Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.
Legado econômico da ditadura
Com ajustes necessários, desempenho da economia brasileira no período militar foi mediano
É fato que houve piora do desempenho econômico no período democrático medido pelo crescimento do PIB per capita. Nesta coluna, avaliarei qual teria sido o custo, na forma de perda de desempenho econômico, que tivemos com a democracia.
Análises como esta servem para aquelas pessoas que argumentam que a redemocratização foi ruim pois a economia tinha um desempenho melhor na ditadura.
Se a pessoa pensa dessa forma, para ela, a democracia não é um valor fundamental. Para essa pessoa, a escolha do tipo de governo tem que ser feita de acordo com as consequências práticas deste ou daquele tipo de governo. Não é a minha visão, mas vou aceitar essa premissa e analisar os números com esse olhar.
Segundo os dados do Ipea, o crescimento brasileiro do produto per capita entre 1964 e 1984, considerando 1963 como base de comparação, foi de 3,9% ao ano. Para o período de 1985 até 2019 —deixei a fase da pandemia de fora—, foi de 1,2% ao ano. Houve, portanto, uma vantagem de 2,8 pontos percentuais por ano para a ditadura.
Note que mantive na conta a década perdida da ditadura, os anos 1980, e a década perdida da democracia, os anos de 2013 até 2022. Ambas tiveram uma componente internacional. Nos anos 1980, a elevação dos juros nos EUA; na última década perdida, a queda dos preços das commodities que ocorreu em duas etapas, em 2011 e 2014.
No entanto, o elevado grau de vulnerabilidade que demonstramos aos choques externos foi fruto de escolhas que fizemos internamente nos dois períodos. Com os militares, a decisão de endividar o país por meio de dívida em moeda estrangeira com juros flutuantes; no episódio mais recente, uma série de medidas —a mais importante delas
foi a mudança do marco regulatório do petróleo— que aumentaram muito a exposição da economia brasileira à queda dos preços internacionais das commodities.
Recentemente, em artigo publicado no terceiro fascículo de 2023 da Revista Brasileira de Economia, Edmar Bacha, Guilherme Tombolo e Flávio Versiani revisam os números da economia brasileira de 1900 até 1980. Com os novos números, o crescimento brasileiro ao longo do período ditatorial foi 1 ponto percentual menor do que a estatística que consta no Ipea. A vantagem da ditadura cai para 1,8 ponto percentual por ano.
A dificuldade de pararmos com o exercício por aqui é que a ditadura ocorreu em um período distinto daquele em que transcorreu a democracia. A economia mundial teve desempenho distinto.
Isto é, se imaginarmos um contrafactual em que a ditadura continuasse até agora, o crescimento não teria sido o mesmo. Qual teria sido o crescimento na ditadura se ela continuasse conosco?
Minha proposta é avaliarmos pela diferença entre o crescimento que tivemos na ditadura e a média do crescimento dos países na mesma época. Ou seja, a hipótese de meu exercício é que a diferença entre o comportamento do Brasil na ditadura em relação aos demais países naquele período se manteria até hoje. Considerarei como comportamento médio dos demais países o crescimento mediano de um conjunto de países que usarei como grupo de controle para a análise consequencialista do período ditatorial.
Considerei todos os países com informações disponíveis de PIB per capita de 1963 até hoje da base de dados de Maddison. Ajustei os números de Maddison para o Brasil à correção de Bacha, Tombolo e Versiani. O crescimento per capita brasileiro entre 1964 e 1984 foi de 2,4% ao ano, e o da mediana dos países da base de dados foi de 2,4%. Não houve uma clara vantagem da ditadura sobre a mediana das taxas de crescimento da base de Maddison.
Para o período democrático, o crescimento do Brasil foi de 1,9% ao ano, e o crescimento da mediana foi de 2,1%, uma diferença de 0,2 ponto percentual para pior.
Ou seja, a diferença da ditadura sobre o grupo de controle foi de 0,2 ponto percentual (0,2 + 0) maior que a diferença da democracia brasileira sobre o grupo de controle. Acumulada de 1985 até hoje, essa diferença gera um ganho de renda de 8%.
Parece muito pouco se levarmos em conta que o bem-estar de uma sociedade não depende só do ganho de renda, mas também da desigualdade, que certamente seria maior se a ditadura tivesse continuado até os dias de hoje.
Ou seja, nem o consequencialismo salva nossa experiência ditatorial.
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