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sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Os interesses do Brasil e a ideologia - Rubens Barbosa (revista Interesse Nacional)

Rubens Barbosa: Os interesses do Brasil e a ideologia

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Editorial da revista Interesse Nacional, 8/12/2023

Decisões recentes do país colocam em contraste as posições do governo Lula e ações que beneficiariam a política externa do Brasil. Para embaixador, Lula deveria ir à posse de Milei, acordo Mercosul-EU deveria ir adiante,  Brasil deve evitar escalada entre Venezuela e Guiana, e ideia de governança para o clima é problemática.

Por Rubens Barbosa*

  • Novo governo argentino

Na posse do presidente Javier Milei no próximo domingo, o Brasil será representado pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Estará bem representado, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria ir a posse, depois do convite de Milei por carta entregue pela nova ministra Diana Mondino, que veio ao Brasil especialmente para isso.

O vice-presidente Geraldo Alckmin representou o Brasil na posse do presidente do Equador, mas não vai à posse do presidente argentino.

O que Milei disse sobre Lula durante a campanha foi resultado da interferência interna na eleição pelo PT, que enviou um grupo de marqueteiros para ajudar Massa contra Milei. Campanha é uma coisa, governo é outra. Lula não deveria passar recibo nem deixar que Bolsonaro apareça em Buenos Aires, sozinho como ex-presidente.

O presidente do Chile, de esquerda, vai comparecer à posse. Ideologia a parte, a relação entre Estados se impõe.

  • Reunião presidencial do Mercosul

A última reunião do Mercosul neste semestre, presidida pelo Brasil, planejada para ser um grande evento, foi concluída bastante esvaziada, no Rio.

Foi assinado o acordo de livre comércio com Cingapura e oficializada a admissão da Bolívia como membro pleno do Mercosul (haverá um período de transitado de três ano para que a legislação do Mercosul seja incorporada ao ordenamento jurídico boliviano, o que poderá durar mais do que esse período).

Foram anunciadas medidas de menor impacto, visando a modernização do subgrupo regional. O grande ausente foi o acordo de livre comercio com a União Europeia, e a grande presença foi a crise Venezuela-Guiana, com Lula oferecendo o Brasil para sediar as conversações entre os dois países e coordenando um comunicado pedindo uma solução negociada.

  • Acordo Mercosul-UE

A decisão do presidente Alberto Fernandes de não querer tomar a decisão de aprovar o acordo do Mercosul com a União Europeia, praticamente pronto para ser finalizado na reunião do Mercosul, adiou mais uma vez o final dessa novela que se arrasta por mais de 20 anos.

A declaração contrária de Macron não teve nada que ver com o postergamento do anúncio. Enquanto o presidente Lula continuou apostando na aprovação final do acordo e pediu e obteve o apoio do premiê da Alemanha, Scholz, o PT no Brasil considerou positivo o fim do acordo.

O assessor presidencial, Celso Amorim, contrariando a posição de Lula, disse que o acordo com a UE tem insuficiências sérias, oferece pouco e exige muito.

O acordo, com o apoio da Comissão Europeia, deverá ser finalmente aprovado logo após a posse de Milei – como indicado pela nova ministra do exterior argentina – em reunião do Mercosul, presidido pelo Paraguai.

O acordo é positivo porque põe fim ao isolamento do Mercosul e representa um avanço geopolítico importante.

Em seguida será concluído o acordo com a Area de Livre Comércio da Europa (EFTA). A abertura comercial para os produtos mais sensíveis do Brasil e do Mercosul somente terão suas tarifas reduzidas a zero daqui a dez anos, a tempo de a reindustrialização ganhar corpo e a redução do custo Brasil permitir o aumento da competitividade dos produtos industriais no mercado europeu.

  • Venezuela – Guiana

O referendo convocado por Maduro sobre a incorporação de 74% do território da Guiana, contestado por Caracas, teve o resultado esperado. Apoio de 94% à reivindicação venezuelana, unindo governo e oposição em torno dessa contestação.

O Brasil vem atuando nos bastidores para evitar uma confrontação militar que poderia trazer os EUA na defesa da Guiana, inclusive com a possibilidade de instalação de uma base militar na região. Por outro lado, mostrando suas limitações na defesa, o Ministério da Defesa anunciou que dobrou o contingente do Exército em Roraima (passou de 60 para 130 militares e enviou cerca de 28 veículos blindados, que levaram semanas para chegar).

Lula disse que o melhor é não ter confusão em nossa região.

Sem ameaçar uma próxima invasão na Guiana, Maduro pediu à Assembleia Nacional a criação do Estado de Essequibo no território contestado, elege interventor e divulga plano de exploração de petróleo, organizado pela PDVSA. Será montado um posto militar avançado em território venezuelano perto da fronteira para supervisionar o novo estado.

A Guiana, em função disso, pediu a convocação de emergência do Conselho de Segurança da ONU para examinar o assunto e está conversando com o governo americano. Os EUA se manifestaram alertando a Venezuela contra um eventual conflito e iniciaram exercícios militares aéreos na Guiana.

  • COP-28, Dubai

O presidente Lula, em inflamado discurso na COP-28, defendeu uma governança global para as questões ambientais. “Precisamos ter uma governança global para cuidar do planeta, porque se você toma uma decisão qualquer em benefício do mundo, e ela tiver que ser votada internamente pelo seu Congresso Nacional, significa que ninguém vai cumprir”.  

Para um país que é uma potência global em questões ambientais e em transição energética onde tem interesses concretos a defender, a criação de uma organização multilateral para regulamentar e acompanhar as questões climáticas e ambientais parece ir na direção contrária à defesa do interesse nacional, pois o Brasil perderia a capacidade de decidir seu rumo no tocante ao desenvolvimento econômico, a bioeconomia e a biodiversidade da Amazônia. No limite, poderia até haver decisões sobre a Amazônia que interfiram com a soberania do país.

A proposta de Lula será difícil de ser examinada seriamente, pois nem os EUA nem a China e nem a Europa aceitariam subordinar suas decisões internas a uma nova organização multilateral para tratar do meio ambiente e mudança do clima.



*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.




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