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sábado, 11 de janeiro de 2020

O Brasil e o conflito Irã-EUA - Entrevista com o Prof. Mauricio Santoro (UERJ)

Como o governo Bolsonaro reage à crise entre EUA e Irã
Estêvão Bertoni
Nexo Jornal, 07 de jan de 2020(atualizado 08/01/2020 às 15h43)

O professor da Uerj Maurício Santoro fala ao ‘Nexo’ sobre os possíveis efeitos que o alinhamento brasileiro ao governo americano pode ter nas relações do Brasil com países do Oriente Médio
Foto: Alan Santos - 18.mar.2019/Presidência da República 
O presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e o deputado Eduardo Bolsonaro (ao fundo) durante evento nos Estados UnidosO presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e o deputado Eduardo Bolsonaro (ao fundo) durante evento nos Estados Unidos
O governo do Irã pediu explicações ao Brasil sobre a nota divulgada pelo Itamaraty em apoio à operação dos Estados Unidos no Iraque que resultou no assassinato do general Qassim Suleimani, principal liderança militar iraniana. O pedido ocorreu no domingo (5), dois dias depois da divulgação da posição do governo brasileiro sobre o caso.
O general foi morto na madrugada de sexta-feira (3) após o carro em que estava ser atingido por um míssil disparado por um drone americano, perto do aeroporto internacional de Bagdá, no Iraque. A ação foi autorizada pelo presidente Donald Trump, que acusou Suleimani de planejar atentados a diplomatas e funcionários americanos na região. 
Logo após a morte do general, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, pediu vingança. Na noite de terça-feira (7), o país atacou com mísseis pelo menos duas bases aéreas que abrigavam tropas americanas no Iraque, em retaliação à ação dos EUA.
No domingo (5), Trump havia dito que responderia “de maneira desproporcional” a qualquer ação iraniana contra americanos no exterior. Em discurso nesta quarta (8), o presidente americano afirmou que a ofensiva do Irã contra as bases não deixou mortos e, adotando um tom mais brando, não falou em em retaliação militar. Em suas redes sociais, Bolsonaro gravou uma live acompanhando o pronunciamento.
A morte do general causou comoção no país persa e levou centenas de milhares de pessoas às ruas durante seu cortejo fúnebre. Um tumulto durante o funeral do militar, na cidade de Kerman, sua terra natal, deixou mais de 50 mortos e cerca de 200 feridos na terça-feira (7).
O pedido de explicações
O questionamento sobre a nota foi feito a representantes brasileiros em Teerã, capital do Irã. Encarregada de negócios da embaixada brasileira na cidade, Maria Cristina Lopes se reuniu com as autoridades iranianas no Ministério das Relações Exteriores do país para dar explicações, mas o teor da conversa não foi revelado. O embaixador do Brasil no Irã, Rodrigo Azeredo, não foi ao encontro por estar de férias. 
O Ministério das Relações Exteriores brasileiro, comandado pelo chanceler Ernesto Araújo, confirmou a reunião, mas disse que seu teor é “reservado”. Segundo o Itamaraty, a conversa transcorreu com “cordialidade”, “dentro da usual prática diplomática”. Convocações do tipo são vistas, entretanto, como reprimendas.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Maria Cristina Lopes foi orientada a dizer às autoridades iranianas que a nota do governo brasileiro não era uma manifestação contra o Irã e que a relação entre os dois países não poderia se reduzir ao tema abordado no comunicado.
Inicialmente, o presidente Jair Bolsonaro sinalizou que o governo poderia se manter distante do caso, mas a nota do Itamaraty criou um problema com um parceiro comercial. Em 2018, o Brasil exportou US$ 2,26 bilhões para o Irã, em produtos como milho, soja, açúcar e carne. Já as importações brasileiras de produtos semimanufaturados de ferro e aço do Irã somaram US$ 39 milhões. 
As manifestações brasileiras sobre o caso
Consulta a Heleno e preço do combustível
Numa das primeiras manifestações sobre o tema, Bolsonaro disse a jornalistas, ao deixar o Palácio do Alvorada na sexta-feira (3), que iria se encontrar com o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, para “se inteirar” sobre o caso e poder “emitir seu juízo de valor”. Também se mostrou preocupado com o aumento do preço do petróleo devido ao conflito. “Já está alto o combustível, se subir muito, complica”, afirmou.
Sem armas nucleares para poder opinar
No final da sexta-feira, Bolsonaro voltou a tratar do assunto em entrevista à TV Band e disse que precisava tomar “cuidado com as palavras”. Ele disse seguir uma linha “pacífica” e que não podia dar “opinião tranquilamente sem sofrer retaliações” porque o Brasil não tem “forças armadas nucleares”. Mesmo assim, sugeriu que a ação americana se tratava de um exemplo de combate ao terrorismo.
A nota do Itamaraty pró-EUA
Na noite de sexta-feira (3), o Itamaraty divulgou uma nota sobre os “acontecimentos no Iraque”, sem abordar especificamente o ataque dos EUA ao general iraniano. O texto usa a palavra “terrorismo” cinco vezes, sem dizer abertamente do que se tratava, o que sugeriu que Suleimani, uma alta autoridade responsável por comandar a unidade de elite da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, seria um terrorista. Os únicos episódios que o governo brasileiro condenou no comunicado foram os ataques à embaixada dos EUA em Bagdá, dias antes. Segundo o site UOL, a nota foi duramente criticadadentro do próprio Itamaraty por colocar em risco os interesses nacionais e quebrar uma tradição diplomática de propor o diálogo.
Ordem para manter silêncio sobre o caso
Na terça-feira (7), Bolsonaro evitou falar sobre o assunto e reafirmou repudiar o terrorismo. Ele disse que vai esperar o ministro Ernesto Araújo voltar de férias para tratar do episódio em que o Irã pediu explicações. Afirmou ainda que não houve nenhuma retaliação comercial contra o Brasil e que o país continuará fazendo negócio com os iranianos. Segundo o jornal O Globo, a ordem no Planalto é não falar mais do tema. A ala militar do governo considera que o país tem que se manter distante do conflito, mesmo que concorde com os EUA.
Uma análise sobre a posição brasileira
Nexo conversou com Maurício Santoro, professor-adjunto do departamento de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) para entender as consequências da posição adotada pelo governo brasileiro em relação à crise no Oriente Médio. 
Como o sr. avalia a nota do Itamaraty?
Maurício Santoro Na minha avaliação, é uma nota de apoio aos EUA e à morte do general Suleimani. Embora o texto não cite explicitamente o ataque que matou o general, toda a argumentação, toda a estrutura da nota é de apoio a essa morte, com a justificativa de que ela faz parte do combate ao terrorismo. E tem também uma condenação explícita, com todas as letras, aos protestos em Bagdá que culminaram no ataque à embaixada americana. É uma nota que, no seu tom e no seu estilo, foi mais longe do que a nota da Otan a respeito do ataque, ou a nota do Reino Unido, que são aliados tradicionalíssimos dos EUA. A Otan é uma organização militar da qual os próprios EUA são parte. É realmente algo que destoa do que é o posicionamento tradicional brasileiro nas guerras no Oriente Médio. 
Com a nota, o Brasil classifica as forças iranianas como terroristas?
Maurício Santoro Ao contrário, por exemplo, da União Europeia, ou dos EUA, o Brasil não tem, ou pelo menos não tinha até o governo Bolsonaro, uma lista de organizações ou regimes políticos considerados como terroristas. O que o Brasil fazia era condenar atos individuais de terrorismo, mas não classificar, por exemplo, o Hezbollah, como terrorista. O que o Brasil fazia era simples: fazer a crítica dos atos em si. A nota é muito abrangente, mas dá a entender, e acho que é uma interpretação legítima, de que a força Al Quds, que era a unidade comandada pelo general Suleimani, seria uma organização terrorista ou envolvida em crimes desse tipo, uma vez que o assassinato de seu comandante se justificaria como parte desse combate internacional terrorista.
O que significou o pedido do Irã de explicações ao Brasil?
Maurício Santoro Significa que o embaixador brasileiro vai ter que dizer exatamente o que essa nota significa. Com todas as letras: o que o Brasil pensa sobre o assassinato do Suleimani, qual é a posição brasileira em relação às ameaças que estão sendo feitas contra o Irã. Do ponto de vista diplomático, é um indicador muito forte de que “nós não gostamos do que vocês escreveram e me deem o detalhes disso”. Eu não acredito, a princípio, que isso resulte em nenhuma grande perda para o Brasil. O Brasil não é um ator importante dentro dessas tensões armadas que estão se desenhando no Oriente Médio. Ao mesmo tempo, é um fornecedor relevante de comida para o Irã. As exportações agrícolas brasileiras, e a carne, são importantes para o Irã. Não acredito que o Irã vá correr algum risco em relação a esse comércio por causa da retórica exacerbada do Brasil. Mas é uma coisa que traz uma tensão desnecessária para a diplomacia brasileira, que traz um problema onde antes não existia nenhum. O que realmente destoa do que tradicionalmente é a política externa brasileira para o Irã ou para o Oriente Médio em geral. 
O caso pode aumentar a tensão entre as alas militares e ideológica dentro do governo brasileiro?
Maurício Santoro Certamente. Eu diria que, na verdade, há uma tensão entre os militares e o agronegócio, pressionando por uma posição mais moderada por parte do Brasil, e essa ala que envolve o chanceler Araújo, o [deputado] Eduardo Bolsonaro, a família do presidente de uma maneira geral. E a gente vê essa queda de braço dentro do próprio governo nas manifestações contraditórias do Brasil desde a morte do Suleimani. Por exemplo, logo no início, as primeiras falas do Bolsonaro foram indicadores de que o Brasil não ia ter uma declaração de peso, de que a gente não tem capacidade nuclear para falar disso. Depois, veio essa nota do Itamaraty. Isso mostra, também, que já há um debate acontecendo dentro do próprio governo e que pelo menos, momentaneamente, foi vencido por esse lado mais radical que está enxergando nessa crise do Oriente Médio uma oportunidade de o Brasil afirmar uma vez mais a busca dessa relação preferencial com os EUA. Foi uma busca que, diga-se de passagem, ao longo de 2019 não resultou em benefícios econômicos para o país. Pelo contrário. Houve uma série de disputas: aquele anúncio do Trump de querer aumentar a tarifa para o aço brasileiro, depois o Bolsonaro disse que o Trump tinha voltado atrás, mas o Trump até agora não confirmou nada disso. Foi uma diplomacia que não apresentou os resultados esperados pela ala ideológica do governo no primeiro ano. Num certo sentido, é uma diplomacia que está na berlinda, sob questionamento.
Que impacto pode ter no Oriente Médio esse alinhamento aos EUA?
Maurício Santoro No longo prazo, pode ser que aponte para uma diplomacia brasileira mais complicada no Oriente Médio. Não foi o que aconteceu no primeiro ano do governo Bolsonaro. O que a gente viu, passado aquele primeiro momento de uma retórica de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, o que houve foi a manutenção das posições tradicionais do Brasil, sobretudo por causa da pressão do agronegócio. Tanto o Irã quanto os países árabes são parceiros econômicos importantes para o Brasil, que tem superávits bilionários no comércio com esses países. Se a gente estiver diante de uma crise prolongada no Oriente Médio, que degenere para uma nova guerra na região, é possível que isso perturbe esse tenso equilíbrio do primeiro ano do governo Bolsonaro e que leve a uma diplomacia mais ideológica para o Oriente Médio, nessa busca de afirmar essa relação especial com os EUA. 
A preocupação é estritamente comercial?
Maurício Santoro Até houve no governo Lula uma tentativa de ter uma posição política mais forte no Oriente Médio, aquele esforço do Brasil e da Turquia de mediar um acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, mas essa tentativa acabou abandonada depois que houve uma rejeição muito grande das grandes potências a isso, e ela não foi retomada nem no governo Dilma nem nos governos posteriores. Basicamente o que tem sido a política externa brasileira para o Oriente Médio, ao longo do últimos dez anos, é basicamente a busca de mercados, a ampliação dessa oportunidade para o agronegócio, sem que haja um grande envolvimento do Brasil em negociações políticas na região.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Em 2004, o US-NIC previa um Brasil ainda atrasado em 2020

Em 2004, o National Intelligence Council do governo dos EUA publicava este relatório: 

National Intelligence Council, part of the project Mapping the Global Future: 2020 Project, Washington: Government Printing Office, 2004; link: http://www.dni.gov/nic/NIC_2020_project.html.

Entre suas previsões figurava esta aqui, que na altura de 2010, parecia ser uma previsão errada. Dez anos depois, a "profecia" se revelou acertada (copio de um trabalho meu de 2008: “Brazil and Global Governance”, Brasília, 30 janeiro 2008, 17 p.): 


Prospective scenarios drawn up by National Intelligence Council, an entity affiliated to CIA, show a less optimistic trend both for Brazil and for Latin America. According to the Project 2020 study: 

Brazil will likely have failed to deliver on its promised leadership in South America, due as much to the scepticism of its neighbours as to its frequently overwhelming emphasis on its own interests. It will, nevertheless, continue to be the dominant voice on the continent and a key market for its Mercosur partners. Brazil will still not have won a permanent seat on the Security Council, but it will continue to consider itself a global player. Although Brazil’s economic improvements are not likely to be spectacular, the size of its economy, along with its lively democracy, will continue to have a stabilizing effect on the entire region. Trade arrangements with Europe, the USA, and large developing economies, mainly China and India, will help to keep its exports growing steadily enough to offset its overall lack of economic dynamism. Even after twenty years, efforts to pass vital reforms to Brazilian institutions will still be underway. Though the situation is bound to improve somewhat, the so-called ‘Brazil cost’, itself a governance issue, will continue to thwart efforts to modernize the economy thoroughly. Brazil’s complex and burdensome taxation system, fiscal wars between its states, and the limits of its internal transportation infrastructure, will persist. Taking advantage of Asia’s hunger and improved ties with Europe, Brazil will endeavour to offset its structural limitations through its robust agribusiness sector. Brazil’s sizeable debt and vulnerability to inflation will also remain matters of concern.”

Parece que, com exceção do problema da inflação e de uma reforma da Previdência meia-boca, apenas postergando a falência total, nenhuma das outras reformas preconizadas foi feita.
O Brasil parece a França, apenas que com uma renda per capita cinco vezes menor...
Paulo Roberto de Almeida

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Acordo EUA-China: adivinhe quem vai pagar a conta?

 
Veja, 13/12/2019
China e Estados Unidos chegaram a um primeiro acordo comercial, afirmou o presidente americano, Donald Trump, nas redes sociais. Os EUA manterão tarifas de 25% sobre importações chinesas, mas cancelaram aplicação de pacote de taxas previsto para entrar em vigor no domingo. Em uma das contrapartidas, Pequim concordou em comprar mais produtos agrícolas americanos, o que pode impactar o agronegócio brasileiro.

O que se sabe: os países afirmaram que esta é a fase 1 do acordo e que seguirão negociando. O texto inclui seções sobre propriedade intelectual, transferência de tecnologia, produtos agrícolas, câmbio e outros temas.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou finalmente pronto, ou seja, terminei sua revisão, e encontra-se livremente disponível, formatado num arquivo pdf, assim que todos podem acessá-lo numa destas duas plataformas. 
Mais abaixo disponibilizo o índice e o prefácio. 

Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo
Trajetória de duas parábolas da era contemporânea

Paulo Roberto de Almeida

Índice

Minhas relações com o marxismo e o socialismo: à guisa de prefácio 

1. A parábola do marxismo em perspectiva histórica  
1.1. Ascensão e declínio de uma ideia  
1.2. A “acumulação primitiva” da economia planejada  
1.3. O marxismo enquanto “concepção burguesa” da História   
1.4. Desventuras da dialética na periferia capitalista 
1.5. O marxismo como doutrina da globalização capitalista 
1.6. A astúcia da razão e as surpresas da História  

2. A ideia de revolução burguesa no marxismo brasileiro  
2.1. Itinerário teórico-prático da revolução burguesa no Brasil
2.2. Demiurgos e epígonos: os grandes mestres do marxismo brasileiro 
2.3. Caio Prado Jr. e o capitalismo incompleto no Brasil 
2.4. Werneck Sodré e a trajetória da revolução nacional democrática 
2.5. Florestan Fernandes e a revolução burguesa na periferia 
2.6. Os intelectuais marxistas e a revolução burguesa no Brasil 
Orientações de leitura   

3. Agonia e queda do socialismo real      
3.1. O exterminador de futuros  
3.2. Qual é a maior “invenção” da humanidade? 
3.3. Uma contradição insanável     
3.4. O socialismo é contra o mercado? 
3.5. Um modo de produção “inventivo”? 
3.6. O fim do socialismo e o laboratório da história

4. O modo repetitivo de produção do marxismo vulgar no Brasil
4.1. Uma falácia persistente: a deformação do marxismo nas academias 
4.2. Marxistas e “marquissistas”: duas espécies, de duas classes diferentes   
4.3. As forças produtivas do modo repetitivo   
4.4. As relações de produção do modo repetitivo   
4.5. As contradições insanáveis  
Referências bibliográficas   

5. O Fim da História, de Fukuyama: o que ficou?
5.1. O que restou, finalmente, da tese controversa de Fukuyama?  
5.2. O que Fukuyama de fato escreveu?  
5.3. Fukuyama tinha razão? 
5.4. Do fim da História ao fim da Geografia 
5.5. Existem opções aos órfãos do socialismo? 

6. Os mitos da utopia marxista   
1. O que é uma utopia e como o marxismo se encaixa no molde? 
2. Utopia marxista e falácias acadêmicas: qual sua importância relativa? 
3. Quais são os mitos da utopia marxista?  
4. As falácias econômicas do marxismo  

7. O fracasso do marxismo teórico e do socialismo prático 
7.1. Cercando o “animal” e mostrando a arma 
7.2. Sete anos que mudaram o mundo   
7.3. Resistível reação à decadência irresistível do socialismo  
7.4. A seleção natural das espécies mais resistentes  

8. A cultura da esquerda: sete pecados dialéticos  
8.1. Antimercado   
8.2. Igualitarismo 
8.3. A esquerda é contra a democracia formal 
8.4. A esquerda é estatizante 
8.5. A esquerda é anti-individualista 
8.6. A esquerda é populista e popularesca 
8.7. A esquerda é voluntarista e antirracionalista  

9. Sobre a responsabilidade dos intelectuais 
9.1. Uma visita rápida a Norberto Bobbio   
9.2. Desvios cristãos e marxistas: similares, semelhantes, comparáveis?  
9.3. O que Marx tem a ver com o socialismo do século XX?  
9.4. O que fez Lênin para aplicar as ideias de Marx, e as suas próprias... 
9.5. O que isso tem a ver com a responsabilidade dos intelectuais? 

10. Pode uma pessoa inteligente pretender-se comunista, hoje em dia?  
10.1. Uma tradição passadista que não passa 
10.2. Um exemplo, entre outros, da crença persistente: Antônio Cândido  
10.3. Comunismo: apenas um sistema de crenças, sem consistência real 

Apêndices:
Notas sobre os originais dos ensaios coletados   
Breve nota biográfica: Paulo Roberto de Almeida 

Livros e trabalhos de Paulo Roberto de Almeida 



Minhas relações com o marxismo e o socialismo
À guisa de prefácio

Este livro – na verdade, uma coletânea de ensaios escritos em diferentes etapas dos últimos vinte anos – tem um modesto predecessor, publicado justamente mais de vinte anos atrás: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999). Era um pequeno volume, de menos de cem páginas, cuja peça de maior importância consistia numa releitura do Manifesto original de Marx e Engels, de 1848, revisto, reescrito, corrigido, adaptado para as novas condições do capitalismo global, um século e meio depois que os dois jovens revolucionários alemães atendiam ao convite de uma liga de operários alemães, emigrados na Inglaterra vitoriana, para redigir o documento fundador de um novo partido socialista. O panfleto  passou quase despercebido, mas foi traduzido paulatinamente em outras línguas europeias, antes de iniciar uma carreira de estrondoso sucesso mundial no decorrer do século XX, desempenho glorioso que provavelmente não se repetirá neste século.
A razão pela qual decidi redigir um Manifesto Comunista alternativo deveu-se a convite recebido de colega acadêmico para colaborar com um novo periódico de ciência política – que já nem existe mais –, justamente no ano em que o velho Manifesto completava 150 anos de vida, e as editoras lançavam reedições daquele texto caído no domínio público. Os marxistas realmente existentes no Brasil se dedicavam, de seu lado, a cantar loas ao panfleto “gótico”, concordando com sua atualidade e utilidade reafirmada, um século e meio depois de um obscuro lançamento em Londres. Decidi fazer diferente, consoante meu espírito sempre contrarianista: tendo lido, relido e estudado o velho Manifesto desde minha precoce juventude marxista, resolvi reescrever aquela peça ultrapassada em sua forma e na sua essência, para adaptá-lo a um fin-de-siècle decididamente pós-comunista. Afinal, a grande pátria do socialismo, a União Soviética, já tinha deixado de existir desde o início daquela década, e a outra promotora de suas recomendações, a China “socialista”, já tinha empreendido, desde a década anterior, uma vigorosa marcha em direção a uma economia de mercado, ainda que formalmente tutelada por um Partido Comunista que continua exercendo o poder em nome do proletariado e dos camponeses.
Eu mesmo, de um marxismo juvenil bem mais teórico do que prático, já tinha começado a evoluir para um socialismo nouvelle-manière desde minha partida para a Europa no início dos anos 1970, para um novo estágio de estudos universitários e de visitas aos socialismos realmente existentes, estabelecendo comparações com os capitalismos avançados e outros em diferentes estágios de desenvolvimento na periferia da economia global. Voltei da Europa sete anos depois, para iniciar uma carreira de burocrata estatal, na diplomacia profissional, com uma dedicação acadêmica invariavelmente mantida desde sempre. A combinação de atividades mantidas sucessivamente nos planos do setor privado, no mundo universitário e no serviço exterior do governo brasileiro, as duas últimas simultaneamente, me permitiu agregar a um conjunto de observações registradas naquelas muitas viagens e experiências de vida o estudo intensivo para a redação de uma tese de doutoramento, ao cabo da qual emergi com novas credenciais políticas e intelectuais. O marxismo acadêmico é inerente a qualquer estudioso ou praticante da sociologia, como é o universo conceitual no qual me desempenho. Mas, a capacidade de interpretar os novos dados da realidade econômica e política, no terreno mundial e no âmbito brasileiro, impõe a necessidade de elaborar novas explicações, e propor novas respostas, aos problemas permanentes do desenvolvimento de uma sociedade como a brasileira, que justamente combina velhos vícios de uma sociedade escravista-patrimonialista com novas deformações de um sistema político formalmente democrático, embora de muito baixa qualidade, contaminado pela promiscuidade de elites atrasadas com capitalistas protegidos e subvencionados, adeptos da corrupção em larga escala.
O livro de 1999 abria-se, portanto, pela reescritura do velho Manifesto, seguida por duas provocações que eu fazia a meus amigos e colegas acadêmicos ainda socialistas (mas de estilo vieille-manière), um dedicado aos elogios que Marx fez ao livre comércio, no seguimento da abolição das Corn-laws na Inglaterra, o outro ainda mais iconoclasta, encontrando méritos e virtudes na velha “exploração do homem pelo homem”. O volume engajava então uma discussão sobre a ascensão e queda do marxismo e do socialismo no decorrer do século XX, o único dos ensaios retomado nesta nova coletânea, ainda que revisto em questões de caráter tópico; ele finalizava pela reprodução do Manifesto original, para efeitos de comparação com minha versão contrarianista. Aquele primeiro experimento de revisão de um texto consagrado inaugurou, aliás, a minha série de “clássicos revisitados”, que continuou com Maquiavel (O Moderno Príncipe), com Tocqueville (duas vezes enviado ao Brasil e à América Latina, para examinar o frágil estado do regime democrático), Benjamin Constant (l’ancienne et la nouvelle diplomatie, sob o governo dos companheiros), Sun Tzu (A Arte da Guerra para diplomatas) e que ainda deve continuar com vários outros clássicos no pipeline.

Esta nova coletânea, com a repetição indicada de uma versão revista do capítulo sobre a parábola do marxismo em perspectiva histórica, reúne ensaios elaborados no decorrer dos vinte anos que se seguiram ao pequeno livro de 1999; estes novos escritos representam modalidades diversas de meu “ajuste de contas” com o marxismo e o socialismo, processo que já tinha sido iniciado nas três décadas anteriores, desde meu autoexílio na Europa e o contato direto com todos os socialismos realmente existentes no centro-leste europeu. Nunca houve a intenção deliberada de enfrentar os “demônios” da academia ou os desafios do debate público sobre a qualidade e o conteúdo específico das políticas econômicas aplicadas no Brasil desde a grande estabilização da segunda metade da última década do século XX, mas o fato é que os dez ensaios aqui coletados foram concebidos e elaborados como respostas a tomadas de posição por parte de acadêmicos da grande tribo marxista e socialista que ainda pontifica impavidamente em auditórios geralmente receptivos de estudantes de humanidades e ciências sociais, quando não em outras vertentes do ambiente universitário. Como membro de comitês editoriais de periódicos da área, ou na qualidade de colaborador de alguns veículos desse universo, sou frequentemente levado a ler, a comentar, a oferecer pareceres sobre essa produção engajada. 
Vários dos ensaios aqui reunidos, escolhidos entre dezenas de outros que pertencem à mesma família de “escritos de combate”, foram justamente publicados num típico pasquim da esquerda universitária, com o qual colaborei durante uma dezena de anos, sempre a contra corrente das tendências majoritárias (e recebendo críticas e contestações diretas a vários deles). Minha colaboração foi descontinuada sintomaticamente depois que sustentei uma discussão sobre a responsabilidade dos intelectuais nas grandes tragédias do socialismo totalitário, vindo ela finalmente a termo depois que eu questionei a inteligência daqueles que continuavam aderindo à liturgia comunista. Depois de minha proposta para um novo “manifesto comunista” adequado aos nossos tempos de globalização capitalista, um dos ensaios mais acerbamente criticados nesses meios foi exatamente aquele no qual eu tentava ajudar a esquerda a se liberar de “sete pecados dialéticos” que atrapalham o seu desenvolvimento mental. Mesmo pertencendo ao que eu chamei de “cultura da esquerda”, nunca abandonei a racionalidade econômica, e uma estrita adesão a valores e princípios democráticos, para seguir de forma quase religiosa essas crenças nascidas no século XIX – que acompanhei na fase juvenil – e que se prolongaram de forma irracional durante décadas de experimentos brutais de engenharia social e de desastres econômicos e humanitários.
Minha impressão, retirada desses embates e diatribes, é a de que esses acadêmicos sonhadores não tiveram, justamente, a mesma oportunidade que eu tive de conhecer diretamente os diversos socialismos reais que visitei ao longo das últimas décadas de sua existência, e que por isso mesmo continuavam mantendo um conhecimento apenas livresco sobre seus princípios de funcionamento. Raramente puderam perceber que, bem mais do que a miséria material de todos esses regimes – abastecimento precário, lacunas disseminadas no plano do bem-estar, ausência de progressos econômicos reais –, o que mais os caracterizava, de fato, era uma espécie de miséria moral, sustentada por um Estado policialesco, repressor, obscurantista, promotor da mediocridade burocrática e apoiada na violação sistemática de todas as liberdades democráticas que eles diziam defender num país pobre, corrupto e desigual como o Brasil. Sobre isso ainda agregavam a defesa de regimes estatizantes e de políticas econômicas que justamente tinham o objetivo de preservar privilégios corporativos e contribuiam para aprofundar as desigualdades sociais que pretendiam combater, numa inconsciência espantosa sobre os efeitos nefastos que essas orientações econômicas provocavam em termos de prosperidade e criação de riqueza.
Não foram poucas as vezes em que fui acusado de ser “neoliberal”, uma designação tão ridícula quanto totalmente desprovida de qualquer fundamento real. Mas essa é uma vertente que pertence mais ao terreno dos debates sobre políticas econômicas, e que escapa, portanto, ao universo estrito do “diálogo” – se ele existiu – em torno do marxismo e do socialismo, que constitui o núcleo da dezena de ensaios aqui oferecidos. Os interessados em conhecer a antologia de 1999, para efeitos de comparação com a atual, podem agora descarregar o arquivo livremente em Academia.edu, na seção de livros de minha página nessa plataforma de interação acadêmica. Vários outros artigos e ensaios nesse mesmo universo – que eu classificaria de contestação do “socialismo para os incautos”, ou de críticas aos defensores do “fetiche do Capital”, de Marx, obviamente – foram publicados em veículos diversos, e a maior parte pode ser consultada nessa minha página de divulgação aberta de meus escritos.
Objetivo diverso teve a reavaliação feita em torno dos argumentos defendidos por Francis Fukuyama, em seu famoso artigo sobre o “fim da História”, não exatamente para sustentar sua tese principal, e mais para debater a validade do posicionamento sobre a ausência de alternativas às democracias liberais de mercado, depois da derrocada dos sistemas socialistas e do início do processo de transição nos antigos países do sistema socialista. Minha opinião é a de que a tese de Fukuyama é válida em sua concepção geral, mas que os processos concretos de transição não obedecem a um padrão único de organização política, econômica e social, já que o processo histórico sempre se desenvolve por vias únicas e originais. O Brasil oferece justamente uma demonstração de como se pode avançar, ainda que lentamente, no caminho da modernidade superficial, mesmo preservando os vícios do velho patrimonialismo e do populismo renovado.

Esta antologia resume e expõe, portanto, minhas relações de afinidade e distanciamento em relação ao marxismo e ao socialismo, mas ela não tem o objetivo de supostamente me situar no campo de uma “direita conservadora”, que de toda forma não existe no Brasil, nem no plano teórico, nem no terreno da prática. Detesto rótulos redutores e simplificadores, preferido exercer meu direito ao ecletismo doutrinário e ao ceticismo sadio, e por isso mesmo estou sempre pronto a defender argumentos de estrita racionalidade econômica, na busca das melhores soluções aos angustiantes problemas do Brasil, que sempre estiveram no coração de minhas leituras, estudos, reflexões e escritos no último meio século pelo menos. A coletânea aqui realizada é uma pequena amostra dessas preocupações com a educação dos mais jovens, com base em meu conhecimento adquirido nos livros, na atenta observação da realidade, na experiência adquirida ao longo de uma dupla carreira extremamente absorvente, no exercício da diplomacia profissional e nas lides acadêmicas desempenhadas de modo voluntário.
Acredito que eu ainda tenho muito mais a oferecer no campo da divulgação de escritos produzidos no âmago ou à margem dessas duas atividades, no decorrer desse longo período de intensas atividades intelectuais, prometendo, portanto, compor novas seleções de trabalhos dotados de alguma resiliência expositiva ou interpretativa, em outros setores que não mais o debate histórico-político num pequeno círculo de iniciados no marxismo. A parábola descrita e analisada aqui está praticamente concluída. O que nos resta fazer, aliás desde a independência, é completar a missão de resgatar a nação de um passado de iniquidades e de subdesenvolvimento – não apenas material, mas sobretudo mental – e projetá-la numa trajetória de prosperidade e bem-estar, com base na educação, no conhecimento do itinerário de outros povos mais bem sucedidos do que o nosso, numa visão crítica do passado e apoiados em políticas inclusivas num ambiente de uma vibrante democracia de mercado.
Continuarei nessa missão...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, novembro de 2019

Acesso ao livro integral nas plataformas: 


O livro anterior, dentro da mesma temática: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (1999), também está livremente disponível neste link:  

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Mercosul: the end is near? - Argentina e Brasil em choque

Antes eu dizia que, a despeito de todos os problemas do blogo, "ainda não nasceu o político que vai acabar com o Mercosul". Mas isso era em relação ao acabamento ou aperfeiçoamento da união aduaneira, ou até mesmo da simples zona de livre comércio, importante do ponto de vista microeconômico para muitas empresas dos países membros.
Agora parece que esses políticos não só nasceram, como estão dispostos a liquidar com o bloco, mas apenas devido a mesquinhas posturas políticas, que não têm nada a ver com o significado da união aduaneira para a economia de cada um deles.
Não creio que se vá chegar a esse resultado, pois os empresários vão procurar conter os arroubos histriônicos dos dirigentes políticos, mas haverá muito stress, e provavelmente não se farão as reformas indispensáveis para reduzir a TEC e outros ajustes necessários.
Paulo Roberto de Almeida

Futuro chanceler argentino diz que país está "de luto em relação ao Brasil"

Alberto Fernández (à esquerda) faz sinal indicando "Lula livre" ao lado de Felipe Solá (à direita), futuro chanceler argentino - ALEJANDRO PAGNI / AFP
Alberto Fernández (à esquerda) faz sinal indicando "Lula livre" ao lado de Felipe Solá (à direita), futuro chanceler argentino Imagem: ALEJANDRO PAGNI / AFP
Ex-governador de Buenos Aires e futuro chanceler da Argentina, Felipe Solá afirmou, em palestra na Universidad Torcuato Di Tella, que o país está "de luto em relação ao Brasil".
Escolhido pelo presidente eleito Alberto Fernández para comandar a política externa do país, Solá, que começa o trabalho no dia 10, não poupou críticas ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
"É absolutamente inesperado que um país irmão com o qual tivemos uma quantidade de encontros com bom impacto regional inesperadamente tenha um governo com um nível de agressividade enorme contra a Argentina, contra o Mercosul e contra a história comum dos últimos 30 anos", disse ele. A declaração foi divulgada pelo jornal O Globo.
O futuro ministro das Relações Exteriores também falou sobre o Mercosul, mas não deu uma definição sobre a continuidade da Argentina no bloco.
"Quem quiser ideologizar vai encontrar dificuldades. Depois podemos discutir [se vale a pena ficar] o Mercosul, sim ou não. Pessoalmente, acho que eles [governo do Brasil] não têm isso claro. Vejo uma espécie de raiva ideológica".

Relação amena?

Ontem, Fernández comemorou o fato de Jair Bolsonaro - com quem tem desavenças há meses - afirmar o compromisso de "relacionamento pragmático" com seu país.
"Vi com alegria que o presidente do Brasil propôs ter uma relação pragmática com o Mercosul. É o que devemos fazer, porque o Mercosul vai superar Bolsonaro e Alberto Fernández", falou o argentino em uma conferência industrial realizada em Buenos Aires.

domingo, 24 de novembro de 2019

A dupla parábola do marxismo e do socialismo: meu próximo livro - Paulo Roberto de Almeida


Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo
Trajetória de duas parábolas da era contemporânea



Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, edição de autor, 2019, 198 p.)

Índice


Minhas relações com o marxismo e o socialismo: à guisa de prefácio 
        [reproduzido abaixo]

1. A parábola do marxismo em perspectiva histórica   
1.1. Ascensão e declínio de uma ideia      
1.2. A “acumulação primitiva” da economia planejada 
1.3. O marxismo enquanto “concepção burguesa” da História 
1.4. Desventuras da dialética na periferia capitalista  
1.5. O marxismo como doutrina da globalização capitalista 
1.6. A astúcia da razão e as surpresas da História 

2. A ideia de revolução burguesa no marxismo brasileiro  
2.1. Itinerário teórico-prático da revolução burguesa no Brasil 
2.2. Demiurgos e epígonos: os grandes mestres do marxismo brasileiro  
2.3. Caio Prado Jr. e o capitalismo incompleto no Brasil  
2.4. Werneck Sodré e a trajetória da revolução nacional democrática  
2.5. Florestan Fernandes e a revolução burguesa na periferia  
2.6. Os intelectuais marxistas e a revolução burguesa no Brasil  
Orientações de leitura   

3. Agonia e queda do socialismo real  
3.1. O exterminador de futuros 
3.2. Qual é a maior “invenção” da humanidade?  
3.3. Uma contradição insanável  
3.4. O socialismo é contra o mercado?  
3.5. Um modo de produção “inventivo”?   
3.6. O fim do socialismo e o laboratório da história 

4. O modo repetitivo de produção do marxismo vulgar no Brasil 
4.1. Uma falácia persistente: a deformação do marxismo nas academias 
4.2. Marxistas e “marquissistas”: duas espécies, de duas classes diferentes  
4.3. As forças produtivas do modo repetitivo  
4.4. As relações de produção do modo repetitivo 
4.5. As contradições insanáveis  
Referências bibliográficas     

5. O Fim da História, de Fukuyama: o que ficou? 
5.1. O que restou, finalmente, da tese controversa de Fukuyama? 
5.2. O que Fukuyama de fato escreveu?  
5.3. Fukuyama tinha razão?  
5.4. Do fim da História ao fim da Geografia  
5.5. Existem opções aos órfãos do socialismo?  

6. Os mitos da utopia marxista  
1. O que é uma utopia e como o marxismo se encaixa no molde? 
2. Utopia marxista e falácias acadêmicas: qual sua importância relativa? 
3. Quais são os mitos da utopia marxista? 
4. As falácias econômicas do marxismo  

7. O fracasso do marxismo teórico e do socialismo prático 
7.1. Cercando o “animal” e mostrando a arma   
7.2. Sete anos que mudaram o mundo  
7.3. Resistível reação à decadência irresistível do socialismo  
7.4. A seleção natural das espécies mais resistentes 

8. A cultura da esquerda: sete pecados dialéticos  
8.1. Antimercado  
8.2. Igualitarismo   
8.3. A esquerda é contra a democracia formal 
8.4. A esquerda é estatizante 
8.5. A esquerda é anti-individualista 
8.6. A esquerda é populista e popularesca  
8.7. A esquerda é voluntarista e antirracionalista   

9. Sobre a responsabilidade dos intelectuais  
9.1. Uma visita rápida a Norberto Bobbio  
9.2. Desvios cristãos e marxistas: similares, semelhantes, comparáveis?  
9.3. O que Marx tem a ver com o socialismo do século XX? 
9.4. O que fez Lênin para aplicar as ideias de Marx, e as suas próprias... 
9.5. O que isso tem a ver com a responsabilidade dos intelectuais?  

10. Pode uma pessoa inteligente pretender-se comunista, hoje em dia?  
10.1. Uma tradição passadista que não passa      
10.2. Um exemplo, entre outros, da crença persistente: Antônio Cândido  
10.3. Comunismo: apenas um sistema de crenças, sem consistência real 

Apêndices:
Notas sobre os originais dos ensaios coletados      
Breve nota biográfica: Paulo Roberto de Almeida  
     Livros e trabalhos de Paulo Roberto de Almeida  

Brasília, 24/11/2019



Minhas relações com o marxismo e o socialismo
À guisa de prefácio
  
Este livro – na verdade, uma coletânea de ensaios escritos em diferentes etapas dos últimos vinte anos – tem um modesto predecessor, publicado justamente mais de vinte anos atrás: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999). Era um pequeno volume, de menos de cem páginas, cuja peça de maior importância consistia numa releitura do Manifesto original de Marx e Engels, de 1848, revisto, reescrito, corrigido, adaptado para as novas condições do capitalismo global, um século e meio depois que os dois jovens revolucionários alemães atendiam ao convite de uma liga de operários alemães, emigrados na Inglaterra vitoriana, para redigir o documento fundador de um novo partido socialista. O panfleto  passou quase despercebido, mas foi traduzido paulatinamente em outras línguas europeias, antes de iniciar uma carreira de estrondoso sucesso mundial no decorrer do século XX, desempenho glorioso que provavelmente não se repetirá neste século.
A razão pela qual decidi redigir um Manifesto Comunista alternativo deveu-se a convite recebido de colega acadêmico para colaborar com um novo periódico de ciência política – que já nem existe mais –, justamente no ano em que o velho Manifesto completava 150 anos de vida, e as editoras lançavam reedições daquele texto caído no domínio público. Os marxistas realmente existentes no Brasil se dedicavam, de seu lado, a cantar loas ao panfleto “gótico”, concordando com sua atualidade e utilidade reafirmada, um século e meio depois de um obscuro lançamento em Londres. Decidi fazer diferente, consoante meu espírito sempre contrarianista: tendo lido, relido e estudado o velho Manifesto desde minha precoce juventude marxista, resolvi reescrever aquela peça ultrapassada em sua forma e na sua essência, para adaptá-lo a um fin-de-siècle decididamente pós-comunista. Afinal, a grande pátria do socialismo, a União Soviética, já tinha deixado de existir desde o início daquela década, e a outra promotora de suas recomendações, a China “socialista”, já tinha empreendido, desde a década anterior, uma vigorosa marcha em direção a uma economia de mercado, ainda que formalmente tutelada por um Partido Comunista que continua exercendo o poder em nome do proletariado e dos camponeses.
Eu mesmo, de um marxismo juvenil bem mais teórico do que prático, já tinha começado a evoluir para um socialismo nouvelle-manière desde minha partida para a Europa no início dos anos 1970, para um novo estágio de estudos universitários e de visitas aos socialismos realmente existentes, estabelecendo comparações com os capitalismos avançados e outros em diferentes estágios de desenvolvimento na periferia da economia global. Voltei da Europa sete anos depois, para iniciar uma carreira de burocrata estatal, na diplomacia profissional, com uma dedicação acadêmica invariavelmente mantida desde sempre. A combinação de atividades mantidas sucessivamente nos planos do setor privado, no mundo universitário e no serviço exterior do governo brasileiro, as duas últimas simultaneamente, me permitiu agregar a um conjunto de observações registradas naquelas muitas viagens e experiências de vida o estudo intensivo para a redação de uma tese de doutoramento, ao cabo da qual emergi com novas credenciais políticas e intelectuais. O marxismo acadêmico é inerente a qualquer estudioso ou praticante da sociologia, como é o universo conceitual no qual me desempenho, mas a capacidade de interpretar os novos dados da realidade econômica e política, no terreno mundial e no âmbito brasileiro, impõe a necessidade de elaborar novas explicações, e propor novas respostas, aos problemas permanentes do desenvolvimento de uma sociedade como a brasileira, que justamente combina velhos vícios de uma sociedade escravista-patrimonialista com novas deformações de um sistema político formalmente democrático, mas de muito baixa qualidade, contaminado pela promiscuidade com elites atrasadas, capitalistas protegidos e subvencionados, adeptos da corrupção em larga escala.
O livro de 1999 abria-se, portanto, pela reescritura do velho Manifesto, seguida por duas provocações que eu fazia a meus amigos e colegas acadêmicos ainda socialistas (mas de estilo vieille-manière), um dedicado aos elogios que Marx fez ao livre comércio, no seguimento da abolição das Corn-laws na Inglaterra, o outro ainda mais iconoclasta, encontrando méritos e virtudes na velha “exploração do homem pelo homem”. O volume engajava então uma discussão sobre a ascensão e queda do marxismo e do socialismo no decorrer do século XX, o único dos ensaios retomado nesta nova coletânea, ainda que revisto em questões de caráter tópico; ele finalizava pela reprodução do Manifesto original, para efeitos de comparação com minha versão contrarianista. Aquele primeiro experimento de revisão de um texto consagrado inaugurou, aliás, a minha série de “clássicos revisitados”, que continuou com Maquiavel (O Moderno Príncipe), com Tocqueville (duas vezes enviado ao Brasil e à América Latina, para examinar o frágil estado do regime democrático), Benjamin Constant (l’ancienne et la nouvelle diplomatie, sob o governo dos companheiros), Sun Tzu (A Arte da Guerra para diplomatas) e que ainda deve continuar com vários outros clássicos no pipeline.

Esta nova coletânea, com a repetição indicada de uma versão revista do capítulo sobre a parábola do marxismo em perspectiva histórica, reúne ensaios elaborados no decorrer dos vinte anos que se seguiram ao pequeno livro de 1999; estes novos escritos representam modalidades diversas de meu “ajuste de contas” com o marxismo e o socialismo, processo que já tinha sido iniciado nas três décadas anteriores, desde meu autoexílio na Europa e o contato direto com todos os socialismos realmente existentes no centro-leste europeu. Nunca houve a intenção deliberada de enfrentar os “demônios” da academia ou os desafios do debate público sobre a qualidade e o conteúdo específico das políticas econômicas aplicadas no Brasil desde a grande estabilização da segunda metade da última década do século XX, mas o fato é que os dez ensaios aqui coletados foram concebidos e elaborados como respostas a tomadas de posição por parte de acadêmicos da grande tribo marxista e socialista que ainda pontifica impavidamente em auditórios geralmente receptivos de estudantes de humanidades e ciências sociais, quando não em outras vertentes do ambiente universitário. Como membro de comitês editoriais de periódicos da área, ou na qualidade de colaborador de alguns veículos desse universo, sou frequentemente levado a ler, a comentar, a oferecer pareceres sobre essa produção engajada.
Vários dos ensaios aqui reunidos, escolhidos entre dezenas de outros que pertencem à mesma família de “escritos de combate”, foram justamente publicados num típico pasquim da esquerda universitária, com o qual colaborei durante uma dezena de anos, sempre a contra corrente das tendências majoritárias (e recebendo críticas e contestações diretas a vários deles). Minha colaboração foi descontinuada sintomaticamente depois que sustentei uma discussão sobre a responsabilidade dos intelectuais nas grandes tragédias do socialismo totalitário, vindo ela finalmente a termo depois que eu questionei a inteligência daqueles que continuavam aderindo à liturgia comunista. Depois de minha proposta para um novo “manifesto comunista” adequado aos nossos tempos de globalização capitalista, um dos ensaios mais acerbamente criticados nesses meios foi exatamente aquele no qual eu tentava ajudar a esquerda a se liberar de “sete pecados dialéticos” que atrapalham o seu desenvolvimento mental. Mesmo pertencendo ao que eu chamei de “cultura da esquerda”, nunca abandonei a racionalidade econômica, e uma estrita adesão a valores e princípios democráticos, para seguir de forma quase religiosa essas crenças nascidas no século XIX – que acompanhei na fase juvenil – e que se prolongaram de forma irracional durante décadas de experimentos brutais de engenharia social e de desastres econômicos e humanitários.
Minha impressão, retirada desses embates e diatribes, é a de que esses acadêmicos sonhadores não tiveram, justamente, a mesma oportunidade que eu tive de conhecer diretamente os diversos socialismos reais que visitei ao longo das últimas décadas de sua existência, e que por isso mesmo continuavam mantendo um conhecimento apenas livresco sobre seus princípios de funcionamento. Raramente puderam perceber que, bem mais do que a miséria material de todos esses regimes – abastecimento precário, lacunas disseminadas no plano do bem-estar, ausência de progressos econômicos reais –, o que mais os caracterizava, de fato, era uma espécie de miséria moral, sustentada por um Estado policialesco, repressor, obscurantista, promotor da mediocridade burocrática e apoiada na violação sistemática de todas as liberdades democráticas que eles diziam defender num país pobre, corrupto e desigual como o Brasil. Sobre isso ainda agregavam a defesa de regimes estatizantes e de políticas econômicas que justamente tinham o objetivo de preservar privilégios corporativos e contribuíam para aprofundar as desigualdades sociais que pretendiam combater, numa inconsciência espantosa sobre os efeitos nefastos que essas orientações econômicas provocavam em termos de prosperidade e criação de riqueza.
Não foram poucas as vezes em que fui acusado de ser “neoliberal”, uma designação tão ridícula quanto totalmente desprovida de qualquer fundamento real. Mas essa é uma vertente que pertence mais ao terreno dos debates sobre políticas econômicas, e que escapa, portanto, ao universo estrito do “diálogo” – se ele existiu – em torno do marxismo e do socialismo, que constitui o núcleo da dezena de ensaios aqui oferecidos. Os interessados em conhecer a antologia de 1999, para efeitos de comparação com a atual, podem agora descarregar o arquivo livremente em Academia.edu, na seção de livros de minha página nessa plataforma de interação acadêmica. Vários outros artigos e ensaios nesse mesmo universo – que eu classificaria de contestação do “socialismo para os incautos”, ou de críticas aos defensores do “fetiche do Capital”, de Marx, obviamente – foram publicados em veículos diversos, e a maior parte pode ser consultada nessa minha página de divulgação aberta de meus escritos.
Objetivo diverso teve a reavaliação feita em torno dos argumentos defendidos por Francis Fukuyama, em seu famoso artigo sobre o “fim da História”, não exatamente para sustentar sua tese principal, e mais para debater a validade do posicionamento sobre a ausência de alternativas às democracias liberais de mercado, depois da derrocada dos sistemas socialistas e do início do processo de transição nos antigos Estados do sistema socialista. Minha opinião é a de que a tese de Fukuyama é válida em sua concepção geral, mas que os processos concretos de transição não obedecem a um padrão único de organização política, econômica e social, já que o processo histórico sempre se desenvolve por vias únicas e originais. O Brasil oferece justamente uma demonstração de como se pode avançar, ainda que lentamente, no caminho da modernidade superficial, mesmo preservando os vícios do velho patrimonialismo e do populismo renovado.

Esta antologia resume e expõe, portanto, minhas relações de afinidade e distanciamento em relação ao marxismo e ao socialismo, mas ela não tem o objetivo de supostamente me situar no campo de uma “direita conservadora”, que de toda forma não existe no Brasil, nem no plano teórico, nem no terreno da prática. Detesto rótulos redutores e simplificadores, preferindo exercer meu direito ao ecletismo doutrinário e ao ceticismo sadio, e por isso mesmo estou sempre pronto a defender argumentos de estrita racionalidade econômica, na busca das melhores soluções aos angustiantes problemas do Brasil, que sempre estiveram no coração de minhas leituras, estudos, reflexões e escritos no último meio século pelo menos. A coletânea aqui realizada é uma pequena amostra dessas preocupações com a educação dos mais jovens, com base em meu conhecimento adquirido nos livros, na atenta observação da realidade, na experiência adquirida ao longo de uma dupla carreira extremamente absorvente, o exercício da diplomacia profissional e as lides acadêmicas desempenhadas de modo voluntário.
Acredito que eu ainda tenho muito mais a oferecer no campo da divulgação de escritos produzidos no âmago ou à margem dessas duas atividades, no decorrer desse longo período de intensas atividades intelectuais, prometendo, portanto, compor novas seleções de trabalhos dotados de alguma resiliência expositiva ou interpretativa, em outros setores que não mais o debate histórico-político num pequeno círculo de iniciados no marxismo. A parábola descrita e analisada aqui está praticamente concluída. O que nos resta fazer, aliás desde a independência, é completar a missão de resgatar a nação de um passado de iniquidades e de subdesenvolvimento – não apenas material, mas sobretudo mental – e projetá-la numa trajetória de prosperidade e bem-estar, com base na educação, no conhecimento do itinerário de outros povos mais bem sucedidos do que o nosso, numa visão crítica do passado e apoiados em políticas inclusivas num ambiente de uma vibrante democracia de mercado. Continuarei nessa missão...
  
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, novembro de 2019

Prefácio à coletânea de ensaios sobre o marxismo e o socialismo, consolidados no livro confeccionado sob n. 3541: Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo: trajetória de duas parábolas da era contemporânea (Brasília: Edição do Autor, 2019, 198 p.).