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domingo, 22 de maio de 2011

Vocacional: uma experiencia unica no sistema educacional brasileiro

Fiz parte da primeira (logo abortada) experiência de ensino integral e vocacional na história da educação braileira: eram cinco no estado de S.Paulo, e o meu era o Ginásio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha, no bairro do Brooklin, na cidade de São Paulo (entre 1962 e 1965), mas a experiência foi encerrada como subversiva pelo regime militar em 1969
Abaixo uma matéria da FSP, de 2002, sobre o ensino vocacional:
Paulo Roberto de Almeida

O velho vocacional ensina de novo a aprende
AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S.Paulo, 23/07/2002

Mais uma vítima do regime militar, o ensino vocacional -um dos mais ousados conceitos pedagógicos implantados no Brasil- está de novo nas salas de aula. Criados em 1962, os ginásios vocacionais deixaram de existir no início da fase mais violenta do regime, em dezembro de 1969, um ano após o AI-5, quando pensar por conta própria e questionar valores vigentes viraram sinônimo de subversão.
Áurea Sigrist de Toledo Piza acompanha seus alunos durante estudo do meio no bosque do Instituto Lumen Verbi

Agora, 40 anos depois, as idéias do Vocacional retornam em uma série de iniciativas de ex-alunos, ex-professores e pesquisadores que, inconformados com o fim prematuro da experiência, tratam de revivê-la. Há pelo menos uma dúzia de teses, já escritas ou em andamento, relatando essa "aventura pedagógica". Um grupo planeja ressuscitar o colégio em Paulínia (interior de São Paulo). E, em várias escolas particulares, é possível sentir traços da herança do Vocacional.

A história é típica do período em que o programa se desenvolveu. De um lado, o ideal libertário; de outro, a repressão. O curso, que deveria se estender por toda a rede pública de São Paulo, nunca passou de seis unidades espalhadas pelo Estado.

No final do ano letivo de 1969, os personagens foram obrigados a se dispersar. Professores foram presos nas salas, e os alunos, mandados para casa. Documentos tomados nessas ocupações nunca mais foram achados.

Destruída a memória, educadores se apegam hoje a depoimentos, lembranças e ao pouco que restou dos cursos para mapear os ensinamentos do Vocacional e resgatar seus valores.

É preciso, desde já, desfazer uma confusão sobre o Vocacional. Induzido ao erro pelo nome, muito leigo tende a achar que 'vocacional" tem a ver com "vocação", no sentido mais estrito do termo, que remete para a idéia prática de encaminhamento do aluno para uma opção profissional. Nada poderia ser mais distante do sentido dessa pedagogia.

Uma das ferramentas que distinguia o Vocacional era a integração das disciplinas em torno de um problema ou de uma plataforma central. Se hoje isso soa comum para quem está a par da pedagogia contemporânea, na época era revolucionário.

Eram escolhidos temas bimestrais: uma terceira série ginasial da unidade de Rio Claro estudou, por exemplo, se a "diversidade regional é compatível com o Brasil unido". O objetivo era discutir democracia, diferenças, reconhecer o esforço para manter a união, além de desenvolver a capacidade de observação analítica/crítica.

Foram desenvolvidos trabalhos sobre o ciclo do ouro em Minas Gerais, sobre o arcadismo, as obras de Portinari, o folclore presente na música brasileira, o banco nacional, e até na educação física foram estudadas as confederações e federações esportivas.

O conceito mais associado ao Vocacional talvez seja o de "aprender a aprender". O estudante conduzia suas pesquisas, valendo-se sobretudo das bibliotecas não se usavam livros didáticos. A pesquisa começava dirigida pelo professor, que mais tarde se limitava a supervisioná-la. Depois, o trabalho era livre.

A maior contribuição pedagógica do Vocacional, porém, é o método do estudo do meio em que vive o estudante. Num universo que se amplia em círculos concêntricos, os alunos começam estudando a própria comunidade. O país e o mundo vêm depois, permitindo a descoberta gradual da realidade.

O estudo do meio é o elo que mantém as disciplinas ligadas à realidade exterior e ao mundo acadêmico. "Os militares achavam subversivo, porque os alunos aprendiam a realidade como ela é, não aquela que eles mostravam como ideal", afirma Cecília Vasconcellos de Lacerda Guaraná, orientadora e diretora de três ginásios vocacionais.

Os estudos do meio não cabiam num gabarito único pela simples razão de que o meio varia a cada região, a cada bairro. Em Americana, os alunos do primeiro ano estudaram a industrialização rápida da cidade. Já os de Batatais concentraram-se nos problemas de um município agrícola. Quanto aos de São Paulo, no Brooklin, analisaram as múltiplas faces de um bairro de classe média metropolitano.

No segundo ano, o objeto de estudo foi o Estado. No terceiro, o país. Grupos de estudantes viajaram para o Rio, num percurso que incluía a pesquisa do Vale do Paraíba e a siderúrgica de Volta Redonda. Outros foram para as cidades históricas de Minas.

O cenário do quarto ano era o mundo, ou as fronteiras mais próximas dos vizinhos sul-americanos. De todos os colégios, só uma turma chegou a ir até a Bolívia. Os projetos de contato com outros países foram impedidos ou dificultados pelos militares.

"O estudo do meio era um grande veio de pesquisa por uma abordagem marxista, partindo dos ciclos econômicos, do ouro, do café, da indústria", explica Moacyr da Silva, coordenador de pesquisa e pós-graduação das Faculdades Oswaldo Cruz, que foi professor do Vocacional em 1969 e 1970.

Em sua tese, Silva recupera outro diferencial daquele sistema de ensino, a formação continuada do professor na própria escola. "O governo hoje tem gasto muito dinheiro no treinamento de professores, afastando-os da realidade em que vivem e daquela em que vão atuar", critica.

A primeira turma de professores do Vocacional fez estágio no colégio de Socorro, interior de São Paulo, uma das escolas experimentais de maior sucesso na época. "Quando fui obrigado a sair do Vocacional e fui para a USP do período militar, percebi que estava regredindo do século 21 para a Idade Média", conta Newton Cesar Balzan, que fez parte da turma pioneira em Socorro.

"Mesmo nos EUA, onde uma iniciativa monitorada pela Universidade Harvard manteve escolas experimentais em sete Estados, nada foi feito que se compare ao Vocacional", afirma Balzan, que hoje é professor na PUC-Campinas.

Balzan destaca outro diferencial desse projeto, que acabou causando atritos com autoridades e políticos: a "socialização das vagas". Em 1961, antes do início da primeira turma, pesquisas foram feitas em Americana, Batatais e na região do Brooklin, onde ficava a unidade de São Paulo. "Quando começamos as aulas, sabíamos quantas horas dormiam, o que comiam e o que liam as crianças dessas comunidades."

A seleção, que incluía entrevista com os alunos e os pais, reproduzia na classe a mesma composição socioeconômica da comunidade. Se um terço dos moradores da cidade eram operários, um terço dos alunos seriam filhos de operários.

Com o sucesso do Vocacional, a unidade do Brooklin chegou a ter 2.000 candidatos para 120 vagas. No exame geral, os candidatos das classes A e B, que representavam 19% nos bairros do entorno, ocupariam mais de 30% da faixa de aprovados, mas a proporção do bairro foi mantida. "A socialização não agradou aos políticos e houve confusão", lembra Balzan.

Entre os ex-alunos, o fascínio pelo Vocacional também persiste. "Foi um processo mais importante para mim que o da universidade. Minha visão de mundo e da realidade social foi construída ali", diz a pró-reitora da PUC-Campinas Carmen Lavras, que fez parte da única turma que completou o colegial do Vocacional, em 1970.

"O Vocacional é sempre visto pelo seu compromisso com o social, o comunitário, mas foram as artes que me educaram para a sensibilidade. Pelas mãos dos professores, nós participamos do teatro de Arena, do Oficina, das bienais, do Masp, estivemos no Estadão, na Folha", lembra Carmen, que é médica sanitarista.

"A proposta era projetar a criança para o mundo", diz Áurea Sigrist de Toledo Piza, que foi orientadora pedagógica e diretora do Vocacional até 1969.

Áurea e o marido passaram os últimos seis anos reunindo fundos para a construção de um "novo vocacional". No próximo dia 31 de agosto, ela e três outros ex-professores do Vocacional inauguram o Instituto Lumen Verbi de Educação e Cultura, em Paulínia, na região de Campinas.

A escola funciona provisoriamente desde o início do ano formando o que ela chama de "base" para o Vocacional. "Os alunos que saem hoje das quatro primeiras séries, que correspondiam ao primário, têm um nível muito inferior ao dos alunos dos anos 60. Eles precisam de uma base", diz.

Para manter os estudantes em período integral, com um currículo que inclui línguas, música, dança e até capoeira, a escola está cobrando cerca de R$ 400, na média.. "A idéia é que pais que podem mais cubram a diferença dos que podem menos", diz Áurea.

Também um "órfão" do Vocacional, o ex-aluno Ary Meirelles Jacobucci escreveu uma "breve etnografia" do ginásio de Americana. O livro faz, no título, uma pergunta que ficou sem resposta para todos que viveram aquela experiência: "Revolucionou e acabou?". Se foi tão bom, por que foi tão esquecido? E seria possível acrescentar outra ainda: "O Vocacional faria sentido hoje em dia?".

A pedagoga Ângela Rabello Maciel de Barros Tamberlini, que escreveu uma tese sobre os Vocacionais, acha que um projeto desse tipo seria importantíssimo na rede pública. "Na atual conjuntura de violência extrema, pesquisas mostram que as escolas em que há interação com a comunidade são as mais preservadas. E os Vocacionais tinham esse objetivo."

Ela afirma que o projeto tinha uma interação forte com a história da época e que "readaptações teriam de ser feitas". "Outra questão é a da desconstrução do público, do Estado, a exacerbação do individualismo. O ensino vocacional seria uma forma de resgatar esses valores", acredita.

A questão do custo foi uma das principais críticas aos Vocacionais. Setores da esquerda alegavam que o objetivo deveria ser a ampliação do acesso à educação, e que torná-la mais cara dificultaria o processo.

Os defensores dos Vocacionais diziam que a ampliação deveria ocorrer, mas com qualidade. "Em relação ao que se gasta com a educação no Brasil, é um projeto caro. O ginásio vocacional de São Caetano já foi de meio período, de forma a baratear. Uma idéia era a de parcerias, envolver os pais e a comunidade, mutirões. Mas era outra época. Foi lindo porque as pessoas acreditavam nos seus ideais. Os professores trabalhavam em período integral e passavam o final de semana com a comunidade", conta Ângela.

Colaborou Alexandra Ozorio de Almeida, da Folha de S.Paulo

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Ginasio Vocacional Oswaldo Aranha -- um depoimento feito, outro a prestar

Dos meus 12 aos 15 anos estudei no Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha, a mais excepcional aventura educacional que tive em minha vida e que jamais existiu no Brasil.
Prestei um depoimento sobre minha experiência vivida naqueles anos de 1962 a 1965 através deste texto:

What a difference a School Makes
neste link:
http://diplomataz.blogspot.com/2010/01/31-what-difference-school-makes-meu.html

Vou proximamente prestar um outro depoimento, ao vivo, cujo roteiro será este aqui:


GT Memória & Depoimentos – GVive
Gvive – Associação de ex-alunos, ex-colaboradores e amigos do serviço de ensino vocacional

ROTEIRO PARA PROFESSORES E SUPERVISORES E TÉCNICOS

SITUAR O ENTREVISTADO NO CONTEXTO DO VOCACIONAL
O que você fazia antes do Vocacional e o que significou ingressar no Vocacional?
Perguntas exploratórias: Como foram os primeiros tempos? A adaptação? Você sentiu alguma dificuldade? Quais as lembranças positivas ou negativas que você tem desses primeiros momentos?

Você passou pelo curso de treinamento? Conte sobre essa experiência.
Perguntas exploratórias: Como você percebeu e se sentiu durante o treinamento? O que ele significou para você? Mudou alguma coisa na sua visão de educação? Você tem alguma crítica a como era desenvolvido esse treinamento?

PERCURSO E DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO NO VOCACIONAL
Como e qual foi seu percurso dentro do Vocacional?
Perguntas exploratórias: Como era seu trabalho? Qual o apoio técnico que você recebia? Como você, as técnicas, e o trabalho como um todo, eram avaliados? O que tudo isto mudou na sua atividade profissional? Durante seu trabalho no vocacional, você mudou para outras funções, ou para outras unidades de ensino ? Qual (ais)is? Como foi essa experiência de mudança? O que o surpreendeu no Vocacional? O que deixou a desejar? Como você compara essa vivência com a que tinha antes de ingressar no Vocacional? No que o Vocacional contribuiu para sua condição de educador?

ELAÇÕES AFETIVAS E FUNCIONAIS NA ESTRUTURA DO VOCACIONAL
Como era a relação professor/aluno? Como era o aluno do Vocacional e qual seu diferencial ao longo dos anos de estudo? E a relação professor-orientação educacional? Professor-assessoria técnica? Professor – Diretoria / Coordenação?

IDENTIFICAÇÃO DA PROPOSTA DO VOCACIONAL
Se fosse contar para alguém, de forma sucinta, o que era o Ensino Vocacional, o que diria?
Explorar: à partir da definição, explorar os principais aspectos colocados. Como você situa essa proposta no contexto educacional da época? Como você via a possível extensão da filosofia e metodologia do Vocacional para a rede pública de ensino? Qual foi ou poderia ter sido a contribuição do Vocacional para a Educação Pública?
Que razões você vê para a extinção do Vocacional? Você vê outras razões além das diretamente políticas?

PERCURSO PÓS VOCACIONAL
Com a extinção do Vocacional, o que você foi fazer? No que foi trabalhar?
Explorar escolhas profissionais , a adaptação em outras atividades e mesmo como professor na rede pública ou privada. O que você fez depois do fim oficial do Vocacional? (Para quem permaneceu nele): Como foi essa experiência de permanecer na escola?( Para quem saiu) Como foi trabalhar em outras escolas ou com educação no comparativo com os tempos de Vocacional? ? Se continuou como professor como sentiu que era visto, percebido? Que facilidades ou dificuldades encontrou no trabalho, ao sair do vocacional? ?Sofreu alguma limitação ou restrição pelo fato de ter pertencido ao Vocacional? Em que o aprendizado no Vocacional colaborou para o seu desenvolvimento profissional fora dele?

VISÃO ATUAL
Com o distanciamento dos anos, como você vê hoje a experiência do Vocacional? Seus erros e seus acertos? Sua influência na Educação em geral? E quanto à possibilidade de um resgate da sua metodologia e uma releitura para o aluno de hoje?

MARIA NILDE
Para finalizar, qual o testemunho que você pode nos dar sobre a Maria Nilde Mascellani?

LEMBRANÇAS
Você tem fotos, souvenires, documentos ou outras lembranças do Vocacional. Poderia me dizer o que tem como forma somente de registro, no momento..

domingo, 10 de abril de 2011

Vocacional: uma experiencia de vida, um aprendizado inesquecivel

Tive a sorte, o privilégio e a oportunidade, excepcionais em todos os casos, de estudar na primeira turma do Ginásio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha, no bairro do Brooklin, em São Paulo, capital. Foram quatro anos de aprendizado para uma vida inteira, amizades inesquecíveis, um ambiente de estudos de altíssima qualidade. Eu era então um jovem de apenas 11 ou 12 anos, e creio que aquela experiência transformou minha vida, para sempre, sobretudo no plano intelectual (ainda que eu já fosse, desde meus sete anos, um rato de biblioteca).
Contei um pouco dessa experiência neste texto:

What a difference a school makes...; O traço todo de minha vida no Vocacional Oswaldo Aranha
Brasília, 10 janeiro 2010, 6 p. Depoimento sobre meu ingresso e permanência no Ginásio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha. Relação de trabalhos n 2097.
Postado no blog DiplomataZ (link: http://diplomataz.blogspot.com/2010/01/31-what-difference-school-makes-meu.html).

Agora todos nós -- eu ainda não pude fazê-lo -- temos a oportunidade de assistir um filme sobre essa experiência, tal como relatado abaixo. Gostaria de estar em SP para assistir. Não será possível agora, mas isso certamente se dará no futuro próximo.
Meus cumprimentos aos realizadores desse belíssimo empreendimento, minhas saudações a todos os colegas de turma e a todos os que nos seguiram, minhas homenagens, mais uma vez, a nossos professores maravilhosos.
Uma lágrima de saudade...
Paulo Roberto de Almeida

Filme e Debate:
A contribuição do Ginásio Vocacional para a renovação da educação pública no Brasil

O Vocacional foi uma das mais importantes experiências pedagógicas realizadas na escola pública no Brasil. Criado em 1962 e extinto em 1969 com uma intervenção da ditadura militar, os ginásios vocacionais, implantados nas cidades de São Paulo, Rio Claro, Batatais, Americana e Barretos, foram uma ousada proposta que introduziu novas práticas de ensino e formação, que até hoje são extremamente avançadas. Alguns aspectos dessa proposta foram parcialmente incorporados em escolas particulares de classe média, mas na rede pública de educação, crescentemente sucateada, nunca mais se deu continuidade a essa visão interrompida pelo autoritarismo.

Com o lançamento do filme “Vocacional: uma experiência humana”, do diretor Tony Venturi e a comemoração dos 80 anos da principal formuladora do projeto, a professora e pedagoga Maria Nilde Mascellani, a experiência do Vocacional vem ganhando maior divulgação. A Casa da Cidade integra-se a esse processo, na perspectiva de debater a contribuição da experiência para a renovação da educação pública no Brasil. Para conhecer melhor a proposta, leia, abaixo, artigo do ex-aluno Eduardo Amos sobre o Ginásio Vocacional.

O evento conta com o apoio Olhar Imaginário, que produziu o filme a ser exibido no evento e da GVIVE – Associação dos ex- alunos, professores e pais do Ginásio Vocacional e espera contar, sobretudo, com presença de educadores e todos os que participaram dessa importância experiência.

19:00h – Projeção do filmeVocacional: uma experiência humana
20:30h – Debate: A contribuição do Vocacional para a renovação da educação pública

Tony Ventury: Diretor do Filme e ex-aluno do Vocacional
Luigy – L. C. Márquez: Presidente da Associação de ex-alunos, professores e pais do Ginásio Vocacional
Isnéria Rovai: Ex-professora do Vocacional (a confirmar)
Maria Clara di Pierro Faculdade de Educação da USP
Onde: Casa da Cidade Rua Rodésia, 398 - Vila Madalena
Quando: Dia 14 de abril, 5ª feira, às 19h (filme), 20:30h (debate)

Artigo
Ginásio Vocacional – uma escola para a vida

Eduardo Amos - ex aluno turma de 64, Rio Claro
Revista Arquivo Municipal de Rio Claro 2009

“Quando me perguntam o que aprendi no Vocacional, digo que aprendi a ler jornal, a comer com faca e garfo, a me seduzir pela realidade, a trabalhar em grupo, a me enxugar no meio das pernas depois do banho.”

Essa frase do jornalista Aureliano Biancarelli, escrita 41 anos depois de se formar no Ginásio Vocacional de Americana, poderia, muito bem, ter sido escrita por algum aluno do Vocacional de Rio Claro. Essas poucas palavras dão a exata dimensão de como o projeto pedagógico de uma escola renovadora marcou definitivamente a vida de todos aqueles que por ela passaram.

Instalado precariamente no prédio do antigo Grupo Escolar da Vila Operária, hoje E. M. Monsenhor Martins, o Ginásio Vocacional de Rio Claro começou a funcionar em 1963. Em 1965, transferiu-se para um casarão no Horto Florestal onde funcionou por 3 anos. Finalmente, em fevereiro de 1968 mudou-se para as instalações definitivas construídas na rua 2 número 2877 onde ficou até a extinção do Ensino Vocacional em novembro de 1969.

O Vocacional, que tinha unidades instaladas em São Paulo, Americana, Barretos, Batatais e Rio Claro, era uma escola de período integral que tinha por pilares o trabalho em equipe, o estudo do meio e a participação ativa do aluno em seu processo de aprendizagem. Muito mais do que os conteúdos acadêmicos, ali se aprendia a olhar para a cidade, a entender o funcionamento das instituições e da sociedade, a buscar uma compreensão do mundo e, o mais importante de tudo: aprendia-se a conviver com pessoas de todas as classes sociais.

Uma escola para todos
A seleção dos alunos levava em conta a composição da população da cidade em sua proporcionalidade de classes sociais para que a escola refletisse a maneira como a sociedade local se estruturava. Dessa maneira, a escola tinha a mesma composição social da sociedade rioclarense. Como as classes mais baixas representavam a maioria da população da cidade, esse segmento social tinha maior peso no momento da seleção. Isso provocou muitos protestos de parte das famílias da elite local que viam muitos dos seus filhos impedidos de estudar numa escola de ensino de alto nível. O depoimento da mãe de uma ex-aluna ilustra muito bem esse aspecto:

“Minha filha mais velha entrou na primeira turma, cuja origem social era de classe inferior. Os pobres eram maioria. O sistema era compreensivo e se preocupava em elevar os pobres. Estes não aceitavam nada que não fosse deliberado por eles. Foram ensinados a se organizarem e a defenderem seus interesses. Minha filha era ótima, mas não era aceita por ser filha de professora. Os pobres eram muito revoltados e minha filha sofreu. O Vocacional foi bom para ela no sentido intelectual, graças a ele, ela desenvolveu a capacidade de estudo e, de síntese, o que a levou a destacar-se no colegial do Batista Leme. No Vocacional ela não era ninguém, enquanto os pobres eram gente.”

As instalações
As instalações, concebidas pelo arquiteto Pedro Torrano, pai de ex-aluno, formam o maior conjunto arquitetônico jamais construído no Brasil para abrigar uma escola de Ensino Fundamental I. A escola se espalhava por 10 blocos harmoniosamente distribuídos numa área de 3 quadras. Os prédios expressavam a proposta pedagógica da escola em que todas as disciplinas, atividades e projetos eram interligados. Além disso, a concepção daquele espaço escolar foi concebido de forma a colocar as atividades mais “barulhentas” (educação física e artes industriais) longe daquelas que exigiam maior concentração (português matemática, estudos sociais). Todos os blocos eram interligados por amplas passarelas cobertas e toda a área externa era ocupada por jardins construídos e mantidos pelos próprios alunos, os quais também cultivavam uma horta na disciplina de Práticas Agrícolas.

O espaço da escola era muito grande e não existia um pátio central, típico das escolas tradicionais, que permite que os alunos sejam permanentemente vigiados. Outro aspecto importante é que todas as portas permaneciam destrancadas durante as aulas e todos os alunos tinham acesso livre a todos os espaços.

Trabalho em equipe
Tudo no Vocacional era feito em equipe: desde o primeiro dia de aula quando um grupo de alunos mais velhos conduzia um grupo de recém chegados pelas dependências da escola até o recebimento do diploma na cerimônia de formatura.

Cada equipe, formada a partir da aplicação de um sociograma (técnica de formação de grupos a partir de escolhas feitas pelos próprios alunos), contava com um líder e um redator que mantinham seus cargos por um período determinado. Dessa forma, crianças provenientes das várias camadas sociais conviviam no dia a dia da escola e se ajudavam mutuamente. Era dentro das equipes que se realizava a construção do conhecimento, num processo muitas vezes conflituoso e que levava a um profundo aprendizado de convivência social.

O currículo
No Vocacional, o currículo contemplava não apenas objetivos de conhecimento, mas também objetivos comportamentais voltados para a formação de atitudes e da consciência crítica, o aprendizado da ética e a construção da cidadania no sentido mais amplo do termo. Enfim, a grande meta era o desenvolvimento integral do aluno. Para isso, além das disciplinas tradicionais como português, matemática, educação física e ciências, outras disciplinas, novas para todos nós, compunham o currículo: Estudos Sociais, Educação Musical, Artes Plásticas, Artes Industriais, Práticas Comerciais, e Práticas Agrícolas. Todas as áreas disciplinas trabalhavam de forma integrada em torno de Unidades Pedagógicas. Cada unidade começava com uma assembléia de todos os alunos de uma mesma série, a “aula plataforma”. Coordenados por Estudos-Sociais, as discussões realizadas na aula plataforma culminavam com a definição de um tema gerador a partir do qual todas as disciplinas trabalhavam ao longo de um bimestre. Ao final desse período, realizava-se uma nova assembléia (aula-síntese) em que as equipes compartilhavam tudo o que haviam pesquisado, estudado e aprendido. O conhecimento, portanto, era compartilhado com outros colegas e não apresentado ao professor numa prova escrita.

Um aspecto bastante renovador do currículo do Vocacional é que seu desenvolvimento se dava a partir da comunidade. É por isso que na 5ª série, o enfoque era a cidade (Rio Claro), na 6ª série trabalhavam-se temas relacionados ao estado de São Paulo, na sétima os temas falavam do Brasil e, finalmente, na 8ª série abordavam-se questões mundiais sem, contudo perder de vista seus impactos na comunidade.

Estudo do meio
Outro pilar do Ensino Vocacional, o estudo do meio fazia parte do cotidiano da escola. Sempre tinha alguma classe saindo para algum lugar, para estudar alguma coisa fora da escola.

Em 1965, por exemplo, quando, na 6ª série, estudávamos o ciclo do café no estado de São Paulo, realizamos dois estudos do meio. Um para conhecer o Museu do Café em Ribeirão Preto e a casa de Portinari em Brodósqui. O outro teve a duração de sete dias e nos levou a São Paulo e Santos. Na capital visitamos várias indústrias, uma agência de publicidade, a Estação da Luz e alguns museus. Em Santos conhecemos o porto por onde escoava toda a produção de café do Brasil e a Bolsa do Café. Mas o melhor de tudo é que para muitos de nós, foi a primeira vez que vimos o mar.

Já na 8ª série, ao abordarmos a questão da unidade nacional brasileira, realizamos um estudo do meio ao Rio de Janeiro de 5 a 13 de novembro de 1967. Nessa viagem conhecemos o Forte Copacabana, Maracanã, Escola de Samba Vila Isabel, Favela da Catacumba, Vila Kennedy (primeiro conjunto habitacional brasileiro), o reator atômico da UERJ, aeroporto do Galeão, Museu de Arte Moderna, Monumento aos Pracinhas (obra de Niemeyer), o Itamarati, a Academia Brasileira de Letras, Jardim Botânico, Corcovado, Pão de Açucar, Ilha de Paquetá e Museu Imperial em Petrópolis. Numa tarde, uma das equipes foi recebida pelo escritor Ruben Braga em sua própria casa. Fazíamos nossas refeições no restaurante universitário chamado Calabouço, na Cinelândia. No ano seguinte, esse local seria palco do assassinato de um estudante que motivou a famosa Passeata dos 100 Mil. Na viagem de ida, dormimos uma noite no Parque Nacional de Itatiaia e na volta, visitamos a Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda e a Academia Militar de Agulhas Negras em Resende.

Atividades como essa em que 50 alunos do Ensino Fundamental I de uma escola pública saem de sua cidade e passam uma semana ou 10 dias estudando e conhecendo o mundo são simplesmente inimagináveis nos dias de hoje. A bem da verdade, nem mesmo as melhores escolas particulares oferecem aos seus alunos experiências desse tipo hoje em dia. Contudo, incomensuráveis são os impactos na formação de uma criança de 13-14 anos ao vivenciar tudo o que viagens desse tipo podem oferecer.

Instituições didático-pedagógicas
Paralelo à estrutura curricular, mas perfeitamente integradas à comunidade escolar e ao projeto pedagógico, existiam as instituições didático-pedagógicas que visavam preparar para a vida do trabalho e propiciar a participação do aluno no ambiente da escola a partir de uma perspectiva diversa. As instituições didático-pedagógicas eram vinculadas à área de Práticas Comerciais e incluíam: a cantina escolar, a cooperativa escolar, o banco escolar e o escritório contábil.

Uma história de lutas
A história dos Ginásios Vocacionais, desde o seu início, foi profundamente marcada por embates políticos tanto interna quanto externamente. O golpe militar de 64 que instaurou o mais longo período de ditadura no Brasil serviu como apoio para toda sorte de investidas contra o Ensino Vocacional, cuja implantação só foi possível graças à luta empreendida por professores, diretores, planejadores, pais, alunos e simpatizantes. A manutenção desse ensino tão revolucionário, por sua vez, não foi menos penosa já que, além de sofrer pressões vindas de instâncias superiores como a Secretaria de Educação, a escola ainda tinha que lidar com o jogo do poder local que, na maioria das vezes, não era favorável àquele projeto educacional.

O processo de desfiguração do projeto do Vocacional culminou com a invasão policial-militar ocorrida em todas as escolas da rede no dia 12 de dezembro de 1969. As escolas e a sede do Serviço de Ensino Vocacional foram invadidas por agentes da Policial Federal e por militares de Campinas. Em todas as unidades foram detidos professores, funcionários, alunos e qualquer pessoa que se encontrasse no recinto por até oito horas. Todos os setores foram vasculhados e os agentes policiais retiraram livros das bibliotecas, textos de estudo, relatórios e grande quantidade de material didático.

Finalmente, em 5 de junho de 1970 o Decreto no 52.460 oficializou a extinção de todos os Ginásios Vocacionais bem como de toda a estrutura do Serviço de Ensino Vocacional. As escolas do sistema Vocacional passaram a integrar a rede comum de ensino. Os alunos já matriculados passariam a cursar as escolas comuns em regime didático especial até a conclusão do curso e os alunos que ingressassem a partir de 1971 passariam a ter o currículo comum a todas as escolas. O Vocacional já era coisa do passado.

Uma chama que nunca morre
Hoje, depois de 41 anos, os ex-alunos do Vocacional ainda estão unidos. Desta vez, em torno da GVive, uma associação que congrega ex alunos, professores, pais e simpatizantes e que tem por objetivo resgatar e preservar a memória dos Vocacionais.O site da GVive ( www.gvive.org ) oferece uma série de informações sobre os Ginásio Vocacionais e ajuda a promover encontros de ex-alunos e ex-professores

Visite e divulgue: www.casadacidade.org.br

Associação Casa da Cidade
Rua Rodésia, 398 - V. Madalena
CEP 05435-020 - São Paulo - SP
(11) 3814-3372