segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Divida Externa: relembrando o calote da Argentina em 2001

Argentina declara moratória em 2001 e dá o maior calote da História, de US$ 102 bi
Em meio a suspensão do pagamento da dívida externa, confiscos, saques e violentos protestos de rua, colapso econômico fez país perder 20% do PIB em apenas quatro anos

Fonte: Acervo O Globo

Após uma década de estabilidade e aparente prosperidade alcançadas com o câmbio artificialmente fixo, a Argentina declarou moratória em dezembro de 2001. Era o sinal mais evidente de que a lei da conversibilidade, de 1991, do governo de Carlos Menem, estava ruindo. Instituída pelo Plano Cavallo (elaborado pelo ministro da Economia, Domingo Cavallo, para deter a inflação), a paridade dólar-peso — cada peso respaldado por um dólar — estava com os dias contados. A dívida externa do país, pública e privada, havia disparado: de US$ 4,5 bilhões em 1991 para US$ 146 bilhões dez anos depois, segundo o instituto Indec. Acumulando déficits externos, com exportações insuficientes para honrar seus compromissos e parcas reservas cambiais (despencaram para US$ 16 bilhões), o país quebrou.

Abalado por uma grave crise econômica e social, o governo argentino anunciou às vésperas do Natal, no dia 23 de dezembro de 2001, a suspensão por tempo indeterminado do pagamento da dívida externa. A decisão foi tomada pelo novo presidente, Adolfo Rodríguez Saá, do Partido Justicialista (PJ, peronista), escolhido pelo Congresso. O calote da dívida externa pública superava US$ 102 bilhões, o maior da História. O cálculo contabilizava US$ 82 bilhões envolvidos na moratória, além dos juros somados ao principal. Sem conseguir novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Argentina, ao declarar moratória, entrava em rota de colisão com seus credores e o mercado financeiro mundial.

O embate iniciado em 2001 com os credores da dívida externa — renegociada só em 2005 no governo de Néstor Kirchner (sucessor de Eduardo Duhalde) — afeta até hoje a credibilidade do país. Na reestruturação da dívida na gestão Kirchner, o governo acertou pagar só 25% do devido aos banqueiros e fundos internacionais. Não é à toa que, nos últimos anos, o governo argentino se viu em dificuldades para voltar a obter financiamentos externos e estimular a sua economia. O calote também acabou respingando em seus parceiros comerciais no MERCOSUL, como o Brasil.

Após a renúncia do presidente Fernando De la Rúa, e a passagem relâmpago pela Casa Rosada de Ramón Puerta, presidente do Senado, Rodríguez Saá representava a volta do peronismo após dois anos afastado do poder. No dia de sua posse, ele anunciou um pacote de medidas, incluindo a emissão de títulos públicos — o que, na prática, significava a criação de uma terceira moeda (não conversível ao peso e ao dólar). Com isso, também fazia uma desvalorização cambial disfarçada, ao emitir títulos públicos para pagar servidores e impostos. Também anunciou a venda de carros e aviões oficiais, a eliminação de ministérios e o confisco parcial, impedindo o argentino de retirar depósitos bancários a prazo fixo e outros tipos de aplicações. Permitia sacar apenas 250 pesos por semana.

Diante de uma taxa de desemprego que chegava a 18,3%, o pacote, na área social, além de limitar o salário de servidores, previa a criação de 1 milhão de vagas. Após sucessivas greves dos sindicatos, onda de saques a supermercados e protestos de rua, o governo também anunciou a distribuição de alimentos à população. E o Congresso convocou eleições presidenciais para o ano seguinte. Em quatro anos, entre 1998 e 2002, período chamado de “Tragédia Argentina”, o país perdeu 20% do PIB e a renda per capita encolheu em dólares 68%. Em janeiro de 2002, em meio ao colapso econômico, a confusão institucional levou o país a ter cinco presidentes, em apenas duas semanas. Durante os protestos de rua contra o governo, o país registrou mortes e dezenas de pessoas ficaram feridas.

A moratória anunciada pela Argentina em 2001 foi um novo capítulo da história da suspensão do pagamento da dívida externa dos países emergentes, especialmente os da América Latina. Após o salto dos juros nos Estados Unidos, até a metade dos anos 80, a chamada década perdida, a dívida das nações emergentes havia aumentado de US$ 500 bilhões para US$ 800 bilhões, segundo o FMI. A partir dos anos 80, a crise da dívida se alastrou nos países latino-americanos. Em 1983, o México pediu moratória. Também tiveram de renegociar as suas dívidas Chile, Cuba, Honduras e Venezuela. Já o Equador pediu moratória em 1999.

No caso do Brasil, em fevereiro de 1987, no governo Sarney, o ministro da Fazenda, Dilson Funaro, decretou moratória da dívida externa. O país chegava ao fim daquele ano devendo US$ 110 bilhões.

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