O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador OCDE. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador OCDE. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Chanceler brasileiro: "Há entusiasmo com o Brasil lá fora” - Não lhes parece um pouco exagerado?

 Para ministro das Relações Exteriores, crime na Amazônia não atrapalha entrada do Brasil na OCDE


Carlos França diz que assassinatos de Dom Philips e Bruno Pereira são episódio “lamentável”, mas que foram “muitos transparentes os esforços que fizemos com as Forças Armadas e Polícia Federal”

Por Estevão Taiar, Valor — Brasília
Valor Econômico, 21/06/2022

O ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, afirmou nessa terçafeira (21) que, na avaliação dele, os assassinatos do jornalista Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira não criam constrangimentos para a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

“No meu ponto de vista, não cria. Desde o primeiro momento, o governo atuou para apurar o que estava acontecendo”, disse ele, em entrevista a jornalistas, após a abertura da Semana Brasil-OCDE, realizada no Palácio do Itamaraty.

França afirmou que o evento é “lamentável”, mas que foram “muitos transparentes os esforços que fizemos com as Forças Armadas e Polícia Federal”. Ele disse ainda que, em suas viagens para o exterior, “não se fala sobre” a hipótese de um golpe de Estado no Brasil. “Há entusiasmo com o Brasil lá fora”, disse.

Na visão do ministro, o discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre as urnas eletrônicas “vai na direção da transparência”.

A respeito da entrada no OCDE, França disse que o Brasil entregará até o fim do ano o memorando inicial. Também afirmou que o secretário-geral da entidade, Mathias Cormann, “é favorável à realização paralela” dos diversos comitês temáticos para analisarem o acesso do Brasil. Ou seja: a entrada não precisará ser discutida em um comitê de cada vez. Além disso, comentou que a “ideia é que os comitês sejam instalados no ano que vem”.

https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/06/21/para-ministro-das-relacoes-exteriores-crime-na-amazonia-nao-atrapalha-entrada-do-brasil-na-ocde.ghtml

quinta-feira, 14 de abril de 2022

ONGs se posicionam criticamente ao Brasil em diversos quesitos da demanda de ingresso na OCDE

Correio Braziliense desta quinta-feira, 14/04/2022, reflete preocupações de ONGs com os retrocessos do Brasil nos campos do meio ambiente, combate à corrupção e proteção da imprensa e de normas elementares no campo da democracia.



domingo, 24 de outubro de 2021

Duas gerações de estagnação para o Brasil? É a OCDE quem diz - Thales Souza Reis (O Sabiá)

 

Onde está o futuro prometido aos jovens?

Em nova projeção, OCDE considera que o padrão de vida no Brasil deve ficar estagnado pelos próximos 40 anos. Para onde foi o futuro prometido aos jovens que acessaram a universidade em meio a muitas promessas? Um relato sobre o Brasil do futuro.

Thales Souza Reis

Revista O Sabiá, 23/10/2021

Aos 22 anos, tenho pouco distanciamento do fim da minha infância e início da adolescência. Lembro-me bem do mundo em que vivia na virada da década de 2000 para a de 2010, período histórico que, aliado à inocência da infância, me fazia ter uma visão bastante utópica sobre as coisas: minha família foi melhorando de vida com o passar do tempo, assim como as pessoas ao meu redor. Com isso, eu acreditava que era só questão do passar dos anos para que, mesmo os mais pobres, ascendessem e conseguissem viver uma boa vida, afinal, era essa a realidade que eu presenciava.

Na adolescência, fui entendendo melhor as coisas. Durante a primeira grande crise que vivenciei, naquele conturbado momento que o país passou entre 2014-2016, levei a primeira porrada da vida. Vi muito progresso indo por água abaixo. Mas como isso era possível? É claro que, aos 16-17 anos, sabia que o progresso não era uma constante e que dependia de incontáveis fatores, mas não estava preparado para o que aconteceria comigo. Tudo parecia tão sólido, meus pais trabalhavam desde sempre, nunca havia presenciado o desemprego ou a dificuldade financeira.

Não cheguei perto de ser rico, mas dentro do possível, tinha o que queria. As coisas mais caras levavam algum tempo, mas eram alcançadas. Às vezes, esperava o natal ou o meu próximo aniversário para ganhar um novo videogame ou a chegada do verão para as viagens anuais à praia — moro a mais de 500 km do litoral — e aproveitara muito até aquele momento. Foi um choque, aos 17 anos, entender que aquilo não era mais real. O desemprego chegou a minha porta e entrou sem bater. Meu pai, que em todo esse período teve a maior renda da casa, perdeu o emprego da noite para o dia, com a empresa fechando suas portas no Brasil. Minha mãe ganhava menos, e menos ainda no momento da crise, afinal, trabalhava — e trabalha até hoje — no comércio.

Nunca me esqueci da tristeza nos olhos dela quando me disse que não poderia pagar minha festa de formatura ao final daquele ano e me contou a real situação das finanças da família, da qual eu não tinha consciência naquele momento. Eu não sabia o que fazer. Não era assim que eu esperava que as coisas fossem. O que eu me lembrava dos tempos de infância era meu pai dizendo que, aos 18 anos, me daria um carro. Pensava qual carro seria. Eram muitas opções, que, ao fim, não foram.

A faculdade particular que cogitava e aquele desejo de fazer um intercâmbio no exterior foram totalmente excluídos de minha lista de planos. Na última semana do ensino médio, consegui um emprego, alguns dias depois, veio o resultado do vestibular. Passei. A educação ainda era vista por mim como o caminho. Foi isso que meus pais me disseram a vida toda: que eu poderia estudar, mais do que eles estudaram, e, assim, teria condições ainda melhores do que as que eles poderiam me oferecer mesmo nos melhores momentos. 

Mesmo numa realidade diferente, segui à risca o plano. Trabalhei das 8h às 18h, estudei das 19h às 22h. Chegava em casa, dormia e no outro dia bem cedo começava de novo. Guardava quase todo o dinheiro que ganhava, também sempre ouvi que economizar, junto com os estudos, era a melhor forma de ter um bom futuro, mas uma hora não aguentei. Aos 18 anos, era um zumbi. Da casa para o trabalho, do trabalho para a faculdade, da faculdade para casa. De segunda à sexta. Aos sábados, trabalhava também. As coisas estavam melhores em casa, não havia mais o desemprego, mas estávamos muito longe da fartura de tempos anteriores. Com o dinheiro que ganhei, decidi sair do trabalho em busca de um estágio. Demorou um pouco, mas chegou quase que pontualmente: quando consegui a vaga, meu dinheiro já estava acabando.

“Talvez os tempos difíceis tenham sido só um hiato”, pensava. “Há um futuro melhor, há esperança de que novamente haja algum progresso, afinal, porque não seria assim?”. Vi o sucateamento da universidade, a falta de bolsas de pesquisa, a diminuição do quadro de professores sem as reposições necessárias, acúmulo de funções, improvisações, greves e mais greves por falta de reajustes salariais, de investimentos no espaço e na educação como um todo. Faltavam até mesmo os funcionários para a limpeza do campus. Mas ia melhorar, eu sabia que ia. O ano era 2018.

Passar por aquelas eleições não poderia ter sido mais frustrante. Descobri, nas pessoas, um lado que não conhecia. Apesar de a violência ser próxima, o ódio sempre foi-me distante. Não foi aquilo que eu imaginei que seria, definitivamente não foi. 

Vi, pouco a pouco, o que era ruim piorar; a ignorância, a estupidez, a violência eram pela primeira vez, um projeto. O único projeto. Dentro da universidade, de certa forma, senti medo do futuro pela primeira. Por que as pessoas estavam acreditando naquilo?

Foi pior do que eu esperava. O desmonte de tudo que havia sido construído foi gradual, as soluções foram substituídas pela destruição. A lógica do momento era que, em uma parede com uma pequena rachadura — cuja solução eu sempre enxergara como o conserto —, eles viam a saída como a demolição não só da parede, mas da casa toda. Era aquela expressão: estavam jogando o bebê fora junto com a água do banho. A pandemia da Covid-19 configurou-se, então, como a confirmação de toda a incompetência, despreparo, prepotência e, o pior, da pura e simples maldade dos que sentam nas cadeiras do poder, que lá foram postos democraticamente.

Ainda dá para superar? Hoje, ler a notícia de que a OCDE considera que o padrão de vida do Brasil deve ficar estagnado nos próximos 40 anos, foi como um soco no estômago. Por que fizeram isso conosco?Não foi esse mundo que me prometeram dez anos atrás. Não era isso que eu queria. Por que fizeram isso conosco? O que podemos fazer para superar esse ciclo de desgraças, que se instaurou no país que haviam nos prometido tanto?

Nas últimas décadas, acreditou-se que a democracia havia se consolidado no país e a via institucional era vista como o caminho possível para a resolução de nossos conflitos que se perpetuam na história. Porém o que levara décadas para ser construído, em apenas alguns anos, foi corroído a níveis mais do que preocupantes. A política está infantilizada e o desrespeito às leis, aos Direitos Humanos e aos preceitos básicos da construção de uma nação próspera foram deixados de lado. Hoje, os ‘poderosos’ orgulham-se de ter nos tornado párias e, na oposição, os projetos de poder pessoal são postos acima da principal necessidade do país: tirar a caquistocracia que tomou conta do poder público dos postos que ocupam. É difícil a falta de perspectiva no coletivo.

Padrão de vida no Brasil deve ficar estagnado nos próximos 40 anos, diz OCDE É equivalente a 23% do observado nos EUA hoje e deve subir para apenas 27% em 2060 Compartilhe O PIB (Produto Interno Bruto) potencial per capita do Brasil deve ser de 1,1% ao ano na década de 2020 a 2030 e passar para 1,4% de 2030 a 2060 Sérgio Lima/Poder360 - 19.set.2019 PODER360 20.out.2021 (quarta-feira) - 0h00 O padrão de vida dos brasileiros deve ficar praticamente estagnado pelos próximos 40 anos, segundo projeção da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgada nesta 3ª feira ...

Leia mais no texto original: (https://www.poder360.com.br/economia/padrao-de-vida-no-brasil-deve-ficar-estagnado-nos-proximos-40-anos-diz-ocde/)
© 2021 Todos os direitos são reservados ao Poder360, conforme a Lei nº 9.610/98. A publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia são proibidas.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Educação no Brasil: pirâmide orçamentária totalmente invertida segundo a OCDE - Júlia Marques (OESP)

 GASTO COM ENSINO AJUDA MAIS OS RICOS, DIZ OCDE!

Júlia Marques
O Estado de S. Paulo, 01/07/2021

 Um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado ontem aponta que quase metade do gastos público com educação superior no Brasil beneficia os alunos mais ricos. O dado embasa uma das principais conclusões do relatório: a de que é preciso reavaliar prioridades de gastos com educação no Brasil e redirecionar as verbas para intervenções educacionais que levem a um maior retorno.

Em um cenário de crise econômica agravada pela pandemia de covid, o risco na educação é de que as desigualdades sejam aprofundadas e de que os mais vulneráveis acabem excluídos do acesso à escola ou não recebam educação de qualidade. Por isso, o relatório vê a necessidade de reavaliação dos gastos e destaca as disparidades no financiamento brasileiro às etapas de ensino.

A publicação foi elaborada a pedido da Todos Pela Educação e do Instituto Sonho Grande.

Sob o título “A Educação no Brasil: uma Perspectiva Internacional”, o texto afirma que, em 2017, o gasto público por aluno brasileiro na educação obrigatória foi menor do que nos países da OCDE, apesar de o gasto por aluno do ensino superior (US$ 16.232) ser maior do que a média da OCDE (US$ 13.342) e bem acima da maioria dos países da América Latina.

Com base em dados do Banco Mundial, o relatório indica que quase metade do financiamento do ensino superior vai para alunos que estão entre os 20% da população com renda mais alta. Menos de 10% vão para os 20% os de renda mais baixa.

“Esses alunos (do grupo mais rico) são de famílias que poderiam facilmente contribuir para custear sua educação. Aproveitar essa opção, por meio de modelos de compartilhamento de custos, liberaria recursos que poderiam ser dedicados a objetivos educacionais que trariam um retorno de equidade muito maior, como a expansão do ensino infantil”, indica o relatório.

A distribuição de dinheiro público entre educação básica e ensino superior motiva debates entre especialistas. Parte deles defende a prioridade de gastos em creche, pré-escola, ensinos fundamental e médio. Outra parte aponta o papel das universidades públicas no desenvolvimento social e científico do País e na formação docente.

Pandemia. Para a OCDE, as pressões da crise da covid-19, de certa forma, “ajudam a acelerar reformas difíceis e mais profundas”, como aquelas relacionadas à alocação de recursos. Uma estratégia para poupar dinheiro, segundo o relatório, seria reduzir as reprovações de alunos.

sábado, 1 de maio de 2021

Na origem da aproximação do Brasil à OCDE: um texto de Paulo Roberto de Almeida (Paris, 1995)

 O Brasil e a OCDE:

considerações sobre uma relação problemática

 

reflexões pessoais elaboradas por

Paulo Roberto de Almeida


 

Toda análise direcionada à formulação de uma determinada decisão política deve começar pelo estabelecimento de todas as perguntas pertinentes ao objeto em causa. No caso das relações entre o Brasil e a OCDE, as questões mais adequadas e relevantes parecem ser as seguintes:

1. Qual deveria ser a política do Brasil em relação a uma organização como a OCDE: rejeição, indiferença, aproximação, ou pedido de adesão?;

2. O que é, realmente, a OCDE?; ela teria, efetivamente, vontade, interesse ou condições de admitir e “assimilar” um país como o Brasil?;

3. Quais seriam os pressupostos e as implicações (inclusive os custos econômicos e políticos, internos e externos) de uma aproximação, mesmo gradual, do Brasil à OCDE?;

4. Uma política de aproximação corresponde, no médio ou no longo prazo, ao interesse nacional?; ela é compatível com os demais princípios sobre os quais se assenta a política externa brasileira?;

5. Quais poderiam ser, finalmente, os impactos (potencialmente benéficos, entenda-se), no cenário político e econômico interno, de uma tal política de aproximação com a OCDE, tendencialmente conducente – segundo sua própria lógica – a uma demanda de adesão?

Feitas tentativamente as perguntas, vejamos quais são as bases atuais de discussão, antes de começar a respondê-las.

 

A base do problema: definição de uma política oficial

O candidato Fernando Henrique Cardoso afirmou em sua proposta de Governo, apresentada no livro Mãos à obra Brasil, que buscaria “incentivar a cooperação com a OCDE”, definição de política externa recolhida no discurso de posse do Chanceler Luiz Felipe Lampreia e reafirmada ainda recentemente no pronunciamento do Presidente por ocasião do dia do diplomata: “aproximar o Brasil de organizações multilaterais, como a OCDE, que exprimam, em sua essência, a defesa da economia de mercado e de outros valores do ocidente democrático” (28.04.95). 

Ocorreram, é verdade, declarações ocasionais sobre um possível futuro “ingresso” na OCDE, sem que no entanto elas chegassem a configurar uma definição oficial de política externa governamental. Declarações desse tipo poderiam ser interpretadas, no Chateau de la Muette, como uma manifestação de vontade unilateral, pouco apropriada, finalmente, ao contexto político de aproximação gradual vis-à-vis uma organização intergovernamental soberana. 

Em qualquer hipótese, caberia perguntar, em primeiro lugar, se não estaria faltando uma definição mais precisa (não necessariamente destinada a ser tornada pública) quanto à política do Brasil em relação à OCDE. Nem a vontade de “cooperar com”, nem a linha de ação de “aproximar o Brasil de organizações multilaterais como a OCDE”, em vista de sua alegada “defesa da economia de mercado e de outros valores do ocidente democrático”, são suscetíveis de definir exatamente o interesse nacional e de aplicar-lhe uma racionalidade instrumental no capítulo da política externa, mesmo sendo ela a consensual política de aproximação gradual seguida no presente momento. A definição de uma política oficial em relação à OCDE deve partir de um conhecimento relativamente preciso de sua natureza, objetivos, provável evolução, bem como dos limites impostos à sua possível extensão a países não-membros, dotados no caso de características especiais como o Brasil. Este texto, por compreensíveis razões de espaço, abordará estas questões de maneira apenas perfunctória.

 

O charme discreto da velha senhora: limites da OCDE em transição

O que é a OCDE? Ao risco de parecer simplistas, poderíamos dizer que ela é claramente uma organização da guerra fria que, depois da queda do muro de Berlim e da derrota definitiva do socialismo, vem procurando reciclar-se na gestão ordenada das diversas transições ao capitalismo e das conversões ao liberalismo de mercado. A OCDE tinha mantido basicamente o mesmo membership e perfil institucional desde sua emergência (em 1960, a partir da “velha” OECE) até recentemente, podendo considerar-se a associação da ex-Iugoslávia a algumas de suas atividades (assim como o próprio ingresso da Turquia e, num certo sentido, de Portugal) como by-products ou side-effects da guerra fria.

Sua abertura e expansão notáveis desde 1989, quando tem início tanto o programa de cooperação com as economias em transição (ex-socialistas) como o “diálogo informal” com as economias dinâmicas (em primeiro lugar asiáticas, depois latino-americanas), ampliaram consideravelmente seu reconhecimento e notoriedade internacionais, servindo de catalizadores para a exibição pública de seu charme até então discreto. Por razões geopolíticas próprias aos “padrinhos” envolvidos, ela conseguiu absorver, até aqui sem maiores problemas, um típico país do Sul – reconvertido aos supostos méritos da economia de mercado – como o México, assim como ela prepara-se para fazê-lo no caso de alguns ex-socialistas patrocinados pelos europeus e, mais adiante, com a Coréia do Sul.

Assim, ao lado das tradicionais atividades de coordenação de políticas econômicas dos países membros – ela sempre foi uma espécie de GATT-plus –, a OCDE se esforça por enquadrar atualmente uma série de novos candidatos à interdependência global. O exercício comporta no entanto alguns limites. Se parece claro que a OCDE tem condições de “assimilar” sem maiores problemas pequenos países da semi-periferia do capitalismo central (podendo até mesmo incluir o Chile ou, mais hipoteticamente, a Argentina), ela dificimente poderia absorver algumas “baleias” da moderna economia global.

Estariam nesse caso, entre outros, a China, a Rússia, a Índia, a Indonésia e o próprio Brasil, países que, por razões extrínsecas à filosofia política globalista – mas não universalista – da OCDE ou intrínsecas ao modo de interação dessas “baleias” com a economia mundial, não seriam “digeríveis” a curto ou médio prazo pela organização intergovernamental do capitalismo bem-comportado. Ademais do fato de que países desse tipo nunca disporão de “padrinhos benévolos” no Chateau de la Muette, trata-se, para ela, de uma simples questão de sobrevivência orgânica ou de uma relação custo-benefício: a partir de um certo ponto, a OCDE só pode expandir-se marginalmente, caso contrário ela poderia colocar em perigo sua relativa homogeneidade política ou sua eficácia econômica nos temas que lhe são afetos. 

Assim, à questão de saber se a OCDE teria, efetivamente, condições ou interesse em “assimilar” um país como o Brasil, a resposta poderia ser, portanto, esta: ela certamente tem interesse em “enquadrar” ou “disciplinar” um velho free-rider como o Brasil, mas não necessariamente em trazê-lo para o inner-core do processo decisório do liberalismo pragmático. Num exercício de franca auto-consciência ela poderia proclamar, de maneira algo orwelliana: todos são interdependentes, mas alguns são mais interdependentes que outros...

 

Esse obscuro objeto do desejo: razões da atração brasileira

Deixando de lado, pelo momento, a questão de saber qual deveria ser, concretamente, a política do Brasil em relação à OCDE – rejeição, indiferença, aproximação, adesão –, conviria saber se quais seriam os condicionantes vinculados a uma aproximação do Brasil à OCDE, bem como suas motivações de política econômica e de relações internacionais do país. 

A política de aproximação do Brasil com a OCDE, implícita nas orientações ideológicas do candidato presidencial vencedor em 1989, teve início efetivo em 1991 através de uma fact-finding mission, cujo relatório orienta ainda hoje o caminho da cooperação direcionada a resultados parciais então decidido (integração a certas atividades técnicas, de interesse do Brasil). Sua rationale mais evidente parecia ser a percepção de que as mudanças em curso na economia mundial e na própria política econômica brasileira impunham uma reorientação dos foros abertos ao diálogo em torno da cooperação externa e um tratamento mais pragmático do relacionamento econômico e político do país no novo contexto internacional: o Sul continuava a se diferenciar e fracionar irremediavelmente, o discurso sobre uma nova ordem econômica internacional ou sobre uma agenda para o desenvolvimento se revelavam inoperantes e a própria cooperação internacional enfrentava uma mudança de qualidade e uma certa deterioração política, em face do liberalismo triunfante.

A OCDE sempre foi considerada, acertadamente, como um centro imparcial de expertise em políticas públicas e como um templo de racionalidade econômica. A profundidade técnica de suas análises sempre serviu como uma espécie de barragem não-ideológica à irresponsabilidade macro-econômica de certas propostas políticas, nos terrenos fiscal, orçamentário ou comercial, entre outros. Nesse sentido, ela pode ter contribuido, em favor dos países em desenvolvimento, por exemplo, para diminuir o quantum de protecionismo embutido em determinadas medidas unilaterais, ou para refrear o desejo de alguns dos países membros de impor arranjos minilaterais beyond GATT.

Mas, ela é, caracterizadamente, algo mais do que isso: ela impõe, aos países membros, um certo número de regras e disciplinas multilaterais, ainda que restritas aos aderentes, que todas vão no sentido da liberalização econômica irrestrita e na disseminação incondicional e uniforme do tratamento nacional. Aparecem aí as oportunidades e condicionantes de uma busca de aproximação por parte do Brasil: eles correspondem, em última instância, ao atingimento de uma racionalidade superior no processo de implementação de políticas macro-econômicas, mas representam, igualmente, um certo número de constraints com os quais seria preciso aprender a conviver em caráter definitivo.

Não se trata de discutir, neste momento, se o Brasil encontra-se preparado para tal salto: ele manifestamente não está, nem estará no futuro previsível. Em outros termos, a questão de um eventual pedido de adesão não deveria ser colocada enquanto decisão imediata de política externa, não só porque um convite nesse sentido jamais seria formulado nas atuais condições, mas também porque o país tem um longo caminho pela frente antes que os requerimentos objetivos e os condicionantes implícitos (que são de natureza algo subjetiva) possam ser satisfeitos. O que deve ser colocado, de maneira clara, é se essa busca de integração ao que até agora foi considerado como um “clube de países ricos” atende ao que normalmente se conceitua como sendo o interesse nacional e se ela é compatível, ou pelo menos não contraditória com os demais princípios sobre os quais se assenta a política externa da Nação. Resumindo: a orientação, a médio prazo, das relações econômicas internacionais do Brasil deveria, prospectivamente, comportar um bias pró-OCDE?

A natureza e funções da Organização, enquanto tal, sobretudo as de seu Secretariado, indicariam que sim, apesar de que os objetivos e métodos de trabalho da OCDE permanecem largamente desconhecidos da maior parte da máquina estatal brasileira. Com a possível exceção do Itamaraty e de um ou outro acadêmico utilizando regularmente seus excelentes estudos e publicações especializadas, a OCDE continua superbamente ignorada no Brasil. Situação a todos os títulos lamentável, pois que certamente o Brasil teria muito a aprender do conjunto de atividades cooperativas e de coordenação nas diversas esferas em que ela atua. Trata-se, basicamente, no contexto da revitalização do Estado e da redinamização da burocracia pública por que passa atualmente o Brasil, de uma excelente escola de reflexão, de formação e de treinamento especializado para os formuladores e implementadores de políticas públicas no Brasil, com destaque para as áreas de planejamento e de políticas econômicas setoriais, inclusive nas áreas ambiental, educacional e tecnológica.

De um modo geral, sabemos que não existem respostas simples a um conjunto de desafios externos que são basicamente comuns a países emergentes como o Brasil: acesso a novos mercados e tecnologias, crescente inserção econômica internacional, captação de recursos externos para fins de crescimento e emprego, enfim, participação plena nas grandes decisões políticas e econômicas que afetam a comunidade internacional. As respostas a esses desafios não podem ser equacionadas com base apenas na manifestação da vontade nacional, por mais forte que ela seja: o discurso modernizante esgota-se em seus próprios limites, a menos de ser secundado por uma burocracia armada dos instrumentos adequados para torná-lo realidade. Essas respostas requerem bastante consistência operacional, mas, também e sobretudo, capacidade externa de implementá-las, o que depende basicamente dos recursos globais de um país (econômicos, políticos, culturais e militares). 

A superação de algumas dessas “lacunas de poder” depende, antes de mais nada, da implementação de um projeto nacional de desenvolvimento, o que confirmaria a política externa brasileira num papel supletivo dos grandes objetivos nacionais. Essa diplomacia do desenvolvimento parece corresponder, finalmente, aos princípios e linhas de ação que sempre guiaram a atividade do Itamaraty. Mas, a consecução dos instrumentos necessários para tal finalidade seria grandemente facilitada pela existência de uma burocracia pública dotada da capacitação requerida e treinada nas políticas setoriais adequadas à transformação modernizadora do Brasil contemporâneo. A OCDE poderia desempenhar, mesmo acessoriamente, um papel instrumental nesse processo de adaptação do Brasil às exigências da modernidade com vistas à nossa inserção internacional.

 

Crônica de uma adesão anunciada?: realismo na política externa

Assim, o relacionamento com a OCDE deve ser antes visto como um meio do que como uma finalidade de uma política global de desenvolvimento econômico e social do Brasil. Como linha de princípio, o Brasil não deveria postular, externamente ou mesmo para si próprio, a adesão à organização do Chateau de la Muette como um objetivo de política nacional ou como diretriz de Governo. O eventual (e imprevisível) futuro ingresso numa organização restrita e de certa forma elitista como a OCDE – que de toda forma já não seria a mesma que se conhece hoje – poderia ser o resultado natural, e involuntário, de um processo em que não seríamos mais simples demandeurs e sim convidados, mas jamais resultar de uma suposta “diplomacia de resultados”.

Qual a rationale da argumentação aqui exposta e o que motiva este tipo de proposta de política externa setorial? Ela é guiada, fundamentalmente, pela premissa de que um objetivo auto-proclamado (unilateral, portanto) de “ingresso” na OCDE relevaria tão simplesmente de uma Idealpolitik, não no sentido de uma política externa motivada por valores morais elevados, mas tão simplesmente permeada de interesses legítimos embora destacada dos meios necessários para atingi-los. A Idealpolitik pode comportar princípios balizadores da atuação externa do País, mas não se confunde com um guia para a ação.

Uma Realpolitik bem temperada deveria reconhecer que uma tal orientação é, nas circunstâncias atuais, bem pouco compatível, ainda que não totalmente contraditória, com os demais princípios sobre os quais se assenta a política externa da Nação. A reivindicação, por exemplo, de um estatuto de país em desenvolvimento, plenamente reafirmada nos foros onusianos ou no das instituições de Bretton-Woods (inclusive, ou principalmente, nesse late come offshoot que é a OMC), para a consecução dos objetivos de não-reciprocidade e de tratamento especial e mais favorável, se coaduna mal com as regras, escritas e não escritas, que enquadram e regulam a atividade econômica, interna e externa, nos países membros da OCDE. Encontra-se o Brasil preparado para esse tipo de revolução qualitativa em sua política externa, essa ruptura epistemológica com décadas de ideologia desenvolvimentista, esse verdadeiro salto paradigmático nos princípios organizadores de seu relacionamento internacional? Uma reação plausível e credível tenderia a fornecer, modestamente, uma resposta negativa a essa questão.

A realidade econômica e política interna, por outro lado, mesmo se em processo de adaptação aos requisitos da “nova” ordem econômica internacional, notadamente através dos processos de revisão constitucional, ainda não pode ser considerada como ganha à abertura econômica ou em evolução irresistível para a aceitação tranquila da interdependência. Em termos de política nacional de desenvolvimento, deve-se reconhecer, aliás, que o processo de reformas internas tem seu mérito próprio e não pode prender-se exclusivamente à agenda externa do País. Tendo em vista, assim, o quadro político interno e a atual conjuntura econômica brasileira, o mais indicado seria prosseguir o processo de reformas, desvinculando-o de qualquer objetivo final de mudança de status internacional, uma vez que antecipar eventual demanda de ingresso na OCDE poderia gerar linhas de resistência política e econômica que dificultariam o prosseguimento da obra modernizadora. Não se poderia esquecer, também, que um processo prematuramente engajado de adesão plena de um país como o Brasil, tido como “instável” em termos de políticas governamentais, poderia gerar, por parte de alguns países membros, restrições de natureza diversa que poderiam tornar algo traumático o eventual quadro negociador. De qualquer forma, nenhum processo desse tipo é suscetível de abrir-se antes que os países membros tenham definido seu encaminhamento positivo ou antes que o candidato disponha de um sólido case for.

De uma forma geral, portanto, qualquer que seja a orientação a ser imprimida à política externa nessa área, o sucesso de um tal empreendimento recomendaria a maior discreção possível quanto ao objetivo final, paralelamente à intensificação real dos esforços tendentes a confirmar a presença do Brasil nas atividades hoje selecionadas para nossa participação. Do ponto de vista de nossa política de aproximação, aumentar o nível do diálogo com a OCDE ou entrar em discussão quanto ao incremento de nossa participação em atividades diversas (comitês técnicos especializados, por exemplo) implicaria não só maiores definições internas e externas relativamente ao grau de abertura da economia brasileira, mas também a disposição do País de começar a adotar, de uma maneira bastante discreta e em todo caso voluntariamente, princípios e mecanismos regulatórios inspirados diretamente nos instrumentos negociados e acatados pelos países membros. O pressuposto de uma tal recomendação política é evidentemente que essa adesão unilateral a códigos de boa conduta no campo da política econômica interna e externa apresentaria – a médio e longo prazos e independentemente dos custos imediatos ligados ao trade-off autonomia vs. interdependência – efeitos positivos em termos de linkages econômicos internos, uma revalorização política do País no cenário mundial e um impacto potencialmente benéfico para a inserção brasileira no sistema econômico internacional.

Parecem reunidas, portanto, as condições para se responder à questão inicial de saber qual deveria ser, concretamente, a política do Brasil em relação à OCDE. Considerando-se que a rejeição ou a indiferença já foram descartadas há algum tempo, inclusive porque não representam exatamente uma política, restam matizes das duas últimas atitudes: continuidade do processo de aproximação, tal como definido de forma empírica atualmente, e preparação de um futuro pedido de adesão. Pelas razões já expostas acima, esta última opção deve ser objetivamente descartada enquanto variável de planejamento político na área externa, mesmo se preservada a hipótese enquanto princípio organizador de nossa futura inserção internacional.

A opção preferencial seria, portanto, em favor de uma ativa política de aproximação, de participação intensa nas atividades abertas ao Brasil, de manutenção de um diálogo regular de alto nível e de uma intensa cooperação informal em setores de interesse recíproco. Essa orientação seria conduzida de maneira indefinida no tempo, sem a preocupação de aboutir a um cronograma preciso de mudança de status: esta seria a melhor garantia de poderíamos, em última instância, conduzir o processo, sem ser por ele atropelados. Em outras palavras, nada além do que seguir a velha política do bom senso e uma linha de meio termo, ambos definidos de maneira ativa, como convém aliás a um País que, historicamente, sempre soube definir e implementar soberanamente sua política externa. 

[Paris, n° 482: 16.07.95]

 

482. “O Brasil e a OCDE: considerações sobre uma relação problemática”, Paris, 16 julho 1995, 9 pp. Reflexões pessoais sobre a política a ser adotada pelo Brasil em relação à OCDE, não destinadas a divulgação pública. Encaminhada ao Chefe de Gabinete do SG e ao SGIE/MRE. Reservado.

 

=============


Outros materiais pertinentes ao tema: 


506. “OCDE, UNCTAD e OMC: uma perspectiva comparada sobre a macroestrutura política das relações econômicas internacionais”, Porto Alegre, 16 dezembro 1995, 42 pp; 2a. versão revista: Brasília, 22 de dezembro de 1995, 45 p. 3a. versão revista: Brasília, 6 agosto 1996, 49 p. Texto analítico sobre o conteúdo formal e substantivo das agendas respectivas das três organizações, em perspectiva histórica, com vistas a definir possível convergência nos trabalhos de cada uma delas. Publicado no livro editado pelos Profs. Paulo Borba Casella e Araminta de Azevedo Mercadante (coords.), Guerra Comercial ou Integração Mundial pelo Comércio? A OMC e o Brasil (São Paulo: Ltr Editores, 1998, p. 149-198). Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/5782891/007_OCDE_UNCTAD_e_OMC_uma_perspectiva_comparada_sobre_a_macroestrutura_pol%C3%ADtica_das_rela%C3%A7%C3%B5es_econ%C3%B4micas_internacionais_1998_). Relação de Publicados nº 225.

509. “Brasil e OCDE: uma interação necessária”, Brasília, 21 janeiro 1996, 4 p. Requerimento de matrícula para a elaboração de tese do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco (XXXII CAE), constando de exposição do temário, pontos a serem desenvolvidos, metodologia e fontes. Anexo: esquema e estrutura proposta da segunda versão do trabalho de CAE com divisão preliminar em capítulos. Texto revisto em Brasília em 31 de janeiro de 1996. Encaminhado ao IRBr em 8 de fevereiro de 1996. Aceito como projeto de tese de CAE; elaborado, sem nenhuma modificação do projeto original, nos meses de junho e julho de 1996. 

530. “Brasil e OCDE: uma interação necessária”, Brasília, 15 julho 1996, 290 p. (texto + anexos: notas, bibliografia, complementos informativos e apêndices estatísticos). Tese apresentada ao XXXII Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Depositada no IRBr em 15 de julho de 1996, aceita para arguição oral em 19 de setembro (Carta IRBr/457), com fixação da defesa para o período de 24 de outubro a 6 de novembro; defendida em 29 de outubro 1996 de 1996. Reprovada pela Banca; feito Memorial sobre o processo de avaliação (Trabalho n° 540). Disponibilizado em Academia.edu (2/06/2015; link: https://www.academia.edu/5659888/530_Brasil_e_OCDE_uma_interacao_necessaria_-_tese_CAE_1996_); Informado no blog Diplomatizzando (2/06/2015; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/06/brasil-e-ocde-uma-interacao-necessaria.html) e via Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/948031168593667).

539. “Roteiro de apresentação oral no XXXII CAE: Brasil e OCDE: uma interação necessária”, Brasília, 28 outubro 1996, 9 p. Esquema de argumentação para ser utilizado como guia na sessão de defesa da tese, no dia 29/10/1996. Não utilizado, por não ter havido debate sobre os pontos centrais da tese. 

540. “Memorial do candidato sobre o processo de avaliação da Tese”, Brasília, 9 novembro 1996, 14 p. Texto preparado para subsidiar argumento em favor da revisão da decisão da Banca que decidiu recusar a tese de CAE. Entregue em 11.11.96 ao Diretor do IRBr. 

541. “Recurso em legítima defesa”, Brasília, 11 novembro 1996, 2 p. Carta ao Diretor do IRBR, com pedido de reconsideração da decisão da Banca que decidiu recusar a tese de CAE. Entregue em 11/11/1996 ao Diretor do IRBr. Resposta comunicada em 10/12/1996, por ofício 758 do Diretor do Instituto Rio Branco, confirmando a decisão negativa da Banca. 

terça-feira, 16 de março de 2021

Desgoverno Bolsovirus mente a mais não poder: pretende esvaziar a denúncia da OCDE sobre os recuos na luta contra a corrupção no Brasil - matérias de Mariana Sanches (BBC-Brasil)

 Destaco matéria da jornalista Mariana Sanches, da BBC-Brasil em Washington: ela fez uma belíssima matéria sobre o relatório de CENSURA (não é o nome oficial, mas cabe refletir a verdade) contra o governo Bolsonaro por seus recuos no combate à corrupção: 

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56406033 

A matéria está no link acima e vai reproduzida abaixo (mas o original tem fotos e formatação adequada). A OCDE decidiu por uma MEDIDA INÉDITA EM SUA HISTÓRIA: criar um grupo de monitoramento para seguir as medidas do Brasil na sua (não) luta contra a corrupção. Consultado a respeito, em entrevista a repórteres, o chanceler acidental não soube dizer rigorosamente NADA.

Mas como esse desgoverno mente deslavadamente, foi além de não oferecer nenhuma explicação: tentou desmentir o relatório da OCDE e a matéria da jornalista. Como relata a jornalista: 

Em nota conjunta de Itamaraty, Ministério da Justiça, CGU e Casa Civil, o governo Bolsonaro diz que a medida da OCDE contra o Brasil não é inédita e que o país nunca foi informado de preocupação da entidade com retrocesso em combate à corrupção. Mas, a OCDE e documentos públicos desmentem isso.

Ela indica a matéria da OCDE que reafirma o relatório original: 

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56422998

Mais abaixo reproduzo a matéria que tentou ser desmentida de maneira calhorda pelo governo.

OCDE reafirma que ação contra Brasil é inédita e contradiz governo Bolsonaro

  • Mariana Sanches - @mariana_sanches
  • Da BBC News Brasil em Washington
  • Eis a matéria original do dia 15/03:
  • OCDE adota medida inédita contra o Brasil após sinais de retrocesso no combate à corrupção no país

  • Mariana Sanches - @mariana_sanches
  • Da BBC News Brasil em Washington
Ernesto Araújo e Bolsonaro lado a lado em mesa de evento em ambiente interno
Legenda da foto, 

O chanceler Ernesto Araújo e Jair Bolsonaro consideram a entrada do Brasil na OCDE como uma prioridade do governo

Diante do que tem sido visto como um recuo no combate à corrupção no Brasil, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tomou uma decisão inédita: criar um grupo permanente de monitoramento sobre o assunto no Brasil. 

A entidade, na qual o Brasil pleiteia entrada, está preocupada com o fim "surpreendente da Lava Jato", o uso da lei contra abuso de autoridade e as dificuldades no compartilhamento de informações de órgãos financeiros para investigações. 

A medida, jamais adotada contra nenhum país antes, representa uma escalada — com tons de advertência — nas posições da OCDE, que desde 2019 tem divulgado alertas públicos ao governo e chegou a enviar ao país uma missão de alto nível para conversar com autoridades e tentar reverter ações de desmonte da capacidade investigativa contra práticas corruptas.

"A missão aconteceu em novembro de 2019 e saímos do país bastante satisfeitos, apenas para descobrir logo depois que os problemas - com raras exceções - ainda existiam e que novos problemas que ameaçavam a capacidade do Brasil de combater o suborno internacional continuam a surgir", afirmou à BBC News Brasil Drago Kos, presidente do grupo de trabalho antissuborno da OCDE e membro do Conselho Consultivo Internacional Anticorrupção.

Em nota em resposta à reportagem da BBC News Brasil, o Itamaraty confirmou a criação do grupo de monitoramento anticorrupção da OCDE para o Brasil: "A iniciativa de criação do subgrupo para o atual monitoramento do País contou com a anuência da delegação brasileira, interessada em aprimorar o processo de apresentação dos elementos de interesse do Grupo (de Trabalho Antissuborno da OCDE)", diz a nota do órgão.

Além disso, ao contrário da justificativa dada pelo presidente da área antissuborno da OCDE, que vê retrocessos no combate à corrupção, o Itamaraty afirma que "nenhuma razão de mérito ou demérito está na origem da criação do subgrupo. Logo, é incorreta a interpretação de que o subgrupo foi criado 'diante do que tem sido visto como um recuo no combate à corrupção'. Tratou-se tão-somente de decisão processual para estruturar o debate sobre o monitoramento comum a que se submetem voluntariamente todos os membros do Grupo de Combate ao Suborno".

Por fim, o Itamaraty contestou a informação dada à reportagem pela OCDE de que é a primeira vez que um grupo para monitoramento das ações contra a corrupção em um determinado país é criado pela entidade.

À BBC News Brasil, Drago Kos, chefe do Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE afirmou que "já emitimos muitas declarações públicas a respeito de outros países e também organizamos algumas missões de alto nível. Mas nunca antes estabelecemos um subgrupo para acompanhar o que está acontecendo em um país de interesse".

'Marcha à ré' no combate à corrupção

Agora, especialistas de três países membros da OCDE irão monitorar a situação do combate à corrupção no país de maneira contínua e independente, e manter consultas frequentes com autoridades brasileiras. 

Conforme apurou a BBC News Brasil com exclusividade, é a primeira vez em 59 anos que a entidade adota uma medida como essa contra qualquer país, seja um de seus 37 membros permanentes ou qualquer outra nação candidata ao grupo. 

A entrada na OCDE é considerada uma prioridade na política externa do presidente Jair Bolsonaro. Há 10 dias, em um evento para investidores americanos no Council of the Americas, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que "o Brasil vai integrar em breve a OCDE, o que é algo decisivo para nós, muito importante, uma maneira de ancorar o Brasil na atmosfera de democracias liberais e economias orientadas pelo mercado".

Eleito sob a bandeira do combate à corrupção, o governo Bolsonaro vê ameaçado o ingresso na OCDE caso a avaliação sobre o desempenho brasileiro no assunto não melhore.

Perguntado pela BBC News Brasil se as práticas brasileiras de combate à corrupção atuais estariam de acordo com os parâmetros mínimos para que o país fosse aceito na entidade, Drago Kos afirmou que "se você tivesse me feito essa pergunta há alguns anos, minha resposta teria sido um "sim" definitivo. Hoje eu simplesmente não sei: enquanto a Operação Lava Jato nos deu informações tão positivas sobre a capacidade do Brasil de combater a corrupção nacional e internacional, hoje parece que alguns dos processos iniciados em 2014 estão dando marcha a ré". 

Segundo Kos, essa é apenas uma opinião pessoal e o órgão que comanda deverá deliberar sobre o assunto em algum momento, mas isso ainda não tem data para acontecer. 

Lava Jato, lei de abuso de autoridade, relação MP e Receita

A decisão da OCDE foi tomada em dezembro, mas só agora se tornou pública. Há duas motivações primordiais para a medida e algumas preocupações recentes adicionais. 

A primeira é a aprovação da lei de abuso de autoridade, que criminaliza algumas condutas de juízes e procuradores e foi aprovada pelo Congresso contra a vontade do então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, mas com a anuência de Bolsonaro, que declarou que "o Ministério Público, em muitas oportunidades, abusa. Eu sou uma vítima disso. Respondi tantos processos no Supremo (Tribunal Federal) por abuso de autoridade. Isso não pode acontecer. Eu sei que grande parte (do MP) é responsável, mas individualmente alguns abusam". 

Para a OCDE, ela pode ser usada como elemento de intimidação contra investigadores que estejam cumprindo seu dever.

A segunda diz respeito diretamente ao clã Bolsonaro: em julho de 2019, o então presidente do STF Dias Toffoli concedeu liminar à defesa do senador Flávio Bolsonaro em que suspendia a investigação do caso das rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio. 

Toffoli acolheu argumento da defesa do filho mais velho do presidente de que seus sigilos fiscal e bancário tinham sido quebrados pelos investigadores, que conseguiram acesso às informações sem ordem judicial. 

A decisão interrompia também todos os demais processos que envolvessem compartilhamento de dados bancários ou fiscais entre a Receita Federal e a Unidade de Investigação Financeira (UIF, antigo COAF) e o Ministério Público. A liminar acabou revertida seis meses mais tarde pelo plenário do STF, que reafirmou que esse tipo de colaboração não necessitava de autorização judicial para acontecer. Os ministros, no entanto, estabeleceram regras mais rígidas para o compartilhamento dessas informações entre órgãos financeiros e investigativos. 

Em fevereiro deste ano, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou novamente a quebra de sigilo de Flávio. A Procuradoria-Geral da República está recorrendo da decisão.

"Em nossa opinião, essas ações prejudicam seriamente a capacidade do Brasil de detectar e combater a corrupção de forma eficaz", avalia Kos. 

Mas as preocupações do órgão não se encerram aí. "Além disso, também tomamos conhecimento dos problemas atuais, acompanhando reportagens da mídia a respeito de ocorrências na área de corrupção e verificando-as com a Delegação do Brasil e outras fontes", afirmou o presidente do grupo antissuborno da OCDE. 

Uma dessas ocorrências foi o fim formal da força-tarefa da Lava Jato, em fevereiro de 2021. Meses antes disso, no entanto, a operação já agonizava, tanto pela repercussão negativa da divulgação de trocas de mensagens entre o então juiz Sérgio Moro e os procuradores quanto por ações do governo Bolsonaro que alteraram o funcionamento do Ministério Público Federal, ao indicar para o comando do órgão um nome alinhado ao presidente e que não havia sido escolhido pelos pares em lista tríplice.

Além disso, Moro deixou o Ministério da Justiça acusando Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal. O ex-ministro sugeriu que a intenção do presidente seria controlar as investigações para evitar avanços investigativos sobre atos de seus filhos. 

O presidente chegou a admitir que tinha interesse em ter mais informações de inteligência, mas negou que agisse para proteger a família. Em outubro de 2020, Bolsonaro afirmou: "acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no governo". 

Para Drago Kos, há problemas nesse discurso. "Não existe governo no mundo absolutamente livre de corrupção, mas os governos devem investir seu máximo esforço para combater todas as formas de corrupção em suas próprias fileiras, independentemente da identidade dos suspeitos".

O presidente da área antissuborno da OCDE classificou como "surpreendente" o interesse do de autoridades brasileiras de "encerrar o mais rápido possível " as atividades da força tarefa.

"Operações como a Lava Jato, que começam devido a problemas urgentes e importantes de corrupção, nunca devem durar para sempre. No entanto, tendo em mente que neste caso nem todas as atividades investigativas relacionadas ao caso Lava Jato foram finalizadas, inclusive em alguns casos importantes, o desejo de encerrar a operação o mais rápido possível é realmente surpreendente", afirmou Kos. 

Para ele, a comunicação entre Moro e procuradores é "antiética" mas não acaba com legado da Lava Jato

O especialista classificou o teor das mensagens entre o juiz Moro e os investigadores, que vieram à tona no escândalo da Vaza Jato, como sinais de "uma cooperação entre promotores e juízes (que) não é comum em processos criminais e pode certamente ser considerada antiética". 

Kos, no entanto, afirmou ainda ter dúvida sobre se a conduta das autoridades no caso foi ilegal e ressaltou que não se deve esquecer que as mensagens foram obtidas ilegalmente e que foram um ataque a profissionais que desbaratavam um grande caso de corrupção. 

Para ele, erros na condução do processo não podem servir para anular completamente o trabalho investigativo de quase sete anos. E revisões devem ser feitas caso a caso, como defendeu o ministro Edson Fachin ao anular as sentenças dadas por Moro contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Outros ministros, capitaneados por Gilmar Mendes, veem nos vícios apresentados material suficiente para rejeitar todo o trabalho feito em Curitiba. A disputa entre visões no Supremo hoje pende para a vitória de Gilmar, que chamou a operação de "o maior escândalo judicial da história". O julgamento foi interrompido por pedido de vistas do ministro Kássio Nunes Marques. Kos está longe de concordar com a avaliação do ministro Gilmar. 

"A Operação Lava Jato colocou o Brasil no mapa global anticorrupção, mostrando que o país está realmente disposto a lidar com um caso de corrupção de grande magnitude. Claro, erros sempre são possíveis. Mas isso terá que ser comprovado em cada caso individual, separadamente, e não deve de forma alguma afetar o legado geral da operação", diz Kos.