Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de S.Paulo, 2/10/2013
A edição de 28/9 da revista The Economist incluiu matérias bastante
críticas da gestão de Dilma Rousseff. A capa mostra um foguete no formato da
estátua do Cristo Redentor que, após tentativa de lançamento, perde direção e
vira busca-pé, prestes a despedaçar-se. É uma referência a outra capa, de 2009,
que mostrava a mesma estátua na iminência de decolagem.
A capa de 2009 pareceu a muitos bastante exagerada. Não havia evidência
de que o sucessor de Lula, provavelmente governista, pudesse ter mais apetite
do que o governo anterior para promover reformas cuja premência já era mais do
que evidente, tais como as relativas à melhoria da infraestrutura e aos
diversos regimes previdenciários. De fato, as análises da revista haviam,
especialmente no segundo mandato de Lula, tendido a moderar as críticas à óbvia
irracionalidade de muitas políticas públicas. A tese era de que Lula era um
luxo, quando contrastado com a turma de populistas na América Latina: Chávez,
Correa e Cristina. O que escapou à revista foi que Lula, embora fosse o melhor
dessa turma, não se diferenciava o bastante para implementar as reformas que
poderiam assegurar a volta do crescimento rápido e sustentado.
Membros do governo e analistas chapa-branca têm tentado neutralizar as
críticas atuais da revista com o argumento de que, da mesma forma que exagerou
no otimismo em 2009, estaria agora exagerando nas críticas. O argumento não
cabe. A avaliação de 2009 foi exageradamente otimista, sim, e mereceria
autocrítica mais explícita pela revista. Já a análise atual está essencialmente
correta.
O governo tem recorrido a truques contábeis para viabilizar aportes de
recursos ao BNDES para que o banco apoie projetos questionáveis. A
infraestrutura brasileira é vergonhosa e os esforços do governo para melhorá-la
são lamentavelmente ineficientes. Não há empenho para minorar o estrago causado
pelas contas da previdência. O governo concede favores à ineficiente indústria
automotiva e penaliza a agricultura eficiente - que, apesar disso, tem ido
bastante bem, por ter sido deixada em relativa paz pelo governo. O Brasil tem
se escondido atrás do Mercosul e da busca do sucesso na Rodada Doha para não
entabular negociações comerciais com seus principais parceiros.
A presidente aproveitou sua volta ao Twitter para "rebater" as
críticas. A revista seria "desinformada". O Brasil teria tido o
terceiro maior crescimento do PIB, no segundo trimestre, no mundo. Tudo
culminando na estridente tentativa de levantar a bandeira do nacionalismo
demagógico: "Quem aposta contra o Brasil sempre perde".
É possível discordar da revista, especialmente no terreno político, pois
a inércia da guerra fria ainda tem influência nas suas análises. Mas
dificilmente poderia ser considerada desinformada. PIB trimestral do segundo
semestre? Que tal um pouco de seriedade e admitir que o Brasil está crescendo,
na melhor das hipóteses, a taxa três vezes menor do que as de seus colegas mais
bem-sucedidos no bloco dos Brics? "Quem aposta contra o Brasil sempre
perde" é uma fanfarronice demagógica. Finalmente, não parece apropriado a
uma chefe de Estado, por menos razão que tenha, envolver-se em controvérsia com
a imprensa.
The Economist não parece acreditar muito na sua incitação para que Dilma
se regenere e promova reformas decentes. Mas, apesar de a matéria incluir
análise realista quanto à próxima eleição presidencial, sublinhando a fraqueza
das oposições, não há análise satisfatória da convivência de mau governo com
altos índices de aprovação da presidente e do desempenho de seu ministério. É
improvável que mesmo novos protestos, similares aos de junho, possam afetar
permanentemente essa perniciosa relação. Constata-se com desalento que os
marqueteiros estarão sempre a postos para remendar os índices de aprovação na
entressafra de eventuais protestos.
*Marcelo
de Paiva Abreu é doutor em Economia pela Universidade de Cambridge e professor
titular no Departamento de Economia da PUC-Rio.
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