Parece que o venerando jornal conservador -- ou reacionário, como diriam alguns -- pegou pesado desta vez, ironizando sobre o portentoso encontro e estupenda declaração dos Brics, rebaixando-os a menos importantes do que a ata de um clube de dominó.
Que jornalão mais desaforado!
Paulo Roberto de Almeida
A comédia dos Brics
Editorial O Estado de S.Paulo, 31 de março de 2012
Haverá pelo menos uma sequência cômica na próxima
reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20), marcada para junho no México. A
presidente Dilma Rousseff e seus companheiros do grupo Brics vão protestar
contra a grande emissão de dólares, euros e libras, acusando os bancos centrais
do mundo rico de impor um desajuste cambial aos emergentes. Ao mesmo tempo, vão
exigir dos governos do mundo rico políticas mais eficientes de recuperação
econômica. Em contrapartida, americanos e europeus poderão cobrar da China, como
fazem há muitos anos, providências sérias para corrigir a desvalorização
excessiva do yuan, um pesadelo para os empresários industriais da maior parte
do mundo, incluídos os brasileiros. O governo chinês, com seu costumeiro ar de
inocência, tem acusado as autoridades americanas de negligenciar o valor do
dólar, a principal moeda internacional de reserva. O representante da China
deverá ficar muito feliz com a parceria brasileira nessa briga. Brasília tem
raramente acusado Pequim de manipulação cambial. Prefere jogar a culpa dos
problemas nacionais nas velhas potências imperialistas, embora a competição
mais dura e mais devastadora para a indústria brasileira venha do Oriente.
O espetáculo será ainda mais divertido para quem se
lembrar de um evento recentíssimo. China e Estados Unidos ficaram do mesmo
lado, quando o Brasil tentou provocar na Organização Mundial do Comércio (OMC)
um debate sobre a manipulação cambial e seus efeitos nas trocas internacionais.
Americanos e chineses fizeram o possível para matar a discussão e trabalharam
para transferir o assunto para a reunião do G-20.
Como de costume, nenhuma decisão consequente a
respeito do câmbio deverá resultar do encontro no México. A reunião das 20
principais potências desenvolvidas e emergentes poderá ser um sucesso por algum
outro motivo - especialmente se contribuir para a superação da crise europeia.
Um passo importante para isso é a decisão dos governos europeus de elevar de
500 bilhões para 700 bilhões os recursos disponíveis para ajuda a políticas de
estabilização. Isso deverá facilitar o trabalho do FMI de coletar dinheiro dos
emergentes para operações de socorro aos próprios europeus.
O G-20 perdeu muito de sua capacidade de mobilização
desde a superação da primeira fase da crise internacional. Mas ainda é mais
relevante que o grupo Brics, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul. O despreparo desses países para ações conjuntas de grande alcance foi
mais uma vez confirmado na reunião de cúpula de Nova Délhi, na quarta e na
quinta-feira. O grupo é novo e isso poderia, talvez, explicar o escasso valor
prático das confabulações de seus ministros e chefes de governo. Mas o problema
é muito mais sério. Esses países partilham poucos interesses com suficiente
importância para transformá-los em aliados ou para levá-los a constituir um
bloco. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou os grandes emergentes
como aliados estratégicos, mas nunca houve reciprocidade efetiva. Ao contrário:
preteriram o Brasil mais de uma vez, em suas ações diplomáticas e comerciais, e
sempre deram mais importância a entendimentos com parceiros regionais ou com as
potências do mundo rico.
Não houve surpresa na retórica balofa da Declaração de
Nova Délhi, recheada de manifestações de preocupação com a crise internacional,
cobranças dirigidas a europeus e americanos - como se estes se importassem - e
apelos a soluções pacíficas para a crise no Oriente Médio, para a matança na
Síria e para os desentendimentos entre o Ocidente e o Irã. Nada, nesse
documento, é leitura indispensável.
Seus 50 artigos chochos se completam com um Plano de
Ação de Nova Délhi. Os quatro primeiros itens se referem a encontros
ministeriais "à margem" de reuniões da ONU, do FMI e de outros
eventos multilaterais. Encontros "à margem" de eventos oficiais
importantes são rotineiros há muito tempo. O resto chega a ser mais fraco.
Muito mais emocionante pode ser uma ata da reunião de um clube de dominó.
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