1107. “Capital Humano Estratégico: Proposta modesta para mudar o país via ‘indústria’ dos recursos humanos”, Washington, 7 setembro 2003, 2 p. Reflexões sobre o sentido de escolhas estratégicas para o desenvolvimento do país. Encaminhado ao chefe do NAE.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2/09/2018
Capital Humano Estratégico
Proposta modesta para mudar o país via “indústria” dos recursos humanos
Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1106: 7 setembro 2003
O governo definiu, nas instâncias apropriadas (Núcleo de Assuntos Estratégicos), áreas prioritárias de trabalho para reflexão interna, consultas externas e a preparação ulterior de medidas tópicas ou políticas setoriais voltadas para a capacitação tecnológica e a competitividade da economia brasileira. Elas se situam, numa lista não extensiva, na área de biotecnologia, de nanotecnologia, de novos materiais e algumas outras áreas identificadas com as chamadas tecnologias de fronteira.
Não pretendo, nesta nota, avançar opiniões de natureza substantiva sobre tais campos de ação, mas tão simplesmente formular, por um lado, critérios de avaliação de políticas setoriais governamentais e, por outro, sugerir uma linha de ação que me parece relevante no trabalho de um governo comprometido com a mudança social.
Quanto aos métodos, em primeiro lugar, creio que a seleção e a definição de políticas específicas para setores considerados relevantes para o progresso tecnológico e industrial do Brasil deveriam considerar alguns critérios de natureza geral (ou horizontal) na formulação oportuna das políticas sugeridas.
Esses critérios poderiam ser os seguintes:
1) Efeitos distributivos do projeto ou política, ou o impacto social da melhoria técnica;
2) Seu impacto de mercado, ou seja, aumento da competição no sistema como um todo;
3) Eficiência governativa: transparência na utilização de recursos, participação social;
4) Maior inserção internacional resultante da implementação do projeto, ou sua adequação a um sistema aberto e interdependente.
Quanto à definição das áreas de trabalho, em segundo lugar, creio que o enfoque “produtivista” na seleção dos campos de trabalho do NAE é importante, mas talvez não seja o único, nem deva ser o exclusivo. Ele pode por exemplo significar a continuidade dos padrões de atuação do Estado brasileiro nos campos da “regulação” e “indução” econômicas nos últimos 50 anos ou mais, ou seja, o estímulo ao desenvolvimento industrial via injeções de capital ou “facilidades” de mercado (creditícias, fiscais, de tipo comercial, como tarifas, etc.) para os setores considerados “estratégicos”: antes a siderurgia, depois o complexo automobilístico, mais adiante as indústrias intermediárias e de bens de capital, agora as novas tecnologias da terceira revolução industrial.
Ora, a manutenção dessas antigas linhas de atuação e a preservação dos mesmos mecanismos de “intervenção” do Estado na economia não necessariamente farão uma real diferença em termos de seu impacto social imediato, que é o que se espera de um governo comprometido com a transformação da situação de pobreza relativa e das desigualdades distributivas persistentes na sociedade brasileira. Os economistas parecem ter chegado a um quase consenso metodológico e substantivo sobre a importância do capital humano para o desenvolvimento econômico com distribuição de renda.
Desejo em conseqüência argumentar em favor de uma abordagem pela via do capital humano como foco de trabalho “estratégico”. Todos os problemas de iniquidade social e de renda existentes no Brasil parecem ser derivados da baixíssima capacitação técnica e educacional da população brasileira, o que justificaria amplamente uma atenção especial nessa área. Não estou pensando, contudo, na aceleração dos programas de apoio à pesquisa e desenvolvimento ou sequer à pesquisa científica e tecnológica de modo amplo. De meu ponto de vista, não há nada mais estratégico do que educação, e quando me refiro à educação estou excluindo a universidade e privilegiando exclusivamente o setor primário público. Pode-se estender a ação ao ciclo médio e técnico-profissional, mas o essencial precisa ser mesmo feito no ciclo elementar. Uma escola pública de qualidade na fase de entrada nos estudos pode fazer a diferença em termos de melhoria dos padrões de vida assim como do perfil distributivo da população. Esse esforço deveria começar e ser continuado quase que inteiramente no plano da formação de professores e suas condições de trabalho. Pode demorar um pouco para produzir resultados, mas é a única “receita” segura para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
No plano mais imediato e como “expediente” para evitar ainda mais a erosão dos padrões distributivos e das condições de sociabilidade geral, recomendaria um programa ativo e direcionado para certas camadas e regiões na área de controle da natalidade, o meio mais rápido para prevenir a deterioração da situação de vida dos estratos mais pobres. A Igreja poderá não apreciar essa política, mas o governo não poderia se deixar guiar por considerações religiosas numa área de alta importância econômica e social.
Paulo Roberto de Almeida
Washington, 7 setembro 2003
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