Afinal de contas, os europeus estão em situação ainda pior (e sem necessariamente estarem dispostos a fazer os esforços requeridos para reassumir o papel que já foi o deles no "concerto mundial") e por mais que os chineses sejam os novos candidatos à preeminência imperial, quem é que gostaria de imitar (ou poderia, no caso) o seu, hum..., "modelo"?
Acho que Hollywood e Disneyworld ainda tem mais charme para o resto do mundo do que o Partido Comunista Chinês... (enfim, comida chinesa é ótima, mas o sistema que segue junto não é muito apetitoso).
Paulo Roberto de Almeida
O atentado que deu início ao fim da hegemonia dos EUA
Por Lionel Barber | Financial Times
Valor
Econômico – pág. A12
08.9.11
Na
manhã de 11 de setembro de 2001, o futuro dos Estados Unidos parecia tão
radiante quanto o céu azul sobre Manhattan. O preço do petróleo do tipo Brent
estava em US$ 28 o barril, o governo federal tinha superávit fiscal, a economia
americana se recuperava do crash da bolha pontocom (embora que
imperceptivelmente). A nação mais poderosa do mundo estava em paz.
Passados
dez anos, o preço do petróleo ronda os US$ 115 o barril, os EUA deverão ter um
déficit fiscal de US$ 1,58 trilhão em 2011, o maior de sua história; a economia
continua com problemas graves após o crash financeiro de 2008; e os militares e
o serviço de inteligência do país continuam em guerra, combatendo insurgências
e o terrorismo islâmico radical, do Afeganistão e Paquistão, ao Níger e o
Iêmen.
O
almirante William Mullen, que está deixando o cargo de chefe do Estado-Maior
das Forças Armadas, descreveu a dívida nacional como a maior ameaça à segurança
dos Estados Unidos. O rebaixamento da avaliação de crédito do país pela empresa
Standard & Poor's parece confirmar o deslizamento contínuo da
superpotência. E, embora não haja uma narrativa linear entre os ataques de
setembro de 2001 e os atuais apuros econômicos dos EUA, o custo ajustado à inflação
da "guerra global contra o terrorismo", de mais de US$ 2 trilhões,
representa o dobro do que foi gasto na Guerra do Vietnã.
A
resposta do ex-presidente George W. Bush aos ataques ao World Trade Center e ao
Pentágono foi iniciar duas guerras, contra o Afeganistão e o Iraque, um
unilateralismo belicoso à custa de alianças e da lei internacional e uma
promoção quase evangélica da democracia liberal no Oriente Médio. As políticas
com limites bem estabelecidos de sua administração fraturaram alianças na
Europa e desencadearam uma grande queda da reputação dos EUA pelo mundo.
O erro de Bush foi deixar claro que a
mudança de regime no Iraque era só um passo no que ele chamou de "eixo do
mal"
No
lado positivo, os EUA conseguiram evitar outro atentado terrorista em seu território. Outros
não tiveram a mesma sorte. As bombas que explodiram em Bali (2002), Madri
(2004) e Londres (2005) não chegaram à escala do 11 de Setembro, mas fizeram
várias centenas de vítimas. A Al Qaeda foi enfraquecida, mas não totalmente
eliminada. Dezenas de discos rígidos de computadores recuperados no esconderijo
de Osama bin Laden em Abbottabad, no Paquistão, sugerem que o líder da Al
Qaeda, morto em maio durante uma operação de uma força especial da Marinha
americana, estava planejando outro atentado terrorista espetacular, talvez para
coincidir com o aniversário do 11 de setembro neste fim de semana.
Além
disso, a onda de protestos populares deste ano dissipou a noção de que o
Oriente Médio - com exceção de Israel - é congenitamente incapaz de abraçar a
democracia. Um a um, os autocratas da região, de Zine el Abidine Ben Ali, na
Tunísia, a Hosni Mubarak, no Egito, estão sendo depostos por manifestantes que
exigem dignidade, liberdade e empregos. É verdade que a queda de Muamar Gadafi
na Líbia foi precipitada por rebeldes armados auxiliados pelos aviões de guerra
da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan); mas o presidente Bashar al
Assad, da Síria, poderá ser o próximo a sentir o hálito quente das ruas.
A
questão é se o espinafrado Bush estava correto ao afirmar que o status quo
autocrático do Oriente Médio criou uma incubadora de terroristas radicais
islâmicos e, consequentemente, uma ameaça clara e presente para os Estados
Unidos. Se a resposta for sim, então as falhas de seu governo se deveram menos
a diagnósticos errados e mais a uma questão de execução.
Uma
segunda questão relacionada é se a resposta militar do governo ao 11 de
setembro representou um desvio de atenção caro e desproporcional, além de
recursos, no momento em que o mundo estava sendo transformado pela ascensão de
novos atores poderosos, sobretudo a China.
Logo
após os ataques ao World Trade Center, um alinhamento geopolítico comparável
aos de 1815, 1945 ou 1989 pareceu tomar forma. Os Estados Unidos formaram uma
coalizão internacional contra o terrorismo que incluiu rivais como a Rússia e a
China, além de párias do passado como Cuba, Irã e Sudão.
No lado positivo, os EUA conseguiram
evitar outro atentado em seu território. Outros não tiveram a mesma sorte
A
resposta militar foi igualmente eficaz. Depois de identificar os autores, os
EUA realizaram uma campanha improvisada, mas brilhante, para tirar o Taleban do
poder no Afeganistão. Forças especiais americanas combinadas com líderes
militares locais e um poder aéreo devastador derrubaram o regime de Cabul em
semanas. Embora os líderes, especialmente o mulá Omar e seu parceiro Bin Laden,
tenham conseguido fugir, a rede Al Qaeda foi implacavelmente perseguida e
desestruturada.
Mas
em apenas um ano os Estados Unidos perderam a autoridade moral. O erro de Bush
foi deixar claro que a mudança de regime no Iraque era apenas um passo no trato
com o que ele descreveu como "eixo do mal", formado por Irã, Coreia
do Norte e outros adversários suspeitos de abrigar ou patrocinar terroristas.
Da noite para o dia, os Estados Unidos passaram a ser considerados uma nação
malévola.
O
temor aumentou com a publicação de uma doutrina de segurança nacional revista
em 2002, que abandonou os conceitos de contenção e dissuasão da Guerra Fria. Em
seu lugar, surgiu uma estratégia "voltada para o futuro" de ação
militar preventiva, mudança de regimes e um novo tipo de guerra que justificava
a tortura e negava os direitos da Convenção de Genebra a suspeitos de serem
terroristas.
Assim,
a guerra do Iraque foi combatida sem o apoio de aliados tradicionais, como o
Canadá, a França e a Alemanha, sem o apoio do Conselho de Segurança das Nações
Unidas e sem evidências conclusivas de que Saddam Hussein possuía armas de
destruição em massa que representassem uma ameaça imediata aos EUA. Quanto aos
aliados, o então premiê do Reino Unido, Tony Blair, forneceu uma cobertura
política leal, embora Donald Rumsfeld, o então secretário de Defesa dos EUA,
tenha declarado que as forças britânicas eram supérfluas em termos militares.
A
Otan, que tinha invocado pela primeira vez o artigo 5, que exige que todos os
membros se comprometam com a defesa coletiva, também foi deixada de lado. O
lema de Washington era "a missão determina a coalizão". Mas as
alianças seletivas funcionam em duas direções. No fim da década, os aliados
europeus estavam usando advertências para sair das operações militares no
Afeganistão, no Iraque e na Líbia. Daí o alerta feito este ano pelo secretário
de Defesa dos EUA, Robert Gates, que estava deixando o cargo, de que a Otan
estava se tornando irrelevante.
A
Europa também emergiu, mas diminuída - e não só durante o conflito líbio, em que a Alemanha
optou por ficar de fora e o Reino Unido e a França ficaram sem munição em
questão de semanas. No começo do novo século, orgulhosos com o sucesso do
lançamento de uma nova união monetária, líderes da Europa firmaram planos para
tornar a União Europeia a zona econômica mais competitiva do mundo. Em
retrospecto, a tão alardeada agenda de Lisboa marcou o ápice de ambições que
coincidiu com o estouro da bolha pontocom.
Dez
anos depois, o projeto original da União Monetária Europeia tem se mostrado
fundamentalmente falho. Os mecanismos de imposição da disciplina orçamentária
foram igualmente ignorados por membros pequenos e grandes, incluindo a
Alemanha; economias periféricas, como Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha, que
cresceram muito nas costas dos juros baixos, estão se mostrando não
competitivas. O contágio nos mercados de bônus agora ameaça se espalhar para a
Itália, um membro "central" da zona do euro.
No
segundo mandato de Bush, a retórica abrasiva deu lugar a uma postura mais
moderada. Enquanto força de ocupação no Afeganistão e no Iraque, os EUA foram
engolidos na reconstrução dessas nações, algo há muito ridicularizado por
Rumsfeld. Numa confusão parecida, o presidente Barack Obama e o atual
primeiro-ministro britânico, David Cameron, declararam que uma ou ambas as
missões eram militarmente vitais e depois agiram como se elas fossem
arbitrárias, estabelecendo um cronograma (político) para a retirada.
Especialistas
calculam a conta coletiva das aventuras no Afeganistão e no Iraque em algo
perto de US$ 2 trilhões (ajustados à inflação); mas Robert Zoellick, presidente
do Banco Mundial (Bird) e ex-subsecretário de Estado americano, afirma que um
país tão rico quanto os EUA pode muito bem arcar com esse custo. Em 1948, diz
Zoellick, o PIB médio per capita dos EUA era um quarto do de hoje. Mesmo assim,
os americanos prontamente avalizaram a doutrina do presidente Harry Truman de
apoiar as democracias na Europa e conter o comunismo ao redor do mundo, o que
exigiu bilhões de dólares.
Se
as sementes da transformação democrática criarão raízes no Iraque é algo mais
discutível. A tão alardeada "tempestade" militar americana resgatou o
país do caos e de um possível desmembramento, mas as relações entre os grupos
étnicos do Iraque - curdos, sunitas e a maioria xiita - continuam precárias.
Indiscutivelmente, a deposição de Saddam Hussein permitiu ao Irã se tornar a
potência dominante da região, exercendo influência através do governo xiita em
Bagdá. Enquanto isso, as ambições nucleares de Teerã continuam sem ser
controladas.
O
11 de Setembro também não aumentou os esforços para resolver a outra ameaça
séria à estabilidade regional: o conflito palestino-israelense. Bush e Barack
Obama não conseguiram encontrar uma saída para a questão dos territórios
ocupados na Faixa de Gaza e na Cisjordânia e do status de Jerusalém. Sucessivos
primeiros-ministros israelenses, de Ariel Sharon a Binyamin Netanyahu, vêm
usando a guerra ao terror em proveito próprio, afirmando que concessões ameaçam
a segurança de Israel e que entidades como o Hamas - que venceu com facilidade
as eleições em Gaza em 2005 - são terroristas disfarçados de representante
legítimos palestinos.
Apesar
do foco na luta contra o terrorismo, os Estados Unidos ainda estavam alertas às
tendências geopolíticas mais amplas. O progresso mais importante ocorreu entre
EUA e a Índia, com a assinatura em 2008 do tratado 123 de cooperação nuclear
civil. A nova parceria estratégica entre Washington e Nova Déli não só oferece
um contrapeso à ascensão da China, como também ao Paquistão, que possui armas
nucleares e é um aliado de longa data americano no sul da Ásia, apesar de cada
vez mais difícil de ser controlado.
Em
contrapartida, as relações sino-americanas são pouco mais que uma acomodação
desconfortável. Pequim vê Washington (na melhor das hipóteses) como "nem
amigo, nem inimigo", enquanto os EUA acordaram tardiamente para o desafio representado
pela China ao seu domínio no Pacífico. Pequim vem, de má vontade, pressionando
o ressentido regime vizinho da Coreia do Norte, mas o fervor nacionalista
significa que a liderança continua nevrálgica em relação a Taiwan
e muito sensível às disputas territoriais com Japão, Coreia do Sul e Vietnã.
Em
última análise, o acontecimento geopolítico mais significativo dos últimos dez
anos ocorreu não no campo de batalha, e sim no sistema financeiro. A crise
bancária global teve origem na regulamentação falha e nos incentivos perversos
aos bancos para que eles vendessem financiamentos imobiliários aos americanos
pobres, que não tinham capacidade de pagá-los, além da alavancagem gigantesca
do sistema financeiro. Essas distorções foram em parte criadas pelos
desequilíbrios globais motivados pelo fato de os americanos estarem vivendo de
crédito barato e de exportadores e poupadores chineses estarem contribuindo
para a formação de um enorme superávit em conta corrente.
Até
o Grande Crash de 2008, esse carrossel girou despreocupadamente. Graças à mão
de obra barata, a China exportou deflação para o resto do mundo. A China
financiou o déficit em conta corrente dos EUA reciclando seu próprio superávit
nos bônus do Tesouro americano. Agora, com três anos de crise financeira, a
economia mundial foi virada de cabeça para baixo. Os EUA estão diminuídos, a
Europa ficou de lado, e a Ásia está em ascensão, ao menos por enquanto.
Considere
as tendências históricas mais amplas. A participação da Ásia em desenvolvimento
na economia global, em termos da paridade do poder de compra, subiu de forma
constante, de 8% em 1980 para 24% no ano passado. Como um todo, os mercados de
ações asiáticos agora respondem por 31% da capitalização do mercado global, à
frente da Europa, com 25%, e bem perto da participação dos EUA, que é de 32%.
No ano passado a China superou a Alemanha, tornando-se o maior país exportador
do mundo. Os bancos chineses estão agora entre os maiores do mundo em valor de
mercado.
Os
números das importações são igualmente reveladores: o mundo em desenvolvimento
está se tornando o motor da economia mundial. Do consumo de cimento ao de ovos,
a China lidera o planeta; ela também acaba de superar os EUA como maior mercado
automobilístico do mundo.
A
apetite voraz da China por commodities está criando novas rotas comerciais,
especialmente com potências emergentes como o Brasil. No ano passado, a China
superou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil. A América Latina,
região outrora mais conhecida por sua instabilidade, emergiu da crise
praticamente incólume. A pobreza está diminuindo, a classe média está crescendo
e os mercados de ativos estão bastante aquecidos.
Condoleezza
Rice, assessora de segurança nacional e depois secretária da Estado de Bush,
certa vez descreveu a multipolaridade como uma teoria de rivalidade, um mal
necessário. Em termos econômicos, a multipolaridade prega uma nova ordem em que
a interdependência é a norma e os EUA, embora ainda decisivamente poderosos, não
mais ocupam um papel hegemônico.
Quanto ao legado do 11 de Setembro, Gerard Lyons, principal
economista do Standard Chartered Bank, diz que as três palavras mais
importantes da última década não foram "guerra ao terrorismo", e sim
"made in China". Pelas tendências do momento, acrescenta ele, as três
palavras mais importantes desta década serão "propriedade da China".
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