O ano em que Maduro viverá em perigo
Por Humberto Saccomandi
Valor Econômico, 05/12/2013
Inflação anual de 54%, desabastecimento, déficit fiscal acima de 10%, câmbio paralelo em disparada. O que está acontecendo na Venezuela é a implosão, em câmera lenta, do modelo econômico chavista. Isso será acompanhado por um colapso político do regime? É difícil prever, e parece pouco provável no curto prazo. Mas sem dúvida 2014 será um ano de tensão extrema no país. Esse cenário preocupa muito o governo e empresas no Brasil.
A tensão deve se agravar já a partir deste domingo, quando o chavismo pode perder a primeira eleição no voto popular desde que chegou ao poder, há quase 15 anos. O partido governista PSUV deve levar um maior número de prefeituras (a meta é 335). O presidente Nicolás Maduro, que venceu as eleições presidenciais de abril por pouco mais um ponto, alardeará isso como uma vitória. Mas, se ele perder na contagem total do voto popular, o efeito será de derrota.
Para evitar isso, Maduro vem fazendo uma ofensiva populista nas últimas semanas. Obteve do Legislativo poder para governar por decreto, denunciou uma guerra econômica da burguesia contra o seu governo, mandou prender empresários, enviou tropas para ocupar lojas (que foram obrigadas a vender produtos a preços reduzidos), ampliou o tabelamento de preços. Governistas e opositores concordam que essa mobilização reforçou a imagem de líder do regime, mas não está claro se isso se traduzirá em mais votos para seus candidatos a prefeito.
Ungido como seu sucessor por Chávez, pouco antes de este morrer, Maduro despertou inicialmente a expectativa de que poderia abraçar as reformas e deixar a política de confronto com a iniciativa privada. Isso durou pouco. O presidente, que diz falar com passarinho e ter visto o rosto de Chávez numa obra do metrô, logo recrudesceu.
Uma fonte do governo brasileiro, que falou sob a condição de não ser identificada, faz um juízo severo de Maduro. "Ele vem se mostrando incapaz e parece não entender a gravidade dos problemas da Venezuela", disse. "O Brasil ajuda como pode, dá crédito para a exportação, mas a situação lá é muito grave."
A situação é de descontrole da economia. A produtividade das empresas estatizadas caiu muito, diz a fonte brasileira. As reservas internacionais caíram 30% este ano e estão em só US$ 21 bilhões (contra US$ 375 bilhões do Brasil), o menor nível em nove anos. Faltam dólares; empresas locais não conseguem pagar fornecedores e estrangeiras não conseguem remeter dinheiro. O país é tido como o mais corrupto da América Latina, segundo estudo da ONG Transparência Internacional desta semana. O governo admitiu déficit público de 3,8% do PIB em 2012, mas o dado oficial é pouco confiável; o Banco Mundial deixou de usá-lo. O Bank of America estima o déficit este ano em mais de 10%.
Chavismo pode perder a sua primeira eleição no domingo
Durante anos, o chavismo gastou por conta do faturamento recorde com petróleo. Mas essa receita vem caindo (o governo não divulga estatísticas). Os EUA compram hoje menos da metade do petróleo que compravam pouco antes da posse de Chávez (veja gráfico abaixo). Isso não deixa de ser irônico, pois por muito tempo Chávez ameaçou interromper a venda de petróleo a Washington. Com isso, Caracas foi obrigada a vender mais para a China, que paga menos. Os chineses ainda anteciparam pagamentos em forma de empréstimos, e é provável que essa antecipação já tenha sido gasta pelo governo. Para completar a tempestade perfeita, a cotação do petróleo caiu bastante em relação ao seu pico e pode cair um pouco mais.
Essa perda de receita com o petróleo não foi acompanhada por corte de gastos equivalente. Há sinais de que já começou alguma contenção, como o corte na surdina da ajuda petroleira a países aliados. Mas o grosso do ajuste fiscal ainda está por ser feito, após as eleições. E deve ser acompanhado de desvalorização do bolívar, o que vai alimentar mais a inflação, pois a Venezuela importa muito do que consome.
Por isso, é importante para Maduro um bom desempenho nas eleições de domingo. Senão, ele terá de iniciar um período de cortes dolorosos de gastos numa situação de fragilidade política. Isso é uma combinação perigosa.
Esse cenário preocupa muito o governo brasileiro, que já vê a formação de grupos rivais nas Forças Armadas, antes mantidas coesas sob o comando de Chávez. Maduro não é um militar.
Essa preocupação não é só política. O Brasil tem seu terceiro maior superávit comercial com a Venezuela. Foram cerca de US$ 45 bilhões (não corrigidos) em dez anos (gráfico abaixo). Empresas brasileiras que atuam ou vendem para o país têm pagamentos a receber. E Henrique Capriles, líder da oposição, se disse contra a recente do país ao Mercosul.
E não é só o Brasil que está preocupado. O custo de seguro contra um calote da Venezuela (o CDS), uma medida do risco de se investir num país, subiu mais de 30% nos último mês, passando de 1.000 pontos-base no início de novembro para 1.300 agora.
O regime já está recorrendo a ajuda externa. A estatal PDVSA acertou empréstimo de US$ 1 bilhão com a russa Gazprom na semana passado, supostamente para ampliar a produção de petróleo. Resta saber se e quando esse dinheiro se traduzirá em crescimento da economia, que está praticamente estagnada.
Maduro deve enfrentar um plebiscito sobre seu mandato, mas só daqui a dois anos e meio. Em 2014 não há eleições, o que teoricamente daria a ele uma trégua política para avançar no ajuste da economia. Mas não se sabe o que pode acontecer se a tensão social aumentar muito.
Humberto Saccomandi é editor de Internacional. Escreve mensalmente às quintas-feiras
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