" Para maiores desenvolvimentos sobre as questões tratadas neste ensaio remeto a meus livros Relações internacionais e política externa do Brasil: dos descobrimentos à globalização, Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1998 e O estudo das relações internacionais do Brasil, São Paulo: Editora da Universidade São Marcos, 1999."
Depois disso, produzi muitas outras avaliações, incontáveis resenhas e outros ensaios de historiografia ou de ciência política.
A questão agora é: quem vai produzir um novo balanço para figurar em algum compêndio da ANPOCS?
Eu mesmo poderia fazê-lo, mas tenho pouco tempo disponível, pois a burocracia absorve, mata, estiola, ocupa e desvia, além do que tenho vários outros projetos no pipeline pessoal e no programa de trabalho institucional como Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag. Mas vou tentar acompanhar os bravos que empreenderem esse tipo de trabalho.
Paulo Roberto de Almeida
A produção brasileira em relações internacionais
(1970-1999):
tendências e perspectivas
Paulo Roberto de Almeida
Doutor em Ciências Sociais pela
Universidade de Bruxelas, diplomata de carreira.
Trabalho preparado para a ANPOCS no
quadro do projeto:
“As Ciências Sociais no Brasil:
Tendências e Perspectivas (1970-1995)”
Suporte: CAPES; Apoio: FAPESP
In: Sérgio Miceli (org.). O Que ler na ciência social brasileira (1970-1995),
v. 3: Ciência Política (São Paulo:
Editora Sumaré: ANPOCS; Brasília, DF: CAPES 1999, pp. 191-255);
disponível em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/5782964/010_Rela%C3%A7%C3%B5es_internacionais_1999_).
disponível em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/5782964/010_Rela%C3%A7%C3%B5es_internacionais_1999_).
Sumário:
1.
Introdução:
peculiaridades do campo relações internacionais no Brasil
2.
Elaboração
crescente, reflexão difusa: produção e grandes eixos analíticos
2.1.
A “acumulação primitiva” da disciplina na academia
2.2.
A explosão dos anos 80 e a “abertura” diplomática
3.
Orientações
disciplinares, escolhas teórico-metodológicas
3.1.
Sistema e estrutura como paradigmas de análise
3.2.
A história como experiência única de inserção internacional
4.
Autores
e obras: balanço seletivo
4.1.
Dos “founding fathers” aos pesquisadores profissionais
4.2.
As revistas e os foros brasileiros de relações internacionais
5.
O
Brasil e o mundo: tendências analíticas
6.
Conclusões:
perspectivas das relações internacionais no Brasil
Bibliografia seletiva
1.
Introdução: peculiaridades do campo relações
internacionais no Brasil
As relações
internacionais enquanto disciplina acadêmica no Brasil apresentam, a despeito
do notável desenvolvimento no período coberto por este ensaio, um caráter ainda
relativamente embrionário, ao mesmo tempo em que a produção, apesar de
crescente, está simultaneamente dominada e dividida em pesquisas e estudos
históricos, de um lado, e em ensaios de politologia e trabalhos diversos nos
campos da economia, do direito e da sociologia, de outro. O caráter de
“nebulosa analítica” desse universo em expansão deve-se, em parte, a essa
ambigüidade disciplinar, mas também à fraca institucionalidade organizacional
que caracteriza o campo, seja pelo número ainda reduzido de cursos e programas
oferecidos na área, seja pela ausência de entidade nacional associativa,
exclusiva e especializada.
O que se pode
constatar de positivo, entretanto, é um progresso significativo no volume e na
qualidade intrínseca da produção acadêmica acumulada ao longo do tempo, a maior
abertura demonstrada desde então pela instituição central na interação
Governo-sociedade em matéria de política externa e de relações internacionais —
o Itamaraty — e um desenvolvimento institucional moderadamente satisfatório em
termos de cursos específicos e de programas de pesquisas oferecidos pelas
instituições de ensino e pelos centros de estudo existentes nessa área. Se a
coordenação institucional e a cooperação interdisciplinar entre pesquisadores
nem sempre são realizadas pelos canais formais de entidades associativas, a
exemplo das existentes em outros países, deve-se reconhecer, pelo menos, que as
perspectivas de estudo e pesquisa permanecem saudavelmente multidisciplinares,
notadamente nos grandes centros de produção especializada em relações
internacionais (essencialmente Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Porto
Alegre).
Apenas a partir
dos anos 1980, a disciplina adquiriu no Brasil um estatuto próprio — ainda que
embrionário — diferenciando-se paulatinamente, mas não totalmente, da ciência
política e da história. Com efeito, ela continua a colaborar — e de fato a
trabalhar intimamente — com a história na delimitação de um campo de
conhecimento mais voltado para o estudo da política externa e das relações
exteriores do Brasil. Ela também passou, por outro lado, a trabalhar com a
ciência política e outras disciplinas na discussão teórica ou empírica de
questões econômicas, políticas e estratégicas das relações internacionais
contemporâneas.
(..)
Observe-se,
por outro lado, a implementação efetiva da Fundação Alexandre de Gusmão
(FUNAG), criada em 1971 mas que tinha permanecido pouco operacional naquela
década: através do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), ela
veio impulsionou a realização de seminários, de estudos especializados por
especialistas independentes (do CPDOC/FGV e do IUPERJ sobretudo) e a publicação
de trabalhos internos e externos à Casa de Rio Branco, vários destes derivados
do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Merecem destaque as duas
excelentes sínteses de diplomacia econômica por Souto Maior e Lindeberg Sette
(ambas de 1994), a coletânea dirigida por Pereira de Araújo (1989) e as duas
organizadas por Fonseca-Carneiro Leão (1989) e Fonseca-Nabuco (1994),
recolhendo contribuições de profissionais envolvidos na gestão prática das
relações exteriores do Brasil. Essas duas últimas coletâneas podem ser
aproximadas da meia centena de contribuições de diplomatas e de pesquisadores
acadêmicos no quadro do projeto “Sessenta Anos de Política Externa Brasileira
(1930-1990)”, conduzido no começo da década de 1990 pelos Professores R.
Seitenfus e J. A. Guilhon Albuquerque (1996; dois volumes adicionais
previstos).
(...)
Os anos 90, finalmente, podem ser caracterizados como os do amadurecimento profissional da comunidade brasileira de estudiosos de relações internacionais, com o surgimento de estudos variados sobre os sistemas internacional e regional e sobre a política externa do Brasil — com especial ênfase na integração —, todos dotados de grande rigor metodológico nas diferentes subdisciplinas da área. Do ponto de vista institucional, finalmente, pode-se afirmar que as preocupações de ordem metodológica e com a fundamentação teórica dos trabalhos empreendidos encontram maior grau de acolhimento — e de desenvolvimento intrínseco às próprias instituições — nos centros de pesquisas já consagrados nessa área, cujos principais orientadores passam a manter um intenso e freqüente intercâmbio com parceiros de entidades congêneres mais tradicionais do exterior. O próprio Instituto Rio Branco segue, nos anos 90, essa tendência a um maior “rigorismo metodológico” ao integrar definitivamente às bancas dos Cursos de Altos Estudos um relator necessariamente escolhido nos meios acadêmicos. O IRBr também passou a definir critérios mais estritos para a elaboração da tese, os quais buscam aproximar aquilo que, no passado, já tinha sido descrito como um “longo memorandum” de um trabalho de pesquisa orientado por “metodologia adequada”.
(...)Os anos 90, finalmente, podem ser caracterizados como os do amadurecimento profissional da comunidade brasileira de estudiosos de relações internacionais, com o surgimento de estudos variados sobre os sistemas internacional e regional e sobre a política externa do Brasil — com especial ênfase na integração —, todos dotados de grande rigor metodológico nas diferentes subdisciplinas da área. Do ponto de vista institucional, finalmente, pode-se afirmar que as preocupações de ordem metodológica e com a fundamentação teórica dos trabalhos empreendidos encontram maior grau de acolhimento — e de desenvolvimento intrínseco às próprias instituições — nos centros de pesquisas já consagrados nessa área, cujos principais orientadores passam a manter um intenso e freqüente intercâmbio com parceiros de entidades congêneres mais tradicionais do exterior. O próprio Instituto Rio Branco segue, nos anos 90, essa tendência a um maior “rigorismo metodológico” ao integrar definitivamente às bancas dos Cursos de Altos Estudos um relator necessariamente escolhido nos meios acadêmicos. O IRBr também passou a definir critérios mais estritos para a elaboração da tese, os quais buscam aproximar aquilo que, no passado, já tinha sido descrito como um “longo memorandum” de um trabalho de pesquisa orientado por “metodologia adequada”.
Com
base nas características gerais apontadas acima — que indicam uma certa
dispersão metodológica nos esforços de pesquisa —, como identificar e discutir
as principais tendências teórico-metodológicas que caracterizam a produção
brasileira em relações internacionais? Uma análise desse tipo encontra-se na
dependência funcional do próprio desenvolvimento insuficiente da perspectiva
analítica que a disciplina conheceu até o momento no País, o que por si só
revelaria seu caráter ainda preliminar. Mais do que referir-se aos modelos
teóricos em uso corrente no exterior — realismo, neorealismo,
institucionalismo, idealismo, muito pouco adequados, aliás, à realidade brasileira
— caberia talvez remeter a duas variáveis suscetíveis de fundar o estudo das
relações internacionais no Brasil, a saber, a comparabilidade e a historicidade
das análises em elaboração no País (Almeida, 1991, 1998c). Esses dois
conceitos, em todo caso, remetem a outros dois grandes blocos metodológicos ou
tendências analíticas sob os quais poderiam ser agrupadas a produção setorial
no Brasil: as correntes sistêmico-estruturais,
de um lado, e a comunidade mais homogênea dos estudos históricos, de outro.
(...)
6. Conclusões:
perspectivas das relações internacionais no Brasil
Um primeiro
registro, de senso comum, que pode ser feito é a tendência, observada durante
todo o período, ao crescimento paulatino do espaço ocupado pela “área”, tomada
em seu sentido amplo. Esse processo de densificação do estudo e do tratamento
“societal” das relações internacionais no Brasil se reflete triplamente: seja
na estrutura curricular das instituições de ensino superior (com a oferta
pertinente de cursos de graduação ou de diversas modalidades de pós-graduação),
seja também no conteúdo programático específico dos cursos tradicionais (em
ciências sociais, na ciência política e na história, certamente, mas também em
direito e economia, entre outras disciplinas), seja ainda na estrutura orgânica
e nas atividades correntes dos órgãos públicos em geral (criação de assessorias
“internacionais” na maior parte dos ministérios, dos governos estaduais e por
vezes mesmo nos municípios mais importantes).
Uma segunda
observação, certamente relevante para o futuro dos estudos “internacionais” no
Brasil, é o estímulo dado a essa área pelos processos de abertura econômica e
de liberalização comercial, operados na fase recente — e epitomizados sob o
conceito de globalização — e, em especial, pelo processo de integração
econômica no âmbito do Mercosul e de outros esquemas sub-regionais (inclusive
no que se refere ao desafio da ALCA). Esses fatores, “externos” ao próprio
desenvolvimento da disciplina no Brasil, estimularam bastante a pesquisa e o
estudo da problemática correlata, sobretudo nos cursos de direito, de economia e
de ciência política — com o oferecimento da sub-área integracionista em muitas
faculdades dos estados meridionais — mas também na história, com o surgimento
de uma perspectiva propriamente (sub-)regional nos trabalhos sobre relações
diplomáticas e relações econômicas internacionais. É patente, por exemplo, a
criação de “centros de estudos”, de “núcleos programáticos”, geralmente
interdisciplinares, voltados seja para estudos “generalistas” (economia
internacional, política comparada), seja setoriais (“integração” é o exemplo
mais conspícuo) ou geograficamente delimitados (centro de estudos
latino-americanos, europeus, asiáticos, afro-brasileiros etc.) nos centros
universitários mais importantes. É também propriamente “explosivo” o
surgimento, nos últimos anos, de cursos de relações internacionais — muitos
deles voltados para o comércio exterior — em faculdades particulares de
diversas regiões do País, tendência que deverá certamente acelerar-se no futuro
imediato, obrigando as universidades públicas a também oferecerem cursos
alternativos de acordo com as “demandas de mercado”.
Essa maior
“osmose” ou “permeabilidade” dos assuntos externos ou internacionais na
atividade corrente de atores governamentais e não-governamentais exerce um
impacto positivo sobre o fomento e o funcionamento ulterior de certas
instituições-chave para o progresso dos estudos de relações internacionais no
Brasil, quais sejam, as universidades, em primeiro lugar, mas também órgãos do
Executivo (da esfera educacional e científico-tecnológica sobretudo) e do
Parlamento e da sociedade civil em geral (com destaque para os partidos
políticos, que passam a dar destaque para suas afiliações internacionais). Já
se destacou, por exemplo, a maior abertura dos diplomatas à cooperação com o
mundo acadêmico, movimento apenas refreado pela notória tendência de muitos
“intelectuais” da academia a insistirem em seus esquemas conceituais sobre a
“ordem” mundial, o que se choca freqüentemente com o rude “pragmatismo” da
maior parte dos diplomatas, ocupados essencialmente em defender “ganhos
incrementais” no vasto cenário da interdependência mundial, e não
necessariamente em fazer discursos abstratos sobre o verdadeiro sentido do
“interesse nacional”.
A questão está em
saber se novos e “velhos” pesquisadores saberão superar as dicotomias muito
facilmente construídas nas academias — liberalismo vs. intervencionismo,
nacionalismo vs. internacionalismo, autonomia vs. dependência, ou
“interdependência” — para fazer uma interpretação mais elaborada das relações internacionais
do País, colocando em jogo não apenas os modelos teóricos fornecidos pelos
intelectuais de gabinete mas, sobretudo, os limites impostos pela realidade à
ação dos estadistas e diplomatas na frente externa. Depois de uma primeira
geração de historiadores-diplomatas e de bacharéis-diplomatas, no período do
Império, seria certamente muito bem-vinda a disseminação de
diplomatas-historiadores e de diplomatas-politólogos em nossa própria época, de
molde a permitir uma síntese eficiente das virtudes respectivas de “paciência
investigadora” da academia e de “realismo operacional” da diplomacia. O que se
poderia definir como “pensamento brasileiro em política internacional”, como
atestam trabalhos recentes nesse terreno, já é suficientemente rico e complexo
para permitir esse “bridge-building” entre as duas instituições.
[Brasília, 684: 17.05.99]
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