltar em outra ocasião), esta tentativa de sistematização de propostas sobre este campo novo de conhecimento prático – mas que ainda requer, volto a alertar, algum teste para sua validação empírica – para propor um conjunto de exemplos, nos mais diversos campos da inventividade nacional, destinados a ilustrar esta discussão inicial sobre a “teoria da jabuticaba”, esperando receber depois contribuições de gente mais sábia do que eu, ou de simples curiosos na matéria, leitores eventuais desta digressão utópica e interessados, como eu, em desvendar as razões do sucesso da referida teoria neste nosso Brasil. Vejamos alguns poucos casos nos quais se poderia aplicar a nova doutrina que aqui vem proposta em caráter preliminar.

Bolsa escola: Trata-se, obviamente, da genial solução encontrada para “reter” as crianças nas escolas e “obrigá-las” – aqui obviamente no sentido alegórico – a aprender alguma coisa, contra a prestação regular, geralmente de caráter mensal, de algum tipo de contribuição financeira, que se dirige à mãe do aluno visado, como contrapartida para o esforço de enviá-lo à escola, em lugar de ajudar no orçamento familiar mediante algum tipo de trabalho informal ou de simplesmente ficar na rua jogando bolinha de gude (não considero alternativas mais enriquecedoras). Esse programa, quando introduzido em caráter experimental, depois testado em escala mais ampla no Distrito Federal, chegou a ser incorporado, em escala modesta, pelo governo federal, tendo sido inclusive oferecido, pelo seu principal propagandista, à comunidade internacional, como se um “bolsa escola universal” fosse algo de que devêssemos nos orgulhar e vangloriar.

Ele é, no entanto, um perfeito exemplo da teoria da jabuticaba, pois que incide sobre um problema real – a ausência dos bancos escolares de crianças de famílias carentes – e propõe a solução aparentemente lógica: pagar pela freqüência. Que o programa seja apresentado como solução provisória, emergencial e com um horizonte finito de aplicação (isto é, tendencialmente dispensável) pode ser aceito por qualquer mente aberta e propensa a aceitar second best solutions. Que ele seja considerado como a trouvaille genial capaz de nos conceder um prêmio Nobel de economia (ou da paz), sendo, como tal, digno de exportação, constitui, precisamente, o paradigma acabado do que se requer como teste prático da citada teoria.

Parece evidente, com efeito, que em qualquer país normal o objetivo básico a ser alcançado pela política macroeconômica seja uma dinâmica econômica suscetível de fornecer emprego e renda em níveis suficientes à maior parte dos cidadãos, que podem assim prover às suas necessidades básicas, inclusive a manutenção dos filhos nas escolas públicas com o adequado provimento de material escolar. A anomalia é justamente esta: o bolsa escola não é algo de que devemos nos orgulhar, mas a confissão estarrecedora de nossas piores mazelas econômicas e sociais, uma excrescência assistencial que transforma pais e mães em dependentes crônicos da mesada dos filhos.

Tal como concebido – e eventualmente desativado por não se sabe qual razão imperiosa de racionalidade fiscal – o bolsa escola tinha tudo para se perpetuar como programa de transferência de renda por motivos aparentemente nobres e compreensíveis nas condições brasileiras. Mas ele constitui a confissão de um fracasso, não o retrato de um estado desejável de “inclusão social”. O surpreendente, justamente, é que ele seja apresentado, orgulhosamente, como programa exemplar. É tudo o que se requer de um modelo acabado de “teoria da jabuticaba”.

Bolsa família: Trata-se de uma derivação ou substituição do anterior, ou melhor, uma consolidação de diversos programas sociais, tendente a conceder auxílio a famílias vivendo com menos de meio salário mínimo. No Brasil se conseguiu tirar um número da cartola – 11,5 milhões de famílias – e se persegue ardorosamente o objetivo de incluir todas elas no mensalão governamental. É um outro nobre objetivo, o de fazer com que cada brasileiro tenha três refeições por dia, café, almoço e janta, nessa ordem e com essa simplicidade cartesiana. Não se cogitou de investimentos em infra-estrutura e educação, não se cogitou de promover o emprego e a formação técnico-profissional, ainda que esses objetivos figurem entre os elementos declarados do programa. O elemento novo em relação ao programa anterior é, justamente, essa vontade deliberada de incluir o maior número possível de brasileiros “assistíveis”, não o de tornar “desassistíveis” o maior número de pessoas por via de capacitação profissional e inclusão no mercado de trabalho, que não comparece em absoluto, tendo sido substituído pelo símbolo mágico do “cartão magnético”. Ao contrário: o mercado foi declarado incapaz de resolver os problemas sociais do Brasil, uma curiosa excepcionalidade em dez mil anos de história civilizada.

A “teoria da jabuticaba” entra, precisamente, por esse viés assistencialista que o programa inevitavelmente carrega consigo, como se o objetivo maior das três refeições diárias tivesse necessariamente de passar pelas mãos do governo, no caso o brasileiro. Ao proclamar que o combate à fome é um “objetivo estratégico” do país, as autoridades responsáveis não se dão conta de que, ao fazê-lo, eles estão na verdade confirmando o fracasso do Brasil enquanto sociedade e enquanto nação, pois a alimentação diária é algo tão básico e elementar que sequer mereceria figurar entre os “objetivos estratégicos” de qualquer nação, só ocorrendo neste país por uma dessas manifestações recorrentes da “teoria da jabuticaba”. Não estou obviamente considerando aqui aspectos políticos ou diretamente eleitorais do programa em apreço, mas apenas sua “lógica jabuticabal”.

Reserva de mercado para jornalistas: Não é só uma excrescência, é uma perfeita aberração, em tudo e por tudo contrária ao bom senso, à lógica econômica, à boa gestão das empresas de mídia e às necessidades dos leitores e consumidores de informações jornalísticas. Infelizmente, escrevo esta rubrica da “teoria da jabuticaba” – tendo já uma antiga birra contra a obrigatoriedade de diploma de jornalista para trabalho em jornal – no exato momento em que uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Brasília) cassou uma decisão que declarava inconstitucional uma decisão de primeira instância, que se opunha à obrigatoriedade do diploma de jornalista. Não conheço outro país que imponha essa condição para o exercício da profissão, que deveria estar ao alcance de qualquer profissional, com ou sem diploma, medianamente instruído nas artes da língua e disposto a se aperfeiçoar na prática diária, não nos bancos das faculdades de jornalismo, que são uma outra faceta dessa guilda de defensores do mercado fechado que é formada pelos sindicatos de jornalistas. Essa exigência absurda preenche todos os requisitos para se qualificar de pleno direito como membro distinguido da família da “jabuticaba”.

Muitos outros exemplos poderiam ser arrolados em apoio desta minha construção tentativa de uma teoria da jabuticaba – e estou aguardando contribuições voluntárias de leitores atentos – mas esses poucos bastam para chamar a atenção sobre como é rica e variada a nossa galeria de modelos ideais da referida teoria. Seria preciso, a partir de agora, continuar a obra de formalização conceitual da teoria em questão, propor alguma estrutura explicativa convincente sobre as razões de porque ela encontrou um terreno particularmente fértil no Brasil – certamente que outros países terão suas particularidades e bizarrices nacionais, sendo os Estados Unidos um grande candidato a galardão nessa área – e prosseguir a obra de compilação de exemplos patentes e reconhecidos da referida teoria (com vários outros incógnitos e não sabidos). Estou seguro de que a teoria se sustenta totalmente com base na vasta experiência nacional em matéria de bizarrices econômicas e de surrealismos jurídicos. As bases estão lançadas: falta agora completar a cartografia do modelo. Mãos à obra!

1911) Jabuticabas educacionais: so podia dar no que deu

Abaixo, matéria da revista Veja sobre o ensino obrigatório de Sociologia e Filosofia no ciclo médio. Volto depois para comentar.
Paulo R. Almeida (27/03/2010)

Educação: Ideologia na cartilha
Revista Veja, edição 2158 - 31 de março de 2010

Agora obrigatórias no ensino médio brasileiro, as aulas de sociologia e filosofia abusam de conceitos rasos e tom panfletário. Matemática que é bom...

Os 8 milhões de estudantes brasileiros matriculados no ensino médio passaram a receber neste ano aulas de sociologia e filosofia - disciplinas que, por lei, se tornaram obrigatórias em escolas públicas e particulares. Com base nas diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação, cada estado fez o seu currículo, no qual a maioria dos colégios privados também se espelha em algum grau. A leitura atenta desse material traz à luz um festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda que, os especialistas concordam, estão longe de se prestar ao essencial numa sala de aula: expandir o horizonte dos alunos. Não faltam exemplos de obscurantismo. Para se ter uma ideia, no Acre uma das metas do currículo de sociologia é ensinar os estudantes a produzir regimentos internos para sindicatos de trabalhadores - verdadeiro absurdo. Um dos explícitos objetivos das aulas em Goiás, por sua vez, é incrustar no aluno a ideia de que "a constante diminuição de cargos em empresas do mundo capitalista é um fator estrutural do sistema econômico" (visão pedestre que desconsidera o fato de que esse mesmo regime resultou em mais e melhores empregos no curso da história). Sem dar às questões a complexidade que elas merecem, as aulas abrangem de tudo: no Espírito Santo, por exemplo, a filosofia abarca da culinária capixaba aos ritmos indígenas. Conclui o sociólogo Simon Schwartzman: "Tratadas com superficialidade e viés ideológico, essas disciplinas só tendem a estreitar, no lugar de ampliar, a visão de mundo".

O viés presente nas aulas de sociologia e filosofia tem suas raízes fincadas nas faculdades de ciências sociais - de onde saíram, ou a que ainda pertencem, os professores responsáveis pela confecção dos atuais currículos. Desde a década de 70, quando se firmaram como trincheiras de combate à ditadura militar nas universidades, tais cursos se ancoram no ideário marxista, à revelia da própria implosão do comunismo no mundo - e estão cada vez mais distantes do rigor e da complexidade do pensamento do alemão Karl Marx (1818-1883). Diz a doutora em ciências sociais Eunice Durham, da Universidade de São Paulo: "Boa parte dessas faculdades propaga apenas panfletos pseudomarxistas repletos de clichês e generalizações, sem se dar sequer ao trabalho de consultar o original". Isso se reflete agora, e de forma acentuada, nos currículos escolares de sociologia e filosofia, criticados até mesmo por quem participou da feitura deles. À frente da equipe que compôs os do Rio de Janeiro, a educadora Teresa Pontual, subsecretária estadual de Educação, chega a reconhecer: "Se criássemos diretrizes distantes demais da realidade dos professores, eles simplesmente não as aplicariam na sala de aula - fomos apenas realistas".

Sob a influência francesa, a sociologia e a filosofia começaram a ganhar espaço no ensino médio brasileiro no fim do século XIX, até se tornarem obrigatórias, ainda que com pequenas interrupções, entre 1925 e 1971. Seu retorno definitivo ao currículo, sacramentado por uma lei aprovada no Congresso dois anos atrás para entrar em vigor justamente agora, era um pleito antigo dos sindicatos dos profissionais dessas áreas. Em 2001, projeto de lei com o mesmo propósito havia passado pelo Congresso, só que acabou vetado pelo então presidente (e sociólogo) Fernando Henrique Cardoso. À época, um parecer do MEC afirmava que os gastos para os estados seriam altos demais e que não havia no país professores em número suficiente para atender à nova demanda. Desta vez, o próprio ministro Fernando Haddad, filósofo de formação, empenhou-se para aprovar o texto. Daqui para a frente, de acordo com um levantamento do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, serão recrutados mais 20 000 professores no país inteiro. Trata-se de algo temerário, segundo alerta o sociólogo Bolívar Lamounier: "Não há tanta gente qualificada para desempenhar tal função no Brasil". A experiência recente das próprias escolas já sinaliza isso. "Está sendo duríssimo achar professores dessas áreas que sejam desprovidos da visão ideológica", conta Sílvio Barini, diretor do São Domingos, colégio particular de São Paulo.

Ao obrigar as escolas a ensinar sociologia e filosofia a todos os alunos, o Brasil se junta à maioria dos países da América Latina - e se distancia dos mais avançados em sala de aula, que oferecem essas disciplinas apenas como eletivas. Deixá-las de fora da grade fixa é uma decisão que se baseia no que a experiência já provou. Resume o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: "Os países mais desenvolvidos já entenderam há muito tempo que é absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia - ainda mais num país em que os alunos acumulam tantas deficiências básicas, como o Brasil". Em outros países da América Latina, esse tipo de iniciativa também costuma resvalar em aulas contaminadas pela ideologia de esquerda, preponderante nas escolas. Não será desse jeito que o Brasil dará o necessário passo rumo à excelência.

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Eu tinha previsto que essa obrigatoriedade acabaria sendo um cabide de emprego para marxista desempregado. Não imaginava que sindicalistas raivosos fossem queimar livros de sociologia como aparece na foto abaixo.

O Brasil é campeão em criar obrigatoriedades inúteis e custosas para a sociedade, no que eu chamo de "teoria da jabuticaba:, como já descrevi algum tempo atrás:

1488. “Teoria da jabuticaba, I: prolegômenos”, Brasília, 29 out. 2005, 6 p. Considerações sobre uma nova teoria em formação. Publicada na Espaço Acadêmico (a. 5, n. 54, novembro 2005).

1631. “Teoria da jabuticaba, II: estudos de casos”, Brasília, 2 julho 2006, 5 p. Continuidade do exercício iniciado com o trabalho 1488, listando casos dignos de estudos e de serem enquadrados no modelo teórico pretendido. Publicado em versão corrigida e ligeiramente ampliada no site do Instituto Millenium (5.07/2006; disponível neste link).

1910) Rififi no FMI (3): Brasil corre o risco de perder a cadeira...

...por incompetência e incontinência ideológica do atual representante e diretor pelo Brasil...

Demissão no FMI abre crise Brasil-Colômbia
Gustavo Chacra
O Estado de S.Paulo, 27 de março de 2010

Decisão do representante brasileiro de demitir colombiana provoca irritação no país vizinho; Lula diz que não vai se envolver no caso

A decisão do representante brasileiro no Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista Jr., de demitir a representante colombiana, provocou irritação em Bogotá, com o governo da Colômbia exigindo explicações do Brasil. Não está claro se a atitude foi individual ou se teve o aval da administração brasileira.

Para complicar, Nogueira Batista, que ocupa o cargo de diretor executivo ao liderar um grupo de nove países que inclui o Brasil e a Colômbia, exigiu que a colombiana Maria Inés Agudelo esvaziasse a sala em um prazo de 24 a 48 horas. Ex-vice-ministra da Fazenda na Colômbia e diretora-substituta no fundo, Agudelo tem o apoio do presidente Álvaro Uribe, que teria feito uma queixa formal ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A Colômbia, segundo apurou o Estado, estaria disposta a deixar o grupo do Brasil, pondo em risco a capacidade de o representante brasileiro ter 2% dos votos necessários para uma cadeira no diretório executivo da entidade. Sozinhos, os brasileiros têm 1,42% e devem ter 1,7% depois da reforma do FMI. Para alcançar o nível mínimo, o Brasil se juntou a outros países. Deste grupo, a Colômbia é o segundo com maior porcentual de votos.

Nogueira Batista teria enviado cartas ao governo colombiano, antes de tomar a atitude. Os colombianos não confirmam a informação. O Estado telefonou três vezes ao celular do representante brasileiro e deixou recado. Também o procurou no telefone fixo do escritório, falando com a secretária, que disse que ele passaria o dia em reuniões. Até o fechamento desta edição, Nogueira Batista não retornou os telefonemas nem os e-mails em que foi pedida uma entrevista para que ele esclarecesse o ocorrido. Procurada, a representante colombiana também não se manifestou.

A imprensa colombiana repercutiu com dureza o episódio. O Portafolio, principal jornal de economia de Bogotá, classificou como "intempestiva" e "grosseira" a decisão do representante brasileiro. Nogueira Batista é descrito como "um controvertido economista brasileiro".

Lula. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não quer se envolver diretamente no problema criado pelo diretor do FMI. Apesar de ter ficado preocupado e considerar que Nogueira Batista tem um comportamento muitas vezes destemperado, Lula, segundo fontes do Planalto, não tem intenção de substituí-lo por temer que ele possa criar ainda mais problemas ao governo em ano de eleições.

Por isso, Lula está acompanhando o assunto à distância e atribuiu ao Ministério da Fazenda, responsável pela indicação de Batista ao cargo, a missão de resolver o problema. O Ministério da Fazenda, no entanto, apoiou a decisão de Batista.

Segundo uma fonte da área econômica, o ministro Guido Mantega conversou por telefone com seu equivalente colombiano para tratar do assunto e também mandou carta explicando os motivos da demissão, dando respaldo à decisão do representante brasileiro.

Para essa fonte, o episódio está longe de configurar um conflito diplomático entre Brasil e Colômbia, mesmo porque a vaga continua pertencendo àquele país, que vai indicar o substituto de Maria Inés. "O novo nome sairá da Colômbia", disse a fonte.

A demissão foi justificada pela incompatibilidade de trabalho e de projetos entre Batista e Maria Inés. Segundo a fonte da Fazenda, Nogueira Batista várias vezes tentou encaminhar à Colômbia o pedido de substituição de Maria Inés, mas não foi atendido. "Ele não é nenhum troglodita." Um ministro próximo a Lula disse ter conversado com Nogueira Batista sobre o episódio. Da conversa, saiu convencido que a colombiana era "incompetente".

1909) Diplomacia dos holofotes - Rubens Ricupero

"Busca incessante dos holofotes" marca política externa do Brasil, diz Ricupero
Rafael Spuldar
Do UOL Notícias, 22.03.2010

Entrevista com Rubens Ricupero

São Paulo - Os esforços do governo brasileiro em mediar o conflito entre Israel e os palestinos, além da sua aproximação com o Irã, são exemplos de uma política externa marcada pela "busca incessante dos holofotes", afirma o diplomata e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero. Em entrevista exclusiva ao UOL Notícias, ele também lamentou a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Cuba no momento em que o dissidente Orlando Zapata morreu, após dois meses e meio de greve de fome, e criticou o silêncio do Brasil às violações aos direitos humanos na Venezuela.

Na opinião de Ricupero, a iniciativa do Brasil de tentar se tornar um ator nas negociações entre israelenses e palestinos é louvável, mas pouco realista, pela falta de poder de barganha e de pressão do governo. "Em diplomacia, bons ofícios não se oferecem: é alguma coisa que se aceita quando as partes pedem", diz o ex-ministro. "É a mesma coisa que se diz, 'em briga de marido e mulher, quem tem juízo não se mete', e em brigas como essa, você só pode entrar se tiver realmente alguma coisa", afirma. O diplomata acredita que a intenção do governo brasileiro tem um viés mais doméstico, sem pretensões de atingir resultados concretos.

Ricupero vê a mesma lógica de "protagonismo" da política externa do governo brasileiro na recente aproximação com o governo iraniano, na qual ele não vê nenhuma vantagem. O ex-ministro acredita que esta relação só prejudica o Brasil, por demonstrar uma posição "errática" e "incoerente" do País, que condenou o golpe de Estado em Honduras, mas que, segundo ele, se cala quanto às violações dos direitos humanos pelo regime de Teerã, o qual classifica de "ditadura teocrática". Na opinião de Ricupero, a relação com o Irã deve dificultar a candidatura do Brasil a uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.

O ex-ministro também critica a postura do governo brasileiro quanto a Cuba, além de lamentar a declaração do presidente Lula, que fez uma analogia da situação dos dissidentes cubanos com uma eventual greve de fome dos detentos de São Paulo. A declaração foi "despropositada e absurda", na opinião de Ricupero. "Eu tenho pena, porque acho que o presidente Lula havia atingido um nível importante de reconhecimento e admiração internacional, que ele está dilapidando por declarações e gestos irrefletidos" , afirma.

Quanto à relação com o governo da Venezuela, o diplomata vê um lado positivo em termos de comércio exterior, mas acredita que é papel do Brasil denunciar casos como violações à liberdade de imprensa por parte do regime de Hugo Chávez. "Se os direitos humanos são tão importantes para nós, como que nós estamos nos abstendo?", afirma Ricupero, relembrando o fato do governo do Brasil ter lançado o projeto do Programa Nacional de Direitos Humanos.

Ricupero lançou na última terça-feira (16) seu livro Diário de Bordo – A Viagem Presidencial de Tancredo Neves, no qual relata o giro internacional feito em 1985 pelo então presidente eleito, do qual era assessor para assuntos internacionais.

1908) Nunca antes neste pais: o preconceito idiota contra o dolar...

Nunca antes, em nenhum lugar do mundo, em qualquer época da era moderna, bancos centrais serviram ao propósito equivocado de garantir o intercâmbio e os riscos cambiais do comércio privado entre agentes idem. Só um preconceito idiota contra o dólar pode explicar uma idéia idem...

Comércio sem dólar no Mercosul patina

EDUARDO CUCOLO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Folha de S. Paulo - 22/03/2010

Um ano e meio após lançamento de sistema que permite transações entre Brasil e Argentina em moeda local, adesão ainda é baixa

Entre os entraves apontados por especialistas, está a taxa utilizada pelos bancos para fazer a conversão do real para o peso

Um ano e meio depois de ser lançado pelos governos do Brasil e da Argentina, o sistema que permite operações comerciais entre os dois países sem a utilização do dólar enfrenta um momento de estagnação.
Além da baixa adesão por parte de exportadores e importadores, a iniciativa só tem funcionado em uma das pontas do comércio entre os dois países. De acordo com o Banco Central, 99% das operações realizadas até agora são de exportações do Brasil para a Argentina. No sentido contrário, praticamente não há negócios.
O SML (Sistema de Pagamentos em Moeda Local), que começou a vigorar em outubro de 2008, permite a importadores e exportadores brasileiros e argentinos realizar pagamentos e recebimentos em suas respectivas moedas por meio de uma instituição bancária.
A expectativa do governo brasileiro era que entre 10% e 20% das operações de comércio entre os dois países pudessem ser feitas em moeda local por meio do SML. No primeiro ano de funcionamento, o sistema alcançou participação de 3% no segmento e, desde setembro passado, esse percentual se estagnou.
Para especialistas do setor, essa situação não deve mudar no curto prazo. Entre os entraves apontados, está a taxa utilizada pelos bancos para fazer a conversão do real para o peso. Entre as montadoras, líderes da balança comercial entre os dois países, por exemplo, não foi registrado nenhum negócio sem o uso do dólar.
A maioria dos exportadores prefere fazer negócios em dólar porque umas das principais fontes de financiamento do setor, o ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio), exige um contrato de câmbio. Além disso, o SML não se aplica a operações com prazo de pagamento acima de um ano.
O SML também tira do exportador a opção de manter seus dólares depositados fora do país para fazer pagamentos externos de matéria-prima ou empréstimo, por exemplo. As empresas também perdem a possibilidade de trazer esse dinheiro para o país no momento em que julguem mais vantajoso fazer a conversão, o que pode acrescentar receitas cambiais aos seus negócios.
"São restrições que excluem as grandes empresas. Com isso, esse mercado fica restrito aos pequenos e médios exportadores", diz o vice-presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro.
Uma das vantagens do comércio em moeda local, em tese, é a redução de custos com a conversão de moedas e com a dispensa do contrato de câmbio, algo estimado em 4% do total. Como não há uma relação direta entre o real e o peso, no entanto, as cotações são calculadas com base na paridade de cada moeda com o dólar e os bancos que fazem essas operações embutem os custos e riscos cambiais nessa taxa. "No final, o exportador acaba recebendo menos do que se utilizasse o dólar", diz o diretor-executivo da corretora NGO, Sidnei Nehme.
Outro obstáculo ao sistema, diz o consultor Angelo Luiz Lunardi, da associação Aduaneiras, é a falta de confiança no peso argentino. Segundo Lunardi, o risco da operação está sempre relacionado à moeda do exportador. "O importador no Brasil, quando vai comprar pelo SML, vai correr o risco dessa moeda [o peso]. É mais confortável correr o risco entre o dólar e o real", afirma.

sexta-feira, 26 de março de 2010

1907) O anao e o gigante: briga sobre o G20 financeiro

A Suiça é um país anão, pelo tamanho, mas um gigante financeiro. O Brasil talvez seja um gigante, como país, mas em termos financeiros, ainda é um anão...

Suíça critica Brasil por querer só poder no G-20
Assis Moreira, de Berna
Valor Econômico, 26/03/2010

A presidente suíça: 'Não dá para colocar o Brasil no mesmo nível de Burkina Faso'
A presidente da Suíça, Doris Leuthard, atacou ontem a legitimidade do G-20, o grupo das maiores economias do mundo, acusou emergentes como o Brasil de só querer ter poder na cena internacional, sem assumir responsabilidades, e cobrou uma negociação para definir quem senta na mesa das decisões globais.

Coletivamente, as economias do G-20, reunindo desde EUA, Alemanha e Japão até Brasil, China, Índia, Argentina e Nigéria, respondem por 85% da produção mundial, 80% do comércio e dois terços da população mundial. O grupo se afirma como o novo diretório econômico e político do planeta.

Leuthard admite que a crise global precipitou a mudança no poder internacional, com os países emergentes reclamando mais espaço por causa de seu tamanho e de seu crescimento. São os motores da recuperação mundial, enquanto a Europa "ficará enroscada no seu endividamento e em seu desemprego".

Mas a Suíça se queixa de falta de "democracia" na formação do grupo e diz que não pode ser "negligenciada", já que estima ser a sétima maior praça financeira do planeta e o sétimo maior investidor mundial, com US$ 600 bilhões.

"É correto que só vinte [países] detenham o poder econômico e político, que coloca a agenda internacional e toma as decisões?", questionou. "É preciso discutir essa mudança no poder e pensar uma estrutura que integre mais. Defendemos o multilateralismo, que está em recuo."

Indagada pelo Valor por que a Suíça não criticara antes o G-8, então grupo formado só pelos ricos e que era o diretório do planeta, Leuthard retrucou que a questão é que os emergentes querem direitos sem obrigações.

"Não dá para colocar o Brasil no mesmo nível de Burkina Faso", criticou a representante helvética, ao acusar os emergentes de buscarem mais poder nos organismos financeiros internacionais ao mesmo tempo em que exigem "tratamento especial" que deveria ser limitado aos países mais pobres.

Ela insinuou que, nas negociações comerciais na OMC, o Brasil e outros se dizem defensores das nações mais pobres, mas querem proteger suas próprias indústrias e não abrir suas economias à concorrência estrangeira.

Ela alvejou também uma das prioridades do Brasil, que é o equilíbrio de poder nas instituições de Bretton Woods, como o FMI. "Querem mais poder, mas continuam pedindo linhas especiais de crédito", disse, mas sem especificar o Brasil.

A presidente suíça admitiu que os países europeus estão excessivamente representados no controle do FMI e que o ajuste de quotas precisava ocorrer, mas logo engatou que "é preciso aceitar que as principais economias (do mundo) são europeias", ou seja, têm direito de estar no comando

Para a Suíça, a noção mesmo de país em desenvolvimento deveria ser renegociado, para refletir a diferença entre paises que não têm hoje realidades bem diferentes.

Cada vez mais isolada, a Suíça não faz parte da União Europeia, mas faz 70% de seus negócios com o bloco europeu. O país segue na prática as regras da UE e sofre com a queda do euro, sem poder influenciar de dentro.

Na entrevista à imprensa internacional, num luxuoso hotel de Berna, a presidente suíça não usou firula diplomáticas para refletir o estado de desassossego em que se encontra a elite do país diante da ordem internacional que se desenha. Uma das prioridades do G-20 é desmantelar os paraísos fiscais, que acolhem trilhões de dólares de evasão fiscal e sangram finanças públicas em torno do mundo.

A presidente admitiu a impotência helvética diante da falta de proteção e de solidariedade quando quer defender seu sigilo bancário, uma das bases de sua prosperidade.

"As regras do jogo devem ser respeitadas para todos", disse ela, indicando que a Suíça aceitará novas regras na área fiscal, mas não como querem alguns concorrentes que, segundo os suíços, tampouco são exemplos para tentar dar lições à comunidade internacional.

"Dentro do G-20 há 9 que não assinaram as convenções-padrão da Organização Internacional do Trabalho." Os EUA são um deles.

1906) Aniversario do Mercosul: alguem se lembrou?

Parece que nao teve bolo, ou comemoração, sequer alguem se lembrou do dia da assinatura do Tratado de Assunção.
Nunca é demais lembrar seu preambulo.
Mas, o mais importante, é seu artigo primeiro, que permanece inconcluso e incompleto...

“TRATADO DE ASUNCION

La República Argentina, la República Federativa del Brasil, la República del Paraguay y la República Oriental del Uruguay, en adelante denominados "Estados Partes";

CONSIDERANDO que la ampliación de las actuales dimensiones de sus mercados nacionales, a través de la integración, constituye condición fundamental para acelerar sus procesos de desarrollo económico con justicia social;

Entendiendo que ese objetivo debe ser alcanzado mediante el más eficaz aprovechamiento de los recursos disponibles, la preservación del medio ambiente, el mejoramiento de las interconexiones físicas, la coordinación de las políticas macroeconómicas y la complementación de los diferentes sectores de la economía, con base en los principios de gradualidad, flexibilidad y equilibrio;

TENIENDO en cuenta la evolución de los acontecimientos internacionales, en especial la consolidación de grandes espacios económicos y la importancia de lograr una adecuada inserción internacional para sus países;

EXPRESANDO que este proceso de integración constituye una respuesta adecuada a tales acontecimientos;

CONCIENTES de que el presente Tratado debe ser considerado como un nuevo avance en el esfuerzo tendiente al desarrollo en forma progresiva de la integración de América Latina, conforme al objetivo del Tratado de Montevideo de 1980;

CONVENCIDOS de la necesidad de promover el desarrollo científico y tecnológico de los Estados Partes y de modernizar sus economías para ampliar la oferta y la calidad de los bienes y servicios disponibles a fin de mejorar las condiciones de vida de sus habitantes;

REAFIRMANDO su voluntad política de dejar establecidas las bases para una unión cada vez más estrecha entre sus pueblos, con la finalidad de alcanzar los objetivos arriba mencionados,...


Bem, o resto é história, ou passado...

1905) Agricultura socialista = fome (pelo menos em Cuba)

Fome: Continua faltando comida em Cuba
Opinião e Noticia, 26/03/2010

Há dois anos, Raúl Castro tomou posse como ditador de Cuba no lugar de seu irmão Fidel. No início, existia grande expectativa de reformas, especialmente na agricultura. No entanto, a mudança foi pouco expressiva. Números oficiais mostram que nos primeiros dois meses deste ano as entregas para o mercado de alimentos da capital eram um terço menores do que o previsto.

A Economist acredita que um dos problemas pode estar nas fazendas de propriedade do estado cubano que são ineficientes e raramente fornecem mais de 20% dos alimentos que o país necessita. Os três furacões em 2008 também contribuíram para piorar a situação. Raúl Castro reconheceu o problema e introduziu algumas mudanças, como permitir que os agricultores comprem legalmente o seu próprio equipamento de base sem ter que esperar a ajuda do governo.

Agricultores afirmam que as reformas têm sido poucas e ineficazes. Eles querem comprar os seus próprios fertilizantes e pesticidas e controlar a distribuição. O governo ainda fornece quase tudo, porém de forma inadequada. Para piorar, depois da crise as importações caíram quase 40% no ano passado. Boa parte da safra recorde de tomates do ano passado apodreceu porque não foi coletada pelos caminhões do governo.

1904) Rififi no FMI (2): existe rompimento de relacoes financeiras?

Este post deve ser lido na sequencia do post 1901, de mesmo título, e continua a surpreender pelo ineditismo da situação: jamais, nunca antes neste país, e provavelmente fora dele, se tinha assistindo a episódio tão rocambolesco, com um personagem tão bizarro.

Incidente nada diplomático
Eliane Oliveira e Regina Alvarez
O GLOBO, sexta-feira, 26 de março de 2010

Demissão de funcionária do FMI leva governo colombiano a cobrar explicações de Brasília

BRASÍLIA - O governo brasileiro optou pelo silêncio em relação ao episódio envolvendo a demissão, pelo diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista Junior, da representante da Colômbia, María Inés Agudelo, do cargo de diretora substituta. Irritado com a exoneração, o presidente colombiano, Álvaro Uribe, tentou, sem sucesso, conversar com seu colega Luiz Inácio Lula da Silva para fazer uma queixa formal. Mas Lula preferiu deixar o caso para o Ministério da Fazenda, pois quer evitar que esse incidente seja amplificado, prejudicando a posição do Brasil em outras demandas junto aos demais países emergentes.

A ideia é não deixar que a decisão polêmica tenha repercussões capazes de ofuscar as ambições do Brasil junto aos organismos multilaterais de crédito.

Por exemplo, ser um dos protagonistas das reuniões do Banco Mundial e do G-20 financeiro (grupo das 20 maiores economias do mundo), que acontecerão simultaneamente em Washington, de 21 a 26 de abril.

Sem Colômbia, grupo do Brasil perde peso
Fontes próximas ao Palácio do Planalto disseram que houve algumas tentativas de contato entre as assessorias (dos presidentes). Ao mesmo tempo, revelaram, o governo brasileiro recebeu e aceitou as justificativas de Paulo Nogueira sobre a demissão.

Segundo as explicações de Paulo Nogueira repassadas ao governo brasileiro, a decisão de afastar a representante colombiana, anunciada há pouco mais de um mês, foi tomada devido à incompatibilidade de María Inés com o trabalho que desenvolve no FMI e os projetos futuros para o organismo.

Paulo Nogueira teria, ainda, enviado vários comunicados ao governo colombiano relatando os problemas com a funcionária e pedindo a sua substituição, sem resposta.

Mas o governo colombiano ficou muito incomodado com a atitude de Paulo Nogueira e ameaça abandonar o grupo de nove países liderado pelo Brasil no Fundo. Isso reduziria, na prática, a influência e o poder de voto desse grupo junto ao organismo. O governo de Uribe protestou contra a decisão de Paulo Nogueira, enviando cartas para todos os diretores do FMI.

Para eleger um diretor no FMI, cada país precisa reunir, no mínimo, 2% dos votos do organismo. Sozinho, o Brasil tem 1,42% de representação e, por isso, precisa de aliados para ver aprovado qualquer nome que indique. Com a reforma do Fundo, o Brasil terá 1,7% dos votos, mas a mudança ainda está em tramitação no organismo.

A decisão de demitir María Inés desagradou não apenas à Colômbia como a outros representantes de governos no FMI. Primeiro, pelo ineditismo, já que decisões desse tipo sempre são precedidas de entendimentos políticos. Em segundo lugar, pela forma como aconteceu. Paulo Nogueira deu prazo de dois dias para a diretora substituta desocupar a sala e retirar seus pertences, o que foi visto como uma atitude drástica e antipática.

Uma fonte com acesso ao FMI disse que Nogueira é visto com certa reserva por alguns diretores do Fundo. E uma das razões seriam os artigos publicados pelo economista brasileiro, que relatariam discussões no âmbito do Fundo e sua postura independente.

Outro analista considera que o episódio com a representante colombiana é resultado da falta de experiência como gestor do representante do Brasil, que até então concentrava na vida acadêmica boa parte de sua biografia.

Para um analista, também com acesso ao FMI, Paulo Nogueira cometeu um erro estratégico ao demitir a representante colombiana, a partir de uma avaliação também errada sobre qual seria a reação de Bogotá.

Diretora demitida é muito ligada a Uribe
Quando chegou ao Fundo, Paulo Nogueira dispensou o representante da República Dominicana, sem que houvesse repercussão negativa. Mas esse representante fora indicado por um governo que não estava mais no poder.

Assim, o novo governo apenas providenciou a troca, sem protestar. O caso da Colômbia é diferente, já que a diretora demitida é bastante ligada ao presidente Álvaro Uribe e já foi vice ministra das Finanças daquele país.

Paulo Nogueira foi procurado pelo GLOBO mas não respondeu ao pedido para esclarecer o episódio. O Ministério da Fazenda afirmou que não vai se pronunciar sobre o tema.

A determinação do presidente Lula, porém, é de sua equipe reforçar a posição já adotada pelas nações emergentes de brigar por uma participação maior nas decisões tomadas pelos organismos multilaterais de crédito.

Os países em desenvolvimento querem que o Banco Mundial (Bird) anuncie a conclusão das reformas ainda no encontro de Washington. Também esperam a revisão do sistema de cotas do FMI em janeiro de 2011.

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Repercussões na imprensa colombiana:

La demissión de Agudelo es descripta como “sin precedentes” y como una “injerencia no prevista por parte el representante de Brasil en el Fondo”, algo decidido “sin aviso previo y además de forma grosera”, situación “que ha tomado por sorpresa las autoridades colombianas”. Nogueira Batista Jr. es presentado como uno “controvertido economista”.

terça-feira, 23 de março de 2010

1903) Assimetrias no Mercosul - Samuel Pinheiro Guimaraes

ECONOMIA› GUIMARAES, MINISTRO DE LULA
“Falta más comercio”

Por Cledis Candelaresi
Pagina 12, Martes, 23 de marzo de 2010.

“En Brasil ningún político piensa en la desregulación del sistema financiero ni en la privatización de Petrobras, porque si lo hiciera no tendría votos.” La sentencia corresponde a Samuel Pinheiro Guimaraes, ministro de Asuntos Estratégicos y ex secretario de Relaciones Exteriores, responsable de pensar el largo plazo de la economía más fuerte de Sudamérica. Para uno de los intelectuales con más predicamento sobre el presidente Lula da Silva, el mundo no sólo está conmovido por una crisis financiera sino por una “ideológica”, que su país resolvería con una mayoría a favor de la intervención estatal en la economía.
Guimaraes participó en Buenos Aires de un seminario organizado por la Fundación Friedrich Ebert, donde planteó la “necesidad de eliminar asimetrías” en el Mercosur, entre los socios más grandes y los más chicos, como condición para consolidarlo.

–¿Quiénes y cómo tienen que eliminar esas asimetrías?
–Brasil y Argentina, que son los países más desarrollados de la región, tienen responsabilidades mayores. Por ejemplo, tomando iniciativas para formar cadenas productivas, impulsando el fondo que ya existe para desarrollo de infraestructura regional.

–¿Y qué pasa con las asimetrías entre Brasil y Argentina?
–No podemos reducir las asimetrías que existen en temas demográficos, por ejemplo. Brasil tiene 140 millones de habitantes... Esa es una diferencia de dimensión. Pero Argentina tiene un parque industrial desarrollado, agricultura avanzada y mano de obra calificada.

–¿Se puede lograr la convergencia macroeconómica entre los países del Mercosur?
–Si es difícil la coordinación de políticas macroeconómicas dentro de un país, con más razón entre países. Los países son distintos y sus ciclos económicos también. Para converger hay que tener políticas muy similares y un grado de integración económica muy fuerte. No sólo un comercio más fuerte. Para que pueda haber integración son necesarias algunas condiciones. Por ejemplo, aumentar el comercio en moneda local y la actividad comercial en general, que debería ser mucho más significativa. En 2008 el comercio fue de 30 mil millones de dólares. Está bien. Pero debería ser mucho mayor.

–¿La empatía política es condición para que dos países puedan avanzar en un proceso de integración?
–Hay que analizar los procesos históricos. En Europa, por ejemplo, hubo cambios de gobierno, algunos viraron más hacia la izquierda, otros hacia la derecha y el proceso de integración económica continuó. En este momento creo que hay un entendimiento político muy bueno entre Argentina y Brasil. Hay una forma de ver la sociedad que es semejante: con preocupaciones sociales y el fortalecimiento de la economía nacional. Todos esos son puntos que facilitan mucho la integración.

–¿Existe posibilidad que el Bndes (Banco Nacional de Desarrollo del Brasil) preste a empresas argentinas para proyectos que no involucren a firmas brasileñas?
–De momento no. Pero creo que es una idea muy positiva.

–¿Qué cosas se ponen en juego en los próximos comicios presidenciales de su país?
–En Brasil hubo logros muy importantes en materia social, con una reducción muy importante de las personas bajo la línea de pobreza. Otras mejoraron sus niveles de ingresos, lo que dio lugar a lo que se llama la nueva clase media. Nosotros queremos profundizar esas políticas. El presidente Lula logró resultados muy importantes también en materia macroeconómica en el control de la inflación y la reducción de la deuda externa, la constitución de reservas monetarias muy significativas y el estímulo a la actividad económica: el año pasado se crearon más de un millón de empleos, cuando en los otros países se perdían. Pero hay que seguir trabajando para mejorar la distribución del ingreso.

1902) Um pequeno retrato dos nossos estudantes...

Parece que o sentido do trabalho e a pesquisa própria se perderam em algum momento do passado recente.
Recebido no formulário de contato de meu site pessoal


> On Tuesday, March 23, 2010, at 08:39AM, "xxxxx" wrote:
> >Mensagem enviada pelo formulario de Contato do SITE.
> >
> >Nome: xxxxxx
> >Cidade: picos
> >Estado: pi
> >Email: xxxxxx@hotmail.com
> >Assunto: Sem assunto
> >Mensagem: voce tem alguma resenha critica do livro A escola e a compreensao de realidade da autora Maria Tereza Nidelcoff.

Eu perguntei:

Date: Tue, 23 Mar 2010 09:09:50 -0300
> From: pralmeida@mac.com
> To: xxxxx@hotmail.com
> Subject: Re: Formulário do SITE Paulo Roberto de Almeida: Sem assunto
>
> Voce precisa dessa resenha para algum interesse ou trabalho especifico?
>
> ----------------------
> Paulo Roberto de Almeida

Resposta concisa da demandante, sim, uma estudante:

"Específico"

Voltei a perguntar:

"Que tipo de interesse específico?"

Ainda estou aguardando retorno...

segunda-feira, 22 de março de 2010

1901) Rififi no FMI: Brasil enfrenta Colombia

Crise no FMI
Merval Pereira
O Globo, 21.3.2010

Uma crise diplomática de amplas proporções para o governo da Colombia, e que o governo brasileiro procura reduzir a uma simples questão administrativa, se desenrola nos bastidores do Fundo Monetário Internacional (FMI), acrescentando mais um contencioso nas relações com países da América do Sul governados por políticos conservadores, como o Chile, onde o presidente Lula não foi para a posse de Piñera, ou o Peru de Alan Garcia.

O economista Paulo Nogueira Batista Junior, diretor executivo do FMI em Washington, demitiu recentemente a economista colombiana Maria Inês Agudelo do cargo de Diretora-Substituta.

O Brasil representa diversos países no FMI, como a Colômbia, República Dominicana, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, Suriname e Trindade e Tobago, mas a Colombia alega que a economista, ex-vice ministra das Finanças, ocupava um posto que era de representação do país, e não poderia ser demitida.

Oficialmente, não há uma explicação, e ao ser procurado Paulo Nogueira não quis falar, alegando se tratar de assunto administrativo interno, e por avaliar que, ao falar sobre o tema em público, poderia ser indelicado com pessoas envolvidas.

María Inés Agudelo, também não quis se pronunciar. Mas nos bastidores do FMI, as versões correm soltas, alimentando um clima de crise política entre os governos do Brasil e Colombia.

Os colombianos fizeram protestos formais junto ao governo brasileiro e atribuem informalmente a demissão às posições políticas de Paulo Nogueira, que seria ligado à ala esquerda mais radical do governo Lula, interessada em boicotar o governo conservador de Uribe, tirando-lhe poder nos organismos internacionais.

O fato de que Paulo Nogueira pediu a substituição de Maria Ines Agudelo por outro representante colombiano, alegado pelo governo brasileiro como prova de que se trata apenas de uma questão adminstrativa, é entendido pelo governo colombiano como tentativa de rebaixar sua representação, tornando-a subordinada ao diretor-executivo brasileiro.

O governo brasileiro alega que a Colombia sempre elogiou a atuação do diretor-executivo Paulo Nogueira no FMI, e ressalta que foi com seu apoio que a entidade criou linhas alternativas de crédito mais flexíveis na crise de 2008, que ajudaram a Colômbia.

O governo brasileiro procura retirar do episódio qualquer tom ideológico, mas atribui a politização do caso pelo governo Uribe a uma insatisfação com o fato de o governo brasileiro não querer apoiar a reeleição do Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o colombiano Luis Alberto Moreno.

Mais uma vez, as críticas de autoridades brasileiras à atuação do BID ganham, na visão da Colombia, cores ideológicas, enquanto da parte brasileira são tidas como posições meramente técnicas.

Há na origem da eleição de Moreno para o BID um fator político importante: ele venceu a eleição em 2005 derrotando o candidato do governo brasileiro João Sayad, que tinha o apoio argentino, mas só recebeu 11 dos 48 votos dos países-membros da instituição.

Moreno foi eleito com o apoio do governo Bush, pois os Estados Unidos têm a maior participação no banco. Hoje, no entanto, a situação é distinta, pois a nova administração Obama também estaria insatisfeita com a atuação do BID durante a crise financeira internacional.

O Ministro da Fazenda, Guido Mantega, é um dos mais ácidos críticos da gestão de Moreno, e recentemente disse claramente que era preciso "uma nova gestão mais eficaz em benefício da região".

Uma das queixas maiores é quanto ao custo dos empréstimos do BID, que não seriam compatíveis com a situação financeira da América Latina.

Seja por questões ideológicas, seja por questões meramente técnicas, o fato é que o governo brasileiro está negociando desde o ano passado a apresentação de uma candidatura alternativa para a sucessão de Moreno, em outubro deste ano.

E procura uma parceria com os Estados Unidos, que a Colombia também busca. Uma das consequências dessa crise atual gerada pela demissão da diretora colombiana é que a Colombia se recusa a ser representada pelo Brasil daqui por diante no FMI, o que provocará uma mudança de procedimentos.

O governo brasileiro acha que a Colombia quer mesmo é ficar sob a representação dos Estados Unidos no FMI, o que aumentaria a já estreita ligação entre os dois países nos organismos internacionais, e dificultaria qualquer ação americana contrária, que setores da administracão Obama já defendem.

O governo colombiano acha que o governo brasileiro o discrimina justamente por essa proximidade com os Estados Unidos.

O governo brasileiro, que já perdeu outras indicações para organismos internacionais como na Unesco, quando apoiou o egipcio Farouk Hosni, acusado de anti-semitismo, que perdeu para a búlgara Irina Bukova; ou quando tentou a indicação de Luís Felipe de Seixas Corrêa na Organização Mundial do Comércio (OMC), tenta agora montar novamente uma candidatura para o BID.

Diversos nomes estão sendo cogitados, todos a nível de ministro de Estado, entre eles o do Planejamento, Paulo Bernardo, e o da Fazenda, Guido Mantega, além do ex-ministro da Fazenda Antonioo Palocci, o que só faz aumentar nos colombianos a sensação de que estão sendo vítimas de uma grande armação política brasileira para esvaziar sua presença nos organismos internacionais.

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Governo brasileiro afronta a Colômbia
Artigo de Opinião: RODRIGO BOTERO MONTOYA
O Globo, 22/03/2010

Um incidente na vaga que compartilham Colômbia e Brasil na Diretoria do Fundo Monetário Internacional ameaça deteriorar as relações bilaterais, por causa da aparente aceitação do comportamento abusivo do seu diretor-executivo no FMI, Paulo Nogueira, que têm expressado as autoridades brasileiras.

No dia 18 de fevereiro, María Inés Agudelo, a diretora-suplente pela Colômbia, recebeu um telefonema de Nogueira, que de forma intempestiva e grosseira lhe ordenou abandonar seu escritório em um prazo de 24 horas. Para acrescentar o insulto à injúria, Nogueira resolveu notificar o gerente do Banco de la República, governador pela Colômbia no Fundo, da destituição de Agudelo, solicitando-lhe o envio de currículos de possíveis candidatos a substituíla, para que ele selecionasse o representante do governo colombiano perante o Fundo em Washington.

María Inés Agudelo, ex-vice-minis tra da Fazenda da Colômbia, não era uma empregada de Nogueira. Sua destituição constitui uma irregularidade que não corresponde ao espírito do acordo constitutivo da vaga no FMI, nem ao acordado entre os governos da Colômbia e do Brasil. Segundo esse entendimento, as autoridades colombianas selecionam o diretor-suplente no FMI conforme seu melhor critério. Quando se discutem na Diretoria assuntos relacionados com o interesse colombiano, quem intervém é o diretor-substituto, não o diretorexecutivo brasileiro.

Esse entendimento não se pode violar abruptamente, por um ato tosco, sem que se rompa a tradicional harmonia, baseada no respeito mútuo, que tem caracterizado há tempos as relações entre a Colômbia e o Brasil. Também fazem parte da mesma diretoria a República Dominicana, o Equador, a Guiana, o Haiti, o Panamá, o Suriname e Trinidad e Tobago. O acordo que a constituiu estabelece que, durante o período 2004 a2016, o cargo de diretor executivo corresponde ao Brasil, e o de diretor-suplente à Colômbia. Os demais países nomeiam assessores que devem preencher determinados requisitos profissionais. Caso contrário, o diretorex ecutivo pode solicitar ao governador do respectivo país no Fundo que designe um substituto.

Tal como interpretam o acordo as autoridades econômicas colombianas, o status do diretor-suplente é diferente daquele dos assessores. Sua nomeação e remoção são atos soberanos do governo colombiano, e não são da alçada do diretor-executivo brasileiro.

No entanto, o documento que rege o manejo dessa diretoria não tem força contratual. Não existe um recurso legal válido para corrigir uma arbitrariedade como a que acaba de ocorrer.

Por definição, os acordos de cavalheiros funcionam quando aqueles que os executam se comportam como tal.

Alexandre Kafka, Murilo Portugal e Eduardo Loyo, os representantes anteriores do Brasil no FMI, manejaram de forma impecável as relações com Colômbia. Mas cavalheirismo não é o traço característico de Paulo Nogueitra ra, que conquistou a animosidade dos seus colegas na Diretoria do Fundo.

As autoridades colombianas têm reagido com firmeza e discrição. O Banco Central e o Ministério da Fazenda, assim como o Ministério de Relações Exteriores e a Presidência do Brasil, têm sido notificados sobre a inconformidade colombiana com o comportamento do seu representante no FMI.

As autoridades econômicas colombianas informaram ao diretor-gerente do Fundo que Nogueira não está autorizado a intervir em nenhum assunto relacionado com a Colômbia. Nesses casos, viajaria a Washington um funcionário do Banco de la Repúblicapara defender o interesse colombiano.

O governo brasileiro deve entender que o abuso de Nogueira significa um custo político considerável. Sua solidariedade com um comportamento inaceitável é incompatível com o objetivo de manter relações cordiais com a Colômbia.

RODRIGO BOTERO MONTOYA é exministro da Fazenda da Colômbia.

1900) Retaliacoes comerciais Brasil-EUA - Marcelo de Paiva Abreu

Muito bravo, quando atacado, defende-se
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de S. Paulo, 22.03.2010

Em 2002 o Brasil iniciou procedimentos, na Organização Mundial do Comércio (OMC), para obrigar os Estados Unidos à reformulação de sua política de financiamento às exportações de algodão, pois resultavam em redução dos preços mundiais. Isso afetava desfavoravelmente os demais exportadores de algodão, inclusive países africanos muito pobres como Benin, Burkina Fasso, Chade e Mali.

Em agosto do ano passado houve decisão final da OMC homologando a vitória do Brasil, quatro anos depois da primeira decisão. Quem tiver ânimo pode consultar os calhamaços eletrônicos que registram as sucessivas derrotas dos Estados Unidos nos vários foros de decisão da organização durante esse longo período em http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds267_e.htm.

De acordo com as regras da OMC, o Brasil foi autorizado a retaliar, aumentando as tarifas sobre US$ 591 milhões de bens importados dos Estados Unidos e suspendendo pagamentos relativos à propriedade intelectual até US$ 238 milhões.

Embora a Rodada Uruguai, concluída em 1994, tenha resultado em melhoria do sistema de solução de controvérsias, o avanço foi modesto. Retaliar aumentando tarifas sobre bens significa que o fornecedor retaliado, que era supostamente o que oferecia menor preço, é deslocado por outro supridor menos eficiente. Retaliar em propriedade intelectual poderá afetar fluxos futuros de investimento.

Ou seja, para atingir os Estados Unidos é preciso, em alguma medida, dar um tiro no próprio pé, penalizando o consumidor brasileiro e comprometendo investimentos.

A lista de produtos definida pelo governo brasileiro inclui US$ 318 milhões de importações de trigo - mais da metade da retaliação permitida -, com elevação de direitos de 10% para 30%. Há quem veja nessa opção uma barretada aos produtores nacionais de trigo, que há muito tempo andam pressionando por aumento de proteção.

As reações norte-americanas incluíram desde queixas sobre o açodamento brasileiro - depois de oito anos de protelações, boa parte delas gerada pelos Estados Unidos - até ameaças destemperadas.

Que os senadores dos Estados algodoeiros norte-americanos, com destaque para a senadora pelo Arkansas Blanche Lincoln, presidente da Comissão de Agricultura, brandissem a ameaça de exclusão do Brasil do Sistema Geral de Preferências (SGP), programa de preferências tarifárias para países em desenvolvimento, não é surpreendente. Causa mais espécie a declaração do novo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, que, em vez de se dedicar a encontrar uma saída para as dificuldades bilaterais, mencionou possíveis represálias dos Estados Unidos.

É certo que as trapalhadas da diplomacia brasileira em relação a Irã, Honduras e Cuba não contribuem para criar clima para uma solução de compromisso. Mas as acusações norte-americanas ao Brasil fazem lembrar o delicioso aforismo: Esse animal é muito bravo, quando atacado, defende-se.

Depois de oito anos, não restava ao Brasil alternativa senão tratar de implementar a decisão da OMC, que culmina uma grande vitória da diplomacia econômica brasileira. Mas fica a impressão de que o timing das decisões brasileiras deveria ter levado em conta que um negaceio mais prolongado quanto à retaliação poderia facilitar resultados positivos. Em especial quando se reconhece que dificilmente o governo dos Estados Unidos terá condições de promover, antes de 2012, a aprovação de reforma da Farm Bill que atenda aos interesses algodoeiros prejudicados. Mas, em face da disparidade de poder de barganha, não é fácil tornar a retaliação crível.

É improvável que os Estados Unidos não façam um gesto concreto, combinado com promessas quanto a medidas futuras, que permita a suspensão das sanções brasileiras. Sabe-se que o entusiasmo de Washington pelo sistema de regras comerciais multilaterais não é grande, mas custa acreditar que haja disposição para apostar de forma acintosa na desmoralização do sistema de solução de controvérsias.

Do ponto de vista brasileiro, a OMC é importante, pois aos países com poder de barganha modesto interessa que exista uma polícia com credibilidade que os defenda das truculências dos mais fortes. É também relevante lembrar que - do ponto de vista dos consumidores - a credibilidade das disciplinas multilaterais é essencial para conter as demandas dos lobbies protecionistas internos.

*DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE, É PROFESSOR TITULAR NO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

1899) Politica Externa - Fabio Wanderley Reis

Política externa, de novo
Fábio Wanderley Reis
Valor Econômico, 22.03.2010

De repente, como assinalei aqui algum tempo atrás, temos a política externa como assunto relevante. As perplexidades que o assunto envolve me têm levado a evocar certa sequência de um desses filmes americanos sobre brancos vivendo entre índios (Um homem chamado cavalo, se não me engano), em que o heroi e narrador, a propósito da experiência de participar com seus hospedeiros, em duro combate, da resistência ao ataque de outra tribo, comenta, não sei mais exatamente em que termos, o sentimento produzido pelo fato de tratar-se de defender a família e a comunidade, no sentido mais concreto e primordial, da ameaça imediata e dramática do grupo estranho - o inimigo, sem ambiguidades. Essa situação extrema é talvez o caso mais simples de política externa: trata-se quase da mera autodefesa pessoal, envolvendo em grau mínimo a dilatação ou expansão do amor próprio de que fala Leopardi em algum de seus escritos.

Comunidades mais amplas e complexas, incluindo as cidades-Estado clássicas da Grécia antiga e a Roma republicana, transformaram esse sentimento na virtude cívica do cidadão solidário e disposto, no limite, a dar a vida pela coletividade. Aí já estava presente, porém, a mescla em que a coerção difusa ou direta por parte da coletividade se mistura com a demanda de lealdade e das disposições subjetivas adequadas por parte do cidadão. O nacionalismo moderno exacerbou, de maneira com frequência trágica, essa mescla e seus efeitos, produzindo guerras em que as vidas de milhões foram solidariamente, ou ao menos disciplinadamente diante da coerção, dadas em nome de desígnios definidos como sendo os da coletividade nacional como tal.

De todo modo, em livro recente sobre a Europa do pós-guerra, Tony Judt, como outros autores bem antes dele, aponta na expansão do welfare state a motivação de reparação a populações solidárias das quais havia sido civicamente exigido tudo e que passam a receber e a desfrutar civilmente (essas não são expressões de Judt) de direitos mais e mais amplos. O que leva a pensar no caso do Brasil. Apesar do longo escravismo e da herança elitista, e do papel cumprido pelo Estado quanto a esses traços negativos, é tênue entre nós a memória (ou a ideia) de um Estado empenhado em cobrar o dever cívico levado ao ponto de dar a vida em guerras. Temos claramente o predomínio inconteste de uma concepção civil de cidadania, em que o cidadão não é senão o titular de direitos, e mesmo o que possa existir de senso de dever cívico não se aproxima sequer remotamente da ideia de morrer em guerra. Concepção que provavelmente tem mesmo conexão importante com a crise ética de que tanto falamos na atualidade brasileira, com suas manifestações em diferentes níveis.

Seja como for, como ver a questão da política externa? De repente, como disse, tomamos consciência (alguns mais do que outros...) de que somos internacionalmente relevantes, ou assim nos contam, e é preciso ter uma política externa. De que se trata, que objetivos buscar?

Nas manifestações desencontradas e confusas do debate a respeito, há quem diga, por exemplo, que é preciso separar diplomacia de ideologia, o que redundaria em separar política de ideologia e reclamar tratamento burocrático, presume-se, para a fixação das políticas a serem perseguidas em diferentes áreas: será isso possível ou desejável? (Em estudo recente de Amaury de Souza sobre a política externa brasileira, a questão de decisões democráticas a respeito dos problemas é inteiramente substituída pelo levantamento das opiniões de uma tecnocrática comunidade brasileira de política externa amplamente composta de peritos...) Mas a política e a ideologia irrompem inconsistentemente, como é fatal, de diversos modos: veja-se, a respeito de Bolívia e Petrobrás, a cobrança de atenção realista (vale dizer, egoística) aos interesses nacionais (ou se trataria então de solidariedade nacional?); que, contudo, convive com a cobrança idealista de atenção para os direitos humanos a propósito de Cuba e do Irã... Por outro lado, como acomodar a eventual postura afirmativa ou agressiva sobre os direitos humanos com a postura relativa a supostos valores como os envolvidos nas ideias de soberania e autodeterminação?

Isso aponta para o miolo enovelado das dificuldades. O respeito aos direitos humanos, entendidos amplamente, é, sem dúvida, um muito bom motivo para que se reexaminem os princípios de soberania e autodeterminação, como aliás vem ocorrendo incipientemente diante de casos de genocídio e limpeza étnica. O reexame se ajusta, além disso, ao problema geral das relações entre autonomia coletiva e autonomia individual, no qual sobressai, se a autonomia é um valor, o absurdo de se pretender assegurar a autonomia coletiva (de um país, estado ou entidade coletiva qualquer) em circunstâncias em que ela se torna a garantia de que será possível justamente privar os membros individuais da coletividade em questão (ou parte deles) da autonomia e dos direitos correspondentes. Mas é preciso lembrar que a postura supostamente atenta aos direitos humanos envolve com frequência a responsabilização de uma entidade coletiva como tal pelos crimes de seus ditadores: além do que nos lembram de forma mais imediatamente trágica, por exemplo, os milhares de civis iraqueanos mortos na guerra a Saddam Hussein, a líder civil iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz, nos advertia há pouco de que sanções mais fortes contra o Irã atingiriam a população iraniana - como acontece há muito no caso de Cuba.

Parece claro que a autodeterminação soberana que rege o sistema internacional desde Westfália tem de ser qualificada e mudada. O diabo é que isso requer que sejamos capazes de entronizar com vigor apropriado princípios legais transnacionais (viva a OMC!), o que envolve penosa construção institucional (e ideológica...) mundial.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras.
E-mail: fabiowr@uai.com.br