Rivalidade Israel x Irã. Da Guerra por Procuração àConfrontação Direta
Os recentes ataques diretos armados entre Israel e Irã voltaram a inflamar o Oriente Médio, a provocar realinhamento geopolítico e a potencializar instabilidade global . Em retaliação ao bombardeio israelense de sua Embaixada em Damasco em 1º de abril, o Irã atacou diretamente Israel, com dezenas de mísseis e centenas de drones no dia 13 de abril. Essas duas investidas armadas romperam o padrão dashostilidades entre os dois países. Por primeira vez Israel foi vítima de investida militar lançada diretamente de Teerã contra seu território. De forma inédita, o Irã deixou de usar proxies do Eixo daResistência para atacar seu maior inimigo na região. Dia 18 de abril, apesar de apelos dos aliados, Israel alvejou instalações militares em território iraniano, em ataque considerado de baixa intensidade. Os dois países cruzaram o Rubicão, o risco de escalada continua elevado, e o mundo assiste inquieto o desdobramento do conflito entre as duas maiores potências bélicas do Oriente Médio.
Desde a vitória da Revolução, a política externa iraniana tem dois pilares – a sobrevivência da República Islâmica e o antiamericanismo. As monarquias conservadoras do Golfo sempre procuraram desestabilizar a República Islâmica e os EUA/Israel alimentaram idêntico propósito, com a política de regime change e com ataques à liderança dos Guardas Revolucionários. Em resposta, a estratégia iraniana consiste em alimentar grupos paramilitares, como Hezbollah, Hamas e Houthis, que atuam como seus procuradores – proxies – na desestabilização da região. Ao mesmo tempo, o outro pilar – o antiamericanismo – consiste e em hostilizar os EUA no Iraque, no Sul do Líbano, na Líbia e na Síria em pregar a destruição do Estado de Israel.
Ao longo de quarenta e cinco anos de existência da Revolução, o Irã se transformou na grande potência regional (com avançado programa nuclear) que rivaliza com Israel, e no player global aliado da China (como exportador de petróleo) e da Rússia (como fornecedor de armamento para a guerra na Ucrânia). Poucos anos antes da vitória da Revolução, o Irã era uma sociedade com 34 milhões de habitantes, sendo metade rural. Atualmente a população é de 80 milhões, 75 % urbana, metade dos universitários são mulheres, embora a taxa de desemprego seja o dobro da dos homens.
A consequência política dessas profundas transformações foi uma classe média emergente, com elevado nível educacional e altamente insatisfeita. Desde 1979, a cada dez anos, grandes movimentos de massa se insurgem contra a liderança religiosa e são violentamente massacrados. Isso levou Ali Vaeza assim caracterizar o atual regime. “ É uma teocracia que inadvertidamente secularizou a população. É uma república que demoliu a base participativa para legitimar seu poder.”
Esse país, atualmente dotado de sofisticada tecnologia, de sólido aparato militar e de fortes alianças geopolíticas, lançou, por primeira vez na história moderna, ataque armado ao território israelense diretamente de Teerã. Como explicar tamanha inflexão nas guerras por procuração ? Que magnitude poderão ter as próximas retaliações de ambos os lados? A confrontação militar poderá escalar e envolver outros atores regionais e globais?
O ataque iraniano a Israel, com cerca de 350 drones e mísseis, foi precedido de numerosas investidas da Forças de Defesa Israelenses (FDI) a instalações militares e a oficiais de alta patente dos Guardas Revolucionários. Essas reiteradas incursões armadas culminaram na morte de dois líderes da Guarda Revolucionária e na destruição parcial da Embaixada em Damasco, correspondente a um ataque ao território iraniano. Essa iniciativa radical do governo Netanyahu foi interpretada como insólita provocação, que fez romper a “paciência estratégica” de responder a ataques israelenses por meio de proxies, e protagonizar o ataque direto a Israel.
Os desdobramentos do ataque iraniano assumiram, entre outras, as seguintes principais dimensões.
Primeiro. Os recursos militares envolvido no ataque iraniano foram de dimensão considerável. Entretanto, o resultado concreto foi nulo - quase 100% dos artefatos lançados foram interceptados. Isso teve o duplo efeito de arrefecer as tensões de ambos os lados. As facções radicais no Irã sempre interpretaram a “paciência estratégica”, diante das reiteradas investidas israelenses, como sinônimo de fraqueza. A robustez do ataque silenciava essa oposição doméstica. Do outro lado, os EUA procuravam convencer as FDI e o governo de coalizão que o resultado do ataque foi uma clara vitória israelense, com o propósito de preparar uma eventual tréplica capaz de esfriar os ânimos e, assim, evitar a escalada.
Segundo, esse êxito do sistema de defesa antiaérea foi alcançados graças a uma coalisão de EUA, países europeus e surpreendentemente, de países árabes, tais como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Jordânia.Embora o efeito real da participação árabe na coalizão tenha sido muito modesto, o simbolismo de países árabes lutado ao lado de Israel em uma guerra contra o Irã tem uma vigorosa carga simbólica na política e no imaginário popular.
Terceiro. A barbárie de mais de 35 mil civis mortos, praticada pelo governo Netanyahu, transformouIsrael em algoz no Oriente Médio e em pária internacional. Entretanto, a magnitude do ataque iraniano – dezenas de mísseis e centenas de drones, num total de cerca de 350 artefatos – inverteu a equação. Israel saiu da condição de isolamento internacional – criticado até pelos EUA – para receber apoio de uma multifacetada coalizão internacional, incluindo Arábia Saudita e outros países árabes.
Quarto. Como visto, um primeiro efeito do ataque iraniano foi alterar a percepção a respeito de Israel, que migrou da condição de algoz para vítima no Oriente Médio. Entretanto, esse ataque, ao se concentrar apenas em alvos militares e ao ser antecipado para os principais países envolvidos, passou a ser interpretado como uma resposta aceitável, sobretudo diante da expectativa de radicalização por parte do Irã.
Uma vez concretizado o ataque iraniano, a grande inquietação passou a ser a reação israelense. Essa era imprevisível porque, desde 7 de outubro, quando teve início a guerra entre Israel e Hamas, as insistentes pressões norte-americanas sobre Israel, destinadas a conter o ímpeto destruidor das FDI, tiveram eficácia próxima de zero. Nesse contexto, a resposta israelense de 18 de abril foi, de certa forma , um alívio. Não teve aquela intensidade capaz de projetar uma escalada do conflito. O fato de não produzir morte de civis e, sobretudo, de não danificar instalações nucleares iranianas constitui passo rumoa uma modesta distensão entre os rivais históricos.
Apesar de pairar grande incógnita sobre o comportamento dos dois países, a nova equação que surgiu após os ataques mútuos dos dias 13 e 17 de abril corrente, produziram variáveis que parecem atuar mais em favor da contenção do que da confrontação.
Um olhar mais estrutural sobre a rivalidade entre Israel e Irã revela que nenhum dos atores tem interesse em uma guerra aberta. O primeiro porque o conflito direto agravaria de forma exponencial o isolamento internacional que experimenta desde a barbárie praticada sobre os palestinos na Faixa de Gaza. O segundo porque a guerra poderia comprometer os avanços em seu importante programa nuclear. Além disso, o Irã, juntamente com Rússia e China, são os beneficiários do enorme desgaste, em termos de poder e influência, sofrido por Israel e pelos EUA. Esse último perdeu credibilidade, pela incapacidade de conter a hegemonia destrutiva de Netanyahu, que compromete e abala a democracia israelense, a sobrevivência do povo palestino e a paz no Oriente Médio.
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