domingo, 10 de fevereiro de 2019

Destruindo a educação - Joel Pinheiro da Fonseca

A deseducação galopante brasileira - Joel Pinheiro da Fonseca (Exame)

A educação brasileira merece mais que a paranoia do MEC
Os jovens não estão aprendendo conteúdo “de esquerda”. Eles não estão aprendendo conteúdo nenhum
Por Joel Pinheiro da Fonseca
Exame, 7 fev 2019

Relegar o ministério da educação a tamanha indigência técnica não tem efeitos sensíveis de curto, mas no longo prazo 

Dentre os diversos grupos que compõem o governo Bolsonaro, de maneira nem sempre harmônica, o pior e mais perigoso deles é o núcleo olavista, que compreende as indicações ligadas ao ideólogo Olavo de Carvalho, que tem ascendência sobre Carlos e Eduardo Bolsonaro e, portanto, influencia o presidente. Trata-se do ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, e o ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez.
Araújo trouxe uma visão de mundo nacionalista para o Itamaraty, que pretende colocar o Brasil na condição de um cruzado dos tempos modernos, preparando-se para uma guerra santa contra o mundo árabe e a China, sempre a reboque dos interesses norte-americanos. Nisso, contraria diretamente nossa tradição diplomática de independência, diálogo e paz, além de comprometer muitos de nossos interesses econômicos (afinal, China e países árabes são importantes parceiros comerciais).
Por isso mesmo, tem sofrido a constante oposição da ala militar do governo, especialmente do vice General Mourão e do ministro da segurança institucional, General Heleno. Os militares compõem alguns dos melhores quadros do governo e enfrentam o nacionalismo autodestrutivo do chanceler com um patriotismo realista e de pés no chão. Graças ao posicionamento firme dos militares, Araújo está cada vez mais apagado, mal tendo aberto a boca desde o Forum Econômico Mundial.
O ministro da educação, por outro lado, não tem ainda uma oposição vocal dentro do governo. Mas o mal que ele pode fazer ao Brasil é tão grande ou ainda maior que um posicionamento desastrado em política externa. A cada nova declaração sua vai ficando claro que Bolsonaro nomeou – por indicação direta de Olavo de Carvalho – um intelectual de direita que carece de qualquer conhecimento do sistema de ensino brasileiro e de seus desafios.

Gafes e declarações mal pensadas não me preocupam muito – por exemplo, a atribuição de uma citação errônea a Cazuza ou a crítica casual aos brasileiros que viajam ao exterior. O que é digno de preocupação são as declarações (pois até agora a única coisa que temos do ministro são palavras) que revelam uma visão profundamente torta de nossa educação e uma mentalidade paranóica acerca da sociedade e de seus críticos.
Vélez Rodríguez acredita que o grande mal da educação brasileira é o excesso de ideologia em sala de aula. Seu projeto é restaurar as aulas de educação moral e cívica e instaurar o projeto escola sem partido para perseguir professores de esquerda. Tem nomeado em seu ministério seguidores de Olavo de Carvalho cujo grande mérito foi ter escrito em blogs e redes sociais, desconhecendo completamente o ensino brasileiro. Quando um jornalista o critica, a reação é atacar a mídia, que também faria parte do plano comunista para destruí-lo.

O problema do ensino no Brasil é nossa incapacidade de ensinar crianças e jovens os conteúdos e ferramentas essenciais para que possam pensar por conta própria e exercer sua cidadania com um mínimo de conhecimento e noção da realidade. Os jovens não estão aprendendo conteúdo “de esquerda”. Eles não estão aprendendo conteúdo nenhum.
O governo Temer, que não tinha a educação como um foco, ainda assim foi capaz de implementar uma reforma do ensino médio que trata dessa lacuna e caminha na direção correta, direcionando mais tempo para os conteúdos fundamentais (português, matemática) que hoje são negligenciados em meio a uma grade curricular antes engessada e inflada.
Existem projetos ambiciosos para a educação brasileira, baseados em números e na experiência de professores, diretores, economistas e pedagogos. Penso, por exemplo, no pacote de propostas intitulado “Educação Já”, elaborado pela ONG Todos Pela Educação. Ali estão propostas como o ensino em tempo integral, a reorganização da carreira do professor, alterar os mecanismos de financiamento do ensino básico de forma a estimular as melhores práticas, focar na alfabetização, universalizar a educação infantil, etc. São medidas que exigirão uma verdadeira reforma no ensino, mas que podem ter resultados reais, tirando-nos das notas vergonhosas que temos nos exames internacionais e dos índices deprimentes de letramento e numeração com que convivemos.
Vélez Rodríguez não se interessa por nada disso. Ele quer é lutar contra Paulo Freire, elogiar Olavo de Carvalho e tecer loas aos heróis oficiais de nossa história. Como tantos conservadores, que cultivam alguma sofisticação e profundidade em sua obra intelectual, quando são chamados a lidar com o mundo real revertem para o reacionarismo mais histérico e caricato, vendo em jornalistas críticos agentes da KGB.

Relegar o ministério da educação a tamanha indigência técnica não tem efeitos sensíveis de curto prazo. Não é como colocar um despreparado no ministério da economia (no qual, felizmente, Bolsonaro colocou um bom nome), que em poucos meses quebraria o Brasil. Seu efeito é menos sensível, mais duradouro e mais insidioso, pois vai tirando de sucessivas gerações de jovens o direito a uma vida mais consciente e plena. Numa visão responsável e de longo prazo, a educação é uma das principais prioridades do país. Não merece, portanto, ficar em mãos inaptas para os enormes desafios que tem pela frente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.