Dez Novos
Mandamentos
(apenas uma sugestão...)
Paulo Roberto de
Almeida
Todo mundo
conhece os antigos mandamentos, quero dizer, os dez mandamentos do Antigo
Testamento, aqueles que Moisés trouxe do Sinai justo no momento em que o povo
de Israel, por acaso o povo eleito e supostamente bem comportado, se deleitava
na maior esbórnia, ali mesmo, ao pé do monte. Aí o Charlton Heston quebrou
aquelas pedras imensas – sim, eles tinham sido esculpidos na própria pedra,
pela mão do Senhor – na cabeça de dois ou três recalcitrantes, derrubou o
bezerro de ouro e mandou parar com o Carnaval. Bem, deixemos de brincar de
Hollywood e vamos ao que interessa.
Os antigos, ou
melhor, os dez mandamentos são aqueles dos quais todo mundo já ouviu falar e
que pelo menos deveriam ser conhecidos de cor e salteado. Para os mais
esquecidos, não custa lembrar (resumidamente):
1. Não
terás outros deuses além de mim (reserva de mercado?).
2. Não
pronunciarás o meu santo nome em vão (mas, por vezes não se sabe bem qual era
esse nome, exatamente).
3.
Guardarás o dia santo (às vezes é na sexta, outras no sábado, ou ainda no
domingo, whatever...).
4.
Honrarás o pai e a mãe (mas sempre lembram que o primeiro pode ser uma simples
hipótese).
5. Não
matarás (inclusive porque, no Antigo Testamento, tinha a lei do talião).
6. Não
roubarás (salvo se for em caso de absoluta necessidade alimentar e se a
propriedade não estiver cumprindo sua função social).
7. Não
desejarás a mulher do próximo (dizem que foi aí que o sete adquiriu aquele
risco no meio, pois o pessoal começou a gritar: “risca o sete, risca o sete!”).
8. Não
cometerás adultério (outro mandamento difícil esse).
9. Não
levantarás falso testemunho contra o teu próximo (a distância é crucial em
certos casos).
10.
Não cobiçarás as coisas alheias (mas tem gente que interpreta isso num sentido
simplesmente metafórico).
Pois
bem, visando despretensiosamente à elevação espiritual, ética e material da
humanidade, pretendo oferecer aqui um complemento moderno a esses preceitos,
duplicando os dez mandamentos de Moisés (antigos, velhíssimos, mas ainda
válidos, não custa lembrar). Bem sei que os dez primeiros estão sendo obedecidos
mal e porcamente, com casos notórios de infração reiterada ao espírito e à
letra daquelas simples regras de convivência civilizada. Bem que o Charlton
Heston poderia voltar para aplicar uns cascudos no pessoal mais arredio. Em
todo caso, pensando que nunca é demais esperar o melhor de cada ser humano,
permito-me traçar nesta pedra virtual dez novos mandamentos, para os quais não
faço questão de copyright (aliás, no
filme eles vinham escritos em inglês medieval e em letras góticas,
lembram-se?).
1. Não
terás maior amor do que o amor à natureza e aos semelhantes, segundo o
princípio absolutamente universal de que todos os seres humanos nascem iguais e
devem ter iguais chances de se afirmarem na vida; farás da Terra um lugar
habitável por todos, não um paraíso para uns poucos, um purgatório para a
maioria e um inferno para muitos milhões, como ainda ocorre.
2. A
educação para o trabalho é o princípio unificador de toda a vida civilizada e
por isso a instrução básica (geral, irrestrita e de qualidade) e a educação
humanista serão as tarefas maiores de
cada sociedade.
3. A
família e os filhos, como núcleo social igualitário mas organizado, continuam
sendo a maior riqueza da sociedade humana e por isso serão o critério básico de
organização social e moral de todas as civilizações; o tratamento concedido à
mulher define o padrão civilizatório ideal e o seu status na sociedade é o
critério básico de progresso humano e social.
4. A
tolerância mútua, incondicional e irrestrita, deve ser a norma da vida civilizada
em todas as áreas culturais e espirituais e as religiões se enquadrarão nesse
princípio contra todo e qualquer particularismo exclusivista e contra quaisquer
tendências ao proselitismo.
5. As
políticas públicas se guiarão, antes de mais nada, pela racionalidade entre
meios e fins, respeitados os direitos das minorias e a conservação da natureza;
os homens públicos se guiarão, sobretudo, pelo bem-estar das gerações seguintes
às suas.
6. O
livre-arbítrio, a liberdade individual, a democracia política e a solidariedade
social são os princípios maiores de toda organização política eticamente
responsável; responsabilização e transparência definem o funcionamento da ordem
política.
7.
Direitos humanos são inalienáveis e imprescritíveis e as comunidades organizadas
se levantarão contra os tiranos que atentarem contra esses direitos; os
direitos dos indivíduos passam antes dos poderes dos Estados.
8. A
solução pacífica das controvérsias é o único meio aceitável de resolução de
disputas; as comunidades organizadas se encarregarão de prevenir e remediar os
possíveis atentados a esta norma de justiça universal.
9. O
reconhecimento do mérito individual deve ser estimulado e reconhecido, e por
isso as sociedades se esforçarão para dar chances iguais de partida a todos os
indivíduos pertencentes a grupos menos favorecidos.
10. O
progresso científico, guiado pelos princípios morais delineados nos demais
mandamentos, é a condição indispensável do progresso humano e das liberdades
individuais e por isso ele não será jamais obstado por qualquer princípio
religioso, por relativismos culturais ou particularismos sociais que possam
existir.
A vantagem dos antigos
mandamentos sobre os meus é que eles tinham uma estrutura simples, uma
linguagem direta e comandavam, de fato, coisas elementares (ainda que difíceis,
algumas delas): não farás isso ou aquilo, ponto. Esses novos têm mais de
recomendação política do que de imperativo moral, e por isso mesmo são muito
mais difíceis de serem implementados. Independentemente de seu aspecto de
“programa de governo”, eles podem apontar alguns caminhos na direção da
elevação social, econômica e cultural, se não moral, da humanidade.
Mas existe uma “coisa” que não
sofre limitações de nenhuma espécie, que não se submete às conhecidas restrições
da lei da escassez dos economistas, que não depende de nenhum regime político
particular para ser observada. Esta “coisa” se refere à natureza fundamental do
ser humano, em sua dimensão propriamente relacional e ela poderia ser traduzida
da seguinte forma: todas as pessoas, independentemente de idade, credo, raça,
convicções políticas e times de futebol, têm o inalienável direito de amar e
serem amadas, sem distinção de natureza, e sem qualificações de qualquer
espécie. Amar no sentido lato e estrito, sem necessidade de se explicar ou de
se justificar. Simples assim, mas isso não conforma exatamente um mandamento:
trata-se da própria vida.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de julho de 2006
(PS.: Novos desenvolvimentos e sugestões serão
bem acolhidos, pois não há, nem pode haver numerus
clausus em se tratando de trabalhar para o bem da humanidade.)
Um comentário:
Eis um grande pensador. Pena que a grande maioria nem imagina que isso existe.
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