terça-feira, 5 de dezembro de 2023

A ameaça venezuelana - Editorial, O Estado de S. Paulo

A ameaça venezuelana

Editorial, O Estado de S. Paulo (05/12/2023)

Lula deveria usar sua proximidade com Nicolás Maduro para convencê-lo a não agredir a Guiana

Regimes ditatoriais são ávidos em explorar paixões nacionalistas como meio de sobreviver, em especial quando desafiados pelos desastres que engendraram. Não é diferente na Venezuela de Nicolás Maduro. Ao iniciar a construção de uma segunda base militar na fronteira leste e conduzir, no último domingo, a farsa de um plebiscito sobre a anexação de 70% do território da Guiana, o autocrata bolivariano deslanchou a primeira ameaça bélica na América do Sul desde 1991. Do episódio, salta à vista a inação do Brasil. Em vez de advertir claramente o vizinho sobre os riscos de uma aventura regional desestabilizadora, o presidente Lula da Silva limitou-se a dizer que a América Latina “não precisa de confusão”.

Não se trata de “confusão”, e sim de ameaça explícita de agressão à Guiana por parte da Venezuela, que inventou uma consulta popular obviamente fajuta para revestir de legitimidade sua reivindicação territorial. Como já fez no caso do ataque injustificado da Rússia contra a Ucrânia, Lula da Silva tratou a ameaçadora Venezuela e a ameaçada Guiana como se fossem igualmente responsáveis pela “confusão”. Segundo o presidente brasileiro, é preciso que “o bom senso prevaleça do lado da Venezuela e da Guiana”. Ora, só há falta de bom senso de um lado, o da Venezuela do “companheiro” Nicolás Maduro.

Não há dúvidas sobre as más intenções do ditador venezuelano, que aceitou a realização de uma eleição presidencial aberta e monitorada em 2024 em troca da suspensão temporária de sanções pelos Estados Unidos. Nada indica que cumprirá esse acordo, celebrado em Barbados em outubro passado, dadas as travas de seu regime às candidaturas da oposição.

Nessa lógica, insuflar o nacionalismo, ao resgatar uma causa apoiada também por alguns de seus detratores, parece uma jogada característica de quem precisa recuperar a popularidade em meio à crise generalizada no país.

A Venezuela reivindica há dois séculos a soberania sobre Essequibo, uma faixa de 160 quilômetros quadrados no oeste da Guiana. Desdenha de arbitragens e acordos anteriores e, agora, de recentes orientações da Corte Internacional de Justiça. Não se pode abstrair o fato de a controvérsia ter sido pinçada por Maduro quando a Guiana se vê catapultada economicamente pela exploração petrolífera na região em disputa – e desguarnecida de força de defesa. Tampouco é possível ignorar o fato de o Brasil estar, literalmente, no meio do vespeiro. Porta de fuga de venezuelanos desesperançados, Roraima faz fronteira com ambos os países.

A circunstância geográfica, por si só, exige do Brasil uma posição neutra, equilibrada e ativa na busca de uma solução diplomática. Lula da Silva deveria usar sua condição de “companheiro” de Maduro para convencê-lo a desarmar os ânimos. A cada dia de imobilismo e de miopia diante dos arroubos de Maduro, porém, a Guiana se verá empurrada a buscar proteção militar nos EUA. A escalada é preocupante e requer do Estado brasileiro o dever estratégico nacional e regional de levar a Venezuela a manter a paz, o maior capital geopolítico da América do Sul.

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Grato a Augusto de Franco pela transcrição.


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