Países do G-20 criam mais barreiras comerciais
Martha Beck Vivian Oswald
O Globo, 22/02/2012
Brasil ficou entre as dez principais nações com maior número de medidas protecionistas adotadas em 2011, diz relatório
BRASÍLIA. A expectativa de que 2012 será um ano ruim para o comércio mundial — com uma retração de 30% nos negócios — e a dificuldade dos países em lidar com um novo formato da guerra por mercados estão levando o mundo inteiro a se fechar com ações protecionistas. O último relatório divulgado pelo Global Trade Alert (GTA), coordenado pelo think tank europeu Centre for Economic Policy Research (CEPR), afirma que o grande desafio para o comércio mundial será 2012, depois que 2011 revelou um aumento expressivo de iniciativas protecionistas. Os países do G-20 foram os que mais cresceram nesse ranking, segundo o estudo, que já aponta o Brasil entre os dez principais países do mundo em número de medidas discriminatórias aplicadas no ano passado, destacando o plano “Brasil Maior” como a maior de todas.
O principal alvo brasileiro tem sido a China. Desde 2010 foram adotadas mais de 25 medidas de defesa comercial, sendo 12 contra importações chinesas. A mais recente saiu na semana passada e resultou na cobrança de uma sobretaxa sobre as importações brasileiras de cobertores de fibras sintéticas originários de países como o Paraguai e o Uruguai. Isso porque as investigações do governo brasileiro mostraram que a maior parte desses produtos era, na verdade, chinesa.
O governo também decidiu adotar uma medida polêmica: elevou o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos importados. Embora tenha sido criticado e até indagado sobre o assunto na Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil já estuda fazer o mesmo para outros setores, como o têxtil. De acordo com o documento do GTA, a União Europeia se mantém como a região que mais aplica medidas restritivas (242), seguida pela Rússia (112) e pela Argentina (111). O país vizinho está exigindo, por exemplo, que empresários apresentem uma declaração antecipada de importação (que torna o processo mais burocrático, quando comprarem bens de consumo). O Brasil aparece em nono lugar no ranking.
Os Estados Unidos também se fecharam mais. No discurso “State of the Union”, de prestação de contas ao Congresso, o presidente Barack Obama adotou um tom fortemente protecionista e anunciou uma nova unidade para combater a concorrência desleal no âmbito do comércio internacional, citando como um de seus alvos a China.
Comércio enfrentará teste este ano Segundo o relatório, a deterioração do cenário macroeconômico na Europa e na China, além das dúvidas sobre a capacidade de os Estados Unidos se recuperarem da depressão, deve levar “o sistema de comércio mundial a enfrentar o seu maior teste em 2012”.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que o agravamento do protecionismo se deve não apenas ao desaquecimento da economia mundial, mas também às dificuldades que a OMC tem em punir práticas desleais adotadas hoje. Uma das formas de ganhar competitividade é justamente a desvalorização da moeda local, como faz a China, o que afeta países com o Brasil, onde o real está forte. A saída dos governos tem sido buscar o G-20 para reclamar e protestar contra o que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já batizou como guerra cambial.
O conceito de taxas de câmbio está nos acordos de antidumping e valoração aduaneira, mas apenas para indicar que as investigações devem usar a taxa oficial declarada pelos governos. A guerra cambial tem obrigado especialistas internacionais a buscar alternativas para combater os impactos do câmbio e verificar se os desalinhamentos podem ser considerados uma violação das regras da OMC. As tentativas até agora foram juridicamente contestáveis.
— De certa maneira, criou-se um vazio (deixado pela OMC) que vem sendo preenchido pelo G-20. Ele é um fórum importante para o debate de ideias, mas é uma solução imperfeita — afirma o diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Langoni. Ele destaca que o grupo não tem poder para fixar regras que precisam ser seguidas pelos países e, por isso, acaba sendo usado por governos que, na verdade, não têm intenção de mudar formas de agir.
— O G-20 dá uma ideia de engajamento, mas, em muitos casos, acaba sendo usado como expediente para não resolver problemas — destaca Langoni. Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, caminhar para o protecionismo é uma decisão equivocada. Ao elevar tributos sobre importados e fechar o mercado doméstico para importados competitivos, o governo acaba perdendo o foco sobre o que realmente é importante: fazer política industrial, destaca.
— A gente deve temer a onça e não o rastro da onça — afirma. O diretor do Departamento de Defesa Comercial do Ministério do Desenvolvimento, Felipe Hess, contesta as críticas. Para ele, o fato de o Brasil estar usando instrumentos tradicionais de defesa comercial, como a aplicação de direitos antidumping, não quer dizer que tenha abandonado o foco na política industrial.
— A utilização de instrumentos de defesa comercial está acontecendo no mundo inteiro. No Brasil, a situação é ainda mais complicada porque a economia se recuperou mais rapidamente da crise e, por isso, nos tornamos um mercado mais atraente para os estrangeiros. E, quanto mais você importa, mais defronta-se com casos de comércio desleal — afirma Hess, acrescentando: — O Brasil não está se tornando um país protecionista. Tanto que nunca foi condenado na OMC.
De acordo com o dados do GTA, embora não seja o país com o maior número de medidas discriminatórias aplicadas no mundo, a China é o que mais vem afetando seus parceiros comerciais. Foram ao todo 195 ações. A China tirou a liderança da União Europeia, que aparece em segundo lugar no ranking, tendo atingido 181 países com as medidas protecionistas que adota. A Argentina, por sua vez, vem em terceiro lugar, com um total de 175 países afetados. A Alemanha surge em quarto lugar, com um total de 161.
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