O Brasil possui elites, ou pelo menos uma elite?
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Uma reflexão histórico-sociológica sob a forma de uma dúvida existencial.
Dificilmente se pode dizer que temos, que tivemos, ou que possamos ter, uma elite, na acepção estrita do termo.
Na verdade, o que temos, o que tivemos, de mais frequente, são ou foram oligarquias diversas, que se sucedem, se alternaram no poder, com outras oligarquias que apareceram, ou algumas que voltam, sob outras formas.
Por exemplo: a oligarquia escravocrata no Império, a do café com leite no começo da República, a urbano-industrial com os militares modernizadores dos anos 1930 aos 80, novamente a do agronegócio desde então, junto com o próprio mandarinato estatal e o estamento político, e assim vai.
Elites mesmo, ou uma elite, são, e foram, entidades ou categorias inexistentes na história do Brasil.
Oligarquias, apenas oligarquias setoriais, são o que sempre tivemos, na mais pura acepção do conceito!
Isso é ruim?
Pode ser, e é, ao não se ter uma visão abrangente e unificada dos interesses nacionais, mas apenas interesses parciais, setorizados, de interesses grupais, tribais, corporativos, que, cada uma dessas oligarquias temporariamente dominantes, puxam a brasa para a sua sardinha, ou seja, fazem planos e desviam recursos para si próprias, em lugar de pensar no que falta para ultrapassarmos certas barreiras ao desenvolvimento econômico e social inclusivo e abrangente da nação (outra coisa que não tenho certeza que somos).
Por exemplo: nunca tivemos uma oligarquia que favorecesse a educação de massa de qualidade, apenas projetos setoriais para a qualificação educativa dos setores temporariamente dominantes em cada uma das fases acima mencionadas.
Em consequência, nossa produtividade do capital humano sempre foi medíocre, dada a ignorância que sempre grassou entre as massas. O Brasil, por exemplo, só atingiu o nível de escolarização (taxa de matrícula no primário, para a faixa etária dos 7 aos 11 anos) que os paises mais avançados — Estados Unidos ou Alemanha, entre outros — já exibiam no INÍCIO do século XIX quase ao final do século XX, ou seja, 150 anos depois (e isso unicamente do ponto de vista quantitativo, isto é ,o enrollment rate, a taxa de matrícula, sem mencionar a gigantesca defasagem do ponto de vista qualitativo.
Como é que se pode desenvolver um país— e retirá-lo das garras do populismo demagógico e excludente — sem educação de massa de qualidade?
Impossível!
Aliás, até hoje, 200 anos depois da independência, não conseguimos, as oligarquias não conseguiram, criar um sistema de educação de massa de qualidade: as “elites” temporariamente dominantes trataram apenas da qualificação educacional dos seus setores, das suas próprias famílias; o povão inculto continuou inculto.
Existe alguma chance de termos uma “oligarquia educacional” no Brasil?
Dificilmente. A oligarquia mais funcional que tivemos, a dos militares modernizadores dos anos 1930 aos 80, criou uma escola pública razoavelmente funcional, mas apenas para a classe média urbana, deixando a maior parte dos pobres urbanos e a imensa maioria das populações rurais de fora de qualquer sistema educacional decente. Quando esse restrito arquipélago de escolas republicanas começou a ruir, sob o peso da urbanização e da massificação democrática de meados dos anos 1960, a classe média emigrou para o sistema escolar privado, e deixou a massa dos pobres urbanos e rurais ao relento, senão no completo abandono. Os militares investiram mundos e fundos na educação dd terceiro grau e na pós-graduação, que era o que faltava para os filhos das oligarquias dominantes no último grande impulso modernizador, que tivemos dos anos 1950 aos 80.
Foi só: depois dos anos 1980 fomos dominados por oligarquias atrasadas, e cada vez mais tacanhas, o que deixou o Brasil entregue a um estamento político fragmentado em interesses setoriais exclusivis e excludentes. Os pobres continuaram ao relento, servindo apenas de massa de manobra eleitoral.
A classe média não teve força, capacidade ou tirocínio para formular um projeto de desenvolvimento abrangente que favorecesse sobretudo os mais pobres, inclusive porque estava principalmente ocupada em defender das ondas de hiperinflação criadas e exacerbadas pelo desenvolvimentismo nacionalista e protecionista favorecido pelas oligarquias militares, industriais e depois corporativas-sindicalistas ou do agronegócio, que assumiram o poder a partir dos anos 1960 e que se perpetuaram desde então.
Ainda estamos nisso, com oligarquias e corporações dominantes que se digladiam na luta pelos recursos públicos sempre exíguos, despojos do Estado cobiçados pelos diversos setores e categorias do estamento político, representantes atrasados, intelectualmente medíocres, que se apropriaram do Estado, junto com os próprios mandarins estatais nas últimas décadas. Dentre estes últimos ressalte-se a aristocracia do Judiciário, a mais voraz na captura de recursos públicos derivados do orçamento da República.
Vamos conseguir ter uma elite nacional modernizadora, progressista, esclarecida, nos próximos anos? Desculpem, mas sou cético, moderadamente cético, ao contemplar o que temos no país e à nossa volta. Não por deformação étnica ou cultural, mas pelo peso das instituições que nós mesmos criamos, desde a independência, mecanismos de controle social e político tipicamente oligárquicos, não elitistas (no bom sentido do conceito).
A América Latina melhorou muito nos últimos 200 anos? Certamente, no plano absoluto das conquistas materiais de cunho quantitativo. No plano relativo das conquistas qualitativas avançamos muito pouco, e com isso fomos superados ou distanciados no confronto com outras sociedades ou nações.
Trata-se de uma maldição? Certamente que não! Apenas a falta de elites, ou de uma elite!
Vamos conseguir nos próximos anos?
Provavelmente não, apenas em mais algumas décadas.
É o tempo que levará para termos uma educação de massas de qualidade, pois é delas que poderá sair uma elite consciente das necessidades do país.
Estamos a caminho?
Ainda não. Mas chegará, um dia.
Pelo menos espero.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 451, 6 agosto 2023, 3 p.
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