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quinta-feira, 5 de julho de 2012

A "nova geografia do comércio internacional" - Rolf Kuntz

Durante anos, tanto esse gênio do comércio e das finanças internacionais, que era o presidente do "nunca antes", como o seu chanceler -- que sabia que estava falando uma bobagem, mas ainda assim repetia o chefe apenas por sabujice voluntária -- proclamaram uma tal de "nova geografia do comércio internacional". Ela seria constituída pelos fluxos Sul-Sul, diretamente, sobretudo com as novas "parceiras estratégicas" que teriam a virtude de nos "libertar da dependência do comércio" [sic, resic, trisic, do ex-presidente genial] com potências imperialistas, que obviamente só queriam manter-nos no atraso das velhas relações coloniais de comércio. 
O novo "gênio da lâmpada" chegou não apenas a propor um acordo de livre comércio do Mercosul com a China, mas também que esse comércio  se fizesse em moedas locais, ou seja, em reais e em yuans; isso para escapar da "ditadura do dólar", claro, que como todos sabemos, é uma moeda perversa, imperialista, através do qual o Império impõe sua vontade econômica a todos os demais países do mundo. 
Assim, o saldo que ainda temos com a China -- mas isso deve acabar graças às parcerias estratégicas do genial governo com as novas potências do Sul -- seria obrigatoriamente convertido em compras na própria China, como antigamente se fazia na época dos "rentenMarks", quando o comércio entre o Brasil de Vargas e a Alemanha nazista, nos anos 1930, era estritamente bilateralizado. Essa enormidade de inovação econômica e monetária -- endossada na época pelo chanceler submisso, e até hoje pelo ministro que parece que se ocupa das finanças do Brasil -- faria o sistema de pagamentos do Brasil recuar mais de oitenta anos atrás, passando do multilateralismo estabelecido em Bretton Woods, para o sistema de intercâmbio dirigido dos anos da Depressão.
Não é preciso dizer que os companheiros no poder se esforçaram também para sabotar todos os vínculos comerciais com as "potências do Norte" e estimular a tal de "nova geografia". Os asiáticos, que não são bobos, concordaram em vender mais ao Brasil, já que nós nos oferecíamos para abrir nossos mercados, mas continuavam exportando suas manufaturas para todos os mercados abertos, especialmente para os países desenvolvidos: eles já tinham descoberto a "nova geografia" muito tempo antes dos companheiros, e exportavam para todos os mercados solváveis, em lugar de gastar dinheiro com promoção comercial apenas nos mercados do Sul. Para eles, mercados são mercados, e não têm ideologia, cor ou geografia: tudo o que possa comprar é interessante.
O gênio da lâmpada também sugeriu que os nossos importadores fizessem o genial programa brasileira de "substituição de importações", ou seja, deixar de comprar onde fosse mais barato ou de melhor qualidade, para "comprar dos nossos irmãos mais pobres, mesmo que fosse um pouco mais caro", como argumenta esse gênio. O seu criado amestrado logo criou um programa desse tipo em seu ministério, fazendo com que o Brasil pagasse pelo que era dever dos outros: se quer vender, arregace as mangas e vá buscar mercados. Aqui não: nós é que nos dispúnhamos a ir buscar os seus produtos caros para inunda o mercado brasileiro. Genial, não?
O Brasil não é tão atrasado materialmente, como ele é mentalmente atrasado, sobretudo pela mentalidade de certas pessoas que tomam certas decisões. Ainda não experimentamos todas as soluções genias que vão criar para nos trazer de volta aos gloriosos anos do protecionismo generalizado.
Paulo Roberto de Almeida 



A estratégia do atraso

O Estado de S.Paulo, 4 de julho de 2012
Rolf Kuntz
Desta vez, vai. Com o companheiro Chávez no Mercosul e o comércio regional comandado pelo ministro argentino Guillermo Moreno, o Brasil e seus vizinhos vão desemperrar o comércio exterior – se o governo uruguaio, é claro, desistir de contestar a lambança realizada em Mendoza para a admissão da Venezuela. Por enquanto, há alguns probleminhas, mas nenhum com suficiente importância para impressionar a presidente Dilma Rousseff e seus estrategistas. De janeiro a junho as exportações brasileiras para o Mercosul, US$ 11,1 bilhões, foram 14,7% menores que as de um ano antes. Esse resultado é explicável principalmente pela diminuição de 16% nas vendas para a Argentina, a segunda maior economia do bloco e a principal defensora de barreiras comerciais entre sócios de uma união aduaneira. O ministro Moreno aperfeiçoou essa política, impondo mais restrições burocráticas à importação e obrigando os empresários a exportar um dólar para cada dólar importado.
As demais parcerias estratégicas definidas por Brasília continuam funcionando magnificamente e restaurando, em alguns casos, algumas venerandas práticas de outras eras. Os embarques para a China renderam US$ 21,1 bilhões e ficaram 4,7% acima dos registrados no primeiro semestre do ano passado, mas a relação entre a economia chinesa e a brasileira continuou moldada segundo o velho padrão colonial: troca de matérias-primas por manufaturados. Ninguém deve acusar o governo petista de bancar o moderninho e menosprezar o passado.
Segundo as últimas informações disponíveis no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, de janeiro a maio o Brasil exportou para a China manufaturados no valor de US$ 892,6 milhões, 5,2% das vendas para aquele mercado. Somando-se os semimanufaturados, chega-se a US$ 2,3 bilhões de produtos industriais, 13,1% do total. O mesmo padrão é observado no comércio com os três parceiros do grupo Bric – Rússia, Índia e China. Os manufaturados vendidos pelo Brasil somaram US$ 1,1 bilhão, 5,5% dos US$ 20,6 bilhões exportados. O total dos industrializados chegou a US$ 3,3 bilhões, 16% do valor faturado pelo Brasil.
Se a presidente Dilma Rousseff examinasse rapidamente outras parcerias comerciais do País, ficaria provavelmente surpresa com um descuido ideológico de seus estrategistas. A diplomacia brasileira esforçou-se bravamente, a partir de 2003, para evitar maior envolvimento com os mercados do mundo rico – especialmente do Império, como diria o líder Hugo Chávez – , mas as vendas para Estados Unidos e União Europeia ainda proporcionam quase um terço da receita (32,2% no primeiro semestre deste ano). Mais que isso: os mercados mais desenvolvidos do mundo se mantêm como grandes compradores de manufaturados made in Brazil.
De janeiro a maio, os americanos compraram US$ 5,1 bilhões de manufaturados brasileiros (45% do total importado) e US$ 2,4 bilhões de semimanufaturados. Os US$ 7,5 bilhões de industrializados corresponderam a 63,8% da receita do Brasil no comércio com o Império naqueles cinco meses.
O intercâmbio com a União Europeia também viola o padrão imaginado pelos salvadores do Brasil. Até maio, as exportações de manufaturados para o bloco europeu chegaram a US$ 7,3 bilhões, 37% do total, e as de industrializados, US$ 10 bilhões, 50,7%. Detalhe interessante: vários países europeus estão afundados em recessão e as vendas brasileiras para a região, no primeiro semestre, US$ 23,9 bilhões, foram 7% menores que as de janeiro a junho do ano passado. Mesmo assim, o mercado europeu é mais propício à indústria brasileira que os mercados dos “parceiros estratégicos”. Os US$ 12,4 bilhões de manufaturados remetidos aos Estados Unidos e à União Europeia entre janeiro e maio corresponderam a 60% do valor de todas as categorias de produtos exportadas para China, Rússia e Índia.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os Kirchners nunca se deixaram iludir pela tentação de um comércio não colonial com americanos e europeus. Graças à sua perspicácia e à visão estratégica de seus assessores, evitaram qualquer compromisso favorável à intensificação dos negócios industriais com as velhas potências dominadoras. Agora, enriquecidos com a inspiradora participação do companheiro Chávez, os governos brasileiro e argentino poderão reforçar os laços com as potências verdadeiramente comprometidas com o futuro da América do Sul, como os Brics e outros parceiros do “Sul”. Mas ainda será possível avançar em outras áreas. Que tal, por exemplo, aumentar os impostos sobre as vendas externas de manufaturados? Mais que um passo, seria um salto na direção de um comércio muito mais parecido com o dos velhos e bons tempos coloniais.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Pecunia non olet!"
*Titus Flavius Vespasianus, Imperador romano (69d.c.-79d.c.)

Vale!