Paulo Roberto de Almeida
Ricos e arrogantes
diz que os países desenvolvidos agem de
forma desleal com seus parceiros pobres
Ron Sachs/CNP | "O Brasil é competitivo na área agrícola, assim como os americanos o são em tecnologia. A abertura tem de ser recíproca" |
Almeida – A intenção declarada é a mais meritória possível: defender o meio ambiente e melhorar as condições de trabalho dos operários. Na prática, sabemos que tais cláusulas acabam atuando em detrimento dos países em desenvolvimento e justificando medidas protecionistas abusivas, a pretexto de defender regras "leais de comércio". O Brasil não tem nada a temer nesse tipo de questão. Não apenas porque possuímos uma legislação ambiental adequada, mas também porque nossas empresas exportadoras apresentam alto grau de conformidade com os princípios mais modernos do ciclo de vida dos produtos. No plano trabalhista, igualmente, o Brasil aderiu à maior parte das convenções internacionais que defendem direitos dos trabalhadores e liberdade sindical. Em muitos pontos estamos à frente dos Estados Unidos, que exibem um registro pouco lisonjeiro nessa área.
Almeida – Não. A política européia está em total contradição com o que os europeus pregam sobre abertura econômica, competição leal e livre concorrência. A questão central, a meu ver, não é dar dinheiro aos agricultores. Se os europeus acharem que devem subsidiar a agricultura, é uma questão interna deles. O condenável é barrar a competição de fora tanto na Europa quanto nos países onde eles vendem seus produtos. Se achar certo, o governo francês tem todo o direito de levar os agricultores a Paris, hospedá-los nos melhores hotéis da Avenida Champs-Élysées e ainda pagar um bônus para eles se divertirem. Esse não é o ponto. Essas mordomias até sairiam mais baratas que a política agrícola européia atual. Os europeus gastam 60 bilhões de dólares por ano em subvenções agrícolas. Eles que gastem como quiserem o dinheiro público. O problema começa quando eles, além disso, usam mecanismos francamente condenáveis para barrar a competição externa. Obviamente, está-se diante de um grave problema de eficiência. A competição externa permitiria baixar à metade o preço da cesta de comidas típicas dos europeus. Não há legitimidade na defesa da política agrícola européia.
Almeida – Não posso acreditar que líderes políticos defendam uma guerra de subsídios. Isso claramente não é do interesse nacional. Não tenho nada contra o fato de que os europeus façam o que quiserem com seu dinheiro. Mas interessa a todos os brasileiros e deveria interessar também aos partidos de oposição que o mercado mundial funcione com regras leais de competição. Por lealdade, entendo uma situação em que os produtos brasileiros recebam na Europa o mesmo tratamento que os europeus recebem no Brasil.
Almeida – Com negociação. Há muito tempo o Brasil vem insistindo na abertura dos mercados agrícolas, assim como os Estados Unidos e os europeus insistem em regras para a proteção da propriedade intelectual. Cada grupo de países tem seus interesses. O Brasil é competitivo na área agrícola, assim como os americanos o são em tecnologia e propriedade intelectual. Queremos que essas áreas sejam negociadas da mesma forma. A abertura precisa ser recíproca. O papel dos países ricos no comércio mundial tem de sofrer uma mudança radical. Internamente, eles precisam aceitar mais competição. Mas o dano maior que causam é pela maneira ilegal como massacram os produtos originários de países pobres nos mercados não-europeus. Ao subsidiar seus produtores rurais, os europeus estão arruinando os produtores agrícolas dos países pobres. Essa situação não pode continuar.
Almeida – Não acredito. Uma série de medidas já foram tomadas para inverter essa tendência recessiva. E não acho que haja uma tendência à volta ao protecionismo.
Almeida – A União Européia começou em 1957 e levou praticamente quarenta anos para ser totalmente constituída. Ela alternou momentos de euforia, de crescimento, de recessão, pessimismo e otimismo. O Mercosul tem apenas dez anos. Ele cresceu extraordinariamente nesse período. Hoje enfrenta dificuldades temporárias que serão certamente superadas.
Almeida – Talvez não seja totalmente correto afirmar que o mundo mudou radicalmente com essa ação espetacular do terrorismo fundamentalista, mas é absolutamente certo que a agenda internacional já é outra. A prioridade agora são os temas de segurança e a luta contra as redes de terroristas. O Brasil também partilha essas preocupações, ainda que não seja alvo provável de atentados. As prioridades centradas na questão do desenvolvimento passaram para o segundo plano.
Almeida – Porque ele funciona de uma maneira que não é exatamente a esperada pelo senso comum. O comércio internacional não pode ser uma via de mão única. A visão mercantilista, segundo a qual exportar é bom e importar é ruim, não cabe mais nos tempos de hoje. Isso não corresponde à realidade econômica dos países em geral, nem do Brasil em particular. Quando o país importa ele moderniza sua economia e passa a estar qualificado também para exportar mais e melhor. Precisamos certamente exportar mais, mas isso também não significa dizer que precisamos voltar a ter saldos superavitários estrondosos como nos anos 80, quando eles chegavam a 12 bilhões de dólares ao ano.
Almeida – O Brasil é bastante competitivo em alguns setores e perde feio em outros. Mas diferenciais de competitividade e de produtividade não podem ser de nenhuma maneira invocados como justificativas para o protecionismo, sobretudo quando levados às raias do absurdo comercial e do irracionalismo econômico, como acontece com a política agrícola européia. Na verdade, a competitividade agrícola brasileira não deixa nada a desejar quando confrontada à da Europa ou dos Estados Unidos, com exceção de poucos setores de notória especialização e de alta intensidade tecnológica. De fato, é justamente por ser competitivo que o Brasil está sendo penalizado no acesso ao mercado europeu de alimentos e insumos processados.
Almeida – O Brasil descobriu que precisa criar uma cultura exportadora. Como todo grande país, ele está voltado para dentro. Isso também acontece com os Estados Unidos. O comércio exterior ocupa um pedaço muito pequeno na economia brasileira, algo como 10% do produto nacional bruto. Agora, a condição para que o Brasil se desenvolva, para que a população tenha um progresso social, uma melhoria no padrão de vida, um aumento na renda, é a inserção bem-sucedida do país no comércio internacional. O Mercosul e a abertura econômica foram passos importantes nesse sentido, mas é preciso avançar mais.