Brasil, da imigração à emigração
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: comentários sobre o fenômeno; finalidade: programa de rádio]
Introdução
Fui convidado pela Rádio Record a oferecer comentários sobre o número de emigrantes brasileiros, ou seja, brasileiros que decidiram abandonar o país e morar no exterior, onde eles se tornam imigrantes, nas mais diferentes situações. As perguntas foram feitas pelos radialistas. Meus comentários são necessariamente breves.
Identificação preliminar: Paulo Roberto de Almeida, diplomata de carreira, professor de Economia Política nos programas de mestrado e doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub), atual Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI, órgão da Fundação Alexandre de Gusmão, autarquia vinculada ao Itamaraty, ou seja, ao Ministério de Relações Exteriores do Brasil.
1) Dados sobre o número de migrantes brasileiros que decidem morar em outro país.
Não existem dados absolutamente fiáveis dos emigrantes brasileiros, uma vez que o fenômeno da migração brasileira ao exterior é relativamente recente, podendo ser datada a partir dos anos 1980, quando o Brasil conheceu a chamada “década perdida”, ou seja, a crise da dívida externa em 1982, que resultou na aceleração inflacionário, no decréscimo, ou estagnação, do crescimento econômico e, portanto, diminuição das perspectivas de ascensão social. A partir daquela década, levas de brasileiros pobres, desempregados, sem perspectivas de melhoria de vida, decidiram abandonar o país para tentar a sorte no exterior, podendo-se identificar os focos principais de atração. De um lado, os Estados Unidos, como uma grande economia aberta e receptiva a todos os tipos de migrantes passou a acolher número relativamente elevado de brasileiros de todas as regiões do país e de diferentes origens sociais, com algum predominância do interior e de camadas mais modestas. Por outro lado, descendentes de terceira geração da comunidade japonesa, sobretudo de São Paulo e Paraná, resolveram tentar a sorte na pátria de origem de seus pais ou avós. Uma terceira leva se dirigiu à Europa, sobretudo Portugal e outros países latinos, dados os vínculos familiares de origem, famílias de Portugal, da Itália ou de outros países.
Nos anos 1990 ou início do novo milênio, esse número já deveria ter alcançado cerca de 3 milhões de brasileiros instalados no exterior, número que cresceu nos anos recente. Digo deveria, pois não existem dados precisos a respeito, uma vez que eles não necessariamente se inscrevem nos consulados brasileiros. A partir da primeira década deste século, a política do Itamaraty passa a atribuir maior importância ao apoio consular e ao trabalho de acompanhamento desses brasileiros que decidiram emigrar. Conferências de Brasileiros no Exterior são organizadas a partir desse momento, com um trabalho preliminar dos consulados brasileiros, desde os anos 1990 no sentido de constituir Conselhos de Cidadãos Brasileiros nas localidades de maior concentração. Essas localidades são a costa leste dos Estados Unidos, num arco que vai de Nova Jersey a Massachusetts, mais a Flórida e pontos específicos em outras regiões, no Texas, por exemplo, e a Califórnia. Na Europa, Portugal, Itália, Espanha, França e alguns outros países. E, no Japão, a região que cobre as localidades de Nagoia, Osaka, Hamamatsu e Tóquio, onde estão concentradas muitas indústrias.
2) Esses números veem aumentando?
Entre 2012 e 2014 esse número certamente cresceu, a taxas regulares, depois de um ligeiro decréscimo nos Estados Unidos, o principal foco de atração, com a crise econômica de 2008. Os países de maior concentração de brasileiros no exterior são, pela ordem: os Estados Unidos, com 50% do total, acima de 1,5 milhão. Depois temos o Japão, com mais de 200 mil brasileiros, seguido de perto pelo Paraguai, um destino tradicional de agricultores brasileiros desde várias décadas. Portugal, na Europa, concentra o maior número de brasileiros, provavelmente mais de 200 mil atualmente. Também a Espanha, o Reino Unido, a Alemanha, a Itália, a França, a Suíça e a Bélgica possuem comunidades expressivas. Na América do Sul, a Argentina também atraiu número expressivo de emigrantes brasileiros. Até a Austrália e o Canadá atrairam número significativo de brasileiros. No total, o número de brasileiros no exterior, atualmente, pode ter ultrapassado 4 milhões de cidadãos, o que caberia confirmar.
3) Por que esse aumento?
O fenômeno migratório mundial está sempre associado a crises – guerras, recessões econômicas – ou à busca de novas oportunidades em países que se mostram atrativos no plano do emprego, do aumento de renda, da segurança pessoal. O Brasil não escapou a esses processos, seja como foco de atração de imigrantes pobres da Europa, agricultores em grande medida, entre o final do século 19 e as primeiras décadas do século 20. Nos anos 1930, e na imediata sequência da Segunda Guerra Mundial, o Brasil ainda atraiu muitos refugiados europeus e alguns japoneses, mas esse fluxo praticamente cessou a partir dos anos 1960. Vinte anos depois, foi o Brasil que, paradoxalmente, começou a “exportar” brasileiros, em virtude da crise econômica e das maiores facilidades de viagens e comunicações. Esse movimento não cessou, e de certa forma aumentou nos últimos anos, com a maior recessão de nossa história econômica, o aumento da delinquência, do banditismo ordinário, mas também da corrupção e das grande dificuldades para o empreendedorismo econômico, uma vez que o Brasil é um país asfixiado por uma burocracia infernal e por uma carga tributária extorsiva.
4) Além do Japão, quais são os principais destinos em alta?
O Japão atraiu sobretudo os descendentes de japoneses, os nisseis, os sanseis, que são ali chamados de “decasséguis”. Eles já foram superiores a 200 mil em número, mas atualmente esse número decresceu, em virtude da persistente crise japonesa e o fato da transferência de muitas empresas japonesas para o exterior, em outros países da Ásia. Esse número, no entanto, representa menos de um quinto, talvez menos, do total de brasileiros residindo legal ou ilegalmente nos Estados Unidos, que nos últimos anos passaram a atrair também cidadãos de classe média, um fenômeno diferentes daqueles brasileiros mais pobres que saíram na qualidade de “refugiados econômicos”. Em nossos dias, é comum encontrar, nos Estados Unidos e na Europa, brasileiros de formação superior, até empreendedores e quadros de alta qualificação. Muitos fizeram estudos de pós-graduação no exterior, e possuem contatos diretos com eventuais empregadores, no setor privado ou no ambiente acadêmico e de pesquisa científica.
5) Mesmo com visto, o imigrante brasileiro ainda é visto como imigrante?
Provavelmente sim, pois se trata de um fenômeno recente, um fluxo que ainda não teve tempo de se consolidar em comunidades perfeitamente integradas ao ambiente local, como pode ter ocorrido, por exemplo com os grandes fluxos de emigrantes europeus que se mudaram definitivamente para o Novo Mundo, sobretudo nos Estados Unidos, na Argentina e no próprio Brasil. Italianos, irlandeses, britânicos e muitos outros residentes de regiões afetadas por guerras e conflitos, inclusive os refugiados políticos de regimes comunistas, na Europa central e oriental, da China e do Vietnã, se deslocaram para os Estados Unidos e para a Europa. Atualmente, há muitos refugiados de guerras no Oriente Médio e refugiados econômicos da África, da Ásia e mesmo da América Latina. Os brasileiros, por serem ainda de migração recente, não tiveram tempo, talvez, de criar comunidades mais estáveis, mas isso já é o caso de diversas localidades nos Estados Unidos, na costa leste da Nova Inglaterra, na Flórida e em outras regiões. Em Portugal também a presença já se firmou definitivamente, inclusive facilitada por acordos especiais entre o Brasil e Portugal em várias áreas sociais.
6) Existem dados sobre os brasileiros que decidem retornar ao Brasil?
Os dados são sempre parciais e limitados, a despeito de o Ministério das Relações Exteriores, por meio da sua área consular, ter criado um programa para facilitar o retorno desses brasileiros desejosos de se instalar novamente no Brasil. Os fluxos e refluxos são mais importantes a partir dos Estados Unidos e do Japão.
7) Qual a interpretação desse retorno?
Ele se dá por diferentes motivos: saudades do Brasil, laços familiares que precisam ser renovados, ou dificuldades de adaptação no país de acolhimento, além de crises econômicas que redundam em desemprego. Certo número desses retornados é composto de ilegais, o que os torna especialmente frágeis em face das autoridades migratórias e, obviamente, para conseguir empregos de qualidade. Pode-se até mesmo especular sobre o sucesso de muitos deles: deixaram família, parentes, em seus locais de origem e foram ganhar algum dinheiro durante certo tempo e países de altos salários, fazem poupança e retornam para dar início a algum negócio próprio, para comprar uma casa e colocar a sua vida financeira em ordem.
O próprio Brasil, nos últimos anos, se tornou terra de acolhimento de imigrantes da própria região ou da África, sendo expressivo, nos dois últimos anos, o fluxo maciço de venezuelanos escapando da brutal crise econômica vigente no país vizinho, carente de remédios, de comida, de oportunidades de ascensão ou de simples estabilidade econômica. Países acolhedores de imigrantes são, em geral, economias dinâmicas, ao passo que aqueles que “exportam” os seus nacionais estão em declínio econômico ou são ditaduras.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de maio de 2018
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