SERGIO FAUSTO
O Estado de S.Paulo, 28 de abril de 2013 | 2h 03
Quando, em 2005, Hugo Chávez, Néstor Kirchner e Diego
Maradona encenaram a morte da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em
comício paralelo à 4.ª Cúpula das Américas, em Mar del Plata, o Brasil observou
a distância, mas satisfeito. Era o que o governo brasileiro queria. Na ótica da
política Sul-Sul, a Alca era anátema. Representaria um projeto de anexação à
economia americana. A integração que corresponderia aos interesses nacionais brasileiros
seria essencialmente sul-americana, assentada no eixo Brasil, Argentina e
Venezuela, nessa ordem.
Essa premissa levou o governo brasileiro a estabelecer
relações especiais com Buenos Aires e Caracas. Na longa controvérsia
diplomática entre Argentina e Uruguai em torno da instalação de indústrias de
papel e celulose na margem uruguaia do rio que divide os dois países, o Brasil
lavou as mãos. Nem o bloqueio sistemático de pontes sobre o Rio Uruguai por
manifestantes argentinos nem as solicitações do então presidente Tabaré
Vázquez, temeroso de uma escalada do conflito, convenceram Brasília a assumir a
mediação da discórdia, que acabou resolvida na Corte Internacional de Haia, em
favor do Uruguai, em 2010.
Em relação à Venezuela, o governo brasileiro
esmerou-se na política de dois pesos e duas medidas. Foi brando com Chávez
diante de evidências do apoio de seu governo às Farc e duro com a Colômbia,
como deveria ser, quando aviões colombianos bombardearam um acampamento da
guerrilha no Equador, em 2008. Não disse uma palavra sobre o crescente
autoritarismo do "socialismo do século 21", mas, invocando a cláusula
democrática do Mercosul, foi implacável no apoio à punição ao Paraguai quando,
em 2012, o Senado desse país votou o impeachment de Fernando Lugo. Seguiu-se a
incorporação da Venezuela ao Mercosul, que se processou de maneira atípica e se
consumou de modo arbitrário.
Em sua forma atual, o Mercosul reflete a preferência
do governo brasileiro, desde Lula, e sobretudo com Dilma, por uma integração externa
limitada, pouco exigente em matéria de abertura comercial e estabilidade das
regras do jogo e altamente dependente da mediação governamental e do
protagonismo do Estado, de suas empresas e de poucas grandes empresas
nacionais. Prevalece em Brasília a visão de que o jogo assim armado é favorável
ao País. Afinal, o Brasil entra em campo com gigantes como Vale e Petrobrás,
companhias privadas brasileiras globais e um banco de investimento, o BNDES,
sem igual no Hemisfério Sul. O objetivo comum de evitar a
"subordinação" econômica da região aos Estados Unidos, as afinidades
políticas entre governos e a suposta capacidade do Brasil de enquadrar o
chavismo e o kirchnerismo dentro de certos limites de racionalidade econômica e
prudência política assegurariam a convergência, sob a liderança do Brasil, dos
interesses nacionais dos três países.
A realidade encarregou-se de mostrar que o
"interesse nacional" assim definido tende a misturar negócios
privados com políticas de Estado e políticas de Estado com preferências
político-ideológicas, e que a propalada liderança brasileira é em grande parte
ilusória. Nestes últimos anos, Venezuela e Argentina avançaram
ininterruptamente na destruição das instituições formais e informais que
assegurariam um funcionamento razoavelmente normal e previsível de suas
economias e sociedades. E não hesitaram em contrariar os interesses do Brasil
quando assim decidiram fazê-lo. Livres do "imperialismo americano",
ambos os países foram submetidos à vontade de um poder nacional estatal exercido
de forma personalista e arbitrária. Só isso pode explicar por que a Venezuela,
com sua riqueza petroleira, num período de duradoura e exuberante alta dos
preços internacionais do petróleo, vive hoje uma crise crônica de escassez de
divisas e energia, com desabastecimento de vários produtos e apagões
constantes. O mesmo se pode dizer, com diferença de grau apenas, em relação à
Argentina, um país que dispõe de amplas reservas de gás natural e petróleo e
oferta exportável de bens agropecuários, também favorecidos pelos preços
internacionais. E que parece à beira de uma crise cambial.
Empresas brasileiras estão fechando as portas na
Argentina. A Vale e a Petrobrás descobriram que o apoio do governo brasileiro
não é suficiente para proteger os seus interesses no país vizinho. Na
Venezuela, grandes empreiteiras brasileiras têm uma carteira de projetos
estimada em US$ 20 bilhões. Só o incerto futuro dirá o retorno que terão esses
investimentos. De alguma maneira, o setor privado se ajustará às novas realidades.
Empresas desse porte têm capacidade de absorver perdas e redirecionar seus
investimentos para lugares mais promissores. Não nos deveríamos preocupar com
seus eventuais problemas, a não ser pelo fato de que recursos públicos foram
empregados para tornar viável parte significativa de seus investimentos.
Mais importante é reorientar a política externa
brasileira para a região, sem jogar fora o bebê com a água do banho. Ela não
pode estar dissociada de uma visão mais realista do mundo. O Brasil não precisa
reproduzir o modelo de inserção externa adotado por países como Chile, Peru,
Colômbia e México. Mas não pode ignorar o fato de que a opção por um modelo
Alca plus Ásia, com múltiplos tratados de livre comércio, maior abertura das
economias, maior protagonismo do setor privado e menor discricionariedade
governamental, vem produzindo resultados consistentemente superiores aos
obtidos pela opção por um modelo Mercosul minus Alca. O que está em jogo não
são siglas, mas uma revisão dos pressupostos que têm orientado a agenda de
desenvolvimento e inserção externa do País nos últimos dez anos. Não é fazer
mais do mesmo um pouco melhor. É fazer diferente. E isso requer uma nova visão
e uma nova liderança política em Brasília.
2 comentários:
Sei nao hein!! Isso ta me cheirando ação do Protecionismo Petista!!
http://saudeglobal.org/2013/04/25/assistencia-mortal-documentario-de-raoul-peck/
Vale!
Postar um comentário