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sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Livro sobre o Visconde do Uruguai: Ideias e Diplomacia, de Paulo Fernando Pinheiro Machado; prefácio de Paulo Roberto de Almeida

Um livro de um colega diplomata, que me fez a honra de pedir o prefácio: 


Paulo Fernando Pinheiro Machado: 
Ideias e diplomacia: O Visconde do Uruguai e o nascimento da política externa brasileira – 1849-1853 
(Lisboa: Lisbon International, 2022; ISBN: 978-989-37-2189-6).

SUMÁRIO

 

PREFÁCIO, Paulo Roberto de Almeida


INTRODUÇÃO

1. O PAPEL DAS IDEIAS NA POLÍTICA

    1.1 CATEGORIAS DE IDEIAS

    1.2 O IMPACTO DAS IDEIAS NA POLÍTICA


2. O CONTEXTO: O MUNDO RESTAURADO PÓS‑GUERRAS NAPOLEÔNICAS

    2.1 PAX BRITANNICA

    2.2 AS POTÊNCIAS DO CONCERTO EUROPEU

    2.3 A AMÉRICA ESPANHOLA E O RIO DA PRATA

    2.4 A POSIÇÃO DO BRASIL


3. ORIGENS E GESTAÇÃO DO PENSAMENTO DIPLOMÁTICO DO VISCONDE DO URUGUAI 

    3.1 ORIGENS FAMILIARES

    3.2 EDUCAÇÃO FORMAL

    3.3 RELAÇÕES SOCIAIS

    3.4 EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL


4. O PENSAMENTO POLÍTICO E DIPLOMÁTICO DO VISCONDE DO URUGUAI 

    4.1 O PENSAMENTO CONSERVADOR

    4.2 O PENSAMENTO POLÍTICO DO VISCONDE DO URUGUAI

    4.3 URUGUAI E O IMPÉRIO


5. A DIPLOMACIA COMERCIAL

    5.1 OS TRATADOS DESIGUAIS

    5.2 A REAÇÃO AO SISTEMA DE TRATADOS

    5.3 A DIPLOMACIA FINANCEIRA


6. A SITUAÇÃO FINANCEIRA NO PRATA EM MEADOS DA DÉCADA DE 1840

    6.1 A DIPLOMACIA FINANCEIRA DO VISCONDE DO URUGUAI

    6.2 LIMITES: A GRANDE POLÍTICA AMERICANISTA


7. A SITUAÇÃO NO MOMENTO DA INDEPENDÊNCIA

    7.1 A IDÉIA DE NACIONALIDADE NO BRASIL

    7.2 A POLÍTICA DE LIMITES ANTES DA GESTÃO DO VISCONDE DO URUGUAI

    7.3 A POSIÇÃO DO VISCONDE DO URUGUAI

    7.4 A POSIÇÃO DOS SUCESSORES DO VISCONDE

    7.5 AS RELAÇÕES COM A INGLATERRA: DO CONFLITO À PACIFICAÇÃO


8. UMA RELAÇÃO CONFLITUOSA: AS MÁGOAS DA INDEPENDÊNCIA

    8.1 A POSIÇÃO DO VISCONDE DO URUGUAI

    8.2 PRECURSORES E SEGUIDORES DA POLÍTICA DO VISCONDE

    8.3 O PRATA: DA NEUTRALIDADE À INTERVENÇÃO


9. O CONTEXTO GEOPOLÍTICO DA REGIÃO

    9.1 O CONTEXTO GEOPOLÍTICO DA REGIÃO

  9.2 A POLÍTICA DO IMPÉRIO PARA O PRATA ATÉ 1849: ABAETÉ E A DOUTRINA DA NEUTRALIDADE

   9.3 A POLÍTICA DO VISCONDE DO URUGUAI: A DOUTRINA DA INTERVENÇÃO

   9.4 A POLÍTICA PARA O PRATA DEPOIS DO VISCONDE


CONCLUSÕES

REFERÊNCIAS


Trechos do meu Prefácio:

A construção da diplomacia brasileira por um de seus pais fundadores

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor 

 

Paulino José Soares de Souza não figura entre os founding fathers da nação, inclusive porque, nascido em Paris, em 1807, só tinha 15 anos quando da declaração da autonomia, em 1822. Mas, ele foi, indiscutivelmente, um dos pais construtores do Estado brasileiro e um dos fundadores de sua diplomacia, tal como ela conseguiu se libertar de duas pesadas amarras da herança internacional portuguesa e passou a cuidar, verdadeiramente, dos interesses nacionais. Este livro, do eminente colega diplomata e distinto intelectual Paulo Fernando Pinheiro Machado, consolida toda a informação disponível sobre a atuação de Paulino como chanceler (duas vezes), tanto no plano conceitual, quanto no terreno da prática, tendo ele “encerrado” dois episódios que tinham ficado em aberto desde a independência, e dado a partida a uma política externa que será continuada por seus sucessores, com destaque para os dois Rio Branco, o visconde e o barão, cuja tradição de qualidade tornou-se um patrimônio da diplomacia republicana, prolongada até praticamente o período recente.

O Brasil nascente iniciou-se na vida internacional tendo de resolver três problemas herdados da política externa de Portugal, dos quais o primeiro foi contornado logo após a Restauração dos Bourbons na França pós-napoleônica e dois outros prolongados justamente até a atuação de Paulino, no começo dos anos 1850. Caiena, a futura Guiana francesa, que tinha sido ocupada por forças enviadas pelo príncipe regente D. João logo após a chegada da Corte portuguesa no Rio de Janeiro – uma forma de vingança contra Napoleão, que tinha mandado invadir Portugal em 1807 –, foi devolvida à França pelo tratado de Utrecht de 1817. Mas o problema do tráfico escravo, nas relações com a principal potência da época, a Grã-Bretanha, e a questão da Cisplatina – o futuro Uruguai, também invadido por forças portuguesas durante a presença da Corte no Brasil –, incorporada ao território do Império, e foco do nosso primeiro conflito com as Províncias “Desunidas” do Prata, permaneceram como dois focos imediatos de tensão nas relações exteriores da nova nação independente, ao lado e além do próprio reconhecimento diplomático do novo Estado pelas demais potências e vizinhos regionais, finalmente resolvido a partir de 1825. Essas duas questões só foram resolvidas, pelo menos nos seus aspectos mais cruciais, graças à atuação de Paulino na sua segunda encarnação como ministro dos Negócios Estrangeiros, antes mesmo que ele recebesse o título de Visconde do Uruguai, que só chegou em 1854, depois que ambos já tinha encontrado soluções satisfatórias, graças ao segundo melhor chanceler do novo Império do Brasil, depois do primeiro, José Bonifácio, um dos pais fundadores, também conhecido como o “patriarca da Independência”.

Este livro tem um título apropriado, “Ideias e diplomacia”, pois estes são os dois grandes conceitos em torno dos quais Paulo Fernando Pinheiro Machado organiza os seus argumentos substantivos, mas também traz, em seu subtítulo, uma afirmação mais do que apropriada: o “nascimento da política externa brasileira”. Com efeito, até o começo das Regências, a política externa do Brasil tinha sido quase “portuguesa”, e não só pelos problemas do Prata e do tráfico, mas também em função das tribulações de D. Pedro I com os assuntos da antiga metrópole: entre estas se incluem as desventuras de D. João VI de volta ao trono de Portugal, a ambição de D. Miguel, irmão de D. Pedro, este o herdeiro legítimo da coroa na morte (altamente suspeita) do pai em 1826, sua luta deste para fazer de sua filha, Maria da Glória, a legítima sucessora como futura D. Maria II, em benefício de quem abdicou da coroa portuguesa, o que só se efetivourealmente depois da verdadeira guerra civil que teve de travar contra o absolutista D. Miguel, já após sua própria abdicação como imperador do Brasil e volta definitiva a Portugal, em 1831. 

(...)


Senador do Império, ministro de Estado por duas vezes na Justiça e por três vezes na pasta dos Negócios Estrangeiros, embaixador em missão especial na França, para tratar do caso da Guiana – que só seria resolvido na República, pelo barão do Rio Branco –, Paulino José Soares de Souza não deixou um registro circunstanciado de seu imenso trabalho de gestor, de político, de chefe fundador de uma diplomacia verdadeiramente brasileira, mas ofereceu sua contribuição de estadista como autor de duas obras de direito administrativo. Seu neto, José Antonio Soares de Souza, deixou sobre ele um relato encomiástico, mas honesto, na obra A vida do visconde do Uruguai (1944), com ampla informação sobre cada uma de suas múltiplas atividades nos diversos cargos em que se desempenhou sempre de forma brilhante. Outros estudiosos importantes, como José Murilo de Carvalho, que organizou a reedição de suas principais obras (2002), ou Ilmar Mattos (1999), examinaram o seu trabalho como construtor do Estado imperial. Esta obra, de meu colega Paulo Fernando Pinheiro Machado, completa agora, pelo estudo de suas ideias e pelo acompanhamento de sua ação na diplomacia, o panorama virtualmente completo desse grande formador do Brasil na primeira fase de sua existência como nação independente. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, dezembro de 2021





segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Após saída de Ernesto Araújo, Itamaraty busca controle de danos - Janaína Figueiredo (O Globo)

Mudou, sim, muita coisa na diplomacia, e o controle de danos começou dentre da Casa. Mas não se pode pedir que a diplomacia mude a política externa: esta é feita em outras esferas, com outras ferramentas, não apenas as do Itamaraty, que saberia conduzir uma boa diplomacia, ainda que pedestre e conservadora. Política externa é feita por líderes políticos e por decisores que detêm o poder real, o que não é o caso dos diplomatas, meros burocratas do Estado (não todos).

PRA


Após saída de Ernesto Araújo, Itamaraty busca controle de danos
Saída do chanceler em março enfraqueceu ala ideológica e abriu espaço para substituto, Carlos França, tentar recuperar credibilidade internacional do Brasil
Janaína Figueiredo
O Globo | Atualizado em 12/12/2021 - 13:06

Desde que Ernesto Araújo deixou o comando do Itamaraty, em março passado, os diplomatas brasileiros trabalham com a clara missão de fazer um controle de danos abrangente, que permita ao Brasil recuperar a credibilidade internacional. Como parte desse esforço, o Ministério das Relações Exteriores está mergulhado na preparação da presidência brasileira do G20, que começará em dezembro de 2023, no final do primeiro ano de mandato de quem for eleito em 2022. Será, afirmaram ao GLOBO fontes do governo, “uma oportunidade única para mostrar ao mundo que o Brasil está de volta”.

Ter a presidência do G20 — hoje com a Indonésia e posteriormente com a Índia — será, acrescentaram as fontes, “uma plataforma extraordinária para voltar a inserir o Brasil no cenário externo”. Numa agenda ainda preliminar de temas a serem defendidos pela presidência brasileira, à qual O GLOBO teve acesso, estão questões como meio ambiente, transformação digital, medidas anticorrupção, saúde, clima e energia.

Se governos passados tiveram eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 para exibir o Brasil, o futuro governo terá uma série de reuniões de ministros do G20 e, como momento culminante do ano de 2024, a cúpula de chefes de Estado e governo do grupo.

A saída de Ernesto e a entrada do ministro Carlos França no governo devolveram, em palavras de uma fonte diplomática, “a alma ao Itamaraty”. Desde a troca de ministros, os diplomatas brasileiros, acrescentou a fonte, “respiram melhor”. A diplomacia foi despolitizada, e membros da chamada ala ideológica do governo praticamente saíram de cena. O deputado Eduardo Bolsonaro, que deixou este ano a presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, está mais dedicado à campanha de reeleição do pai, o presidente Jair Bolsonaro. Com isso, o chanceler assumiu um controle quase total da política externa. França, que conhece e sabe lidar com os humores do Palácio do Planalto, comentaram as fontes consultadas, exerce uma “diplomacia serena e com visão de longo prazo”.

O esforço de reconstrução da imagem externa do Brasil foi evidente no envolvimento protagonístico do Itamaraty na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26). Muitos duvidam da capacidade do governo Bolsonaro de cumprir as metas e compromissos anunciados, mas é unânime o reconhecimento ao Ministério das Relações Exteriores por ter mostrado, de novo, uma diplomacia profissional, apegada às tradições do Itamaraty.

— É bom lembrar que nenhum representante do G20 veio à posse de Bolsonaro. A guinada da política externa é real, e veio depois da derrota de Donald Trump nos Estados Unidos e, também, de Benjamin Netanyahu, em Israel — afirma o professor de Relações Internacionais Mauricio Santoro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Para Santoro, “a visão negativa sobre o Brasil se deve ao tratamento do meio ambiente, ao comportamento do governo na pandemia e ao declínio da democracia no país”. O embaixador Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e árbitro do Mecanismo Provisório de Apelação da Organização Mundial de Comércio (OMC), lamenta que Ernesto “tenha sido escalado para desconstruir o Itamaraty”, e celebra que “França esteja procurando fazer, sem alarde, uma volta ao Itamaraty normal”.

Conselho de segurança
Em janeiro de 2022, o Brasil assume novamente uma vaga rotativa no Conselho de Segurança da ONU, de onde está ausente desde 2010, outra oportunidade que o Itamaraty de França aproveitará na cruzada pela reinserção do Brasil na comunidade internacional, ainda sob Bolsonaro.

— A ausência prolongada do país no conselho também está relacionada a erros dos governos do PT. O que França está fazendo vai facilitar a transição, porque o próximo presidente não terá de fazer ajustes que já estão sendo feitos — avalia o embaixador Rubens Barbosa, que chefiou as embaixadas de Londres (1994-1999) e Washington (1999-2004), e atualmente preside o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice).

A presença no conselho permitirá, assegura Barbosa, “fazer algumas correções e voltar a defender posições tradicionais do Brasil na ONU, entre elas a de não intervenção”.

Os novos ares que se respiram no Itamaraty permitiram a reaproximação do Brasil com países vizinhos e, em geral, a preservação da diplomacia em momentos de extrema polarização política, dentro e fora do Brasil. A escolha do país para presidir o G20 a partir de dezembro de 2023 (os mandatos são de um ano) ocorreu na reta final da gestão de Ernesto, mas fontes do governo confirmaram que o trabalho feito nos últimos meses, sem condicionamento políticos e ideológico algum, não teria sido possível sem a mudança de chanceler.

Sob coordenação do Itamaraty, vários ministérios do governo Bolsonaro estão elaborando uma agenda de prioridades para a presidência brasileira do G20 que já destaca, por exemplo, a reforma da OMC, redução de subsídios em todos os setores para fortalecer o comércio multilateral, desenvolvimento sustentável e a importância da bioenergia e de energias renováveis na transição energética dos países do grupo. No ministério, o homem do G20 é o embaixador Sarquis José Buainain Sarquis, secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos e sherpa do Brasil (nome dado ao representante do chefe de Estado que prepara o país para cúpulas do bloco).

‘Refazer fontes de diálogo’
O controle de danos pós-Ernesto, enfatiza o embaixador Gelson Fonseca, diretor do Centro de História e Documentação Diplomática da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e conselheiro do Cebri, “deve ser feito em todos os foros multilaterais e para voltar a atuar é preciso refazer fontes de diálogo, mas, também, ter propostas”.

— Temos de ter capacidade de atuação e ideias. O que se espera nessa volta a sermos relevantes? Qual será nossa perspectiva de mundo? Como vamos nos encaixar na bipolaridade entre China e EUA? Controle de danos é se defender, mas o que vamos precisar, também, é propor uma agenda que nos faça novamente relevantes — frisa Fonseca.

Com Ernesto, o governo Bolsonaro escolheu um lado (os EUA de Trump) e praticamente se indispôs com grande parte do resto do mundo. O desafio é entrar novamente no jogo, com uma posição de peso, o que implicará a construção de uma nova agenda para a política externa brasileira.

A sensação no corpo diplomático estrangeiro em Brasília é de que o Itamaraty conseguiu começar a virar a página de pouco mais de dois anos nefastos para o país. As novas páginas, porém, ainda precisam ser escritas. Com França, um esboço está surgindo. Mas a real expectativa é o Brasil pós-eleição presidencial de 2022.

https://oglobo.globo.com/mundo/apos-saida-de-ernesto-araujo-itamaraty-busca-controle-de-danos-1-25315804

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Bolsonaro está sem sorte no plano da política externa: sua diplomacia está em frangalhos (a despeito do Itamaraty) - matérias de imprensa

 


Bastidores: Alemanha se soma à França como dor de cabeça para diplomacia bolsonarista

Diplomatas preveem tensão com novo novo governo alemão e reclamam de embaixador em Brasília
 
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
08 de dezembro de 2021 | 15h00

BRASÍLIA - A França, de Emmanuel Macron, não está mais sozinha. Com a posse do novo chanceler Olaf Scholz nesta quarta-feira, 8, a Alemanha se junta à condição de alvo internacional da ira bolsonarista. O motivo da insatisfação contra Paris, que agora já se estende a Berlim, é o tom das cobranças europeias ao governo Jair Bolsonaro, por causa da destruição ambiental na Amazônia.

Em Brasília e em Berlim, a expectativa diplomática é que o novo governo alemão aumente a pressão sobre Bolsonaro. Ouvidos reservadamente pelo Estadão, embaixadores dos dois países dizem que a situação tende a "piorar".

A maior economia europeia vai ser governada por uma coalização à esquerda, se comparada com a da democrata-cristã Angela Merkel, que ficou 16 anos no poder como chanceler. O bloco que compõe o governo é formado por social-democratas, liberais e verdes. A coalizão foi apelidada de "semáforo", pela ordem das cores dos partidos - vermelho, amarelo e verde. Olaf Scholz já compunha a gestão de Merkel como vice-chanceler e ministro das Finanças.

Um problema foi acrescido após a COP 26, em Glasgow, na Escócia. A delegação brasileira chefiada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, deixou de apresentar os dados mais recentes de desmatamento na Amazônia, um recorde de 13 mil km² devastados, e assegurou que o cenário seria positivo. Nos bastidores, diplomatas brasileiros reconhecem que a credibilidade foi prejudicada e que seus pares estrangeiros saíram com a percepção de que foram enganados.

Berlim, assim como parte das capitais da União Europeia, entende que a confiança em Bolsonaro foi perdida. Não por outro motivo, o embaixador alemão em Brasília, Heiko Thoms, disse ao Estadão que os compromissos anunciados pelo Brasil na Cúpula do Clima eram só palavras e manifestou descrédito na capacidade de o governo cumprir a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2028. Ele negou a possibilidade de o país retomar contribuições ao Fundo Amazônia.

O embaixador e sua equipe têm manifestado em conversas preocupações com direitos humanos, ameaças à liberdade de imprensa e às instituições democráticas e com o desmantelamento de órgãos ambientais brasileiros. Para eles, o governo Bolsonaro não percebeu que a pauta climática virou preocupação de toda a sociedade alemã e se vê refletida no espectro político mais amplo, à exceção da extrema-direita. As eleições internas ocorreram meses após enchentes históricas que provocaram quase 200 mortes na Alemanha.

O tom mais duro do diplomata alemão acendeu o sinal amarelo no Itamaraty. Dois embaixadores ligados à cúpula do Ministério das Relações Exteriores (MRE) manifestaram restrições ao novo comportamento de Thoms. Por enquanto, as respostas públicas serão dadas por ministros do primeiro escalão bolsonarista, como virou costume.

Um diplomata ligado à área econômica disse que o embaixador alemão vestiu a camisa do novo governo antecipadamente para "mostrar serviço" a Berlim, deixando em segundo plano relações de mais longo prazo que norteiam as duas diplomacias. O outro, responsável pela agenda de meio ambiente, afirmou que as críticas de Thoms eram uma atitude inadequada diplomaticamente e que ele deveria optar por canais formais junto ao MRE. "Imagine se nosso embaixador em Berlim (Roberto Jaguaribe) comentasse assuntos domésticos deles… Não cabe", protestou.

Apesar das reclamações com a eloquência de Thoms, o tom deve escalar alguns níveis acima, e o embaixador certamente tem respaldo superior.  A nova ministra das Relações Exteriores será a advogada Annalena Baerbock, de 40 anos, ex-candidata a chanceler e uma das líderes do Partido Verde. Ela é uma política ecologista, ex-atleta e crítica do presidente Bolsonaro, favorável a movimentos de pressão global sobre a Amazônia, que podem impactar o comércio.

Outro líder do partido, Robert Habeck, vai chefiar o novo ministério do Clima e da Economia. Também ficaram com os verdes as pastas de Agricultura e do Meio Ambiente.

Do outro lado da fronteira, a França vai passar por eleições nacionais no ano que vem, depois de os verdes assumirem mais protagonismo nas municipais de 2020, o que joga pressão para a reeleição de Macron como presidente. Os franceses também irão assumir a presidência de turno do Conselho da União Europeia, o que pode deixar ainda mais longe progressos no acordo comercial com o Mercosul.

Posse de Scholz encerra Era Merkel
A posse do líder social-democrata Olaf Scholz nesta quarta-feira, 8, pôs fim a um dos capítulos mais importantes da história contemporânea da Alemanha: os 16 anos de Angela Merkel como dirigente da maior economia da zona do euro. Primeira mulher a governar o país, Merkel deixou o cargo após 5.860 dias, apenas nove a menos do que seu mentor, o ex-chanceler Helmut Kohl.

Aos 63 anos, Scholz foi escolhido como novo chanceler pelo Parlamento alemão nesta quarta, após conquistar 395 votos dos 736 possíveis na atual composição do Bundestag. A eleição era certa após a coligação com os Verdes (que conquistaram 118 cadeiras na eleição de setembro) e com os liberais (92 cadeiras) ser anunciada na terça-feira, 7.

Scholz respondeu "sim" à presidente do Parlamento, Bärbel Bas, ao ser questionado se aceitava o resultado da votação, e recebeu  o documento que oficializa sua nomeação e marca o início de seu mandato do presidente Frank-Walter Steinmeier. Ele prestou juramento, ao lado dos seus ministros, diante dos deputados e leu o artigo 56 da Lei Fundamental, no qual promete "dedicar suas forças ao bem do povo alemão".

Merkel também esteve presente na votação e recebeu muitos aplausos em sua despedida. Nas últimas semanas, a agora ex-chanceler recebeu várias homenagens, reconhecendo importantes avanços de seu governo e o papel central que desempenhou como liderança na União Europeia.

"Angela Merkel foi uma chanceler que teve êxito", elogiou Scholz recentemente, ao homenagear uma governante que "permaneceu fiel a ela mesma durante 16 anos marcados por várias mudanças"./ Com informações da AFP

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,bastidores-alemanha-se-soma-a-franca-como-dor-de-cabeca-para-diplomacia-bolsonarista,70003920390


"Brasil deve esperar cobranças mais duras da Alemanha", diz professor da Universidade de Berlim

Novo governo alemão promete mais proteção ao clima. Má notícia para Bolsonaro, avalia professor Sérgio Costa

Cristiane Ramalho DW
08 de Dezembro de 2021 às 13:35

Professor da Universidade Livre de Berlim, e observador da política alemã há mais de 20 anos, o sociólogo Sérgio Costa aposta que a mudança de governo na Alemanha terá impacto direto sobre o Brasil, tanto nas relações diplomáticas quanto comerciais: "O Brasil deve ganhar mais espaço na agenda política alemã - mas com sinal negativo. Não como aliado de primeira instância, mas como um dos governos com os quais é difícil trabalhar."

Três ministérios que interessam diretamente ao Brasil passarão para as mãos do Partido Verde: Economia e Clima; Meio Ambiente; e Relações Exteriores. O novo governo promete uma política externa voltada para a defesa do meio ambiente e das minorias. A pressão sobre o governo brasileiro vai aumentar: "Haverá um endurecimento nas relações", avalia Costa.

O novo enfoque no combate às mudanças climáticas pode levar, por exemplo, a restrições à importação de produtos que contribuam para o aumento do efeito estufa, como a carne e a soja - inclusive do Brasil.

Em relação ao acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), as perspectivas também não são boas. "As coordenadas já não são favoráveis, e agora pode ter uma reviravolta", diz Costa. Pelo menos, enquanto o atual governo estiver no poder: "O grande fantasma para o acordo entre a UE e o Mercosul se chama Bolsonaro."

Já o Ministério para a Cooperação e Desenvolvimento, responsável pelo Fundo Amazônia, ficará com os social-democratas do SPD – o que também deve evidenciar ainda mais as diferenças em relação ao governo Bolsonaro, segundo o professor.

Também diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos, em Berlim, Costa lembra que SPD, verdes e liberais se comprometeram ainda a apoiar os movimentos sociais "que defendem a democracia" e a "fortalecer as lutas contra populistas e autocratas" na América Latina e Caribe. O que pode ser uma boa notícia para organizações que trabalham com os mesmos valores na região.

Com 20 livros publicados como autor ou coeditor, o sociólogo diz que não só a Alemanha vai mudar, mas também a União Europeia - que passará a ter papel mais pronunciado na proteção do clima e do meio ambiente: "Esta passa a ser uma agenda europeia."

Nesta quarta-feira, o Parlamento alemão confirmou o nome de Olaf Scholz como novo chanceler federal, colocando fim à era Merkel. É a primeira vez que o país sera governado por numa coalizão formada por social-democratas, verdes e liberais.

DW Brasil: Como o Brasil será visto pela nova coalizão de governo nessa era pós-Merkel que se inicia?

Sérgio Costa: O Brasil deve ganhar mais espaço na agenda política alemã – mas com sinal negativo. Não como um aliado de primeira instância, mas como um dos governos com os quais é difícil trabalhar.

Com a nova coalizão, teremos partidos que são muito mais programáticos do que a CDU (União Democrata Cristã, de Angela Merkel) – especialmente o Partido Verde. Devemos esperar, portanto, mudanças tanto nas relações diplomáticas quanto nas relações comerciais entre o Brasil e a Alemanha.

O ministério das Relações Exteriores – uma pasta que interessa diretamente ao Brasil – ficou justamente com o Partido Verde. Haverá um endurecimento nas relações bilaterais?

Com a copresidente do Partido Verde (Annalena Baerbock) à frente do Ministério das Relações Exteriores, haverá uma linha geral de política externa que enfatize o multilateralismo, e o fortalecimento dos direitos humanos e de minorias, tais como indígenas, negros, mulheres e LGBTQ, e uma posição muito clara em relação a temas de meio ambiente e clima, no sentido da mudança climática.

E o Partido Verde não estará sozinho. Esses itens são uma pauta importante também para os social-democratas e os liberais. Em todos esses campos, haverá realmente um endurecimento nas relações com o Brasil.

Os verdes vão assumir ainda dois ministérios que também dizem respeito ao Brasil: o de Meio Ambiente e o superministério de Economia e Clima. Como isso deve afetar as relações entre o governo alemão e o governo Bolsonaro, em meio a recordes de desmatamento na Amazônia?

É de se esperar cobranças mais duras do governo brasileiro. Com o novo enfoque no clima pode haver, por exemplo, mais controle sobre as emissões de gases do efeito estufa na cadeia produtiva – o que pode levar a restrições na importação de produtos do Brasil, como a carne, e também a própria soja, na medida em que fique configurada a correlação entre o desmatamento e a expansão da soja.

Mesmo que o governo brasileiro tente negar, essa relação é óbvia. Tudo vai depender da capacidade do partido Verde de impor os seus valores na disputa interna de poder entre os diferentes ministérios. [Continua após o vídeo.]

O Partido Liberal Democrático, que assumirá a pasta das Finanças no novo governo, não poderá frear essa pressão em nome dos interesses comerciais da Alemanha – que tem no Brasil seu maior parceiro na América do Sul?

Nós vamos ver um jogo de forças. O novo ministro das Finanças, Christian Lindner, é a favor da liberdade completa da economia. E o partido liberal é, por definição, muito favorável aos atores econômicos. Em que medida esses interesses poderão ser contrariados para atender aos interesses do respeito ao meio ambiente e das minorias, e à contenção da mudança climática, para que lado vai pender a balança entre essas duas forças, é algo que ainda está em aberto.

Mas os liberais ratificaram, no acordo de coalizão, a proposta de fortalecimento das sociedades na luta contra o populismo, os movimentos autoritários e as ditaduras na América Latina. Nesse aspecto, pelo menos, eles não estão afinados?

Com certeza. Ainda que possa haver diferenças em relação à economia, no que diz respeito à proteção da democracia e das liberdades individuais, como na manifestação da sexualidade, o Partido Liberal é tão rigoroso e intransigente quanto os social-democratas e os verdes.

Nesse sentido, eles têm nos liberais um aliado muito forte. E a parte que se refere à América Latina e ao Caribe diz claramente que uma das prioridades é apoiar os movimentos sociais que defendem a democracia, e fortalecer as lutas contra populistas ou autocratas nessa região. Isso indica que o novo governo irá incentivar movimentos que trabalhem com os mesmos valores que ele, buscando alianças. E isso pode ter consequências, obviamente, em relação ao Brasil. Sob esse ponto de vista, pode ser esperar uma clareza maior do que nos governos comandados por Merkel.

::Análise | O fim da Era Merkel e a volta da centro-esquerda ao poder na Alemanha: e agora?::

O acordo de coalizão condiciona o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia a compromissos vinculantes nas áreas de meio ambiente e direitos humanos. Haverá impacto sobre a ratificação desse acordo?

Sim, as coordenadas já não são favoráveis, e agora pode haver uma reviravolta. Não existe a menor dúvida de que o grande fantasma – mesmo que não seja mencionado o nome dele – para o acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul se chama Bolsonaro.

O medo do que Bolsonaro significa em termos de clima, direitos humanos e democracia é que impede esse acordo de já estar completamente consolidado e assinado. É de se esperar que a nova coalizão seja ainda mais intransigente na exigência de compromissos com relação à proteção do meio ambiente e dos direitos humanos. Não só a Alemanha vai mudar, como a UE deve ter um papel mais pronunciado em relação à proteção do clima e ao meio ambiente. Com a influência da Alemanha, essa passa a ser uma agenda europeia.

O Ministério para Cooperação e Desenvolvimento, responsável pelo Fundo Amazônia, vai passar para as mãos dos social-democratas. As diferenças em relação ao governo Bolsonaro devem se aprofundar ainda mais?

Sem dúvida. Simbolicamente, esse é um ministério muito importante. Ele tem capilaridade e penetração social, e atinge desde instituições de caridade até ONGs, inclusive na região Amazônica. Nele se define qual o desenvolvimento que se quer promover e cofinanciar.

E é claramente o desenvolvimento sustentável, não só socialmente, mas também ambientalmente. A discussão sobre o Fundo Amazônia estava nas mãos do partido CSU (União Social Cristã, conservadora), que detinha o ministério, e endureceu a relação a ponto de cortar esses recursos.

Duas pautas frequentes das negociações com o Brasil eram a proteção do meio ambiente e de minorias - sobretudo da população indígena. Mas sempre houve um cuidado de não provocar rupturas. Sob a regência do partido social-democrata essas exigências devem ser ainda mais enfáticas, com programas de cooperação e transferência de recursos sendo usados para pressionar o governo brasileiro.

Um novo governo na Alemanha seria capaz de influenciar, de alguma forma, as eleições no Brasil em 2022, levando em conta a antiga relação entre os social-democratas, que estarão no poder, e Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje desponta como favorito?

Não acredito que a política externa possa ter uma importância tão grande nas eleições do Brasil, um país continental onde os eleitores se preocupam pouco com a política externa. Nas últimas eleições, a Venezuela ganhou importância. Mas era muito mais porque as pessoas temiam que o Brasil se tornasse uma Venezuela.

Episódios recentes, porém, dão uma boa medida das relações entre Brasil e Alemanha hoje. Por exemplo, a liderança de um partido de extrema-direita, a AfD, foi recebida no Brasil por Bolsonaro. Este é um partido marginal na política alemã. Nenhum ator democrático aceita qualquer cooperação com a AfD na Alemanha e na Europa.

Ao mesmo tempo, Lula foi recebido pelo futuro chanceler federal (Olaf Scholz) quando veio à Europa. Isso tem uma importância simbólica. Pode ressaltar as diferenças entre Lula e Bolsonaro, que nunca conseguiu ter receptividade na Europa - a não ser da extrema direita. E pode até ter algum impacto para um eleitorado mais escolarizado e atento. Mas a influência disso na eleição será muito pequena.

SAIBA MAIS: Encontro de Bolsonaro com extremista alemã expõe "articulação global da extrema direita"

Bolsonaro também não foi recebido por Angela Merkel – que, por sua vez, nunca visitou o Brasil durante o  governo dele. Esse distanciamento tende a piorar?

O Brasil, do ponto de vista da política exterior, ficou completamente isolado, sobretudo depois da derrota do Trump (Donald Trump, ex-presidente americano), que não foi reeleito. Seus parceiros internacionais são hoje países sem grande expressão. Ninguém quer se aproximar do Brasil na arena internacional. Não é, obviamente, pelo país, nem pela sociedade, nem pela sua potencialidade econômica e social. É pelo governo que ele tem. Há um distanciamento claro do governo Bolsonaro.

Os diplomatas, inclusive embaixadores brasileiros no exterior, estão isolados, porque nenhum país democrático quer cooperar estreitamente com o Brasil. O governo da Merkel não foi diferente. Colocou o Brasil na geladeira.

Apesar do histórico de relações bastante intensas, não só econômicas, mas também políticas e diplomáticas, essa cooperação estratégica perdeu a importância nos últimos anos. O que pode acontecer agora, com a nova coalizão, é que esse distanciamento passe a ser ativo. Não como no governo Merkel, que evitou as relações com o Brasil. Com a nova coalizão, pode haver uma cobrança de fato em relação ao Brasil.

https://www.brasildefato.com.br/2021/12/08/brasil-deve-esperar-cobrancas-mais-duras-da-alemanha-diz-professor-da-universidade-de-berlim

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Mini-reflexão sobre a condição de professor - Paulo Roberto de Almeida

 Mini-reflexão sobre a condição de professor 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Venho de uma família muito pobre, tanto materialmente, quanto educacionalmente. Meus avós, imigrantes europeus mais de um século atrás, vindos ao Brasil para trabalhar nas fazendas de café, de São Paulo ou do sul de Minas, eram perfeitamente analfabetos, e assim permaneceram até o fim de suas vidas. Meus pais tiveram uma educação primária interrompida pela necessidade de trabalhar, e assim não tinham nenhum certificado de ensino, embora soubessem ler e escrever; o fato é que não havia livros em minha casa. Eu mesmo tive de começar a trabalhar muito cedo, mas muito cedo mesmo, para ajudar numa casa que se equilibrava entre a penúria e a pobreza. Enfim, as perspectivas de vida não eram muito promissoras na primeira infância, e o futuro profissional teria sido provavelmente construído a partir de um domínio vinculado a alguma atividade ou ocupação manual. 

O que fez a diferença, no caso creio que absoluta, foi a existência, no nosso modesto bairro do sul da cidade de São Paulo, antes chamado de “chácara Itaim”, depois de Itaim Bibi, caracterizado por ruas de terra e muitos terrenos baldios, de uma biblioteca pública infantil, recentemente aberta em torno de meus cinco anos, ou seja, em meados dos anos 1950. Comecei a frequentar a biblioteca Anne Frank dois anos antes de aprender a ler, o que se refletia em atividades puramente reativas, jogos, revistas infantis pelas ilustrações e, o que me dava mais prazer, os filmes que eram passados regularmente: Os Três Patetas, Gordo e Magro, Roy Rogers, Tarzan, Oscarito e Grande Otelo, Zorro, e sobretudo os desenhos animados dos anos 1950, Looney Tunes, Disney e outros. Foram momentos de felicidade na primeira infância, em meio à vida austera da pequena casa em construção numa pequena rua do final da Avenida Imperial (futura Av. Horácio Lafer), abaixo da Avenida Iguatemi (futura Av. Faria Lima).

Assim que aprendi a ler, na tardia idade de sete anos, passei a ler todos os livros, ou quase todos, que chamavam minha insaciável atenção. A enorme felicidade era constituída pelo fato de que os livros se espalhavam pelas paredes de uma enorme sala de leitura, sendo que uma outra sala adjacente, eles estavam em estantes de ferro. Eu podia então percorrer todas as estantes, e a única recomendação das bibliotecárias era que não repuséssemos os livros nas estantes, mas os deixássemos numa mesa, para serem guardados por elas. Já adulto, e contando com um daqueles primeiros computadores portáteis, percorri novamente aquelas estantes e anotei febrilmente títulos e autores que preencheram minha infância: infelizmente, essa notação se perdeu, e quando voltei à biblioteca, muitos anos depois, tudo tinha sido renovado, e “meus livros” desapareceram. Lembro-me de Monteiro Lobato, evidentemente, praticamente todos os infantis (embora eu também lançasse os olhos sobre os “de adultos”, que não chegaram a me atrair antes da adolescência), mais aqueles de coleções seriadas: Emilio Salgari, Karl May (Winnetou), contos árabes de Malba Tahan e dezenas de outros que vou rememorar no devido tempo. Alguns desses já seriam leituras de adolescentes, e foram “enfrentados” já perto dos onze ou doze anos, quando passei a ter aulas integrais, no Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha, entre 1962 e 1965. 

Até então, ou seja, quatro anos de primário e um de “admissão”, eram em regime parcial, estudos matinais, sendo que parte da tarde era tomada por trabalho (pegador de bola de tênis em clube, ou empacotador de supermercado, por exemplo), ao lado da biblioteca e partidas de futebol ou outras brincadeiras na rua de terra. O que era excepcional na biblioteca é que quando ela fechava, em torno das 18hs, eu podia levar dois ou três livros para ler em casa, um a possibilidade a que inapelavelmente eu recorria de modo sistemático. Passava então parte da noite lendo esses livros na cama, até que a ordem materna vinha para apagar a luz, por necessidade de economia. Ao sair do ginásio e ingressar no colegial noturno, curso “clássico”, comecei a trabalhar regularmente durante o dia, como “office-boy” numa empresa estrangeira do centro de São Paulo, e aproveitava as saídas a trabalho para ingressar rapidamente nas bibliotecas disponíveis: a Municipal Mário de Andrade, a da Faculdade de Direito da USP, no Largo de S. Francisco, a da Confederação Nacional do Comércio, no Vale do Anhangabaú e a mais longínqua da USIA, junto ao Consulado americano na Avenida Paulista. Havia ainda a mal localizada da “associação cultural” Brasil-Estados Unidos, numa paralela da Av. 9 de Julho e devo estar esquecendo algumas outras. Em todas elas, eu me inscrevi para retirar livros e ler em casa, ou nas viagens de ônibus, a caminho do trabalho. 

Ao preparar-me para os vestibulares na USP – não para Direito, como desejava a família, mas para o curso de Ciências Sociais, de cujos professores eu já tinha lido os livros mais importantes –, eu comecei a dar aulas gratuitas para candidatos à universidade, sem que eu disponha agora das referências exatas dessa atividade, para especificar tempo e lugar: apenas me lembro que era em uma sala de colégio. Meu ingresso em Ciências Sociais da USP se deu naquele ambiente conturbado da “batalha da Maria Antônia”, quando, em outubro de 1968, a “extrema-direita” do Mackenzie atacou, de maneira selvagem, a “esquerda” da Fefelech, a conhecida Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP; fomos rapidamente deslocados para os “barracões” da Cidade Universitária, onde comecei os estudos no início de 1969. As boas perspectivas de estudar com os grandes professores do curso, os mestres da Escola Paulista de Sociologia – Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardos, Octavio Ianni, entre outros – foram brutalmente cortadas pouco depois, quando esses e muitos outros professores foram compulsoriamente aposentados pelo Ato-5 da ditadura militar, contra a qual eu já vinha protestando nas ruas desde os tempos do colegial. Sem pretender estender muito este relato prévio à minha carreira de professor, apenas confirmo que, a partir desse momento, decidi sair do Brasil, não apenas por qualquer desilusão com respeito à “cassação” dos meus professores, mas também em consideração a questões de minha própria segurança pessoal, uma vez que estava vinculado a grupos de resistência à ditadura militar (no espaço de pouco mais de um ano passei por três deles, em razão dos sucessivos fracionamentos desses grupos, já praticamente acuados pela repressão brutal). 

Os quase sete anos passados em autoexílio na Europa – retomada da graduação em Ciências Sociais, mestrado em Economia e início de um doutoramento, ainda em Ciências Sociais – me confirmaram num futuro profissional decididamente acadêmico, o que me decidi a iniciar ainda antes de terminar o doutoramento. A volta ao Brasil trouxe, porém, uma surpresa: imediatamente após ter iniciado minha carreira de professor, na área da Sociologia e da História Econômica, fui surpreendido pela abertura de concurso direto para a carreira diplomática, em meados de 1977, o que representou uma decisão de surpresa e não prevista. O ingresso na diplomacia for relativamente fácil, dada minha carga de leituras acumuladas, mas nunca abandonei a atividade paralela do magistério superior, o que finalmente empreendi assim que retornei de meus dois primeiros postos no exterior, com o doutorado concluído.

E assim foi feito, durante toda a duração da carreira diplomática, que agora decidi encerrar, praticamente de forma contínua, com as interrupções inevitáveis por saídas a serviço, mas com alguma atividade acadêmica nesses postos do exterior, ainda que de maneira ad hoc, ou temporária. Posso dizer que fui um professor que “esteve” diplomata durante quatro décadas, tanto é que colegas e chanceleres do Itamaraty costumavam me chamar de “professor”, não exatamente pelo cargo do momento, conselheiro ou ministro. Mesmo como embaixador (ou ministro de primeira classe), nunca objetei, até pedi, que me chamassem de professor, pois é esta minha verdadeira natureza, a primeira se ouso dizer. 

Concluo pela pergunta mais óbvia: por que, tendo uma carreira de relativo prestígio como a diplomacia, praticamente tranquila e satisfatória – inclusive no plano intelectual, pois este é o meu critério principal em qualquer atividade assumida –, decidi empreender e dar continuidade a uma segunda (talvez primeira) carreira que me impôs certo sacrifício pessoal e familiar, tendo em vista aulas noturnas, ocupação com preparação de matérias, correção de provas, orientação de alunos, participação em bancas, aceitação de convites para seminários (vários implicando viagens fora de Brasília) e diversos outros encargos decorrentes desse desafio voluntariamente assumido e perseguido por todos os anos, em paralelo à profissão principal, igualmente exigente (viagens em fins de semana, ausência em conferências e reuniões internacionais, etc.) e finalmente mais remuneradora? 

Se ouso responder pela postura mais simples, eu diria apenas que atendi a um apelo interno, aquele despertado em mim ainda quando criança ou adolescente, ao perceber que o aprendizado, o conhecimento, a capacitação pessoal era a única maneira de superar a antiga condição de pobreza e de ausência inicial de perspectivas mais promissoras de vida. Numa resposta mais elaborada, talvez autocongratulatória, seria o desejo consciente de devolver à sociedade, em geral, a brasileira em particular, tudo aquilo que recebi dessa sociedade nos primeiros ciclos de ensino e até o universitário (parcialmente pago, quando na Europa). Mas essa devolução não precisa de intermediários, de escolas ou faculdades, pois faço isso por minha própria conta, desde quando decidi iniciar o trabalho de ensino e orientação voluntária de alunos, via ferramentas sociais; as primeiras foram gratuitas, no Geocities ou algumas outras, depois paguei meu domínio para montar meu próprio site, no qual colocava à disposição de todos meus trabalhos sobre Mercosul, integração e os temas mais diversos de relações internacionais, política externa e história diplomática. 

O fato é que desde o final dos anos 1990 e criei meu próprio espaço de ensino, de comunicação, de divulgação e de interação com alunos e colegas acadêmicos, o que nunca mais cessou, apenas aumentou, desde então, por meio do site (www.pralmeida.org), de vários blogs (até afunilar no Diplomatizzando) e das outras ferramentas disponíveis. Em todos esses espaços de comunicação social, por meio da participação em inúmeros eventos em minhas áreas de especialização, tenho exercido minha primeira “profissão” – que eu diria que é apenas dedicação – de professor, ou de mestre, o que for melhor. 

Gostaria, neste momento, de agradecer a todos os meus alunos, sobretudo aqueles mais questionadores ou contestadores, pois foram eles que me obrigaram a aperfeiçoar meus argumentos, a duplicar minhas leituras, a preparar melhor as minhas aulas, textos e trabalhos diversos. Sou sinceramente agradecido, pois que são esses alunos que legitimam e testam a qualidade de minhas aulas e trabalhos, sem que eu dependa de qualquer cargo ou instituição para tal desempenho, pois que poderiam simplesmente, largar tudo isso e concentrar-me apenas na carreira diplomática, quaisquer que fossem as condições que enfrentei nesta última (supostamente a primeira), e elas foram em diversas ocasiões bastante desafiantes. Com efeito, não é segredo para os mais bem informados que, dada minha natureza contestadora, ou contrarianista – eu apenas falaria de uma postura de ceticismo sadio –, cheguei a enfrentar algumas “contrariedades” na carreira, geralmente em decorrência de publicações fora da “verdade oficial”, ou diretamente contrárias às posições do momento, o que resultou em algumas “punições” (telegramas relembrando as normas de discrição) por não respeitar os pedidos de autorização superior para publicar artigos (que nunca vinham, por sinal) e até num longo ostracismo, durante toda gestão lulopetista no Itamaraty. No horroroso governo atual fui exonerado do cargo que ocupava (para grande alívio da minha parte), e sofri retaliações financeiras, por atos que eu não hesitaria em classificar como assédio moral. 

Estou bem na carreira de professor e nela continuarei enquanto minhas forças e capacidade intelectual assim o permitirem, ou enquanto for requisitado bilateralmente por estudantes, pesquisadores ou colegas professores. Tenho tido bastante satisfação a partir dessas atividades, o que pode ser confirmado pelo volume da produção intelectual acumulada (enquanto escreve, constato que estou no trabalho n. 3.997, ao lado de mais de 1.400 já publicados, nos seus vários formatos), e pelos livros publicados, vários livremente disponíveis a partir de meu blog ou site. Meus trabalhos falam por si próprios, mas minhas aulas e o julgamento que se possa ter sobre elas dependem dos alunos que tive e que ainda terei. A palavra está com eles.

Muito obrigado a todos, o grande abraço acadêmico...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3997: 15 outubro 2021, 5 p.


domingo, 29 de agosto de 2021

A restauração da diplomacia na gestão atual - Leonardo Lellis (Revista Veja)

 Política

Carlos França retoma pragmatismo no Itamaraty para reconstruir pontes

  • Após encontrar uma pasta contaminada pelos delírios ideológicos do bolsonarismo, chanceler tenta recuperar o diálogo com parceiros

Ainda na campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro fez uma das promessas que viria a descumprir assim que empossado no cargo: retirar o que considerava ser “viés ideológico” das relações exteriores do Brasil. Aconteceu exatamente o contrário. Nomeou Ernesto Araújo, que pautou a condução de sua política externa pelas teorias conspiratórias do escritor Olavo de Carvalho, priorizou relações com governos à imagem e semelhança de seu ideário ultraconservador e criou atritos com parceiros históricos até o ponto em que a sua permanência se tornou insustentável. Agora, o chanceler Carlos França, que se aproxima de completar cinco meses à frente do Itamaraty, tenta consertar o estrago. Ainda que empreendida de forma discreta, a mudança é sentida tanto nas questões internas quanto nos discursos e gestos de aproximação de países antes hostilizados. “O ministro trabalha para reconstruir as pontes que foram dinamitadas e recuperar o nível de confiança no Itamaraty”, obser­va Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington.

O sinal dos novos tempos foi dado já no discurso de posse, quando França se descolou do negacionismo do antecessor ao reconhecer a gravidade das crises ambiental e sanitária. Em um movimento interno, trocou o comando da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag). De respeitado órgão dedicado às questões acadêmicas, ele havia se tornado na gestão Araújo uma máquina de promover desinformação sobre a Covid-19 e espalhar boatos conspiratórios associando a China à disseminação da doença. As sandices foram tantas num passado recente que a Funag acabou entrando no radar das investigações da CPI da Pandemia. Cicerone de olavistas e suas teses nos eventos que promovia, o presidente Roberto Goida­nich foi exonerado por França.

FORA DO CIRCUITO - Eduardo Bolsonaro (em visita a Donald Trump) e o assessor Filipe Martins (abaixo, com o guru Olavo de Carvalho): eles perderam o espaço que tinham com Ernesto Araújo e a influência na política externa -
FORA DO CIRCUITO – Eduardo Bolsonaro (em visita a Donald Trump) e o assessor Filipe Martins (abaixo, com o guru Olavo de Carvalho): eles perderam o espaço que tinham com Ernesto Araújo e a influência na política externa – @bolsonaro.enb/Facebook; @filgmartin/Instagram

O movimento mais delicado até aqui envolveu afastar gradativamente do raio de influência do Itamaraty dois nomes de maior peso, a começar pelo assessor especial da Presidência, Filipe Martins, outro discípulo de Olavo. Nos tempos de Araújo, dizia-se que Martins, um dos mais empenhados na cruzada ultraconservadora, tinha mais poder que o próprio ministro e havia se tornado até um conselheiro influente do presidente. Hoje, França nem sequer o recebe em seu gabinete. Com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o ministro tem apenas uma relação protocolar. A frieza é recíproca: se cada gesto de Araújo era celebrado e replicado pela dupla para a horda de seguidores no Twitter, França não conta com a mesma deferência. Apesar disso, Martins e o filho Zero Três do presidente continuam com a pretensão de terem interlocução fora das fronteiras, mas hoje ela se resume a laços com o ex-­presidente americano Donald Trump e movimentos internacionais de direita — um exemplo é a organização da CPAC, evento de extrema direita que acontece nos dias 3 e 4 setembro em Brasília (e que terá entre os palestrantes o próprio Ernesto).

Com o afastamento da dupla e da influência olavista na pasta, diplomatas e servidores celebram nos corredores do Itamaraty que o clima de caça às bruxas tenha se dissipado. O mesmo alívio se nota nas relações com outros países. Foi França, por exemplo, quem convenceu o presidente a escrever uma carta a Joe Biden para reduzir as desconfianças em relação à política ambiental brasileira. Também são marcas dessa inflexão a posição em organismos internacionais. O país se absteve de votar pela abertura de investigação contra Israel por crimes de guerra em Gaza, aprovada no Conselho de Direitos Humanos da ONU, e para condenar o embargo econômico a Cuba. “Essas abstenções já representam uma guinada que seria inimaginável sob Ernesto Araújo”, diz o professor da FGV Guilherme Casarões, especialista em relações internacionais.

HISTÓRICO - Oswaldo Aranha: o brasileiro preside a Assembleia-Geral da ONU que definiu a partilha da Palestina em 1947 -
HISTÓRICO - Oswaldo Aranha: o brasileiro preside a Assembleia-Geral da ONU que definiu a partilha da Palestina em 1947 – Bettmann Archive/Getty Images

Considerando-se a lista de problemas criados pela gestão anterior, o maior trabalho até o momento tem sido normalizar as relações com a China, o principal parceiro comercial e alvo dos piores ataques de membros do governo, incluindo o próprio Araújo. “O diálogo está restabelecido e agora há mais boa vontade por parte da China, mas a desconfiança está plantada”, pondera o diplomata Valdemar Carneiro Leão, ex-embaixador em Pequim. O primeiro chanceler a receber um telefonema do novo ministro foi o chinês Wang Yi. “O embaixador da China no Brasil mantém contatos frequentes com o chanceler brasileiro, que tem reiterado que as relações com a China são uma prioridade da diplomacia brasileira e que o relacionamento bilateral é amplo, mutuamente benéfico e estratégico”, relata o porta-voz da embaixada chinesa, Qu Yuhui. Os dois países se preparam para promover, ainda neste ano, a reunião de cúpula da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). Entre representantes do agronegócio, a sensação é de otimismo por poder projetar um futuro com menos solavancos com o maior destino de nossas exportações. O mesmo se dá com o papel ativo que o Itamaraty passou a exercer na busca de imunizantes contra a Covid-19, ao contrário de Araújo. França se reuniu com o colega chinês na primeira reunião do Fórum Internacional sobre Cooperação em Vacinas.

Sob todos os aspectos e frentes, trabalho não falta. Mesmo a relação com aliados históricos está sendo refeita, como com a Argentina, onde o presidente Alberto Fernández tem a oposição de Bolsonaro desde a sua campanha. Existem questões práticas a resolver com os hermanos, como diminuir as resistências à redução da tarifa externa comum do Mercosul. Para avançar nas discussões, França se reuniu três vezes com Felipe Solá, ministro das Relações Exteriores argentino. No Senado, fonte das pressões que levaram à queda de Araújo, França também tenta recompor o diálogo. Já participou de duas reuniões convocadas pela senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores, que processou Ernesto por insinuar que ela fazia lobby em favor dos chineses — ela venceu.

OSTRACISMO - Ernesto Araújo: a atuação se resume a dar palestra para radicais -
OSTRACISMO - Ernesto Araújo: a atuação se resume a dar palestra para radicais – Evan Vucci/AP/Imageplus/.

O desafio maior do novo chanceler é avançar ainda mais nessa faxina diplomática, já que ele não pode contrariar frontalmente as diretrizes do Palácio do Planalto. “Não vejo como França será capaz de melhorar a posição do Brasil internacionalmente. Qualquer grande mudança terá de vir de Bolsonaro, e isso também provavelmente não terá credibilidade. A visão em Washington é a de que o Brasil hoje é mal administrado em muitas frentes e, provavelmente, incapaz de mudar enquanto Bolsonaro estiver na Presidência”, avalia o brasilianista Peter Hakim, presidente emérito do Diálogo Interamericano, instituição dedicada a discutir a América Latina.

Muito embora não possa ter sucesso na impossível tarefa de controlar o presidente, França tem a seu favor a proximidade que alcançou ao conviver com Bolsonaro quando era chefe de cerimonial do Palácio do Planalto. Não estimular os arroubos presidenciais e costurar nos bastidores já é um bom começo para que o Itamaraty retome um rumo mais razoável. A relevância histórica do Brasil na área de relações internacionais foi delineada desde que o Barão do Rio Branco atuou para definir as fronteiras do país e teve momentos grandiosos como o papel de Oswaldo Aranha na Assem­bleia-Geral da ONU em 1947 que definiu a partilha da Palestina e abriu caminho para o Estado de Israel. O que se espera é que o Itamaraty reencontre a sua história de respeito às outras nações e devolva ao Brasil o protagonismo que o país se esforçou por décadas para construir.

Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753