Minhas reflexões antes que vocês leiam as duas matérias abaixo.
Sem dúvida, ocorreu uma melhoria nos padrões sociais do brasileiro médio nos últimos. Enfim, não é difícil que isso ocorra: basta que haj crescimento econômico consistente que os padrões do conjunto da população aumentem proporcionalmente, embora a distribuição desses ganhos possa ser bastante desigual, com alguns grupos, ou estratos, ganhando mais do que outros, eventualmente ocorrendo também alguma perda para outros grupos não especialmente beneficiados pelas políticas distributivas, se e quando estas existem e são especialmente ativas.
No caso do Brasil, falar de crescimento da classe média, sem levar em conta outros fatores, pode ser enganador.
A própria matéria abaixo revela que as classes imediatamente acima e abaixo dessa classe média supostamente média -- não sei se uma renda familiar mensal de R$ 1.450 transforma uma família em classe média verdadeira -- tiveram seus ganhos diminuídos. Ou seja, a classe média aumentou à custa da diminuição da renda dos seus vizinhos de cima e de baixo. Seria isso especialmente saudável.
Por outro lado, não é segredo para ninguém -- os dados estão disponíveis -- que a carga fiscal continuou aumentando para todos os estratos no Brasil, especialmente para os pobres que suportam o maior peso de uma estrutura tributária altamente regressiva, ou seja, que penaliza excessivamente e absolutamente os pobres, em virtude da sua incidência mais forte nos impostos indiretos.
Por outro lado, esse aumento da renda não é sustentável em si, ou seja, como fator real de crescimento endógeno e baseado em alavancas virtuosas. Ele tem praticamente dois vetores mais fortes: a demanda externa e o aumento do crédito.
O primeiro foi dado de graça ao Brasil, e se manifesta no crescimento chinês e na sua voracidade por matérias primas, com picos de alta nas commodities exportadas pelo Brasil (e isso sem falar na obsessão do momento que é a "desindustrialização" do Brasil em face da concorrência "desleal" dos produtos chineses). Ou seja, assim como isso pode acabar, não há absolutamente nada que o governo tenha feito, ou a economia brasileira, para incrementar esse fator. O Brasil foi muito mais comprado do que vendeu, e não há muito mérito nisso, a não ser a capacidade produtiva do país (e nisso o governo tem muito pouco a ver, tendo mais a ver com nossos capitalistas do primário, em especial o agronegócio).
O aumento de crédito vem sendo dado por fatores artificiais -- crédito consignado, aumento da oferta pública, obtida justamente pelo aumento da taxação, etc. -- e pode não ser sustentável, se não é seguido de investimentos para aumentar a oferta (como não é). Isso provoca ou mais inflação, ou mais importação, e nos dois casos não se pode dizer que o governo esteja num caminho virtuoso.
Resumindo, fica a pergunta: o Brasil está tendo um crescimento virtuoso e consistente nos últimos anos. Dificilmente eu diria isto. No momento de maior crescimento econômico mundial, antes da crise de 2008, crescemos abaixo da média mundial e três vezes menos do que os emergentes dinâmicos da Ásia. Atualmente, quando o mundo desenvolvido está crescendo pouco, quase estagnado, estamos crescendo menos do que a América Latina, que está um pouco acima da média mundial, um pouco baixa. Ou seja, nosso crescimento é medíocre.
Por outro lado, o propalado crescimento da classe C não se deu por motivos muito virtuosos, mas sim com base em maior taxação sobre os ganhos de todos, e em captura de renda dos grupos abaixo e acima dos supostamente beneficiados, que podem estar sendo incentivados ao consumo (por algum aumento salarial, isso é inegável), mas em condições que podem não ser sustentáveis ou saudáveis.
Termino dizendo que a política econômica do governo continua esquizofrênica (e populista).
Paulo Roberto de Almeida
Wladimir
D'Andrade
Com isso, a classe C passou de 34% para 54% da população no
período
SÃO PAULO - O número de
brasileiros que ascenderam à classe C chegou a 40,3 milhões entre 2005 e 2011.
Com isso, a classe C, em sete anos, passou de 34% para 54% da população, de
acordo com o estudo O Observador Brasil 2012, divulgado nesta
quinta-feira pela Cetelem BGN, empresa do grupo BNP Paribas. Em 2005, a classe
C tinha 62.702.248 brasileiros. No ano passado, esse número havia subido para
103.054.685. Em 2010, eram 101.651.803 - ou 53% da população.
O estudo, desenvolvido pela
Cetelem BGN em parceria com a Ipsos Public Affairs, mostra que em 2011 as
classes A e B representavam, juntas, 22% do total da população e as classes D e
E somavam 24%.
De acordo com a pesquisa, a
renda média familiar da classe C passou de R$ 1.107 em 2005 para R$ 1.450 em
2011 - crescimento de 30,9%. Já a renda média familiar geral da população
passou de R$ 974 para R$ 1.618 - aumento de 66,1%.
De 2010 para 2011 o aumento da
renda média familiar geral foi impulsionada pela classe C, única faixa da
população em que foi observado crescimento. A renda dos integrantes da classe C
passou de R$ 1.338 para R$ 1.450. Nas classes A e B, a renda média familiar
caiu de R$ 2.983 para R$ 2.907. Nas classes D e E, o valor baixou de R$ 809
para R$ 792.
Fernando
Dantas
O economista Marcelo Neri, que dirige o Centro de Políticas
Sociais (CPS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio, é provavelmente o
acadêmico que mais ajudou a consolidar a ideia da ascensão da classe C, a nova
classe média popular que se tornou o centro de gravidade da economia, da
política e das relações sociais no Brasil.
Especialista em pobreza e desigualdade, Neri já lidava com
esses temas na sua tese de Mestrado, sobre o boom de consumo do plano Cruzado.
Ele nota que, nas últimas décadas, houve diversos momentos de forte ascensão
social, como o milagre econômico, o plano Cruzado, o plano Real e a fase a
partir de 2004, associada ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (Neri vê
grandes méritos na gestão do ex-presidente, mas acrescenta que ele se
beneficiou também de avanços econômicos e sociais da década de 90).
Todos aqueles momentos foram diferentes, observa o
economista. No milagre, o avanço social ocorreu apesar do aumento da
desigualdade (mais do que compensada pelas espetaculares taxas de crescimento
econômico), enquanto a partir do governo Lula a ascensão da classe C deu-se em
boa parte por causa da melhoria na distribuição da renda.
No plano Cruzado, a melhora foi fugaz, e quem cruzou a linha
que separa a pobreza da classe média baixa retornou pouco tempo depois, quando
a euforia inicial deu lugar à era da hiperinflação. Já o plano Real
proporcionou um salto permanente, com a proporção dos brasileiros na classe C
passando de 32% para 37,5%.
O plano Real, porém, representou um degrau único, que foi
seguido por uma fase de estagnação. Foi preciso que se passassem dez anos para
que, a partir de 2004, o Brasil iniciasse o mais potente desses períodos de
progresso social. Hoje, a classe C já abrange 55% da população, e Neri prevê
que esta proporção chegue a 60% em 2014.
Essa projeção está em “A Nova Classe Média: o Lado Brilhante
da Base da Pirâmide” (Editora Saraiva), livro recém-lançado por Neri, e que
busca reunir, organizar e condensar os inúmeros trabalhos e pesquisas que o CPS
produziu nos últimos anos sobre a emergência da classe média popular no Brasil.
Um ponto polêmico em todo esse esforço de pesquisa de Neri e
do CPS é o de chamar a classe C de classe média. Afinal, está se falando de
famílias com renda mensal total entre R$ 1,7 mil e R$ 7,5 mil. Na visão de
alguns críticos, as pessoas que estão próximas do piso daquele intervalo não
poderiam ser classificadas de classe média.
O economista explica que sua divisão de classes foi
realizada com uma metodologia estatística que coloca linhas de cortes entre
grupos que sejam os mais homogêneos possíveis entre si, e os mais diferentes
possíveis dos demais grupos. Dessa forma, a população foi dividida em três
grupos: E/D, C, e B/A. Em seguida, ele dividiu os grupos da base e do topo em
dois, estabelecendo as tradicionais cinco classes: E, D, C, B e A.
Um primeiro ponto relevante, portanto, é que a classe C é
considerada “média” por estar de fato no meio da distribuição. “Não é uma
classe média como a americana, com dois carros na garagem”, ressalva Neri.
Ainda assim, ele acha que a caracterização da classe C como classe média vai
além da pura estatística.
O economista observa que aquela classificação é referendada
por pesquisas internacionais, como a que foi realizada pelo Goldman Sachs, que
veem a ascensão global de uma classe média popular (especialmente em outros
Brics, como China e Índia) que é muito semelhante à classe C no Brasil.
Brasil
e o mundo em sincronia
Ele acrescenta que, quando se deixa de lado os padrões
americanos e se pensa no mundo como um todo, as tendências brasileiras de
redução da desigualdade e ascensão da classe C mimetizam de fato um movimento
global muito semelhante.
A partir dos anos 90, a queda do índice de Gini (que mede a
desigualdade) brasileiro e mundial traça linhas muito parecidas, que
efetivamente se encontram em 2009 (quando os índices nacional e mundial foram
praticamente idênticos).
Finalmente, numa visão mais sociológica, a classe C
brasileira, independentemente da distância do seu padrão de consumo em relação
ao da classe média americana ou europeia, tem características condizentes com
essa classificação.
A principal é que, diferentemente da situação de carência e
dependência que caracteriza as populações mais pobres, a classe C “anda com as
próprias pernas”. Esta, aliás, é a conclusão mais surpreendente do livro e das
pesquisas de Neri – tanto que surpreendeu o próprio autor.
Como muito outros analistas, ele tendia a ver a ascensão
social a partir de 2004 como consequência das maciças políticas de
transferência do governo (que vão do Bolsa-Família aos benefícios vinculados ao
salário mínimo) e da expansão do crédito. Seria uma conquista muito mais pelo
lado do consumo do que da capacidade produtiva.
Para testar essa hipótese, Neri e sua equipe criaram dois
índices comparáveis. O índice sintético do produtor (de geração de renda)
buscou medir o avanço social do ponto de vista do trabalho e da acumulação de
ativos produtivos, levando em conta educação, emprego, contribuição para a
previdência e a posse de bens como computador e telefone (ligados à capacidade
produtiva).
Já o índice do consumidor (de potencial de consumo)
incorporou itens como posse de TV, máquina de lavar e geladeira, as condições
de moradia e o acesso a rede de esgoto e coleta de lixo.
Neri constatou que, de 2003 a 2009, o índice do produtor
andou 38% a mais do que o índice do consumidor. Recorrendo à velha metáfora, é
como se os pobres que ascenderam à classe média popular estivessem aprendendo a
pescar numa velocidade mais rápida do que estavam ganhando peixes.
O economista acha que esses avanços são frequentemente mal
percebidos e contestados porque os observadores tendem a olhar apenas a
fotografia atual, que ainda é muito ruim, e não a diferença entre a foto de
hoje e as que foram tiradas há dez ou 20 anos – que eram muito piores.
Ele acrescenta que são muitos os sinais de que a capacidade
produtiva da população brasileira na base e no meio da pirâmide teve um upgrade
significativo nos últimos anos. Um aspecto fundamental do decisivo ano de 2004,
quando o atual ciclo de avanço social se inicia, foi a duplicação, de 700 mil
para mais de 1,5 milhão, no número anual de empregos formais criados.
A partir daí, a criação de empregos formais oscilou, com
avanços e recuos, tendo superado dois milhões em alguns momentos, mas um novo
patamar ficou claramente consolidado (o forte mergulho durante 2009, o pior ano
da crise global, foi claramente um momento de exceção).
Atraso vira oportunidade
Para Neri, um dos grandes símbolos da ascensão da classe C é
justamente a carteira de trabalho assinada e o emprego formal, emblemáticos do
“andar com as próprias pernas”.
Outro sinal na mesma direção foi a grande ampliação da
educação profissional, que ainda é, para boa parte da classe C, uma alternativa
mais viável do que o ensino superior. “A nova classe média está trocando pneu
com o carro andando, ela trabalha, faz curso à noite, se vira – isso mostra um
lado batalhador, nada passivo”, analisa Neri.
Ele também cita as famílias com número cada vez menor de
filhos, hoje em torno de dois, como outro vetor de ascensão social, ao permitir
que se concentre em menos indivíduos o investimento dos pais em formação e
educação.
Finalmente, há a melhora na educação, talvez a mais difícil
de perceber, dado o estado ainda lastimável deste componente fundamental do
capital humano. No início da década de 90, 17% das crianças de 7 a 14 anos
estavam fora da escola, proporção que caiu para 4% em 2000 e para 2% hoje. No
mesmo período, a escolaridade média saiu de menos de cinco anos para 7,3.
Apesar de ainda muito ruim, a educação melhorou, e tem um
impacto considerável no crescimento, o que Neri chama de “bônus educacional”,
assim como existe o “bônus demográfico”. O educacional, ele aponta, é muito
maior: corresponderia a um aumento de 2,2 pontos porcentuais de renda per
capita ao ano, comparado a apenas 0,5 para o demográfico.
O economista indica que é a própria dívida social brasileira
que está na base do atual avanço, à medida que cria uma longuíssima estrada a
percorrer no momento em que seus principais nós começam a ser desatados: “A
nova classe média é fruto da recuperação a partir de gigantescos atrasos em
áreas como trabalho formal, educação e fecundidade”, conclui Neri.
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