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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 20 de maio de 2013

E por falar em OMC, Páginas Amarelas da Veja, uma outra entrevista (PRA)

Dei a entrevista abaixo à revista Veja, em 2001. Por causa dela, recebi uma punição do Itamaraty, que acreditava estar defendendo não sei quais posições. Nunca soube por que fui punido, pois não encontro nada nessa entrevista que se oponha, agora ou antes, às posições oficiais da chancelaria. Vai lá saber...
Paulo Roberto de Almeida


Ricos e arrogantes

Especialista em relações internacionais
diz que os países desenvolvidos agem de
forma desleal com seus parceiros pobres
Cristiana Baptista
Páginas Amarelas, VEJA, Edição 1 723 - 24 de outubro de 2001
Ron Sachs/CNP
"O Brasil é competitivo na área agrícola, assim como os americanos o são em tecnologia. A abertura tem de ser recíproca"
O sociólogo Paulo Roberto de Almeida, 50 anos, é autor de sete livros sobre comércio internacional. Outros três serão lançados nos próximos meses. São Os Primeiros Anos do Século XXI: Relações Internacionais Contemporâneas, com as atualizações que se mostraram necessárias depois dos atentados terroristas nos Estados Unidos, e Formação da Diplomacia Econômica no Brasil,os dois em português. Além desses, ele é autor de um livro de história brasileira destinado a leitores estrangeiros, que está sendo editado na França. Ultimamente, ele tem se interessado pela hipocrisia que norteia as relações de troca entre os países ricos e as nações pobres.
Em artigo publicado recentemente no jornal O Estado de S. Paulo, Paulo Roberto de Almeida demoliu com argumentos avassaladores as idéias fora do lugar de Luís Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência da República, que defendeu a política agrícola européia, viciada em proteção excessiva e subsídios e altamente nociva aos interesses brasileiros. Paulo Roberto de Almeida vive atualmente em Washington, nos Estados Unidos.
Veja – Os países ricos são hipócritas por pregar o livre comércio para os outros ao mesmo tempo que erguem barreiras protecionistas em torno de suas economias. Há alguma chance de eles mudarem de atitude? Almeida – Não. É desalentador constatar que os países mais avançados, amparados nas melhores teorias econômicas, preconizam as virtudes do livre comércio, mas estão longe de praticá-lo. Os Estados Unidos têm um déficit comercial de 400 bilhões de dólares ao ano e são de longe a economia mais aberta do planeta, mas em relação a uma gama de produtos, que por acaso coincidem com nossos principais bens de exportação – especialmente na área agrícola –, os americanos praticam um protecionismo renitente, com a utilização de barreiras não-tarifárias de diversos tipos. Isso sem falar dos subsídios maciços com que adubam sua agricultura. Para outros produtos, como o aço, existem medidas anti-dumping que também são abusivas. Não é preciso lembrar os efeitos nefastos que o protecionismo agrícola da União Européia provoca não só em nossas exportações, mas no comércio internacional como um todo. Os europeus praticam não apenas um protecionismo para dentro, ou seja, restringem o ingresso de produtos de outros países em seus mercados. Eles também praticam uma concorrência desleal para fora, na medida em que subvencionam pesadamente as exportações de determinados bens que poderiam ser vendidos por países produtores agrícolas não-subvencionistas. O protecionismo agrícola é certamente um obstáculo importante porque penaliza uma parte substancial do comércio exterior brasileiro. Os subsídios internos também são um fator relevante à medida que eles distorcem os preços. Se alguém dá subsídios aos produtores de soja, por exemplo, faz com que os preços caiam nos mercados internacionais, e isso penaliza produtores não-subsidiados.
Veja – No caso do aço, eles têm alguma razão econômica indiscutível para sobretaxar o produto brasileiro? Almeida – O aço é uma das indústrias tradicionais americanas. Ela emprega centenas de milhares de pessoas e patrocina um dos mais ativos e bem-sucedidos lobbies dos Estados Unidos. As siderúrgicas americanas por força do lobby vêm mantendo como verdadeira a idéia falsa de que o aço estrangeiro é vendido a preço baixo em seu mercado apenas porque os países exportadores praticam o dumping – o rebaixamento irreal e, no caso do comércio internacional, ilegal de preços. Isso é uma falsidade. O Brasil consegue vender produtos siderúrgicos a preços mais baixos que os Estados Unidos pela simples razão de que nossa indústria, nesse setor, é mais eficiente. A siderurgia brasileira é mais competitiva que a americana. Obviamente existem fatores naturais que nos favorecem, como a proximidade das jazidas e a qualidade do minério. Mas, em modernização tecnológica, a siderurgia brasileira dá um banho na americana. Por isso ela recorre aos lobbies e abusivamente acusa o Brasil de fazer dumping. Como vimos, são alegações sem fundamento.
Veja – Os países ricos estão sendo sinceros quando criam dificuldades ao comércio das nações em desenvolvimento em nome da preservação ambiental ou da coibição do trabalho infantil?
Almeida – A intenção declarada é a mais meritória possível: defender o meio ambiente e melhorar as condições de trabalho dos operários. Na prática, sabemos que tais cláusulas acabam atuando em detrimento dos países em desenvolvimento e justificando medidas protecionistas abusivas, a pretexto de defender regras "leais de comércio". O Brasil não tem nada a temer nesse tipo de questão. Não apenas porque possuímos uma legislação ambiental adequada, mas também porque nossas empresas exportadoras apresentam alto grau de conformidade com os princípios mais modernos do ciclo de vida dos produtos. No plano trabalhista, igualmente, o Brasil aderiu à maior parte das convenções internacionais que defendem direitos dos trabalhadores e liberdade sindical. Em muitos pontos estamos à frente dos Estados Unidos, que exibem um registro pouco lisonjeiro nessa área.
Veja – Luís Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência da República, afirmou que a Europa tem lá suas razões para defender a agricultura com subsídios e barreiras. A política agrícola européia é defensável?
Almeida – Não. A política européia está em total contradição com o que os europeus pregam sobre abertura econômica, competição leal e livre concorrência. A questão central, a meu ver, não é dar dinheiro aos agricultores. Se os europeus acharem que devem subsidiar a agricultura, é uma questão interna deles. O condenável é barrar a competição de fora tanto na Europa quanto nos países onde eles vendem seus produtos. Se achar certo, o governo francês tem todo o direito de levar os agricultores a Paris, hospedá-los nos melhores hotéis da Avenida Champs-Élysées e ainda pagar um bônus para eles se divertirem. Esse não é o ponto. Essas mordomias até sairiam mais baratas que a política agrícola européia atual. Os europeus gastam 60 bilhões de dólares por ano em subvenções agrícolas. Eles que gastem como quiserem o dinheiro público. O problema começa quando eles, além disso, usam mecanismos francamente condenáveis para barrar a competição externa. Obviamente, está-se diante de um grave problema de eficiência. A competição externa permitiria baixar à metade o preço da cesta de comidas típicas dos europeus. Não há legitimidade na defesa da política agrícola européia.
Veja – Lula a defendeu...
Almeida – Não posso acreditar que líderes políticos defendam uma guerra de subsídios. Isso claramente não é do interesse nacional. Não tenho nada contra o fato de que os europeus façam o que quiserem com seu dinheiro. Mas interessa a todos os brasileiros e deveria interessar também aos partidos de oposição que o mercado mundial funcione com regras leais de competição. Por lealdade, entendo uma situação em que os produtos brasileiros recebam na Europa o mesmo tratamento que os europeus recebem no Brasil.
Veja – Como avançar diplomaticamente nesse campo, em que os países ricos mostram tanta intransigência?
Almeida – Com negociação. Há muito tempo o Brasil vem insistindo na abertura dos mercados agrícolas, assim como os Estados Unidos e os europeus insistem em regras para a proteção da propriedade intelectual. Cada grupo de países tem seus interesses. O Brasil é competitivo na área agrícola, assim como os americanos o são em tecnologia e propriedade intelectual. Queremos que essas áreas sejam negociadas da mesma forma. A abertura precisa ser recíproca. O papel dos países ricos no comércio mundial tem de sofrer uma mudança radical. Internamente, eles precisam aceitar mais competição. Mas o dano maior que causam é pela maneira ilegal como massacram os produtos originários de países pobres nos mercados não-europeus. Ao subsidiar seus produtores rurais, os europeus estão arruinando os produtores agrícolas dos países pobres. Essa situação não pode continuar.
Veja – É correta a alegação de que uma maior abertura da Europa aos produtos agrícolas importados arruinaria a economia da região?Almeida – Não. Está provado por uma série de evidências recentes que abertura comercial não tem relação direta e causal com problemas econômicos internos. Os Estados Unidos ostentam um déficit comercial anual de 400 bilhões de dólares e são a economia mais aberta do planeta. Poucas vozes aqui relacionam os problemas atuais da economia americana com o grau de abertura de seu mercado. Outras duas economias que estão entre as mais abertas do mundo, Cingapura e Holanda, são também altamente desenvolvidas. Os países podem ter problemas internos em quaisquer circunstâncias, com ou sem abertura da economia. A idéia de que praticar o livre comércio de duas vias pode fazer as economias entrar em colapso é retrógrada. Essa visão corresponde a uma concepção mercantilista do comércio e da economia internacional que não tem mais razão de ser em nossa época. A União Européia, uma potência comercial e nosso mais importante parceiro econômico, é protecionista e desleal. Ponto. Agindo assim, a Europa provoca efeitos econômicos danosos a si própria e ao bom funcionamento do comércio mundial.
Veja – Com terrorismo e recessão, podemos estar entrando numa fase de retrocesso da globalização?
Almeida – Não acredito. Uma série de medidas já foram tomadas para inverter essa tendência recessiva. E não acho que haja uma tendência à volta ao protecionismo.
Veja – A crise argentina e as dificuldades enfrentadas por Brasil, Uruguai e Paraguai estão enfraquecendo os laços criados pelo Mercosul. O senhor acredita na eficiência e sobrevivência dos blocos econômicos regionais?
Almeida – A União Européia começou em 1957 e levou praticamente quarenta anos para ser totalmente constituída. Ela alternou momentos de euforia, de crescimento, de recessão, pessimismo e otimismo. O Mercosul tem apenas dez anos. Ele cresceu extraordinariamente nesse período. Hoje enfrenta dificuldades temporárias que serão certamente superadas.
Veja – Depois dos atentados terroristas aos Estados Unidos, o senhor sentiu necessidade de revisar seu livro Os Primeiros Anos do Século XXI: Relações Internacionais Contemporâneas, que está prestes a ser publicado. O que mudou na situação mundial?
Almeida – Talvez não seja totalmente correto afirmar que o mundo mudou radicalmente com essa ação espetacular do terrorismo fundamentalista, mas é absolutamente certo que a agenda internacional já é outra. A prioridade agora são os temas de segurança e a luta contra as redes de terroristas. O Brasil também partilha essas preocupações, ainda que não seja alvo provável de atentados. As prioridades centradas na questão do desenvolvimento passaram para o segundo plano.
Veja – Por que o comércio internacional é sempre uma questão tensa e confusa?
Almeida – Porque ele funciona de uma maneira que não é exatamente a esperada pelo senso comum. O comércio internacional não pode ser uma via de mão única. A visão mercantilista, segundo a qual exportar é bom e importar é ruim, não cabe mais nos tempos de hoje. Isso não corresponde à realidade econômica dos países em geral, nem do Brasil em particular. Quando o país importa ele moderniza sua economia e passa a estar qualificado também para exportar mais e melhor. Precisamos certamente exportar mais, mas isso também não significa dizer que precisamos voltar a ter saldos superavitários estrondosos como nos anos 80, quando eles chegavam a 12 bilhões de dólares ao ano.
Veja – Os produtos brasileiros são competitivos no mercado internacional?
Almeida – O Brasil é bastante competitivo em alguns setores e perde feio em outros. Mas diferenciais de competitividade e de produtividade não podem ser de nenhuma maneira invocados como justificativas para o protecionismo, sobretudo quando levados às raias do absurdo comercial e do irracionalismo econômico, como acontece com a política agrícola européia. Na verdade, a competitividade agrícola brasileira não deixa nada a desejar quando confrontada à da Europa ou dos Estados Unidos, com exceção de poucos setores de notória especialização e de alta intensidade tecnológica. De fato, é justamente por ser competitivo que o Brasil está sendo penalizado no acesso ao mercado europeu de alimentos e insumos processados.
Veja – O Brasil está finalmente descobrindo que uma das funções dos diplomatas é vender a imagem do país no exterior e com isso facilitar os negócios?
Almeida – O Brasil descobriu que precisa criar uma cultura exportadora. Como todo grande país, ele está voltado para dentro. Isso também acontece com os Estados Unidos. O comércio exterior ocupa um pedaço muito pequeno na economia brasileira, algo como 10% do produto nacional bruto. Agora, a condição para que o Brasil se desenvolva, para que a população tenha um progresso social, uma melhoria no padrão de vida, um aumento na renda, é a inserção bem-sucedida do país no comércio internacional. O Mercosul e a abertura econômica foram passos importantes nesse sentido, mas é preciso avançar mais. 

Novo Diretor da OMC, Roberto Azevedo - Entrevista a Veja (Paginas Amarelas)

O novo guardião do livre mercado
Entrevista: Roberto Azevêdo
Veja, Páginas Amarelas, 19/05/2013

O diplomata brasileiro eleito para dirigir a Organização Mundial do Comércio, a OMC, condena o protecionismo e defende nova estratégia para derrubar as barreiras globais

A Organização Mundial do Comércio, com sede em Genebra, foi criada para estabelecer regras mais equânimes nas transações internacionais. A sua meta mais ambiciosa é dirimir as barreiras que atravancam as engrenagens do livre-comércio. A partir de setembro, a instituição estará sob o comando do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo, de 55 anos. Sua principal missão será destravar as negociações da chamada Rodada Doha de liberalização dos mercados globais. Engenheiro por formação e funcionário do Itamaraty desde 1984, o baiano Azevêdo é elogiado pela capacidade de conciliação. Casado e pai de duas filhas, o embaixador tem experiência de quinze anos em negociações e disputas comerciais. Por telefone, de Genebra, Azevêdo falou a Veja.

O Brasil está entre os países mais fechados do mundo e tem sido criticado na própria Organização Mundial do Comércio por ter erguido, nos últimos anos, barreiras aos produtos importados. Como foi possível um diplomata brasileiro ser eleito o novo diretor-geral da OMC?

Independentemente das políticas econômicas e comerciais dos países que apresentaram candidatura, quem concorria ao cargo eram os candidatos. Estava sob análise a sua capacidade pessoal para liderar a organização. Quando os representantes me escolheram, fizeram a opção pelo perfil profissional e pessoal. A origem dos candidatos serve de referência, um pano de fundo para a trajetória dos candidatos, mas só isso. Nesse aspecto, ajudaram bastante a tradição multilateralista brasileira e a vocação de nossa diplomacia de buscar o consenso. A recente projeção do Brasil nos foros de governança mundial também foi importante nesse processo.

O que o Brasil e os países em desenvolvimento ganham com a sua eleição?

O Brasil buscou oferecer um nome capaz de recuperar a OMC como foro negociador e disciplinador do comércio global. Não nos interessa o retorno ao unilateralismo, como nos anos 1980, com a escalada de uma guerra comercial. Na medida em que eu consiga atingir esses objetivos, será um ganho enorme para o país. Além disso, é evidente que o Brasil ganha em termos de imagem e de prestígio. O que o Brasil não ganha é alguém que vá defender seus interesses na chefia da organização, porque eu trabalharei para o conjunto dos países. Sobre as nações em desenvolvimento, é um raciocínio semelhante. Elas terão na direção-geral uma pessoa que conhece os seus problemas. Mas isso não quer dizer que eu estarei no cargo defendendo os interesses delas, em detrimento dos direitos dos países avançados.

As maiores economias do mundo negociam acordos bilaterais ou regionais, como o que envolve os Estados Unidos e a União Europeia e o outro entre nações asiáticas. Qual é a função da OMC nessa nova realidade do comércio mundial?

Os acordos bilaterais e regionais não são uma novidade. As regras negociadas em 1947, na origem da OMC, já os contemplavam. Afinal, é mais fácil negociar entre poucos do que alcançar um consenso entre uma centena de países. A organização, na verdade, é a fundação sobre a qual todos acordos bilaterais e regionais se assentam. O problema é que a OMC não atualizou seus alicerces. O risco é haver uma distância crescente entre sua fundação multilateral e as bases dos acordos bilaterais. Isso levaria multiplicação de padrões aduaneiros e regulatórios nas negociações, encarecendo as transações comerciais. As regras que dão base ao sistema multilateral de comércio precisam refletir a realidade dos negócios. Há regras anacrônicas, criadas há trinta anos, que refletem uma situação que não existe mais.

Em quais áreas as regras da OMC precisam ser atualizadas?

Bons exemplos estão nas áreas financeira e de serviços, nas quais as mudanças ocorrem em uma velocidade extraordinária. O comércio eletrônico é outro exemplo. As transações são feitas atravessando fronteiras, sem passar pelo controle das autoridades financeiras ou monetárias. Há a área energética, com os combustíveis renováveis. Nada disso está refletido nas regras atuais da OMC. Mas, nos acordos bilaterais, muitos desses aspectos já são tratados.

O senhor anunciou como prioridade a retomada das negociações da Rodada Doha, de liberalização comercial em todo o mundo. Por que elas estancaram?

Os principais empecilhos estão na área de acesso a mercados, ou seja, nas negociações referentes à abertura dos mercados e aos compromissos para fazê-lo. Os entraves acontecem nas três principais vertentes da negociação: bens industriais, agricultura e serviços. A dificuldade está nas diferentes expectativas de avanço. Cada pane entende que faz um esforço excessivo nas áreas em que é mais sensível e que não está sendo compensada à altura nas áreas em que pode auferir ganhos. Os emergentes, como o Brasil, têm um interesse exportador agrícola muito forte. Pretendem derrubar os subsídios agrícolas dos países ricos, que resistem a ceder. Os países desenvolvidos gostariam que houvesse a queda das tarifas industriais e que o setor de serviços fosse liberado. Os emergentes, nas duas áreas, se situam do outro lado da mesa. A lógica é essa. Para destravar a negociação, precisamos de mais flexibilidade para aprofundar o acordo nas áreas em que isso for possível e ser mais modestos naquelas em que a sensibilidade dos países for mais alta.

O Brasil adotou, recentemente, medidas de salvaguarda contra importações chinesas e elevou as tarifas de uma centena de produtos. Outros países adotaram medidas semelhantes. O maior protecionismo se tomou irreversível?

A crise econômica e financeira de 2008 ainda não foi totalmente superada. Desde então, as políticas comerciais derraparam na direção de uma menor abertura e até mesmo de fechamento. Esse movimento negativo não foi estancado. É muito mais fácil fechar um mercado do que reabri-lo. A melhor maneira de evitar que esse movimento se alastre é, em primeiro lugar, disseminar a informação e conscientizar os membros de que o protecionismo é contagioso. Em última instância, uma escalada protecionista é lesiva a todos, não apenas àqueles que aplicam essas medidas. A outra forma de atuar é aperfeiçoar as regras da OMC, de maneira a reduzir o espaço para a adoção de medidas protecionistas. Isso depende do aprofundamento das negociações, justamente aquilo que desejamos reativar.

O Brasil priorizou a negociação multilateral e não avançou nos acordos bilaterais, diferentemente de outras economias. Foi uma estratégia equivocada?

Os dois caminhos, o do bilateralismo e o do multilateralismo, não são excludentes. Um país pode perseguir as duas vertentes. Fala-se muito que o Brasil apostou todas as fichas na Rodada Doha. Mas essa dinâmica não depende de uma opção soberana do Brasil. Há outros 158 países-membros na OMC. O que o país fez, no contexto de uma negociação multilateral que estava sendo impulsionada por todos os membros da OMC, foi adotar uma postura muito ativa, tentando fazer que as negociações avançassem no sentido que ele considerava ser de interesse da economia nacional. Não foi uma aposta do Brasil, mas de todos na OMC.

O livre-comércio mostrou-se benéfico para os países que o seguiram. Por que tantos ainda resistem?

Mesmo os países que adotaram o livre-comércio de maneira mais evidente não chegaram a esse estágio da noite para o dia. É um processo. Não acredito que a resistência seja uma opção deliberada pelo protecionismo. Isso seria um erro crasso. Porém a liberalização comercial tem um tempo distinto do tempo político. A abertura leva tempo para render frutos. Quando se abre um mercado, alguns setores menos competitivos precisam se adaptar. Isso tem um custo. O tempo político é mais curto. Seu horizonte é a próxima eleição. O livre comércio é, do ponto de vista acadêmico, associado de maneira inequívoca ao progresso e ao bem-estar. Mas, para os políticos e empresários locais, ele costuma ser visto como uma ameaça ao emprego, à estrutura produtiva, e não como uma oportunidade.

O protecionismo pode ser admitido em estágios iniciais de desenvolvimento?

Não acho que o grau de liberalização de uma economia deva obedecer a uma lógica de grau de desenvolvimento, e sim de uma estratégia cujo objetivo seja a participação competitiva na economia mundial. Há países em desenvolvimento que estão obtendo progressos com modelos comerciais muito abertos. Outros seguem caminhos diferentes. No nosso continente, há o exemplo do Chile, que fez uma abertura de mercado muito forte. No Sudeste Asiático, esses exemplos proliferam. Não existe uma receita pronta e acabada. Mas parece ser evidente que as economias fechadas tendem a malograr.

Como a política comercial brasileira se encaixa nessa avaliação?

Uma proteção que possa ser dada a um setor ou a um grupo de setores tem de fazer parte de uma estratégia clara de aumento de competitividade e, portanto, ter uma natureza transitória. Não pode ser uma medida permanente, com a lógica de fechar o mercado para impedir a competição. Um modelo que olhe estritamente para o mercado interno e se esqueça de buscar constantemente a competitividade internacional de seu parque produtivo fracassará inevitavelmente a longo prazo.

As economias emergentes já respondem por metade de tudo o que é comercializado no mundo. Como esse avanço afeta as negociações?

Os países emergentes tomaram-se mercados mais atraentes. Antes, um acordo poderia ser fechado deixando esses mercados para um segundo momento. Hoje, isso não é mais possível. Além de constituírem importantes mercados compradores, os emergentes passaram a competir palmo a palmo com os produtos fabricados pelos desenvolvidos. Isso muda, evidentemente, o foco das negociações. Elas ficaram mais complexas. No núcleo central, há perspectivas mais heterogêneas. Antes, o núcleo se dava entre economias mais homogêneas, dos países desenvolvidos. Hoje, as negociações precisam acomodar o fato de existir uma diversidade maior de perspectivas.

Um dos pilares da OMC é o sistema de solução de contenciosos entre países. As disputas duram anos, e milhares de dólares são gastos na contratação de escritórios e na produção de estudos. Por que, quando um país ganha o direito de retaliar, prefere muitas vezes não aplicar as sanções?

A taxa de cumprimento das recomendações do órgão de solução de controvérsias está em tomo de 85%. É um sistema eficiente. Sem ele, a situação seria muito pior. Mas a retaliação não tem vencedores. Isso porque as sanções, como o aumento da tarifa de importação de produtos do país que é punido, encarecem as cadeias produtivas, distorcem o comércio e aumentam os preços no mercado interno. No fundo, não prevalece a lógica de "onde eu ganho o outro perde". É a lógica de "onde eu causo um dano maior ao outro do que a mim". Os países preferem negociar um entendimento que seja mutuamente satisfatório. Foi o que aconteceu no caso entre Brasil e Canadá envolvendo a Embraer e a Bombardier, em que houve um acordo que regulamentou as condições de financiamento para a exportação de aeronaves.

O desmoronamento de uma fábrica têxtil em Bangladesh em abril, com mais de 1.000 mortos, expôs a precariedade das condições de trabalho em países asiáticos, focados na exportação de produtos baratos. Como a OMC pode coibir casos assim?

Foi uma tragédia lamentável. Suas causas têm raízes profundas, relacionadas à política econômica e social do país e às normas de urbanização e de infraestrutura. E há o lado estritamente ligado ao comércio. O assunto pode merecer uma avaliação completa dos países da OMC com o objetivo de encontrar formas de evitar que tragédias como essa se repitam. Para isso, é necessária uma discussão de conceitos dentro da organização. Como eu disse antes, as regras atuais refletem uma realidade de negócios prevalente trinta anos atrás e não favorecem essas novas e necessárias análises.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Brasilia, Genebra, OMC, Brasil - Marcelo de Paiva Abreu


Genebra não é Brasília 
Marcelo de Paiva Abreu
Doutor em economia pela Universidade De Cambridge, é professor titular no departamento de economia da PUC-RIO
O Estado de S. Paulo, 16/05/2013

A vitória de Roberto Azevêdo na disputa pela posição de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) provocou grande alívio em Brasília. Depois que a União Europeia decidiu votar em bloco na candidatura do rival mexicano, houve o temor de que o brasileiro fosse derrotado. Uma derrota para o México resultaria em grandes estragos na postulação brasileira pela liderança política na América Latina, baseada, embora com claros exageros, em manter posição menos alinhada em relação a Washington.
Com base nas simétricas reações mexicanas à derrota de Herminío Blanco, é possível imaginar a reação brasileira a uma eventual derrota de Azevêdo. O ex-presidente- do país Ernesto Zedillo, no Wall Street Journal, foi menos elegante do que sugeriria sua biografia e, confundindo pessoa com país, lamentou a escolha com o discutível argumento de que "o Brasil não foi o parceiro mais positivo da OMC". Já Jorge Castañeda foi inusitadamente comedido, limitando-se a sugerir que Azevêdo foi escolhido por ser da "confraria" de Genebra.
Não cabe dúvida de que a vitória decorreu do reconhecimento das virtudes do candidato, que teve envolvimento estreito em panels nos quais o Brasil contestou as políticas protecionistas de países desenvolvidos. As vitórias nos panels do açúcar e do algodão, contra a União Europeia e os EUA, respectivamente, foram marcos na consolidação do sistema de solução de controvérsias da OMC. Depois disso, o embaixador viu-se obrigado a defender posições menos sólidas quanto ao protecionismo no Brasil e à inclusão de mecanismo de ajuste de tarifas para levar em conta flutuações cambiais.
A vitória brasileira foi a vitória do multilateralismo. Herminio Blanco foi o principal negociador do Nafta, marco da abertura mexicana baseia-se na celebração de acordos regionais, em contraste com negociações multilaterais. Assim, após o Nafta, o México celebrou muitos outros acordos de livre comércio. É estratégia cuja generalização tem limites, especialmente para países com comércio menos concentrado geograficamente.
Na contabilidade dos votos, a vitória de Azevêdo dependeu crucialmente dos votos africanos. O México teria vencido se tivesse repartido os votos dos africanos que votaram no Brasil. Não é só na América Latina que o México é visto, nas palavras de Castañeda, "com suspicácia"  por sua proximidade com os EUA. O apoio ao Brasil na África decorreu, também, da política de abertura de novas embaixadas e de uso menos intenso, pelos europeus, das tradicionais pressões sobre ex-colônias.
A derrota dos países desenvolvidos, que apoiaram a candidatura Blanco a despeito das "parcerias estratégicas" celebradas pela diplomacia brasi1eira, revela o aumento do peso das economias em desenvolvimento na economia mundial.. E também falta de compromisso dos desenvolvidos com o multilateralismo, quando ganham proeminência as futuras negociações entre União Europeia e EUA e a do Trans-Pacifíc Trade Agreement.
A combinação da assimetria do peso de diferentes países no comércio mundial com a regra de que a cada país corresponde um voto ge ra problemas de governança que têm levado muitos organismos multilaterais à paralisia. Evitar que isso ocorra na OMC é tarefa espinhosa que exigirá todos os talentos de. Azevêdo.
Ontem fui a uma agência dos Correios e retirei a encomenda de um DVD sobre a obra de Joseph Haydn. Paguei imposto equivalente a 72% do preço de face no Reino Unido. Ao pagar me veio à mente a declaração recente do ministro Fernando Pimentel, ao negar o protecionismo brasileiro: "Protecionismo é um conceito utilizado pelos países desenvolvidos quando querem entrar no mercado de outros países"". Vamos torcer para que Roberto Azevêdo se distancie das posições de Brasília.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O PT, a OMC e o comércio internacional - Percival Puggina

Caro leitor,
Antes de ler o artigo abaixo, sobre a situação atual, leia antes estas declarações "econômicas" do velho PT:
"O Brasil caminhará em direção a uma alternativa ao neoliberalismo que, necessariamente, terá que vir acompanhada de uma disputa de hegemonia com a cultura da mercantilização excessiva propagada pela globalização capitalista. É esta que articula valores, relações sociais, controles institucionais e que determina atitudes, comportamentos e projetos individualistas, oportunistas e consumistas inclusive entre os próprios excluídos e oprimidos."
Veja ainda esta outra declaração:
"As políticas liberais foram acompanhadas de uma nova institucionalidade internacional. Além do Banco Mundial e do FMI, a Organização Mundial do Comércio (OMC) ocupou um papel de destaque em pressionar e monitorar a liberalização comercial e garantir as práticas monopolistas das grandes corporações transnacionais."
E ainda esta aqui, criticando uma suposta deterioração das relações comerciais externas, que na verdade só viria a ocorrer sob o reino dos companheiros:
"Outro elemento constitutivo da inserção externa no âmbito do modelo liberal foi a abertura comercial. Pela sua forma e velocidade, esta abertura terminou por produzir uma regressão expressiva do setor produtivo doméstico e uma precarização do nosso comércio exterior."
E o que se propunha, então?:
"Para corrigir os desequilíbrios oriundos da abertura comercial será necessário rever a estrutura tarifária, e criar proteção não tarifária para determinadas atividades. A correção desse desequilíbrio se fará através de uma política comercial com caráter seletivo. Ou seja, será necessário criar novas atividades geradoras de divisas e incentivar as empresas implantadas no país para que cumpram a função de substituir importações, ampliar exportações e reinvestir internamente os seus lucros."

Todas essas declarações faziam parte das propostas de política econômica do PT em 2001, quando ele se preparava para a campanha eleitoral presidencial do ano seguinte.
Pois é, quem diria?
Paulo Roberto de Almeida

SUCESSOS DA HERANÇA DESDENHADA
Percival Puggina
12/05/2013 

            Mas não é que o brasileiro, embaixador Roberto Azevêdo, foi eleito para dirigir a Organização Mundial do Comércio (OMC)? Que tal? É nós na fita, como se poderia dizer, apropriando o título do espetáculo encenado por Marcius Melhem e Leandro Assun. Como foi acontecer uma coisa dessas?
            Pois é. Um pouco mais do mesmo. Os outros plantam, o PT atrapalha quanto pode e, depois, colhe. Durante anos ouvi os petistas dizerem que abertura ao comércio internacional era coisa maldita, neoliberal, invencionice da nefasta globalização. A bem da verdade, essa ideia, de um viés nacionalista equivocado, que transformou o Brasil numa das economias mais fechadas do mundo, era anterior ao PT. Mas ganhou militância com o petismo.
            Nas últimas décadas do século passado, o Brasil convivia com inúmeras maldições, entre elas estas três: atraso tecnológico, precaríssimo acesso a muitos bens de consumo e preços escorchantes por mercadorias do Primeiro Mundo. Ah, o Primeiro Mundo! O Primeiro Mundo promovia integrações e mercados comuns. Fazia tudo errado ... e ia muito bem. Bem demais, aliás, a ponto de esquecer a primeiríssima das lições, aquela que todas as donas de casa sabem: quem gasta mais do ganha se endivida e, um dia, a conta chega. Mas essa é outra história.
            Nós, brasileiros, nos habituamos a ouvir discursos em defesa dos protecionismos a setores tecnologicamente atrasados, avessos à abertura a importações, contra privatizações, contra o pagamento da dívida externa - chave mestra para todas as dificuldades do país. Moratória já! Ianques go home! Abaixo o receituário do FMI! O Brasil, não precisaria tanto para se tornar carta fora do baralho nas relações internacionais.
            Deus talvez não seja brasileiro. Se for, não é lá muito bairrista. Mas, felizmente, nos propiciou reação a essa didática do atraso. E o Brasil, aos poucos, foi rompendo com aquele nacionalismo fajuto, irresponsável e caloteiro. À medida que isso acontecia, revertia-se o quadro e o país granjeava credibilidade e respeito no mercado internacional. Desde o final do século 20, tornamo-nos um país que paga contas, cumpre contratos e se integra comercialmente. Sob vaias, é verdade. Quanto mais o Brasil dava certo nas relações externas, mais essa política econômica era combatida, escarrada e pisoteada. A metralhadora giratória do PT e seus consectários tinha nela seu alvo preferido.
            Loucura ideológica não rasga dinheiro. Quando o PT chegou ao poder, sem pedir desculpas a ninguém pelas bobagens que antes defendia e pelos impropérios que proferia, tratou de preservar o que estava dando certo. Descobriu, por exemplo, que o agronegócio paga as contas da balança comercial. Mas era tudo herança antes desdenhada. Por mais que o petismo delirante pretenda atribuir esses êxitos às suas próprias investidas em novos mercados africanos, o certo é que estes representam apenas 4% dos negócios do Brasil e não têm como passar disso em médio prazo. São economias muito pequenas.
            Portanto, a eleição de um diplomata brasileiro para presidir a OMC é expressão de um sucesso que avançou à conta dos empreendedores brasileiros e de políticas às quais o PT se opunha com humores e furores vulcânicos.
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* Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Brasil recua no comercio internacional - Luiz Felipe Lampreia


As opções internacionais do Brasil

12 de maio de 2013 | 2h 04
Luiz Felipe Lampreia*
"In Latin America, and elsewhere, it's no coincidence that the practitioners of free trade are also the ones who consistently enjoy the most robust economic growth and development." 
Claudio Loser, revista 'Forbes', maio de 2013


É minha convicção que estamos crescentemente limitados e isolados em nossas opções de comércio internacional. Em termos de acordos, só temos a exibir uma lista particularmente magra, em especial pela obrigação de negociar conjuntamente com os demais sócios do Mercosul. Ora, na realidade o Mercosul desviou-se totalmente de sua concepção original de projeto de integração comercial e econômica e hoje é quase que somente uma frente política. Há fortes tendências protecionistas internas que frequentemente colidem com os propósitos originais do próprio Mercosul.
Há 20 anos era possível encher o peito para dizer que o Brasil era um global trader. Hoje somos apenas um grande exportador de um número restrito de commodities de pouco valor agregado e de uma pequena e decrescente porcentagem de manufaturados que só se destinam a um número muito limitado de mercados. Daí é legítimo concluir que algo deu errado.
Nossa pauta de exportações voltou a ser, como era antes dos anos 1970, marcada pela preponderância dos produtos de base, com todos os riscos gerados pela volatilidade de preços inerente a esse tipo de mercados. Nossos produtos manufaturados vêm perdendo espaço, seja por obra do protecionismo, em particular da Argentina, seja pela perda de vantagem competitiva criada por preferências comerciais dadas por nossos tradicionais compradores a nossos competidores em razão de acordos comerciais ou, enfim, por concorrência intensa de produtos chineses.
A persistir esse quadro, o Brasil terá déficits de balança comercial cada vez maiores, ficando mais vulnerável a flutuações de preços de commodities e mais dependente de grandes ingressos de capital estrangeiro para equilibrar a conta corrente. Além do mais, é preciso enfatizar que não pertencer a acordos comerciais importantes significa tornar o Brasil menos atrativo para a integração de cadeias produtivas que, sempre mais, constituem a essência dos acordos de comércio modernos.
Recorde-se, aqui, a existência dos diversos acordos de grande alcance: entre Estados Unidos e Coreia do Sul (Korus), o acordo entre China e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), a Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile), a Parceria Trans-Pacífico (TPP)e o acordo Estados Unidos-União Europeia. Alguns deles em fase de negociação, outros já em plena vigência. O Brasil não pertence a nenhum deles.
Pertencemos à Organização Mundial do Comércio (OMC), entretanto, e ela continua a ser a tábua das leis. As 550 páginas de seus textos normativos são o fundamento do livre-comércio. Há grandes lacunas, sem dúvida, especialmente na agricultura, em que o protecionismo que falseia o comércio continua a vigorar em todo o mundo desenvolvido. Mas a OMC é a instituição em que impera o sistema de solução de controvérsias que permite a qualquer de seus membros questionar os atos de outros, qualquer que seja a disparidade de força entre eles. Por isso ganhamos importantes questões dos Estados Unidos e da União Europeia. Temos de defender a OMC, porque ela é o último reduto contra os abusos dos mais fortes.
A vitória de Roberto Azevêdo para diretor-geral da OMC é, antes de mais nada, um êxito pessoal de um diplomata de grande profissionalismo e competência. Sem isso não teria sido possível eleger um brasileiro que serve a um governo cada vez mais protecionista e, portanto, pouco afinado com o espírito de liberalização do comércio, que é a alma da OMC. Mas o que contou na eleição foi a mensagem central de Roberto de que não há tempo a perder, pois - uma vez institucionalizados os acordos extra-OMC, como os acima mencionados, em vigor ou em gestação, entre um limitado número de países - será dificílimo retomar a dinâmica multilateral e evitar que a OMC se torne um organismo apenas subsidiário.
Independentemente dessa vitória e da luta permanente pelo fortalecimento da OMC, é urgente reavaliar as opções internacionais do Brasil. Será necessário rever a regra da posição solidária de todos os membros do Mercosul ou deveremos continuar a nos apresentar, sem muitas chances, em companhia da Argentina e da Venezuela nas mesas de negociação que virão? Devemos estudar a possibilidade de buscar acordos bilaterais com a União Europeia, os Estados Unidos e outras grandes potências do comércio internacional? Podemos explorar um entendimento com os quatro países da Iniciativa do Pacífico? São questões de grande atualidade que precisam ser estudadas a fundo pelo governo, pelo Congresso Nacional, pelos atores econômicos brasileiros e por todos os que nelas têm interesse. O que não é possível é praticar a política da cabeça enterrada na areia, que o avestruz aperfeiçoou.
O preço do imobilismo seria o aprofundamento do protecionismo nacional e, portanto, o afastamento dos principais centros de inovação. Seria também a exclusão crescente do Brasil do movimento de integração de cadeias industriais produtivas que está em marcha em escala global.
Esses grandes temas precisam ser objeto de uma reflexão profunda entre nós. Não levá-la a cabo significará uma crescente marginalização do Brasil em termos de investimentos, balanço de pagamentos, comércio internacional e, portanto, de desenvolvimento econômico.    
 * Foi ministro das relações exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Um brasileiro na OMC - Editorial Estadao

Um Brasileiro na OMC
Editorial O Estado de S.Paulo, 9/05/2013

Vencedor da disputa pela direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o embaixador Roberto Azevêdo logo terá de cuidar de sua principal promessa de campanha, a reativação da Rodada Doha, a mais ambiciosa negociação comercial tentada até hoje.
Com muita articulação e muito vento a favor, o relançamento poderá ser a grande realização da próxima conferência ministerial da organização, marcada para dezembro, em Bali, na Indonésia. Ao assumir o posto, em setembro, ele já deverá ter avançado nas conversações para envolver os 159 países-membros da entidade. O esforço será realizado em ambiente bem diverso daquele de 12 anos atrás. Lançada no fim de 2001 em Doha, no Catar, a rodada foi inicialmente favorecida por vários fatores. Até os atentados terroristas de setembro daquele ano reforçaram o sentimento de urgência: a grande negociação seria mais uma resposta, a mais espetacular, talvez, à barbárie do terrorismo internacional.
As condições econômicas eram mais favoráveis que as atuais. O mundo prosperava, depois de várias crises financeiras, e havia muito interesse em maior abertura dos mercados. Além disso, a Rodada Uruguai, encerrada em 1994, havia resultado em soluções apenas provisórias para questões muito importantes, como as regras do comércio agrícola. O cenário é hoje muito diferente, a começar pela crise europeia e pela oposição de amplos segmentos da sociedade americana a mais acordos de liberalização.
Além disso, governos poderosos poderão propor uma revisão de itens já negociados - no setor de agricultura, por exemplo - e a ampliação da agenda, principalmente para inclusão de serviços. Sem sucesso, o negociador americano, Ron Kirk, tentou há anos essa manobra.
A Rodada Doha foi batizada também como a Rodada do Desenvolvimento, porque um de seus objetivos oficiais deveria ser a inclusão mais ampla dos emergentes e também dos mais pobres no jogo do comércio. Seria preciso levar isso em conta, para uma retomada realmente ambiciosa das negociações.
O brasileiro Roberto Azevêdo será provavelmente sensível a esse desafio, mas é preciso levar em conta as limitações de seu novo cargo. Ao tornar-se diretor-geral da OMC, ele deixará de ser representante dos interesses brasileiros. Passará a ser o principal dirigente de uma instituição multilateral com 159 membros. Se agir de outra forma, perderá credibilidade.
Não poderá ser porta-voz de quem defende, como o governo brasileiro, a sujeição do câmbio a regras internacionais de comércio nem receber ordens de Brasília. Terá de vestir o uniforme de um funcionário internacional, como fizeram, por exemplo, o francês Pascal Lamy, ex-negociador comercial da União Europeia, e o tailandês Supachai Panitchpakdi.
A eleição de Roberto Azevêdo põe em destaque duas raridades. Ele tem sido um raro exemplo de seriedade e competência nos postos mais importantes da diplomacia brasileira, dominada há anos por um terceiro-mundismo rastaquera. Igualmente rara é essa vitória de uma diplomacia incapaz, há uns dez anos, de conseguir apoio até entre os vizinhos pouco influentes. Brasília já foi derrotada na própria OMC e no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Além disso, há forte oposição regional à sua pretensão de obter um posto permanente no Conselho de Segurança da ONU. Emergentes votaram a favor de Azevêdo por suas qualidades pessoais e, além disso, porque isso lhes interessava politicamente neste momento. Foi certamente decisivo o apoio da China e da Rússia. Mas esses dois países têm objetivos próprios bem definidos, relações comerciais mais intensas com o mundo rico do que com o Brasil e nenhum compromisso terceiro-mundista.
Atribuir esse resultado a algum acerto da geopolítica petista só pode ser má-fé ou ingenuidade. As consequências mais notáveis dessa política foram a sujeição dos interesses nacionais a um Mercosul emperrado, a perda de oportunidades nos mercados desenvolvidos e a submissão do País a uma relação colonial com a China.

sábado, 4 de maio de 2013

Diretoria da OMC: e como vai a campanha brasileira?

A campanha parece ir bem, pois o candidato é competente.
Na verdade, o editorial não tem nada a ver com isso, mas impossível não estabelecer uma relação entre uma coisa e outra.
Pena, pois o candidato não mereceria ser sabotado pelo seu próprio governo...
Paulo Roberto de Almeida


Protecionismo questionado

Editorial O Estado de S.Paulo, 04 de maio de 2013
Com o pedido formal para que o governo brasileiro justificasse na Organização Mundial do Comércio (OMC) as medidas de incentivo à produção nacional adotadas nos últimos tempos - que consideram "preocupantes" e em desacordo com as regras do comércio internacional -, os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão começaram a agir com mais dureza contra o avanço do protecionismo no mundo, mas, principalmente,no Brasil.
A atitude mais firme desse grupo de países contra as medidas tomadas pelo governo brasileiro pode estimular outros parceiros comerciais do País a agir do mesmo modo.
O pedido de explicações dos países que estão entre os maiores compradores de produtos brasileiros e os maiores fornecedores de bens para o País indica que pode estar se esgotando sua tolerância em relação às atitudes do governo Dilma na área do comércio exterior.
Já apontado em relatórios internacionais como o país que mais adotou medidas de proteção para sua produção doméstica desde o início da crise internacional, o Brasil começa a ser visto como um parceiro não confiável, pois não apenas prorroga as medidas protecionistas que dizia serem temporárias, como adota novas.
E, para o Brasil, além do desgate de sua imagem, essas atitudes, algumas anunciadas sem nenhuma sutileza, pouco têm produzido de prático, pois as importações continuam a crescer rapidamente, enquanto as exportações patinam.
O desgaste da credibilidade do Brasil com seus principais parceiros comerciais começou em 2011, quando o governo Dilma reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para as montadoras que garantissem mais de 65% de componentes nacionais nos veículos por elas produzidos.
Para as demais montadoras, o tributo foi elevado substancialmente, o que, para governos de diversos países, representava clara preferência para certas empresas, o que é vedado pelas regras de comércio.
Era uma medida com prazo de validade, mas esse prazo vem sendo estendido, embora com variações, o que continua a alimentar queixas.
Desta vez, as explicações exigidas pelo grupo de países industrializados que absorveram 33% das exportações brasileiras e forneceram 38,5% de tudo que o Brasil importou no ano passado não se limitaram a pontos específicos do que consideram protecionismo do governo Dilma.
Esses países queriam saber como o governo brasileiro justifica a "consistência" com as normas da OMC dos incentivos variados que vem concedendo. Pela extensão e diversidade desses incentivos, os países queixosos alertaram que eles podem fazer parte de uma estratégia ampla de política industrial, com elementos "aparentemente discriminatórios".
Eles apontaram indícios de discriminação nas áreas de produtos digitais, de equipamentos de telecomunicações e de semicondutores e questionaram a "consistência" com as normas da OMC das regras do leilão da Anatel para as redes de banda larga. Os países industrializados queriam explicação também sobre o regime especial de incentivo à indústria de fertilizantes.
Na defesa dessas medidas, os diplomatas brasileiros disseram que elas simplificam a tributação, incentivam o desenvolvimento tecnológico e a inovação e destinam-se a formar mão de obra qualificada, mas não são aplicadas de forma discriminatória nem estão em desacordo com as normas internacionais.
O Brasil não corre o risco de ser imediatamente punido por causa das medidas que os países industrializados questionam. Mas a amplitude de sua queixa mostra que eles estão dispostos a adotar atitudes mais duras se a prática brasileira for estendida para outras áreas. E farão isso não apenas para preservar a lisura do comércio internacional, mas sobretudo para assegurar seu acesso ao mercado brasileiro e de outros países emergentes.
O Brasil, de sua parte, terá que dar cada vez mais explicações por medidas que não melhoraram seu comércio internacional, como mostram os pífios resultados da balança comercial.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

OMC: parcerias estrategicas nao evitam interesses nacionais

Reino Unido e França fazem campanha na OMC contra o candidato do Brasil
Assis Moreira
Valor Econômico, 29/04/2013 – p. A2

Os governos do Reino Unido e da França, países que têm parceria estratégica com o Brasil, lideram uma dura campanha para a União Europeia (UE) não apoiar o candidato brasileiro Roberto Azevedo ao posto de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), conforme o Valor apurou.
Para analistas, esse tipo de ação só poderá ser revertido com uma atuação incisiva da presidente Dilma Rousseff esta semana. O Brasil tem parceria estratégica com a União Europeia como um todo, e individualmente com Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal.
A disputa é acirrada e os 159 países-membros começam quarta-feira a escolha entre Azevedo e o mexicano Hermínio Blanco. O substituto de Pascal Lamy deve ser conhecido semana que vem. Na segunda rodada, na semana passada, a UE votou pelos dois candidatos latino-americanos, que chegaram à final. Agora, decidirá até sexta-feira em quem vai votar, se em bloco - 28 votos (incluindo a Croácia, futuro membro) no mesmo candidato -, ou se deixará os países votarem individualmente.
Azevedo tem boa margem de apoio no bloco comunitário, segundo diferentes fontes. No entanto, o governo conservador de David Cameron, no Reino Unido, e o socialista de François Hollande, na França, não só fazem campanha dura contra o Brasil nos bastidores, como já conseguiram virar o jogo na semana passada, quando os europeus discutiam sobre quem votariam na segunda rodada de disputa na OMC.
Só depois de muita insistência do governo Cameron junto a outros países é que o candidato mexicano obteve ligeira vantagem na última votação contra o candidato brasileiro dentro do bloco comunitário. Até então, Azevedo estava na frente de Blanco.
Embora começando a sofrer ameaça de isolamento, por causa da campanha agressiva, o governo Cameron continua a ser mais vocal na oposição ao Brasil, seguido pelos franceses, procurando dar mais fôlego para Blanco. O candidato mexicano, de passagem por Paris, afirmou em entrevista a um canal de televisão, que é "o mais experiente negociador do mundo". A declaração causou uma mistura de perplexidade e ironia entre alguns delegados que viram o vídeo.
Para certas fontes, nesse cenário vale indagar para que servem as "parcerias estratégicas" com os europeus, e se são apenas fumaça diplomática. Parceria estratégica significa, por exemplo, compartilhar visões, valores e objetivos na governança global. O México tem o mesmo tipo de aliança com a UE.
As mesmas fontes consideram que Dilma pode, no mínimo, frear a campanha contra Azevedo, telefonando para líderes europeus, principalmente para Cameron e Hollande, que publicamente colocam nas alturas o clima de entendimento bilateral sobre vários temas da governança global.
Aparentemente, o Reino Unido vê no candidato mexicano alguém capaz de levar para a OMC a agenda de liberalização da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - clube de países ricos, do qual o México é membro e tem a direção-geral -, o que explicaria a reação britânica, nos bastidores, contra o candidato brasileiro. Já a França, protecionista agrícola, teme a posição liberal brasileira nesse setor. Outros países que votaram por Blanco têm resistência menor ao Brasil.
Os 28 votos do bloco europeu são muito importante, mas não necessariamente decisivos na seleção do futuro diretor-geral, acreditam fontes. "Azevedo tem uma base boa de apoio em todas as regiões", afirma o professor Carlos Braga, do IMD, principal escola de administração da Europa.
Também as alianças com países em desenvolvimento serão testadas na eleição na OMC. Primeiro, o grupo Brics, da qual o Brasil faz parte com China, Índia, Rússia e África do Sul. Para observadores, não basta Pequim, Moscou ou Nova Déli apoiarem. O nível de comprometido se manifesta também na busca de votos.
Além disso, o Brasil abriu dezenas de embaixadas na África e no Caribe. "O Brasil tem vantagem nessas regiões, em razão de sua diplomacia muito boa e muito ativa", diz Simon Evenett, professor de comércio internacional na Universidade de St. Gallen (Suíça).
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Brasil se defende de acusações de EUA, Japão e UE de protecionismo
RENATA AGOSTINI, DE BRASÍLIA
Folha de S.Paulo, 1/05/2013

Para se defender das críticas à sua política de incentivos fiscais, o Brasil argumentou ontem, durante reunião na OMC (Organização Mundial do Comércio), que está tentando simplificar a sua estrutura tributária enquanto busca desenvolver o seu parque tecnológico e incentivar a inovação no país.
As alegações foram expostas a pedido dos Estados Unidos, do Japão e da União Europeia, que juntos elaboraram um duro documento com críticas à política comercial brasileira.
Os questionamentos dos países ricos à política industrial brasileira foram apresentados durante reunião do Comitê de Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio (TRIM, na sigla em inglês).
As nações desenvolvidas manifestaram preocupação sobre as exigências de conteúdo local adotadas pelo Brasil especialmente nos setores de telecomunicações, automotivo e químico com os chamados "regimes especiais tributários", como do Plano Nacional de Banda Larga e o Inovar-Auto.
Segundo o documento assinado pelos países desenvolvidos, as ações podem refletir "uma posição mais ampla em relação à política industrial e à taxação indireta", ou seja, podem não ser medidas temporárias, adotadas para estimular a atividade econômica.
Os países ricos criticaram ainda a recente decisão do governo brasileiro de desonerar os smartphones produzidos no país e foram seguidos pelas delegações da Austrália e da Coreia do Sul.
Parte das críticas já havia sido feita pelos Estados Unidos no ano passado. O país afirmou que estava "desapontado" com o Brasil por ter "ignorado" as manifestações americanas sobre o tema, apurou a Folha.
Outros incentivos fiscais, como as alterações na cobrança do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para carros, também já foram alvo de críticas na OMC.
DENTRO DAS REGRAS
A delegação brasileira refutou a afirmação de que as medidas do governo sejam "discriminatórias", como afirmaram os países ricos, e reiterou que elas estão dentro das regras da OMC.
A reunião do comitê faz parte do calendário regular de encontros dos países signatários e todos os membros da OMC são convidados.
Durante o encontro de ontem, em Genebra, também foram feitas perguntas sobre medidas comerciais dos Estados Unidos, da China, da Índia, da Indonésia, da Nigéria, da Rússia e da Ucrânia.
Segundo o Itamaraty, questionamentos de outros países são naturais e fazem parte da rotina de encontros do órgão.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Politica comercial e industrial brasileira sob escrutinio da OMC - Estadao

Oh, lá, lá: isso complica para o candidato.
Ainda que ele seja bom, excelente aliás, fica difícil para os grandes parceiros comerciais acreditar que ele não terá nada a ver com o mercantilismo, o protecionismo e o dirigismo brasileiro...
Os companheiros certamente não estão ajudando sua eleição, com suas medidas canhestras e anti-OMC, no espírito e na letra...
Paulo Roberto de Almeida


EUA, Japão e UE questionam política industrial ‘discriminatória’ do Brasil

Jamil Chade - CORRESPONDENTE / GENEBRA



O Estdado de S.Paulo, 28 de abril de 2013 | 22h 00





Países ricos vão ao comitê de investimentos da Organização Mundial do Comércio pedir explicações ao governo brasileiro por medidas adotadas nos últimos anos que, para eles, beneficiam a indústria nacional em detrimento dos competidores estrangeiros

Os países ricos se uniram para questionar a política industrial brasileira, que chamam de "discriminatória". Amanhã, na Organização Mundial do Comércio (OMC), vão pedir explicações ao Itamaraty em relação à política de incentivo fiscal que, para esses governos estrangeiros, estaria violando regras do comércio.
Num documento enviado ao Itamaraty, obtido pelo Estado, datado de 15 de abril, os governos de EUA, Japão e União Europeia deixam claro que consideram "preocupantes" as medidas adotadas pelo Brasil nos últimos meses em diversos setores e pedem explicações, elevando a pressão sobre Brasília.
Há ainda outra queixa: o governo de Dilma Rousseff havia prometido que certas medidas de incentivo seriam temporárias. Mas, hoje, já estão previstas para durar toda a década.
O Palácio do Planalto insiste em que sua política industrial está dentro das regras internacionais. Mas agora os países ricos querem saber como é que o Brasil justifica a "consistência" de seus incentivos perante as normas da OMC. Essas leis estipulam justamente que governos não podem usar regras tributárias nacionais para criar discriminação entre produtos nacionais e importados.
Essa não é a primeira vez que incentivos fiscais dados pelo Brasil são questionados na OMC. Mas a cobrança era pontual. O IPI para carros, por exemplo, já foi alvo de críticas.
Agora, porém, pela primeira vez, as três principais economias desenvolvidas alertam que a política de incentivo poderia fazer parte de uma estratégia mais ampla de política industrial, com elementos "aparentemente discriminatórios".
Não se trata ainda de um ataque ao Brasil nos órgãos judiciais da OMC. A questão será levada ao comitê da OMC que trata justamente de políticas de investimentos, onde países podem levantar questões a outros parceiros comerciais.
Mas fontes da UE dizem que a decisão de cobrar mais explicações do Brasil, somada ao fato de que não se trata apenas de um setor, mas de toda a estratégia, são uma demonstração de que os países ricos não darão trégua ao Brasil e, nos próximos meses, aumentarão a pressão.
"Existem preocupações sobre o que parecem ser medidas discriminatórias contra produtos importados em certas medidas adotadas pelo Brasil na área de taxação indireta", afirma o documento dos países ricos.
Essas nações dão diversos exemplos desses incentivos e alertam que, ao contrário do que o governo brasileiro havia prometido, as medidas não são temporárias. Uma delas é o IPI menor dos carros para empresas que usem peças locais.
Os ricos também atacam o que chamam de "discriminação" contra produtos digitais, contra equipamentos de telecomunicações e semicondutores, setores que também foram alvo de políticas de incentivo fiscal. No documento enviado ao governo brasileiro, americanos, europeus e japoneses questionam a "consistência" das regras de leilão da Anatel para as redes de banda larga em relação às normas internacionais, já que esses leilões estariam privilegiando empresas que usem equipamentos nacionais.
Mas as críticas não param por aí. Os governos ricos querem saber como o Brasil justifica a lei que deu, desde 2 de abril, incentivos à indústria de fertilizantes, com redução de impostos sobre a aquisição de máquinas, e se acredita que a medida está dentro das regras globais.
Por fim, os países querem saber como o Brasil explica a consistência de sua política de redução de IPI para carros diante das leis internacionais.
Motivação. O próprio documento deixa claro que esses países continuarão a questionar o Brasil. "Essas questões não devem ser vistas como exaustivas em relação às preocupações de UE, EUA e Japão", afirmam.
Em diversas ocasiões, o governo brasileiro disse que as medidas de incentivo tendem a dar vantagens justamente a empresas europeias e americanas, já que são as que estão instaladas no Brasil há décadas e usam de fato produtos nacionais.
Mas o argumento não convence. A pressão dos ricos sobre o Brasil não ocorre por acaso. Washington, Bruxelas e Tóquio não querem que políticas industriais com viés protecionista se transformem em uma espécie de "moda", justamente em mercados emergentes, os únicos que crescem no mundo.