quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Contra o voto nulo ou branco - Paulo Roberto de Almeida (2010)

Um texto feito antes das eleições de 2010, quando eu estava na China, mas que permanece inteiramente atual, já que tratando de um procedimento, não de um fato determinado.
Paulo Roberto de Almeida


Contra o Voto Nulo: meus critérios de escolha

Paulo Roberto Almeida

Existe uma controvérsia pairando sobre as comunicações que circulam na internet nessas épocas eleitorais: a do voto nulo, justificado ou não “filosoficamente”. Provavelmente, existe mais de uma controvérsia eleitoral, mas esta é a que me foi dado examinar e me pronunciar recentemente sobre ela, talvez de modo superficial. Sem pretender possuir a posição “correta” – que simplesmente não existe em se tratando de escolhas políticas, embora existam, sim, posições erradas, absoluta e relativamente, nessa área, e elas tem a ver com a diminuição do “grau” de democracia no sistema político – gostaria de me manifestar a respeito de forma mais clara do que já o fiz até agora.

Existem basicamente três formas de “não” escolher qualquer candidato, para qualquer cargo, nas eleições: a abstenção, o voto nulo ou o voto em branco. A única diferença entre o voto nulo e o voto em branco, em face da maquineta de votação, é que a dita cuja contempla um botão branco, para o voto idem. Suponho que os que pretendem anular seu voto teclem outros números, admitindo-se que a máquina aceite, e confirmem esse número “errado”. Seria então um voto nulo. Num caso, como no outro, se trata de uma “não escolha”, assim como a de não comparecer no local de votação no dia marcado. Essas são, portanto, as formas de anular o seu voto: votando “errado”, deixando em branco, ou deixando de comparecer. Votou nulo ou em branco, ou deixou de votar, pronto: está feita a recusa de participação numa escolha solicitada (na verdade, requerida, exigida, porque o voto é obrigatório no Brasil).
Os que são indiferentes à política ou ao governo, qualquer governo, os que “não agüentam” mentiras de políticos (e algumas são realmente difíceis de engolir), aqueles que simplesmente não se interessam pelas mensagens dos partidos e dos candidatos, os que, finalmente, são preguiçosos demais para se deslocar no dia das eleições, simplesmente exercem o seu direito democrático de “não escolher”. Eles não costumam ficar preocupados com isso: simplesmente desligam essa “área cerebral” e seguem em frente, nas suas vidinhas pacatas e desinteressadas. Poucos se dão ao trabalho de justificar a “não escolha”. Melhor não se comover com o assunto, ponto.
Diferente é a situação de acadêmicos ou pretensos intelectuais, que pretendem justificar a sua não escolha mediante elegantes construções, com citações de frases de escritores, argumentos sobre o caráter de manada das “massas votantes”, alegações quanto às fraudes deliberadas cometidas pelos partidos, enfim, um sem número de escusas para sustentar a posição em favor do voto nulo ou abstenção. Este meu texto está, portanto, dirigido aos que assim praticam a não escolha com tentativa de justificação. Como considero tal posição “absurda”, vou também me manifestar a respeito, com argumentos que espero sejam racionais e contra-argumentáveis.

Para todos os efeitos práticos, abstenção, voto nulo ou branco se confundem nos seus resultados futuros: o cidadão votante, o contribuinte pagador de impostos se exime de fazer uma escolha entre os representantes – legisladores ou executivos – que decidirão como será gasto o seu dinheiro – recolhido por tributos compulsórios – nos projetos e obras votados nas assembléias e parlamento e implementados pelos poderes executivos. Esta é, se ouso resumir, a essência de minha contrariedade contra todas essas formas de invalidar o seu voto, a sua escolha, a sua decisão de eleitor.
Devo também dizer, preliminarmente, que sou contra o voto obrigatório. Este deve ser um direito, não uma obrigação, pois o que prima, para mim, é a liberdade do indivíduo, não a imposição do Estado. Reconheço que essa posição pelo voto livre pode parecer contraditória com a postura de considerar “absurda” a não manifestação de preferências por ocasião do escrutínio, já que a não obrigatoriedade estimularia, e muito, a abstenção, como observamos nos países nos quais o voto é um direito, não uma obrigação (cerca de metade, apenas, da população americana habilitada a votar comparece nas eleições gerais a presidente, ao que parece; os “patriotas” brasileiros enchem o peito de orgulho, ao mencionar nosso número de votantes, o que me parece sumamente ridículo, pois a democracia americana é tão vigorosa, em suas bases, que dispensa, justamente, esse tipo de participação “federal”).

Pois bem, o que eu teria a dizer contra o voto nulo, em branco ou a abstenção? Os que assim procedem costumam alegar o seguinte: “o meu voto não faz diferença nenhuma, pois se trata de apenas um voto, no meio de milhões de outros votos, e não é ele que vai determinar quem será eleito para a presidência”. Eu diria, de imediato, que faz, sim, uma enorme diferença, e não apenas para presidente, pois qualquer forma de abstenção ou “nulificação” do voto atinge muito mais o corpo representativo da nação, ou seja, parlamentos e assembléias sub-nacionais. A grande diferença está expressa diretamente no próprio ato: o agente social, o votante, o cidadão contribuinte se exime de expressar uma opinião, a sua opinião sobre os candidatos em liça. Trata-se, obviamente, de uma decisão puramente individual, totalmente legítima no plano individual, mas carregada de consequências práticas no plano social, no âmbito nacional, no futuro da comunidade nacional. Elaboro um pouco mais a esse respeito.
O ato de não votar, ou de votar nulo ou em branco, significa, simplesmente, que o indivíduo “não votante” será necessariamente representado por alguém, obrigatoriamente e inapelavelmente, mesmo que o “não votante” não faça absolutamente nada e sequer se interesse pelo processo legislativo ou pelos mecanismos de decisão em curso nos executivos locais ou nacional. Esse representante “eleito” – e ele o é também pelo “não voto”, pois o número de válidos determinará o chamado quociente eleitoral para o cálculo das bancadas proporcionais – terá legitimidade para impulsionar políticas com as quais o “não votante” eventualmente possa não estar de acordo, ou a que ele resolutamente se opõe: digamos, entregar dinheiro público a banqueiros falidos, a capitalistas protecionistas ou a invasores de terras, quando não a mafiosos sindicais.
Se o “não votante” se eximiu de expressar o seu voto contrário a um representante qualquer que pode decidir por qualquer das ações acima, é evidente que o “representante não escolhido” possui, sim, a faculdade de influenciar a vida do “não votante” contra a vontade deste (ou melhor, com a sua “colaboração”). Contra o argumento pouco filosófico de que “um voto não faz a diferença” podemos confirmar que faz, sim, enorme diferença, que é a de eleger ou deixar de eleger alguém que pode se aproximar, que seja minimamente, de nossas posições, contra aqueles que delas se afastam deliberadamente, ou que defendem políticas que rechaçamos absolutamente.
Em qualquer hipótese, a renúncia de ação por parte do “não votante” pode redundar numa usurpação de representação por parte do representante efetivamente eleito, aquele que vai decidir para onde vai o meu, o seu, o nosso dinheiro. Ela é, me parece uma “solução” de menor democracia do que a participação, ainda que a contragosto, do cidadão eleitor. Gostaria de compreender a posição daqueles que julgam ser muito complicado ou aborrecido penetrar nos detalhes das posições de cada candidato sobre cada tema de interesse cidadão, ou coletivo. Mas eu sou daqueles que não renunciam a uma única parcela de responsabilidade na comunidade política. E que não me venham falar de “indivíduos” que não gostam de ser misturados ou confundidos com a massa: todos nós vivemos em coletividade, todos nós somos parte da “massa”, qualquer que seja ela.

Pois bem, venho agora aos critérios de escolha, pois o assunto foi veiculado em comentário a um dos meus posts que, aparentemente, chamou a atenção de alguns jovens. Como me perguntou um desses jovens, leitor desse meu post: “Gostaria de saber então qual argumento é válido para declarar o voto neste ou naquele candidato.”

Eu diria o seguinte: o voto em qualquer candidato é válido, mas eu o faria acompanhar da seguinte nota de caução. Toda e qualquer escolha, eleitoral ou não, precisa ser feita de forma consciente quanto aos efeitos e consequências dessa nossa escolha, devemos sempre tentar visualizar as implicações de nossa escolha e examinar seu impacto futuro em nossas vidas e no itinerário provável de nossa comunidade.
Suspeito, ou suponho, que todos desejem viver num país “normal”, ou seja: com prosperidade, segurança, livre de corrupção, desenvolvido, organizadinho, limpinho, agradável, de preferência com altos salários e trabalho garantido, educação e saúde abundantes e a preços abordáveis – se possível gratuitos – e com plena liberdade de informação, de circulação, de expressão, sem envolvimento em confusões externas e vivendo num ambiente de paz interna (estou sendo muito exigente ou utópico?). Se queremos tudo isso, e temos o direito de pelo menos aspirar a algumas dessas coisas em nossas vidas, vamos ter de fazer algo para obter todos esses “direitos”.
Uma das maiores utopias – e inconsequências – da Constituição brasileira está, justamente, em prometer todo esse mundo de bondades róseas, sem jamais dizer como tudo isso poderá ser obtido. Existe até um senador – que eu respeito no plano individual, mas que nesse particular considero um perfeito idiota – que pretende colocar na Constituição o “direito à felicidade”, como se isso fosse fazer qualquer diferença no plano instrumental, ou prático. A constituição é cheia de direitos e quase nenhum dever; ou melhor, todos os direitos são dos cidadãos, todos os deveres são do Estado, essa entidade impessoal que segundo alguns deveria ser uma “mãezona” a zelar pela felicidade de todos e cada um: “A educação (ou saúde) é um direito dos cidadãos e um dever do Estado...”, assim reza a Constituição em diversas passagens. Faltou dizer quem vai pagar por tudo isso, onde está a produtividade (uma palavra que não existe ali) que vai sustentar esse mundo de benesses infinitas.
Independentemente, porém, de como serão resolvidas essas questões, está claro, pelo menos aos meus olhos, que os que prometem sempre tudo isso e um pouco mais estão incorrendo nessa terrível falácia constitucional que consiste em jogar com promessas futuras sem jamais dizer quem pagará por tudo isso. A demagogia eleitoral é o pior pecado que pode existir em qualquer época ou lugar. A inconsistência no uso do dinheiro público é o segundo pior pecado político que pode existir numa comunidade de cidadãos conscientes.
Por isso mesmo, meu simples critério eleitoral é o enfrentamento destas simples verdades: prometeu isto, diga de onde vai sair o dinheiro, quem vai sustentar, como serão aplicados os recursos e que benefícios esperados advirão dessa escolha, e não de outras? Em economia – e tudo se resume, em última instância, a uma questão de economia, como queria o velho barbudo – sempre existem alternativas, mas as escolhas sempre são políticas, independentemente de seus fundamentos econômicos.
O cidadão que vota nulo, ou branco, ou que se exime de escolher, está, pura e simplesmente, jogando o seu dinheiro no lixo. Ou melhor: entregando-o a alguém “mais esperto”, que saberá utilizá-lo em função de seus próprios critérios preferenciais. Sabemos que os “mais espertos” não são necessariamente os mais honestos e confiáveis, pois eles geralmente se utilizam da mentira e da mistificação para conseguir cargos políticos. Em resumo, votar consciente é votar inteligente. Renunciar a isso é não só um absurdo, como evidencia uma atitude pouco inteligente. Desculpem-me os “filosoficamente” a favor do voto nulo, mas é isto o que penso.

Boas escolhas a todos, ou, corrigindo-me: a escolha “menos pior” possível.

Paulo Roberto de Almeida
Shanghai, 2215: 27-28.10.2010

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