terça-feira, 14 de abril de 2020

A insustentável estratégia da diplomacia brasileira - Hussein Kalout

A diplomacia olavo-bolsonarista é de uma incompetência tão atroz, tão estúpida e tão nefasta, do ponto de vista dos interesses nacionais, que sequer o conceito clássico de “alinhamento automático” serve para caracterizar sua submissão abjeta aos interesses pessoais do presidente Trump. Alinhamento com o quê? Não aos Estados Unidos, que tampouco possuem uma política externa definida, racional; o que prevalece nos EUA são os instintos primitivos do pior presidente americano, assim como também não temos NENHUMA política externa, apenas os instintos primitivos do pior presidente da nossa história. O que existe é um adesismo sabujo ao personagem, exemplificado pelo boné “Trump 2920” do inepto 03 — que nunca ouviu falar de Kissinger —, a quem se submete vergonhosamente o chanceler acidental.
Paulo Roberto de Almeida

A insustentável estratégia da diplomacia brasileira
Políticos, diplomatas, militares, acadêmicos e empresários imaginaram que a realidade iria servir como barreira natural para a nova doutrina das relações exteriores do País. Se enganaram.  
Hussein Kalout 
O Estado de S.Paulo13 de abril de 2020

Desde que o presidente Jair Bolsonaro venceu a eleição presidencial de 2018, foi exibido ao teatro político nacional uma inédita moldura de como o Brasil pretendia defender os seus interesses estratégicos e projetar o seu poder nas relações internacionais. 

Apesar das desconfianças e da perplexidade com a heterodoxia da nova orientação da “política exterior” do País, políticos, diplomatas, militares, acadêmicos e empresários imaginaram que a realidade iria servir como barreira natural de contenção para as descalibradas aventuras que se prenunciavam e o pragmatismo, logo acabaria, com o tempo, predominando sobre a frívola proposta que foi apresentada à Nação. 

O novo corolário doutrinário das relações exteriores do País trazia consigo um equívoco de concepção: desprezar na largada os tabuleiros de fácil e imediata maximização dos interesses nacionais em troca da projeção de hipotéticas vitórias em tabuleiros mais volúveis e de alta complexidade – e isso, obviamente, sem os necessários recursos que delimitam o poder real de dissuasão de um país. 

China e EUA foram transformados em dilema. O presidente, durante a campanha e após a campanha, não poupou esforços para atacar um país e louvar o outro. O inquilino da Casa Branca tornou-se referência moral e padrão estratégico a ser seguido pelo Palácio do Planalto. Até os erros, inertemente, são macaqueados.

No marco dessa difusa equação, a reafirmação de lealdade a esse alinhamento passou a estar consubstanciado no constante antagonismo com a China, na agressividade retórica na América do Sul e no abandono do equilíbrio dos temas médio orientais.  

O bolsolavismo acreditava que poderia modular duas narrativas, que, apesar de ambivalentes, poderiam funcionar sem custo diplomático. Erro crasso! Em seu torpe ideário, provocar um choque frontal com os chineses serviria a dois propósitos: 1) alimentar os ignorantes agitadores digitais de sua bolha ilusória nas redes sociais; e 2) reforçar os laços com Washington de aliado obediente e comprometido com a causa anti-China. A sua turva visão não alcançou, até o momento, a compreensão de que os EUA querem seguidores e não sócios na partilha de qualquer espólio comercial envolvendo o mercado chinês.  

Irritar a China publicamente e contemporizar os danos nos bastidores – para capitalizar com americanos e aplacar a ira dos chineses – é uma estratégia falida. É como caminhar no fio da navalha com uma granada na cintura.

Os bolsolavistas não sopesaram em seus cálculos a virulência da reação chinesa. Julgaram que o pragmatismo chinês amorteceria a sua infantilidade institucional e o que prevaleceria, ao fim e ao cabo, são os negócios – puxados sempre pelos competentes adultos do Ministério da Agricultura e pela prudência dos generais.  

O governo Bolsonaro criou um falso e desnecessário dilema para definir o papel do Brasil no contexto das relações do Brasil-China-EUA. Elevar as relações entre Brasília e Washington ao patamar de uma parceria estratégica – ou mesmo uma aproximação nos termos imaginados por Bolsonaro – não deveria excluir a expansão da relação política e comercial com Pequim. Uma agenda profícua com a China não deveria implicar, por outro lado, distanciamento dos EUA. 

Para jogar no tabuleiro geoestratégico em meio às duas superpotências mundiais – cujos recursos de poder são superiores aos nossos –, o Brasil precisa ter clareza das consequências. Atacar Pequim, sem ter para onde escoar as suas commodities e sem saber como substituir os investimentos no setor energético e de infraestrutura do País, é de um amadorismo atroz.

Enquanto o bolsolavismo não quebrar a criptografia das regras de engajamento que regulam as relações sino-americanas, é melhor o Brasil manter uma distância segura em relação a esse embate.

A diplomacia do governo Bolsonaro não dá sinal de querer ser governada pela razão, pelo pragmatismo ou em defesa dos interesses estratégicos do País, mas, sim, monetizar em votos apoiadores fanáticos a serviço de seu projeto de poder – mesmo que isso arruine a relação do Brasil com China, França, Alemanha, Argentina ou o inimigo fabricado da vez.

HUSSEIN KALOUT, 43, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018) e atuou como consultor das Nações Unidas e do Banco Mundial. Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

Um comentário:


  1. Sérgio Vieira de Mello (diplomata brasileiro 'in memoriam'): 
    https://news.google.com/stories/CAAqOQgKIjNDQklTSURvSmMzUnZjbmt0TXpZd1NoTUtFUWpYX3B5X2tvQU1FZVNhNmdPYWxCMkhLQUFQAQ?hl=pt-BR&gl=BR&ceid=BR%3Apt-419 

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