O Brasil e a nanotecnologia: rumo à quarta revolução industrial
Paulo Roberto de Almeida
Espaço Acadêmico (Maringá, a. VI, n. 52, set. 2005;
O mundo encontra-se no limiar de uma nova revolução
industrial, ou melhor, ele já está, de fato, mergulhado nela: trata-se,
obviamente, da transformação radical dos processos e produtos de nossa atual
civilização industrial por meio da aplicação do infinitamente pequeno às mais
diferentes utilidades da vida diária. Essa revolução é bem mais importante, e
mais desafiadora, do que aquelas que presidiram ao domínio do homem sobre as
forças da natureza nas três revoluções anteriores ou etapas precedentes de
progressos materiais e tecnológicos desta nossa civilização industrial.
Com efeito, a primeira revolução industrial, iniciada na
Grã-Bretanha há pouco mais de dois séculos, assistiu à transformação da energia
em força mecânica, sob a forma de caldeiras e máquinas a vapor, o que redundou,
entre outros avanços materiais, no impulso dado às indústrias manufatureiras
(com destaque para o setor têxtil) e aos transportes aquaviários e
ferroviários. Ao mesmo tempo, começou a funcionar o primeiro instrumento verdadeiramente
universal de comunicação quase instantânea, o telégrafo (ainda funcionando à
base de fios e de cabos submarinos), que representou uma espécie de internet da
era vitoriana. Já na segunda revolução industrial, um século após, o destaque
ficou com a eletricidade e a química, resultando em novos tipos de motores
(elétricos e à explosão), em novos materiais e processos inéditos de
fabricação, paralelamente ao surgimento das grandes empresas (algumas vezes
organizadas em cartéis), do telégrafo sem fio e, logo mais adiante, do rádio,
difundindo instantaneamente a informação pelos ares. A terceira revolução
industrial, nossa contemporânea por sua vez, mobilizou circuitos eletrônicos e,
logo em seguida, os circuitos integrados, os famosos microchips, que transformaram irremediavelmente as formas de
comunicação e de informação, com a explosão da internet e do comércio
eletrônico e voltada crescentemente para o lazer.
A quarta revolução industrial, na qual estamos
ingressando neste momento histórico, mobiliza, fundamentalmente, as ciências da
vida, sob a forma da biotecnologia, bem como uma gama multidisciplinar de
ciências exatas e cognitivas que responde pelo nome de nanociência. Esta, por
sua vez, se confunde praticamente com suas materializações práticas, sob a
forma da nanotecnologia. Desde várias décadas, senão há mais de um século, os
cientistas tentam domar o infinitamente pequeno, plenamente conscientes de que
é ao nível das moléculas, das partículas e dos átomos que se joga parte
importante do jogo da vida e da própria composição e funcionamento do
infinitamente grande, isto é, do universo. Essa busca resultou em enormes
avanços científicos e materiais para a humanidade, assim como no deslanchar de
forças que chegaram a ameaçar a própria sobrevivência da civilização sobre o
planeta, tanto sob a forma do holocausto nuclear como na perspectiva de uma
guerra biológica ou química.
Agora, quando os novos equilíbrios estratégicos e a
diminuição das tensões permitida pela relativa convergência de valores e de
sistemas econômico-sociais atribuem um sentido positivo às pesquisas
científicas nas áreas da energia atômica, dos novos materiais, dos elementos
químicos e da biologia, as possibilidades abertas pela inovação tecnológica e
pela cooperação internacional nessas áreas de fronteira do conhecimento humano
abrem um potencial imenso de realizações, para a humanidade em geral, e também
para o Brasil.
O Brasil logrou, com efeito, construir um sistema de
ciência e tecnologia que se caracteriza pela quase excelência, do ponto de
vista dos padrões conhecidos nos países em desenvolvimento, inclusive não
ficando a dever, em certas áreas de pesquisa, quase nada aos países
desenvolvidos. O desempenho do Brasil é menos satisfatório no que se refere à
transposição das descobertas, inovações e resultados do saber científico para o
campo da pesquisa aplicada e no terreno prático de suas derivações tecnológicas
e industriais mais imediatas. Ambas as insuficiências resultam de uma
deficiente cultura patentária e de um preconceito ainda latente na academia ‑
felizmente cada vez mais residual ‑ contra aplicações instrumentais ou
“utilitárias” da pesquisa científica. Ainda assim, pode-se dizer que os
resultados já alcançados nessa área, inclusive a partir da “marcha forçada” em
direção dos últimos gargalos nos ramos intermediários e de insumos, bem como os
investimentos estatais em alguns setores de ponta, oportunamente revertidos ao
setor privado, permitem classificar o Brasil como uma economia industrializada
e plenamente inserida na terceira revolução industrial.
Mas, esse “acabamento” relativamente satisfatório do
processo industrializador no Brasil pode doravante estar sendo ameaçado,
justamente, pelos novos processos, métodos e materiais inéditos que estão
emergindo como resultado da revolução da nanociência e da nanotecnologia
aplicadas ao complexo e diversificado setor industrial ou manufatureiro. De
fato, a nanociência permite, impulsiona e praticamente obriga à geração de
conhecimentos avançados, que se revelam convergentes em vários setores da arte
e do engenho humanos, em biotecnologia, nos novos materiais, na instrumentação
técnica, assim como nas próprias formas de organização social da produção e do
trabalho humano. A nanotecnologia, por sua vez, leva, quase que naturalmente,
ao surgimento de novos ramos industriais e de novos mercados que, ao
configurarem um novo padrão, superior, de produção fabril e manufatureira, não
tardarão a se impor, doravante, como a mais nova fronteira da civilização
industrial, um paradigma incontornável de concepção, desenho e fabricação de
novos produtos e insumos que modificarão, de forma substancial e
irremediavelmente, as características da sociedade atual.
As tendências que já apontam para uma situação de
ruptura tecnológica e de mudança profunda na configuração de procedimentos
industriais afetarão a produtividade relativa das indústrias, o jogo das
vantagens comparativas entre os países, bem como a própria composição do
comércio internacional, condenando os países que não se alinharem aos novos
padrões a perdas gradativas de competitividade ou até mesmo à esclerose precoce
de parques industriais inteiros. Não há nenhum exagero na afirmação precedente:
o lado científico e, a fortiori, o
lado prático da nanotecnologia chegaram para alterar definitivamente velhos
padrões industriais e correntes tradicionais de comércio internacional. Uma
coisa precisa ficar clara, desde já: os países que não se decidirem por
incorporar, por adotar ou que, simplesmente, não se adaptarem ao novo paradigma
correm o sério risco de serem alijados dessa nova face da civilização
industrial emergente.
Trata-se, portanto, de uma questão de sobrevivência e de
preservação dos níveis de bem-estar. Não se deve estranhar, assim, que os
níveis de investimentos financeiros nessa área, tanto em países desenvolvidos
(como EUA, Alemanha e França), como em países em desenvolvimento (com destaque
para a China, Índia e Coréia), sejam, desde já, significativos e crescentes. As
perspectivas, de certa forma, são comensuráveis com as altas expectativas de
mercado para produtos da nanotecnologia: cerca de 1 trilhão de dólares nos
próximos 10 a 15 anos, com a possibilidade, segundo estimativas, de que o
Brasil ocupe talvez 1% deste faturamento.
Essa personagem central da nova revolução industrial de
nosso tempo, que é a nanotecnologia, apresenta a potencialidade de acoplar e
introduzir novas sinergias ao esforço brasileiro de desenvolvimento econômico,
científico e tecnológico. Existem, claramente, oportunidades abertas ao Brasil,
enquanto economia que possui uma competência identificada (ainda que não de
forma inteiramente sistemática) numa área que vai modificar de forma
irremediável o padrão de desenvolvimento industrial e tecnológico no futuro
próximo. (...) O Brasil possui pequeno (mas ativo) número de universidades ocupadas nessa nova
área de conhecimento. Duas universidades brasileiras, a USP e a Unicamp,
respondem por cerca da metade da produção científica publicada em
nanotecnologia, seguidas em quase igualdade de condições pela Universidade
Federal de São Carlos, pela UFMG e pela UnB.
A gama de atividades classificadas como nanotecnologia
cobre áreas de pesquisa tradicionais como a química e a física, chegando às
atividades que envolvem ciências dos materiais, biotecnologia, etc., o que
demonstra o caráter altamente abrangente da nanociência e da nanotecnologia
(N&N). De fato, uma das particularidades da N&N é que ela requer competências
científicas com os mais variados horizontes. A N&N sendo uma área altamente
interdisciplinar não permite que se tenha uma idéia exata dos aspectos
relacionados a cada uma das disciplinas implicadas. Como todas as áreas, ela
está baseada em noções fundamentais conhecidas dos cientistas e engenheiros.
Aliás, a separação entre nanociência e nanotecnologia não tem nenhum
significado na prática: é exatamente por esta razão que na maioria do tempo o
termo nanotecnologia acaba por recobrir nanociência.
Todos os países inovadores estabeleceram e apóiam
ativamente programas de nanotecnologia, com orçamentos crescentes e do mesmo
nível que a biotecnologia, tecnologias da informação e meio ambiente. Os
programas de nanotecnologia analisados estão vinculados às estratégias
nacionais de desenvolvimento econômico e de competitividade e todos têm alvos
econômicos definidos. Todos os setores industriais estão desenvolvendo produtos
nanotecnológicos, embora algumas empresas optem por não identificá-los como
tal, por razões, provavelmente, de imagem pública, ou talvez para diminuir
resistências do tipo das que se manifestaram em relação a produtos da
biotecnologia.
O crescimento previsto pelos especialistas para os
mercados de produtos nanotecnológicos é muito superior ao crescimento de outros
mercados dinâmicos, como o de computadores e telefones celulares. Estima-se que
as aplicações de nanotecnologia e as que estarão atingindo os mercados nos
próximos anos são evolucionárias, mais do que revolucionárias, estando
concentradas nas áreas de determinação de propriedades de materiais, produção
química, manufatura de precisão e computação. Não existe, no momento, nenhuma
possibilidade razoavelmente definida para o uso de nanomáquinas capazes de
fabricar materiais montando-os átomo por átomo. Apesar delas ocuparem espaço na
imaginação de escritores, elas não estão nas cogitações de estrategistas das
empresas inovadoras a não ser nas formas de síntese química/bioquímica e
auto-organização. No entanto, é muito provável o aparecimento – praticamente
inevitável ‑ de aplicações revolucionárias da nanotecnologia, a médio e longo
prazo.
Paulo
Roberto de Almeida
[23 de
agosto de 2005]
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.