Em novembro de 2005, um médico de BH me contatou; formulou uma pergunta difícil de responder, que vai reproduzida abaixo.
A questão é atemporal, e como minha resposta nunca tinha sido divulgada, permito-me fazê-lo agora, como uma pequena fotografia quanto a minhas atitudes em relação ao trabalho diplomático.
Postura
Diplomática
Paulo
Roberto de Almeida
Comentário
a questão colocada por
um cardiologista
de BH-MG
8 de novembro de 2005
Questão: “Qual a situação
mais difícil que você já passou na diplomacia e como lidou com ela? No momento de suas reflexões, quais recursos mentais (memória,
discernimento, agressividade, paciência, estudo, etc.) você precisou utilizar?”
Resposta
PRA:
Em
diplomacia, existem vários momentos delicados quando se está negociando em nome
do País. Uma situação complicada pode se apresentar numa destas duas hipóteses:
ou não se dispõe de instruções suficientes para sustentar os interesses
nacionais, ou as instruções dadas são inadequadas, na situação concreta da
barganha negociadora. Nesse caso, o diplomata precisa agir segundo a sua melhor
percepção de quais seriam os interesses nacionais, com base num estudo acurado
da situção concreta e dos interesses em jogo.
Normalmente,
o negociador que está na “frente de combate”, em oposição ao “burocrata” da
capital, pode acabar tendo uma visão ampla dos processos em jogo e dos
diferentes aspectos do interesse nacional, segundo uma percepção de mais longo
prazo. Sua visão daquele problema – eventualmente fundamentada num estudo
detido da questão e colocada em perspectiva comparada com as experiências e
posições de outros atores – pode eventualmente se contrapor às instruções
recebidas da capital, que podem estar baseadas numa visão meramente teórica ou
burocrática do processo em causa.
Nesse
momento, o diplomata em causa pode ficar numa situação muito difícil, pois que
dominando o tema, e conhecendo o jogo de interesses dos diversos atores
participantes (países ou grupos de paises), ele pode ter um melhor julgamento
de qual seria a direção mais indicada a ser seguida, do ponto de vista do
interesse nacional. Mas, aqui se coloca o dilema: as instruções recebidas vão
num sentido contrário ou bastante diferente daquilo que o diplomata encarregado
do tema na frente negociadora percebe como sendo a melhor postura a ser
adotada. Ele quer acreditar ou sabe concretamente que uma posição diferente
seria melhor indicada para defender o interesse nacional (este é um conceito e
uma situação sempre difusos e muito difíceis de serem definidos na prática). Em
todo caso, existe aqui um problema real de consciência e de postura, já que o
diplomata não poderia, teórica e praticamente, opor-se às instruções recebidas
da capital, mas sabe, concretamente, que nem sempre a burocracia institucional
funciona da melhor forma possivel, pois que ninguém é onisciente.
Pessoalmente,
já passei por esse tipo de situação, envolvendo uma negociação internacional de
um tratado sobre circuitos integrados no âmbito da OMPI. Tendo me ocupado do
tema durante meses e meses, eu literalmente dominava o assunto, técnica e
diplomaticamente, e as instruções formuladas em Brasília, de nítido corte
tradicional, eram claramente inadequadas. Os argumentos que podem ser
mobilizados em favor de suas teses, por mais racionais ou “probatórios” que
sejam (com base numa análise histórica, nos dados da economia, numa visão de
longo prazo), nem sempre são convincentes ou suficientes para “dobrar” o
burocrata na outra ponta do processo ou até fazer com que a instituição como um
todo se mova em outra direção. Esse tipo de situação pode ser terrível, pois
aparentemente (ou concretamente) o diplomata em causa pode estar se colocando
contra as instruções da sua instituição.
Eu
não tive medo de fazê-lo, naquele momento preciso, assim como em outras
circunstâncias posteriores. De certa forma, esse tipo de atitude me prejudicou,
pois fiquei com fama de rebelde, de dissidente, de arrogante, de pretencioso
“sabe-tudo” e outros qualificativos mais, que nem são do meu conhecimento. Se
insisto em certas teses é, contudo, com base num estudo profundo das
problemáticas das quais me é dado ocupar. Sou um por excelência um estudioso
compulsivo, e não costumo me dobrar a nenhum argumento de autoridade, e sim à
autoridade do argumento.
Numa casa “feudal” como é o Itamaraty, isso é quase um
crime de lesa-majestade.
De certa forma, ainda pago até hoje minha
“ousadia”.
Paulo Roberto de
Almeida
terça-feira, 8 de
novembro de 2005
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