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quarta-feira, 17 de junho de 2009

1163) Um debate sobre diplomatas e políticas de Estado

Como sempre ocorre com os comentários vinculados a um determinado post, eles são lisíveis apenas para quem se dê ao trabalho de clicar em cima e seguir o fio da meada. Mas existem comentários que são importantes, e que merecem ser destacados, como parece ser o caso destes anexados a este post sobre questões monetárias:

Quinta-feira, Junho 11, 2009
1152) "Emprestimo" ao FMI: comentarios ao meu post e meu novo comentario

Para alimentar o debate -- e eu gosto de debates, pois julgo que eles são sempre esclarecedores -- permito-me transcrever aqui os comentários feitos e meus comentários a esses comentários.

Para facilitar a compreensão, transcrevo a parte final do post em questão (que já era uma assemblagem de comentários), pois o primeiro comentário feito pela Gláucia, se reportava a essa frase final.


2) Anônimo disse...

Pois é, na prova de PI de terceira fase do CACD deste ano, caiu a participação do Brasil no G20 Financeiro. E nós candidatos tivemos de tecer todos os encômios possíveis ao empréstimo brasileiro ao FMI, ecoando toda aquela ladainha de o Brasil aceitando ônus para legitimar-se no pleito de ampliação de participação no sistema internacional.
Tudo para Antônio Carlos Lessa e Alcides Costa Vaz verem. Vou começar uma campanha: "PRA na banca de PI do CACD já!"
Quinta-feira, Junho 11, 2009 2:32:00 PM

PRA: O mais irônico é que candidatos a diplomatas não podem simplesmente expor os fatos, contar a realidade, basear-se em número reais e em questões objetivas. Esses candidatos precisam "comprar" a versão chapa branca do governo e repetir bobagens, literalmente bobagens consumadas e equívocos econômicos, num papel triste de repetidores da propaganda governamental, que além de falsa, é fraudulenta. Triste isso, que já se comece mentindo...
Quanto a minha presença em banca de PI, pode esquecer: não há nenhum risco que isso ocorra, pela mesma razão de por que meus livros não constam da bibliografia oficial. Deve ser porque eu não compro fábulas oficiais...

Postado por Paulo R. de Almeida às 5:55 PM

3 Comentários

Glaucia disse...

Bem, Professor, acho que isso é até esperado, não? Afinal de contas, trata-se de um concurso para diplomatas, e não para analistas econômicos. Grave é quando acontece no IPEA.

Não me choca que o Itamaraty busque pessoas que sejam (além de - e não em vez de - tecnicamente qualificadas) suficientemente sensatas para sustentar uma política de Estado.

Eis ai um tópico que você poderia nos iluminar com sua experiência. Quanto deve um diplomata ter de si mesmo nas declarações que faz, e quanto deve ele ser um homem de Estado?

Sempre se pode apelar ao consensualismo tão lulista (e tão brasileiro) de dizer que não ha necessária oposição entre uma coisa e outra - mas seria mentira, não é mesmo? Um diplomata americano da era Obama tem direito de continuar a pregar a guerra ao terror? Um da era Bush deveria sair a campo criticando o apoio incondicional dos EUA a Israel como improdutivo? Em ambos os casos, podem eles condenar Guantanamo como contraria ao direito internacional humanitário sem ordens superiores?

Tiro disso, então, a conclusão lógica: sera um problema que o Itamaraty queira dos seus integrantes mais do que lucidez, sensatez? Será tão ultrajante pedir, sim, que conheçam a postura do Estado brasileiro, e sejam capazes de exprimi-la inclusive com a maior sinceridade?

Quarta-feira, Junho 17, 2009 9:19:00 AM


Blogger Paulo R. de Almeida disse...

Glaucia,
Você colocou questões extremamente importantes, não apenas no plano individual, ou seja do servidor do Estado enquanto ser pensante, de um lado, e enquanto servo obediente, de outro, mas sobretudo na conformação das políticas públicas: como elas se formam, se correspondem, ou não, ao interesse nacional, se respondem a critérios de racionalidade econômica, mais do que de conveniência política ou de simpaticas ideológicas, enfim, um conjunto de questões que não tenho tempo de abordar agora, mas que estou separando e guardando para um comentário futuro, talvez até um trabalho mais amplo sobre essa questão. Promessa.
No momento, e quanto a minha posição apenas, só posso dizer que nunca, em toda a minha vida, e especialmente na carreira, jamais deixei o cérebro na portaria quando ingresso para trabalhar, e jamais renuncio a pensar com minha própria cabeça na consideração e avaliação de questões como essas.
Voltarei ao assunto.
PRA

Quarta-feira, Junho 17, 2009 12:54:00 PM


Glaucia,
Não vou comentar agora a substância de seus argumentos, mas não posso deixar passar três questões em torno das quais você me parece estar "fora da marca", ou miss the point, como se diz...
Você escreveu:
1) "Afinal de contas, trata-se de um concurso para diplomatas, e não para analistas econômicos. Grave é quando acontece no IPEA."

PRA: Sua frase parece implicar que diplomatas podem se permitir o direito de serem mais relapsos, ou negligentes, com a economia, do que analistas econômicos do IPEA, o que reputo tremendamente equivocado. Não é porque se está fazendo uma seleção para diplomatas que os exames de entrada tenham de ser mais lenientes, complacentes, tolerantes com a irracionalidade econômica, ao contrário: temos de ser tão rigorosos quanto qualquer concurso de especialistas em economia, pois afinal de contas são os interesses do país que estão em jogo, não a renda individual de cada candidato à diplomacia. Não temos simplesmente o direito de ignorar a economia...

2) "Não me choca que o Itamaraty busque pessoas que sejam (além de - e não em vez de - tecnicamente qualificadas) suficientemente sensatas para sustentar uma politica de Estado."

PRA: Sensatez é um qualificativo subjetivo e alguém pode aparecer como razoavelmente sensato aos olhos de um true believer nas virtudes da economia socialista (como um Chávez, por exemplo) e aparecer como um esquizofrênico econômico aos olhos de qualquer outro economista "sensato".
Por outro lado, "sustentar uma política de Estado" me parece muito vago. O Estado é uma entidade abstrata e suas únicas políticas são aquelas propostas por pessoas de carne e osso, com suas crenças e ideologias, e aprovadas por um grupo de lobistas setoriais agregados em algo confuso que se chama Parlamento. Ou seja, sempre aplicamos políticas de governo, que se são estáveis e equilibradas o suficiente ganham credibilidade e passam a ser chamadas de políticas de Estado, pelo menos durante certo tempo. Os militares no Brasil, por exemplo, construiram muitas politicas de Estado, a ponto de este dominar 35% da economia (formação do PIB). O que era perfeitamente racional num determinado momento -- empresas de telecomunicações por exemplo -- tornou-se flagrantemente absurdo anos depois, quando você só conseguir uma linha telefônica se comprasse uma disponível no mercado, por mais ou menos 4 mil dólares. Isso não me parece uma boa política de Estado e se um diplomata continuasse a defender esse tipo de política, ele mereceria ser internado como louco de hospício.

Finalmente, você escreve:
3) "Tiro disso, então, a conclusão logica: sera um problema que o Itamaraty queira dos seus integrantes mais do que lucidez, sensatez? Sera tão ultrajante pedir, sim, que conheçam a postura do Estado brasileiro, e sejam capazes de exprimi-la inclusive com a maior sinceridade?"

PRA: Respondo expressamente que SIM, o Itamaraty quer sim algo mais do que lucidez e sensatez, que como disse são conceitos subjetivos. Se requer preparação técnica, um bom conhecimento de direito internacional, um bom domínio das realidades econômicas, uma familiaridade muito grande com os problemas brasileiros.
Como disse acima, o Estado não tem postura, e sim governos concretos. Estado é uma entidade abstrata ocupada temporariamente por grupos políticos que disputaram no mercado eleitoral o direito de administrar o Estado por um tempo limitado. Esse grupo pode ser composto de malucos de pedra que determinam "políticas de Estado" absolutamente danosas e irracionais e o diplomata precisa ter consciência disso.
Eu lhe dou dois exemplos imediatos disso.
Semana passada, o ministro do Planejamento demonstrou preocupação com a valorização do real, como aliás reclamavam os industriais (um grupo de empresários que representam no máximo 10 ou 15% da economia brasileira). Pois ele recomendou que o Banco Central comprasse mais dólares, o que significa tripudiar com a nossa inteligência e os nossos interesses como nação (100% do PIB). Pois para comprar mais dólares, o BC precisa emitir títulos da dívida pública, pois nem ele emite dólares, nem tem recursos para tanto, ou seja, precisa aumentar a dívida pública. Como é possivel fazer esse tipo de recomendação, quando se paga a Selic pela dívida pública e a "remuneração" do dólar, se houver fica abaixo disso, sendo mais provavelmente negativa?
Outro exemplo é essa idéia de malucos monetários que querem escapar do multilateralismo monetário para começar a negociar com moedas inconversíveis, como o rublo russo, o yuan chinês e a rúpia indiana. Quem propõe tal involução ao bilateralismo no sistema de pagamentos só pode ser internado como Napoleão de garagem.

8 comentários:

Rubens disse...

Professor PRA, quando tiver tempo, esclareça essa crítica abaixo, achei deveras interessante seu comentário:

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Semana passada, o ministro do Planejamento demonstrou preocupação com a valorização do real, como aliás reclamavam os industriais (um grupo de empresários que representam no máximo 10 ou 15% da economia brasileira). Pois ele recomendou que o Banco Central comprasse mais dólares, o que significa tripudiar com a nossa inteligência e os nossos interesses como nação (100% do PIB). Pois para comprar mais dólares, o BC precisa emitir títulos da dívida pública, pois nem ele emite dólares, nem tem recursos para tanto, ou seja, precisa aumentar a dívida pública. Como é possivel fazer esse tipo de recomendação, quando se paga a Selic pela dívida pública e a "remuneração" do dólar, se houver fica abaixo disso, sendo mais provavelmente negativa?
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Gostaria de entender melhor essa última frase.

E por favor, sempre que possível, comente sobre a relação entre as políticas de governo, ideologias e a carreira individual dos diplomatas, pois o assunto é muito interessante. Não sei o quanto o Sr. pode explicitar sobre esses assuntos, mas pessoalmente gostaria de saber se existe muito patrulhamento ideológico dentro do Itamaraty.

Abraços, e parabéns pelo blog.

Paulo Roberto de Almeida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paulo Roberto de Almeida disse...

Não atem muito o que explicar meu caro Rubens, trata-se de economia elementar.
Como quem tem dólares são os exportadores, o BC tem de comprar esses dolares no mercado. Para isso emite titulos da divida publica, e depois aplica os dolares em Treasury Bonds. Considerando-se a diferenca de dez pontos percentuais entre a remuneracao da Selic e dos T-bonds, estamos pagando para ter reservas em divisas.
Seria como se voce fosse ao banco, pedisse um empréstimo a juros de banqueiro (digamos a 15 ou 20 pc ao ano) e depois colocasse o dinheiro na poupança, com pouco mais de 6 pc. Loucura remetada, não lhe parece?
Pois estamos fazendo isso? Reservas de 200 bilhoes, que custam 20 bilhoes por ano para manter, e um rendimento de 1,5pc, apenas. Nao so tem um custo fiscal enorme, como tem um grande custo-oportunidade, ou seja, o que deixamos de ganhar se aplicassemos nosso dinheiro original (que alias pode nao existir) em outras coisas mais rentaveis.
Resumindo: o ministro está delirando, pois se o objetivo é não valorizaar o real, basta abrir as importacoes que a situacao se resolve rapidamente, quase sem custo para o pais, e com bem estar para os consumidores.
Quanto ao lado fiscal, a recomendacao mais sensata é reduzir a divida publica.
As simple as that...
(Mas, claro, não numa terra de malucos economicos, que agora querem reverter o multilateralismo monetario e passar a comercial em yuans, rublos e rupias. Só para agradar chineses, gregos e goianos...)

Glaucia disse...

Professor,

Entendo os esclarecimentos. Mas continuo achando que um candidato a diplomata que fala o que pensa na prova do Rio Branco é sério candidato a falar também o que pensa na ONU, na OMC, no BIRD. E seria até engraçado, não é mesmo?

"Sensatez", no caso, se o Professor preferir pode ser chamado de "submissão". Mas sabemos bem que o oposto de "submissão" é "insubmissão".

Quando digo que se recrutam diplomatas, e não analistas econômicos, digo que se recruta mais - não menos. De um analista econômico se espera que seja sincero (quer dizer, mais ou menos, né?, quantos estariam dispostos a efetivamente confessar que caminhavamos pra uma crise?). De um diplomata, que tenha boa, excelente mesmo, compreensão de economia, politica, direito. Mas se espera que, além disso, seja capaz de adotar um discurso em linha com o do seu pais.

Ou não? Ou o positivo - o economicamente eficiente, se assim se quiser - é que cada diplomata seja "insubmisso" (como definimos acima), decida por seu proprio cérebro, faça seu proprio discurso genial na Assembleia Geral dizendo umas boas verdades sobre a politica do proprio pais?

E atenção para o perigo da Lei de Godwin aqui de novo. Não estou sugerindo que, se eu fosse diplomata iraniano, a atitude eticamente correta seria encontrar argumentos racionais para a destruição de Israel. Nesse caso, a atitude eticamente correta seria deixar o serviço diplomatico (e, possivelmente, o pais) o mais rapido possivel, e entrar para a politica.

O que estou dizendo é que a atitude digamos profissionalmente correta de um diplomata, que sirva a um pais com um governo razoavel, é representar a politica externa do seu pais. Da mesma forma que a atitude profissionalmente correta de um militar, dentro de um governo razoavel, é defender a soberania nacional e preservar a ordem.

Volto: o exército deve admitir entre seus oficiais alguém que, tendo se preparado durante alguns anos, escreve num documento publico - como é uma folha de prova de concurso - que é preciso cessar a cooperação militar com a Argentina? O serviço militar, como o diplomatico, não deve justamente buscar pessoas capazes de - mantendo em privado as proprias convicções - sustentar, com convicção, a politica do Estado de momento (dentro dos limites do razoavel)?

E dizer: visto que estamos numa carreira estruturada, buscando pessoas para representarem o Estado brasileiro - isto é, de certa forma, o governo de turno -, uma pergunta como essa separa os submissos dos insubmissos.

Me parece, então, bastante adequada.

Fabricio De Souza disse...

Prof.

Desculpe lhe pedir auxílio sobre esse tema, mas é que estou planejando uma viagem para Teerã. Já tentei contato com a embaixada do Brasil no Irã, através de e-mail, mas esta voltando a vários dias. O senhor poderia conseguir algum outro contato que não seja esse e-mail:

embassy@braziliran.org

Muito obrigado!

Paulo Roberto de Almeida disse...

Fabricio,
Primeira instrucao, quando voce quiser uma informacao particular, que nao seja de interesse publico, aprenda a escrever diretamente ou mande seu e-mail para resposta direta.
Esse e-mail é o único que consta oficialmente no registro da Embaixada do Brasil em Teerã.
Voce pode talvez enviar um Fax:

Embaixada em Teerã
Fax: (009821) 2275-2009

Email: embassy@braziliran.org
Home-Page: www.braziliran.org

Guilherme Sheldon disse...

Há algum tempo não acompanho o blog, mas sou daqueles que recomeça a leitura exatamente de onde parou...

Bem, após os esclarecimentos tanto da senhora Gláucia quanto do professor PRA, não posso deixar de relatar uma experiência para uma vaga de estágio em uma certa divisão do MRE há alguns anos. Depois de uma pequena sabatina, um dos Secretários que estavam na sala me perguntou o que eu pensava sobre o Brasil perseguir uma posição permanente no Conselho de Segurança da ONU. Após minha explanação, percebi um olhar de constrangimento ante aquilo que eu disse - em resumo, sou contra essa meta tão preciosa que deixou de ser comentada pelo atual governo.
Mas algumas coisas me chamaram a atenção: percebi o constrangimento, pelo olhar de um dos Secretários, transformou-se em uma rejeição pontual das idéias que apresentei; enquanto notei que o outro Secretário observava a situação com um certo ar de felicidade.
Refleti bastante sobre a conversa daquela tarde e me perguntei: afinal, o que eles queriam de mim? Concordo que um homem de Estado precisa tomar decisão que reflitam as diretrizes de seu país, mas refuto a idéia de que tal homem deve seguir cegamente a um programa. Se fosse para seguir uma cartilha sem ter a possibilidade de inovar e expor suas próprias idéias , penso que seria mais fácil não existir um concurso, ou pelo menos uma redação tão subjetiva para a carreira diplomática. Assim, seria mais fácil recrutar pessoal de outros órgãos e dizer-lhes o que fazer. Por outro lado, penso que se não existissem diplomatas com coragem de se expor, não teríamos começado a estudar e revelar as mudanças climáticas, a matança desenfreada de animais, ou o teste de diversos medicamentos perigosos em populações africanas pobres.
Mas se for só para passar em um concurso, acho que a estratégia é escrever exatamente o que eles querem e depois, ao longo da carreira, defender as ideologias que foram reprimidas ao longo das fases de ingresso no Rio Branco.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Guilherme Sheldon,
Grato pelos comentários, na verdade uma descrição de sua experiência com o MRE, e diplomatas das últimas "safras", se ouso dizer.
Todo o sentido deste post, e dos comentários apensos, se prende à distinção entre políticas de Estado e políticas de governo, ou talvez, entre os interesses da nação, como um todo, e os de determinado grupo político que ocupa o governo durante certo tempo.
Não vou elaborar neste momento, mas pretendo fazer um pequeno texto justamente sobre o que são políticas de Estado e o que são políticas de governo e como distinguir entre elas, para não cair no conto do vigário de alguns que dizem que as políticas de governo são sempre políticas de Estado, quando elas podem estar léguas a parte, como diriam os portugueses.
Voltarei ao tema...