Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
terça-feira, 14 de abril de 2020
A insustentável estratégia da diplomacia brasileira - Hussein Kalout
Paulo Roberto de Almeida
A insustentável estratégia da diplomacia brasileira
Políticos, diplomatas, militares, acadêmicos e empresários imaginaram que a realidade iria servir como barreira natural para a nova doutrina das relações exteriores do País. Se enganaram.
Hussein Kalout
O Estado de S.Paulo, 13 de abril de 2020
Desde que o presidente Jair Bolsonaro venceu a eleição presidencial de 2018, foi exibido ao teatro político nacional uma inédita moldura de como o Brasil pretendia defender os seus interesses estratégicos e projetar o seu poder nas relações internacionais.
Apesar das desconfianças e da perplexidade com a heterodoxia da nova orientação da “política exterior” do País, políticos, diplomatas, militares, acadêmicos e empresários imaginaram que a realidade iria servir como barreira natural de contenção para as descalibradas aventuras que se prenunciavam e o pragmatismo, logo acabaria, com o tempo, predominando sobre a frívola proposta que foi apresentada à Nação.
O novo corolário doutrinário das relações exteriores do País trazia consigo um equívoco de concepção: desprezar na largada os tabuleiros de fácil e imediata maximização dos interesses nacionais em troca da projeção de hipotéticas vitórias em tabuleiros mais volúveis e de alta complexidade – e isso, obviamente, sem os necessários recursos que delimitam o poder real de dissuasão de um país.
China e EUA foram transformados em dilema. O presidente, durante a campanha e após a campanha, não poupou esforços para atacar um país e louvar o outro. O inquilino da Casa Branca tornou-se referência moral e padrão estratégico a ser seguido pelo Palácio do Planalto. Até os erros, inertemente, são macaqueados.
No marco dessa difusa equação, a reafirmação de lealdade a esse alinhamento passou a estar consubstanciado no constante antagonismo com a China, na agressividade retórica na América do Sul e no abandono do equilíbrio dos temas médio orientais.
O bolsolavismo acreditava que poderia modular duas narrativas, que, apesar de ambivalentes, poderiam funcionar sem custo diplomático. Erro crasso! Em seu torpe ideário, provocar um choque frontal com os chineses serviria a dois propósitos: 1) alimentar os ignorantes agitadores digitais de sua bolha ilusória nas redes sociais; e 2) reforçar os laços com Washington de aliado obediente e comprometido com a causa anti-China. A sua turva visão não alcançou, até o momento, a compreensão de que os EUA querem seguidores e não sócios na partilha de qualquer espólio comercial envolvendo o mercado chinês.
Irritar a China publicamente e contemporizar os danos nos bastidores – para capitalizar com americanos e aplacar a ira dos chineses – é uma estratégia falida. É como caminhar no fio da navalha com uma granada na cintura.
Os bolsolavistas não sopesaram em seus cálculos a virulência da reação chinesa. Julgaram que o pragmatismo chinês amorteceria a sua infantilidade institucional e o que prevaleceria, ao fim e ao cabo, são os negócios – puxados sempre pelos competentes adultos do Ministério da Agricultura e pela prudência dos generais.
O governo Bolsonaro criou um falso e desnecessário dilema para definir o papel do Brasil no contexto das relações do Brasil-China-EUA. Elevar as relações entre Brasília e Washington ao patamar de uma parceria estratégica – ou mesmo uma aproximação nos termos imaginados por Bolsonaro – não deveria excluir a expansão da relação política e comercial com Pequim. Uma agenda profícua com a China não deveria implicar, por outro lado, distanciamento dos EUA.
Para jogar no tabuleiro geoestratégico em meio às duas superpotências mundiais – cujos recursos de poder são superiores aos nossos –, o Brasil precisa ter clareza das consequências. Atacar Pequim, sem ter para onde escoar as suas commodities e sem saber como substituir os investimentos no setor energético e de infraestrutura do País, é de um amadorismo atroz.
Enquanto o bolsolavismo não quebrar a criptografia das regras de engajamento que regulam as relações sino-americanas, é melhor o Brasil manter uma distância segura em relação a esse embate.
A diplomacia do governo Bolsonaro não dá sinal de querer ser governada pela razão, pelo pragmatismo ou em defesa dos interesses estratégicos do País, mas, sim, monetizar em votos apoiadores fanáticos a serviço de seu projeto de poder – mesmo que isso arruine a relação do Brasil com China, França, Alemanha, Argentina ou o inimigo fabricado da vez.
HUSSEIN KALOUT, 43, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018) e atuou como consultor das Nações Unidas e do Banco Mundial. Escreve semanalmente, às segundas-feiras.
Um comentário:
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.
ResponderExcluirSérgio Vieira de Mello (diplomata brasileiro 'in memoriam'):
https://news.google.com/stories/CAAqOQgKIjNDQklTSURvSmMzUnZjbmt0TXpZd1NoTUtFUWpYX3B5X2tvQU1FZVNhNmdPYWxCMkhLQUFQAQ?hl=pt-BR&gl=BR&ceid=BR%3Apt-419