terça-feira, 8 de março de 2011

Nao sabia o que fazer na vida; foi ser diplomata...

Quase isso. Mas pelo menos ele é sincero.
Resta saber se vai entrar na indústria das indenizações também...

Minha história - Jom Tob Azulay: Filho pródigo
Depoimento a JULIANA ROCHA, DE BRASÍLIA
Folha de S.Paulo, 8/03/2011

Um amigo passou em quarto lugar [no Itamaraty] e foi impedido de se matricular por ter sido líder estudantil Eu tinha que ver a lista de pessoas que não podiam ter o passaporte renovado Estava exercendo funções policiais. Eu tinha que sair

RESUMO
Jom Tob Azulay assistiu à caça às bruxas que a ditadura militar promoveu no Itamaraty, onde entrou em 1965. Testemunhou expurgos e, a contragosto, foi incumbido de executar a política do regime nos postos em que serviu. Pediu desligamento em 1976. Após décadas trabalhando como cineasta, reencontrou-se com a diplomacia e foi reintegrado ao Itamaraty.

Jom Tob Azulay, 69, pertence à geração que entrou para o corpo diplomático na ditadura militar, vendo-se na obrigação de representar um regime com o qual não se identificava. Desde o exame de admissão até deixar o Itamaraty, em 1976, assistiu à perseguição política no ministério, ao qual acaba de ser reintegrado pela comissão da anistia. Servirá na Índia, como conselheiro, até completar 70 anos, em dezembro, quando deverá se aposentar.

MENINO DO RIO
Tive uma educação típica de classe média do Rio de Janeiro, criado em Ipanema, nos anos 50. Não me envolvi com atividades estudantis na faculdade. Eu era praiano, frequentava os pontos de encontro da bossa nova.
Comecei a namorar uma dinamarquesa sete anos mais velha, que me deu uma visão de vida europeia. Me ensinou a falar francês e inglês, a me vestir, a ter certa sofisticação. Eu não sabia o que fazer e o Itamaraty era uma opção interessante.

EXAME IDEOLÓGICO
Comecei a estudar para ser diplomata em 1963, no auge do predomínio do pensamento de esquerda. Minha formação foi dentro da visão crítica da realidade do país.
Prestei o exame no ano seguinte ao golpe e não sabia como adaptar tudo o que tinha estudado à nova realidade. Sabia que a prova do Rio Branco era ideológica. Certas palavras não se podia usar, como conscientização, que era considerado neologismo.
A minha primeira frustração foi quando um dos meus grandes amigos passou em quarto lugar e foi impedido de se matricular por ter sido líder estudantil.

CAÇA ÀS BRUXAS
Teve uma caça às bruxas no Itamaraty. Eu participava das passeatas. A gente formava grupos, discuta a realidade. A incompatibilidade com o regime era percebida.
Em 1969, se institui a Comissão Câmara Canto, que ceifou 40 diplomatas. Quando fui convocado por ela, pensei que minha vida tinha acabado. Me sentia culpado em relação àquele regime.
Fui recebido por três embaixadores que me perguntaram se eu conhecia algum homossexual, comunista ou alcoólatra. Disse que não. Concordar em responder já é uma vergonha. Escapei, mas aquilo me afetou.
A única coisa digna que se deveria fazer é dizer que isso não é pergunta que se faça, e que eu não vou responder a nada que seja insultuoso. Mas se eu desse essa resposta, estava liquidado. Aquilo era uma comissão de delação, o que mostra que a instituição estava envenenada.

OS CORREDORES
Em 1969, a postura dos militares com o Itamaraty mudou porque souberam que estavam mandando informações e denúncias de tortura pela mala diplomática para a Anistia Internacional.
Havia um clima de repressão enraizado através das DSIs (Divisão de Segurança de Informações). Tinha um representante do DSI na Secretaria-Geral do Itamaraty.
O coronel Paiva Chaves tinha um gabinete. Tudo passava por ele. O Itamaraty foi humilhado, sua autoridade foi quebrada. O pior, a gente via os oficiais pelos corredores. Um dia, ouvi: "Não vamos torturar um diplomata".

A SAÍDA
Em Los Angeles, conheci os realizadores do filme "Brazil: A Report on Torture" -documentário com depoimentos e simulações de tortura (1971). Eu vi que estava diante de algo perturbador.
Sempre que podia, eu passava esse filme para amigos. Uma vez, passei na casa do músico Oscar Castro Neves, onde estavam Tom Jobim, Elis Regina e mais uns 40 brasileiros. As senhoras gritavam: "O que é isso?".
Na época, eu trabalhava no setor consular de Los Angeles, onde tinha que ver a lista de pessoas que não podiam ter o passaporte renovado, receber visto ou apoio e deviam ter a presença denunciada. Estava exercendo funções policiais. Aí eu percebi que tinha que sair.
Tinha crises por ser obrigado a não renovar passaporte, como o do professor Alberto Guerreiro Ramos. Então, pedi para sair em 1976. Fiquei quieto no meu canto. Por isso nunca fui preso.
Fui me dedicar à atividade que me permitia um mínimo de oxigenação: o cinema. Nesses 35 anos fora do Itamaraty, fui produtor, fotógrafo e roteirista. Foram três longas: "Os Doces Bárbaros", de 1978, "Corações a Mil", de 1983, e "O Judeu", de 1995, além do documentário "Caminhos da Diplomacia Brasileira", de 1996.

A ANISTIA
Em 2001, fui trabalhar na Ancine [Agência Nacional do Cinema]. Lá fiz diplomacia como nunca. Fiz um acordo Brasil-Alemanha, que reacendeu a alma do diplomata.
Em 2007, o [embaixador] Jerônimo Moscardo perguntou porque eu não voltava para o Itamaraty. Argumentou que saímos porque havia um clima de perseguição.
Entrei na Comissão da Anistia, onde três colegas, entre eles o ex-ministro da Defesa José Viegas, depuseram a meu favor. A volta representa o exorcismo de tudo isso. Disse na comissão que não havia como continuar. Eu não podia conviver com aquilo. No meu julgamento, passou trechos de "Brazil: A Report on Torture". Em quase 40 anos de existência do filme, foi a primeira vez que foi exibido no país.
É indescritível que o brasileiro tenha sido aquilo, tenha submetido seus filhos àquilo. Isso nunca passou porque as sociedades reprimem no seu inconsciente aquilo de que se envergonham.
Agora que fui reintegrado, vou para a Índia até dezembro, quando faço 70 anos e me aposento.

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