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sábado, 24 de junho de 2006

515) Assim marcha (ou não) a integração na América do Sul...

Reproduzo abaixo matéria veiculada originalmente no site argentino da Nueva Mayoria, um grupo de pesquisas acadêmicas de orientação pragmática, e reproduzido no site brasileiro do Instituto Millenium.
Chamao a atenção para dois trechos, logo ao início:
1) "Os chefes de Estado da Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, em uma declaração conjunta, concordaram em respeitar o direito de qualquer país andino de negociar um tratado de livre comércio com os Estados Unidos..."
PRA: Esse posicionamento pode ter conseqüências para o Mercosul, onde se sabe que Uruguai e Paraguai reivindicam o mesmo direito. A diferença é que no Mercosul a união aduaneira e a aplicação da TEC sempre foram mais elaboradas e respeitadas do que na CAN, que formalmente era uma UZ, mas esta nunca chegou a funcionar na prática.

2) "...o Presidente Hugo Chávez, da Venezuela (anunciou) que seu país se retiraria da Comunidade Andina de Nações (CAN) (...) por (esta) encontrar-se 'fatalmente ferida' dado ao fato de que o Peru e a Colômbia haviam assinado acordos comerciais bilaterais com os Estados Unidos."
PRA: Este argumento do presidente Chávez não procede e trata-se de mera escusa para encontrar um contencioso politico, uma vez que a Venezuela teria, de toda forma, de retirar-se inapelavelmente da UA da CAN, desde que anunciou que estava ingressando plenamente no Mercosul. A regra é simples: pode-se ser membro de quantas ZLCs se quiser, mas só se pode ser membro de uma única UA, que são exclusivas, dado o proóprio conceito gattiano de território aduaneiro e de tarifa aplicada.


Integração latinoamericana
Sexta-feira, 23 de Junho de 2006
Arturo Valenzuela (desde Washington)
para Nueva Mayoría

Algo surpreendente ocorreu em Quito esta semana. Os chefes de Estado da Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, em uma declaração conjunta, concordaram em respeitar o direito de qualquer país andino de negociar um tratado de livre comércio com os Estados Unidos, pedindo em troca à potência do norte a renovação das preferências comerciais que, desde 1991, permitem a entrada no mercado “estadounidense” de milhares de produtos da região. Estas preferências terminam no final do ano ao menos que o Congresso dos Estados Unidos as renove.

O surpreendente é que a reunião de cúpula tenha se realizado somente dois meses após o Presidente Hugo Chávez, da Venezuela, anunciar que seu país se retiraria da Comunidade Andina de Nações (CAN), criada para fomentar a integração regional, por encontrar-se “fatalmente ferida” dado ao fato de que o Peru e a Colômbia haviam assinado acordos comerciais bilaterais com os Estados Unidos.

Chávez esperava contar com o apoio decidido de Evo Morales, o presidente indígena da Bolívia, para lançar junto a Cuba a Alternativa Bolivariana para as Américas, um projeto de integração hemisférico que contrariaria a influência de Washington na região.

Também esperava que a eleição à presidência no Peru do nacionalista de esquerda Ollanta Humala provocasse uma guinada da política exterior daquele país, ajudando a afiançar as perspectivas do projeto bolivariano.

Sem dúvida, Ollanta perdeu a disputa presidencial frente a Alan García no Peru e o próprio Morales tem dado sinais de que quer se tornar independente de Chávez, ao se dar conta de que não lhe convêm que a Bolívia fique fora de um acordo regional com Washington, especialmente quando as indústrias de seus vizinhos, como, por exemplo, as têxteis, teriam acesso ao mercado da super potência. E assim, o grande ausente em Quito acabou por ser o próprio líder da República Bolivariana da Venezuela.

A reunião de cúpula em Quito demonstra duas realidades. A primeira é que o esforço de Chávez pela liderança de uma aliança hemisférica contraposta aos Estados Unidos, ao invés de gerar um maior consenso na região, tem provocado novos conflitos, contribuindo, por sua vez, a uma maior deterioração das instituições regionais já fragilizadas que foram elaboradas a duras penas para conseguir uma maior integração continental. O Mercosul já se encontrava debilitado pelas grandes assimetrias entre o Brasil e a Argentina por um lado, e, Uruguai e Paraguai, por outro quando, Chávez pediu para entrar no acordo comercial como país associado, exacerbando as difíceis relações bilaterais provocadas pelo conflito entre Montevidéu e Buenos Aires, pela construção das fábricas de celulose em território uruguaio que dá no Rio da Prata. E, ao sair da CAN, foi a Venezuela, e não seus vizinhos, quem deu o golpe de misericórdia a um acordo regional que poderia ter incrementado o comércio e a integração de seus países membros.

A segunda realidade é que é muito difícil para os países latino-americanos de se visualizar é a de um crescimento econômico sem investimento estrangeiro e acesso aos grandes mercados do mundo. É preciso lembrar que os Estados Unidos representam 75% do produto de todo o continente americano. Agregando ao México e ao Canadá se chega a mais de 85%. O restante dos países, incluindo o Brasil, produzem o resto. E como bem articulou Alan García, durante sua bem sucedida candidatura, não cabe à Venezuela impedir acordos que permitam a outros países obter acesso ao gigantesco mercado “estadounidense”, especialmente quando os Estados Unidos são de longe o principal sócio comercial de Caracas no mundo. Em outras palavras, e, apesar do prestígio do governo de Washington, os Estados Unidos continuam sendo muito importantes para o futuro econômico do continente.

Isto não significa que os países deveriam descuidar dos seus próprios interesses ao abrir suas economias à competição estrangeira. Muito discretamente, deveriam cobrar uma resposta mais clara por parte dos Estados Unidos e da Europa no que trata dos subsídios e das cotas agrícolas, que prejudica a competitividade dos produtos agrícolas da região.

Mas o livre comércio em si não é a panacéia que automaticamente vai gerar um maior bem-estar em um continente com atrasos econômicos e sociais.

Duas décadas após a introdução das reformas de primeira e segunda geração que estabeleceram disciplinas macroeconômicas e reformas estruturais que levaram à privatização de empresas estatais, entendemos melhor agora que o êxito econômico está também relacionado ao fortalecimento de instituições estatais, ao aprofundamento do estado de direito e à práticas políticas que incentivem a formulação de políticas públicas coerentes e responsáveis.

Mas, também se requer um maior esforço supranacional para melhor integrar as economias da região. O tema energético poderia ser o cerne da integração, como foi a Comunidade do Carvão e do Aço para os europeus no pós-guerra. Este esforço se deu, sem dúvida, com esquemas idealizados, demagógicos e excludentes, porém, com respostas claras, transparentes e práticas acompanhadas de uma vontade política de cooperação que para o momento está ausente nas Américas.

Tradução: Fernanda Vasconcelos

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