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segunda-feira, 4 de julho de 2011
Notas de leitura: balanco pouco critico dos anos Lula (livro)
João Paulo de Almeida Magalhães et alii:
Os anos Lula: contribuições para um balanço crítico, 2003-2010
(Rio de Janeiro: Garamond, 2010, 424 p.; ISBN: 978-85-7617-196-6)
O livro é patrocinado pelo Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro, cujos economistas são todos comprometidos, ao que parece, com uma visão do mundo que está claramente expressa na Apresentação de seu ex-presidente no período 2009-2010, Paulo Passarinho.
Seus associados sempre se “pautaram pela defesa de um novo modelo econômico para o Brasil, coerente com nossas preocupações com a real democratização do país, a defesa da soberania nacional e de uma concepção do desenvolvimento econômico e social capaz de reduzir as imensas desigualdades que nos marcam.” (p. 7)
Dito assim, quem não concordaria com as palavras do apresentador?
O problema é que logo em seguida ele confessa que se posicionam claramente contrários “às reformas implantadas no Brasil a partir dos governos Collor de Mello, Itamar Franco e FHC. Essas reformas procuraram conferir ao país um novo quadro jurídico-institucional, particularmente como suporte para um novo modelo econômico, baseado nas aberturas financeira, comercial, produtiva e tecnológica.” (p. 8).
Ou seja, o presidente do Conselho confessa que ele e seus associados são contra qualquer abertura. E qual seria a razão?
“Esse conjunto de reformas – verdadeiras contrarreformas, pelos seus aspectos antinacionais e antipopulares – tiveram o papel de introduzir em nosso país, de forma tardia, o receituário propugnado pelo chamado Consenso de Washington, anteriormente já aplicado em vários países da América Latina”.
Supõe-se, a partir daí, que o livro conterá uma análise dessas prescrições e o que delas resultou, concretamente, nos países que as aplicaram, com base em dados objetivos e passíveis de confronto com a realidade empírica. Não é isso, entretanto e infelizmente, que ocorre, pois todo o livro é pautado por críticas ligeiras às administrações anteriores, sem muitos dados comparativos. A intenção seria denegrir o suposto neoliberalismo dos antecessores, embora a administração Lula tampouco seja isenta de críticas, não porque tenha afundado a economia do país, mas porque não rompeu com o modelo neoliberal do antecessor.
Como então condenar o modelo anterior, se o governo Lula não rompeu com ele, e sobre sua base construiu seu sucesso econômico e social? Esta é a quadratura do círculo que este livro não consegue responder.
O livro pretende verificar como se desempenhou o governo Lula, ou, em suas palavras: “avaliar em que medida os compromissos históricos de mudanças estruturais no país, inclusive reafirmados na polêmica Carta aos brasileiros, foram satisfeitos” (p. 9).
O espírito que anima os autores e organizadores do livro pode ser evidenciado nesta frase: “Os efeitos que a ideologia dominante exerce sobre o conjunto da sociedade são notórios, em particular com a brutal apologia do individualismo e do exercício do consumismo como formas de realização humanas” (p. 11-12). Em outras palavras: os autores são contra o consumismo e o individualismo, preferindo, por dedução lógica o não consumo e o coletivismo.
Trata-se, sem dúvida alguma, da mesma ideologia ingênua, anticapitalista e antimercado, que permeia quase todo o discurso acadêmico, geralmente inócuo e totalmente desprovido de consistência real, como ainda evidenciado por esta frase:
“No plano objetivo do desenvolvimento econômico e social, aprofundamos [entendo que isto se refira ao governo Lula também] a inserção subalterna da economia brasileira a um mundo sob hegemonia da globalização financeira e fortemente marcado por pressões das potências econômicas, soberanas nas definições de suas prioridades.” (p. 12).
Ou seja, mais uma vez estamos em face de um déjà vu absoluto, um linguajar tão batido e repisado que custa a crer que pessoas do século 21 ainda retomem o vocabulário e as opiniões de meio século atrás para apresentar um livro supostamente de balanço crítico. Custa a crer que nossa academia tenha avançado tão pouco, e que ela continue movida ainda por esse festival de besteirol requentado.
Para esses autores, a “adoção da agenda liberalizante [dos anos 1990, ou seja FHC] ganha hegemonia e sepulta de vez o passado desenvolvimentista do país, ao construir um novo consenso em torno da pauta de reformas ditada pelos interesses do capital financeiro, cristalizando uma unidade programática entre os seus diversos setores – bancos, multinacionais e grandes corporações nacionais”. (p 14).
Eu me pergunto se o mesmo não se aplica ao governo Lula?
O balanço desse governo é oferecido ao final da apresentação de Paulo Passarinho:
“Junto com a aparência de avanços das políticas governamentais – em particular na área macroeconômica, e com o apoio explícito da mídia dominante –, observamos um forte e contínuo endividamento do Estado, o comprometimento de nossas finanças com uma gigantesca carga de pagamento de juros e o sacrifício permanente de áreas vitais ao dia a dia da população, como são os casos notórios da saúde, da educação, dos transportes de massa ou das segurança pública.” (p. 17)
Tirando-se o chavão “mídia dominante”, pode-se até concordar com esse tipo de diagnóstico, com alguns matizes.
Mas é surpreendente que os autores não façam nenhuma conexão entre o endividamento do Estado e a carga de juros, entre a constante rapina de recursos privados por parte do Estado e a ausência do atendimento adequado a todos esses problemas apontados acima, entre uma carga tributária extorsiva e o baixo nível dos investimentos produtivos.
O que surpreende nos economistas que participaram neste tipo de livro é que eles pedem a volta das mesmas políticas que foram aplicadas durante anos e décadas no Brasil “desenvolvimentista” dos anos 1950 e durante o período militar e não se dão conta que foram as mesmas políticas que nos levaram à situação em que nos encontramos hoje.
Para evidenciar a “metodologia” bizarra adotada pelos autores, ressalto apenas uma das áreas notoriamente carentes de mudança e sobre a qual pairam perspectivas sombrias: a educação.
O capítulo dedicado a este tema, “Educação no governo Lula da Silva: a ruptura que não aconteceu”, assinado por Roberto Leher. O autor já começa dizendo que “no governo Cardoso já estava em curso a adequação da educação ao padrão de acumulação advindo da crise da dívida de 1982 e do ajuste provocado pela renegociação da dívida nos anos 1990, processo que engendrou mudanças importantes na economia e que, na perspectiva dos setores dominantes, exigiria a conformação de um outro ethos educativo.” (p. 369)
Por aí se vê a mentalidade do analista da educação brasileira, que é contra o setor privado e acha que tudo foi feito pelos setores dominantes para desmantelar a educação brasileira: “De fato, o governo Cardoso foi abertamente contra a educação pública. (...) Sua opção inequívoca foi pela mercantilização da educação e pelo ajuste da educação de massa a um padrão de acumulação do capital que requer grande volume de trabalho simples.” (p. 370-371).
Este é o compasso das “análises” registradas ao longo de um livro que não oferece exatamente um balanço do governo Lula, e se ele é crítico, o é geralmente pelas vias equivocados e por motivos errados, supostamente pelo lado da “esquerda”, mas que acaba sendo uma via conservadora e até reacionária de “não-mudança” social e econômica. Como diz o próprio autor: “O ProUni e o Fies estão em antípoda com os valores da esquerda.” (p. 388). Constatando-se que esta é a opinião da maioria dos professores e dos seus sindicatos, pode-se confirmar que a educação brasileira não corre nenhum risco de melhorar no futuro previsível, como, aliás, nem a qualidade das políticas econômicas do governo.
O balanço é melancólico, se podemos extrair alguma conclusão...
Paulo Roberto de Almeida
4/07/2011
2 comentários:
Comprei este livro na semana passada, sem ter avaliado bem o que tinha em mãos... Confesso que fiquei assustado com o teor das análises presentes no texto. Concordo em grande parte com sua avaliação. Para não dizer que o livro é absolutamente inútil, diria que ele serve ao menos para ter ciência de uma visão (prenominante?) da academia. Lastimável.
Ray,
Infelizmente, esta e' a mentalidade predominante em 90% da academia brasileira.
Ou seja, estamos enterrados na mediocridade por um bom tempo, eu diria ate' pelo futuro previsivel, mais longe que se possa alcancar...
PRA
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