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sábado, 4 de janeiro de 2014

A Guerra dos Mascates: de novo? Olinda e Recife agora sao Brasil e Argentina? - Paulo Roberto de Almeida

A Guerra dos Mascates

 Paulo Roberto de Almeida 

            O romance homônimo de José de Alencar, um dos mais importantes escritores do Brasil oitocentista, reporta-se ao conflito entre Olinda e Recife, no início do século XVIII. A luta opôs as famílias proprietárias de engenhos do interior aos habitantes de Recife, onde residiam os “mascates”, como eram designados os comerciantes portugueses. A disputa era uma mistura de poder econômico e poder político, pois que os comerciantes do Recife pretendiam fugir à autoridade de Olinda, então sede da capitania. Depois de alguns entreveros, os recifenses solicitaram e obtiveram da Corôa liberdade de jurisdição para sua cidade, então uma simples vila portuária.
            Estamos assistindo a uma nova guerra dos mascates, mas ela não se dá em torno de um projeto de liberdade política ou jurisdicional, mas por incapacidade concorrencial, como revelado na disputa dos fabricantes argentinos contra seus “irmãos” brasileiros, supostamente aliados e parceiros da mesma união aduaneira e do mesmo projeto de mercado comum. Desde vários anos, os industriais argentinos, sustentados por suas autoridades políticas, movem uma guerra de posições contra a entrada de produtos brasileiros em seu território, numa flagrante ilegalidade em relação aos princípios do tratado de Assunção (1991), que criou o Mercosul.
O mais incrível nessa disputa, feita de golpes baixos e de medidas arbitrárias, é que o protecionismo dos argentinos está sendo apoiado pelas próprias autoridades brasileiras, num total desrespeito aos interesses dos empresários brasileiros, que investiram e se prepararam para disputar espaços do que seria um território “liberado”. Com efeito, as medidas ilegais e abusivas dos novos mascates estão em dissonância com as normas da zona de livre comércio que deveria existir desde o primeiro dia de janeiro de 1995, aprovada na conferência de Ouro Preto, de dezembro de 1994.
            Sim, o leitor leu corretamente: a zona de livre comércio (ZLC), isto é, a liberdade de circulação de mercadorias, deveria estar em vigor há quase 20 anos, e se ela continua a ser, ainda hoje, essa cortina furada que todos sabemos que é, tal se deve à incapacidade dos países membros de implementar o que eles mesmos acordaram na capital paraguaia em 1991. Ora, não apenas a união aduaneira não se completou, mas a ZLC continua sendo uma promessa, mirífica ao que parece. Se o governo FHC ainda ameaçava retaliar contra restrições similares que vinham sendo impostas contra os interesses brasileiros por parte do governo Menem, as administrações posteriores brasileiras não esboçam sequer um sinal de reação, achando que sendo leniente com essas ilegalidades pode “fortalecer” o Mercosul .
De fato, a Argentina tem pleno direito de, atendendo às normas do GATT e da OMC, de introduzir salvaguardas não discriminatórias contra a importação de quaisquer produtos que possam estar provocando perdas insuportáveis aos produtores locais, desde que ela prove que as dificuldades derivam dessas importações. Ela não o fez, e sequer se preocupou em argumentar na OMC que as medidas de defesa comercial eram justificadas e necessárias. Mas ela nunca poderia fazê-lo no quadro do Mercosul. Ela transferiu ao Brasil o ônus da incapacidade concorrencial dos seus produtores industriais, impondo aos nossos fabricantes uma discriminação que não encontra respaldo nos acordos do Mercosul. Ora, em lugar de protestar e de colocar uma reclamação contra as medidas ilegais da Argentina, seja no âmbito dos mecanismos de solução de controvérsia da OMC, seja no âmbito do próprio Mercosul, o que fazem as autoridades brasileiras encarregadas do setor?
Nada, absolutamente nada. Ou melhor, ainda demonstram “compreensão”, aderindo à falsa tese argentina das “assimetrias estruturais”. Elas pensam estar, assim, “reforçando” o Mercosul, quando se está, na verdade, minando-lhe os fundamentos, a ponto de torná-lo inviável e não operacional. Trata-se de um equívoco incomensurável, desde os tempos em que David Ricardo formulou sua teoria das vantagens comparativas, no início do século XIX. Como todos sabem, a base essencial de qualquer relação de comércio é, precisamente, a existência de “assimetrias estruturais” entre países, que só assim conseguem confrontar suas especializações respectivas. Sem isso não haveria comércio.

É preocupante constatar que se fazem concessões comerciais sem barganhas, não apenas aos argentinos, mas a vários outros “parceiros” comerciais, em nome de ilusórios ganhos políticos. No caso da Argentina, porém, a leniência brasileira já provocou perdas de milhões de dólares aos nossos industriais. Será que o Brasil vai continuar fazendo concessões indevidas à Argentina? Talvez tenham razão os industriais paulistas: em lugar de conservar a ficção do Mercosul, melhor fazê-lo retroceder a uma ZLC. Antes que vire uma zona…

Um comentário:

Anônimo disse...

- E por falar da Argentina ...

http://www.libremente.org/?p=1123