O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sábado, 14 de novembro de 2020

Trabalhos de Paulo Roberto de Almeida sobre temas constitucionais (2020) (listagem apenas)

Participando de um debate com meu editor, Alex Catharino, sobre a obra por ele editada – A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM, 2018) –, resolvi compor uma lista de todos os meus trabalhos relativos à mesma temática, selecionando apenas aqueles que apareciam sob esse conceito na lista geral de trabalhos:

3793. “Trabalhos de Paulo Roberto de Almeida sobre temas constitucionais”, Brasília, 14 novembro 2020, 8 p. Listagem de todos os trabalhos tratando de temas constitucionais e alguns institucionais, para exposição e debate com Alex Catharino, editor da LVM, em 14/11/2020, via Instagram. DOI: 10.13140/rg.2.2.28791.11683. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/44496923/3793_Trabalhos_de_Paulo_Roberto_de_Almeida_sobre_temas_constitucionais_2020_).

Existe uma compilação anterior, nesse mesmo universo, que já foi publicada: 

3240. Estrutura Constitucional e Interface Internacional do Brasil: Relações internacionais, política externa e Constituição, Brasília, 29 janeiro 2018, 146 p. Compilação seletiva de ensaios sobre essa temática, elaborados depois de 1996, como complemento ao livro Parlamento e Política Externa (1996). Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/35779830/Estrutura_constitucional_e_interface_internacional_do_Brasil), em Research Gate (9/03/2018; link: https://www.researchgate.net/publication/323675789_Estrutura_Constitucional_e_Interface_Internacional_do_Brasil_Relacoes_internacionais_politica_externa_e_Constituicao_Brasilia_Edicao_do_Autor_2018), informado no Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/as-relacoes-constitucionais-e-estrutura.html) .DOI: 10.13140/RG.2.2.28791.11683. 



segunda-feira, 2 de novembro de 2020

A Constituição contra o Brasil - Roberto Campos, Paulo Roberto de Almeida (acessos Academia.edu)

 Academia.edu me envia um pequeno relatório: 

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A Constituicao Contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos
Paulo Roberto de Almeida byPaulo Roberto de Almeida, Ministry of External…
A Constituição Contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 1(1) (2018): 480
Brazilian Studies • Brazilian Politics + 2 more
Apresentação geral da obra, com prefácio e links para dois vídeos preparados para seminário comemorativo dos 30 anos da Constituição de 1988.
 
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domingo, 11 de outubro de 2020

Roberto Campos: uma frase infeliz e os liberais brasileiros - Paulo Roberto de Almeida

Roberto Campos: uma frase infeliz e os liberais brasileiros 


 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivocomentário sobre uma frasefinalidadeesclarecer pensamento de Roberto Campos]

 


No dia em que se comemoravam os 19 anos do falecimento do diplomata e economista Roberto Campos, o site do Livres publicou, e depois retirou, debaixo de críticas, uma frase sumamente infeliz do grande estadista brasileiro falecido em 2001, depois de uma vida profícua a serviço do Brasil, como diplomata, como economista, como ministro e como parlamentar, tendo deixado uma imensa obra absolutamente incontornável para quem precisa entender o Brasil da segunda metade do século XX. 

A frase, uma das muitas frases provocadoras com que ele enfeitava seus artigos semanais nos grandes jornais brasileiros, foi esta aqui: “Há três saídas no Brasil: o aeroporto do Galeão, Cumbica e o liberalismo”. Abaixo do nome, o Livres esclareceu: “Economista e diplomata liberal”. Nem a frase é representativa do personagem, nem a caracterização corresponde inteiramente à verdade, ou melhor, não pode ser usada para identificar toda a trajetória da vida, da obra, do pensamento do grande homem de Estado, nascido em lar humilde e que ascendeu na elite do pensamento e da governança do Brasil graças a seu próprio empenho nos estudos e nas atividades diplomáticas e como grande tecnocrata do Estado brasileiro, durante toda a fase de desenvolvimentismo (e de crises econômicas e políticas) da segunda metade do século XX. 

Mas, as reações dos “liberais” que, aparentemente, determinaram a retirada dessa postagem do site do Livres denotam uma incompreensão quanto às realidades de cada um dos momentos turbulentos da vida brasileira, quando políticos eleitos, burocratas e servidores públicos não eleitos, intelectuais independentes ou a serviço de alguma das correntes políticas em que se divide normalmente o eleitorado e a opinião pública, são levados a sustentar, apoiar e defender, ou a atacar, denegrir e até a derrubar (tarefa dos militares) os sucessivos governos que ocuparam o Estado nos últimos 70 anos de vida política. 

Os presidentes que foram eleitos e que passaram o poder a seus sucessores sob as mesmas regras políticas e eleitorais são extremamente raros, menos do que os dedos de uma única mão. Nesse longo período, servidores públicos estiveram sob o comando de dirigentes e se submeteram a políticas que foram ortodoxas, heterodoxas, liberais, intervencionistas, dirigistas, monetaristas, desenvolvimentistas, estabilizadoras, inflacionistas, alinhadas ao “Ocidente”, neutralistas (ou praticando diplomacias independentes), esquerdistas, golpistas, e toda sorte de combinações e misturas entre todas essas tendências políticas e econômicas, juntas, separadas e confundidas, não cabendo agora separar estritamente cada uma em função dos sucessivos mandatos eleitorais (vários não concluídos, por suicídio, golpe, impeachment, morte, golpe dentro do golpe ou qualquer outro evento fortuito ou fabricado). 

O que deveriam fazer os servidores públicos em face de todas essas turbulências, instabilidades e fatalidades de um sistema político-partidário tendencialmente fragmentado e esquizofrênico? Demitir-se a cada vez? Evidentemente que não: burocratas e burocracias são como as baratas, resistem até a ataques nucleares, e conseguem sobreviver às mais virulentas “surpresas” que possam surgir a partir do próprio sistema político ou, até frequentemente durante a maior parte do século XX, a partir das intervenções dos militares (supostamente, mas equivocadamente, o “poder moderador” da República, depois do Imperador sob a monarquia do século XIX). Quem não consegue compreender essas realidades da história política e econômica brasileira condena-se a repetir banalidades, ou ficar com generalidades de conceitos abstratos, como essas dicotomias alimentadas por militâncias políticas. 

Quais são essas dicotomias, frutos de maniqueísmos ideológicos mais frequentes nos grupúsculos políticos do que nas grandes agremiações pragmáticas? São as que geralmente dividem esquerda e direita a partir de absolutos conceituais, sem grande significado para a maioria dos cidadãos que se situam no meio do espectro político, da centro-direita à centro-esquerda, com alguma extensão para liberais e conservadores no primeiro bloco e para socialistas no segundo. Salvo períodos muito delimitados da nossa história, raramente o Brasil descambou para algum extremo do leque político: o Estado Novo (uma espécie de reação à tentativa de tomada violenta do poder pelos comunistas), os anos de chumbo da ditadura militar e poucos outros episódios extremamente raros nessa longa trajetória.

Bem considerado, desde a República de 1946, só tivemos um governo extremista, de fato e de direito: a Junta Militar de 1969 e os anos de vigência do AI-5. Nem o golpe de 1964 – que foi o resultado de um profunda crise político-militar –, nem o governo “esquerdista” dos anos lulopetistas e menos ainda o atual governo de extrema-direita do inepto capitão fracassado na carreira militar, e que se converteu em político extremamente medíocre, podem ser chamados de extremistas, uma vez que apoiados em diferentes forças políticas, dotados de orientações econômicas combinando diversas orientações macroeconômicas e setoriais, e combinando, portanto, os impulsos materiais – agrários, industrias, financeiros, etc. – em que se divide uma sociedade urbanizada e complexa como a brasileira. Cabe compreender essas realidades quando se contempla uma personalidade igualmente complexa como a de Campos.

Em primeiro lugar, ele não era um diplomata liberal, ao início de sua carreira, e só pode ser identificado com essa corrente já na etapa madura de sua vida, depois de ter exercido diferentes cargos a serviço do Estado desenvolvimentista que foi o que se exerceu no Brasil desde o imediato pós-guerra e que, aliás, continuou assim durante toda duração do regime militar, e mais ainda na redemocratização, com as turbulências econômicas e políticas que se conhecem nas cinco décadas em que ele foi ativo na diplomacia, na economia e na política brasileira, com uma contribuição inigualável para a história do pensamento e da ação prática em política econômica em política externa em nosso país. A despeito de ter elaborado uma dissertação de mestrado – considerada nada menos que equivalente a um doutoramento por ninguém menos do que Joseph Schumpeter – razoavelmente situada no mainstream do pensamento econômico de sua época (a segunda metade dos anos 1940, ainda não dominada inteiramente pelo keynesianismo triunfante dos anos 1950 e 60), Roberto Campos poderia ser considerado um típico burocrata da época do New Deal e da reconstrução, adepto da ação planejadora do Estado e mesmo de sua intervenção ativa nos assuntos econômicos privados, em face da imensa destruição dos anos 1930 e da Segunda Guerra. 

Oswaldo Aranha, que chefiou a Delegação do Brasil junto à ONU naqueles anos, chegou a considera-lo quase um “comunista”, em função da ênfase de Campos no papel do Estado, nas áreas do planejamento econômico para sustentar o crescimento. Depois ele participou de um exercício de “keynesianismo aplicado” – que foi a Comissão Econômica Mista Brasil-Estados Unidos – a despeito de que os governos respectivos dos dois países fossem identificados teoricamente como de direita ou de centro direita (democratas e republicanos nos EUA, de Truman a Eisenhower, e de direita ou nacionalista no Brasil, de Dutra a Vargas). O resultado da Comissão foi a criação do BNDE, a recomendação do estabelecimento de um Banco Central, e fundação da Petrobras e da Eletrobras, entre outras medidas intervencionistas. Pouco depois, Eugênio Gudin, breve ministro da Fazenda do governo Café Filho (1954-55), convidou-o para substituí-lo como professor de Economia Monetária na então Universidade do Distrito Federal, mesmo considerando-o “estatizante”, como demonstrado por sua participação no Plano de Metas, do candidato JK. 

Ao opor-se ao aventureirismo econômico do presidente JK, demitindo-se da presidência do BNDE por considerar que a política econômica confrontacionista do presidente, em relação às medidas de estabilização econômica preconizadas pelo FMI – o Brasil não conseguia honrar seus compromissos externos e começava a recrudescer no emissionismo inflacionário –, Roberto Campos passou a ser conhecido como Bob Fields, supostamente porque também preconizava, como Gudin, a aceitação do capital estrangeiro e dos investimentos diretos externos, em geral, como complemento indispensável ao processo de industrialização do Brasil. Tanto JK quanto Roberto Campos passaram a ser considerados, pela esquerda, como pertencentes ao grupo dos “entreguistas”, que supostamente estariam sufocando a emergência de um “capitalismo nacional” no país. Ainda assim, depois de algum ostracismo no setor privado – ele já não era bem visto no próprio Itamaraty, devido ao mesmo “entreguismo” que horrorizava os “nacionalistas” de centro, de direita e de esquerda do Brasil –, ele foi escolhido pelo presidente Jânio Quadros para, com pouco mais de 40 anos, servir como embaixador em Washington, em virtude de seu extenso conhecimento de economia e por seu papel como negociador da dívida externa do Brasil. 

Esses anos cruciais da profunda crise econômica e política brasileira correspondem, provavelmente, à sua conversão teórica e ideológica ao liberalismo, a despeito de servir como representante de um governo nacionalista – o de João Goulart – junto a um outro governo, o de Kennedy, declaradamente keynesiano e reformista (partidário de reformas progressistas na América Latina: agrária, educacional, administrativa, política, etc.). A despeito de já se colocar como intimamente contrário às políticas de Goulart – que inclusive dificultavam seu trabalho em Washington, como a lei de remessa de lucros e a nacionalização de subsidiárias americanas no Brasil –, continuou sustentando o governo junto ao Executivo e ao Congresso dos EUA, até onde conseguiu. Num determinado momento, porém, resolveu solicitar sua dispensa do cargo: foi em meados de 1963, na ignorância completa do que se tramava entre os futuros “golpistas” militares e civis no Brasil. O Itamaraty, provavelmente a pedido do presidente Goulart delongou uma reposta, que só veio depois do assassinato, em novembro, do presidente americano, o que o obrigou a ficar um pouco mais no posto. 

Liberado, finalmente, do pesado encargo diplomático, empreendeu uma longa viagem, de janeiro a fevereiro de 1964, por diversos países asiáticos, entre os emergentes “tigres”, que ainda não conhecia. Só retornou ao Brasil em março, mas totalmente alheio aos preparativos do golpe, que foi em parte forçado por líderes civis e pela impetuosidade de um general sem maior expressão na “política militar”. Foi só depois da escolha do general Castelo Branco como presidente “provisório”, em 9 de abril de 1964, que foi convidado para ser ministro de Estado do Planejamento, encarregado, junto com o ministro da Fazenda Otávio Gouvêa de Bulhões, de empreender um ambicioso programa de estabilização e de reformas econômicas estruturais, que veio a ser o PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo, de estabilização gradual, e não recessiva, como recomendava o FMI). A despeito de seu liberalismo já plenamente estabelecido como filosofia política e da relativa ortodoxia das políticas monetária e fiscal, o período de 1964 a 1967 corresponde ao mais profundo processo de modernização da economia brasileira, talvez até mais amplo do que foi o Plano Real, que foi basicamente um programa de estabilização e de desindexação.

Pode ter sido uma dessas ironias da História o fato de que dois economistas identificados com um ideário amplamente liberal, Bulhões e Campos, tenham sido os agentes involuntários de uma das mais profundas intervenções do Estado na vida econômica do país, embora com intenções reformistas racionalizantes (nos aspectos tributários, monetário, fiscal, de administração pública, de modernização agrária e indústria, na política comercial, etc.) e não necessariamente estatizantes. A estatização, de fato, começou depois, a partir de 1967, com o governo novamente desenvolvimentista de Costa e Silva e do ministro Delfim Netto, quando começa a febre de criação de estatais e o furor de novos empreendimentos estatais que levaram às crises inflacionárias, de endividamento e de balanço de pagamentos dos anos 1970 e 80. “Exilado” na embaixada em Londres desde o governo Geisel – a quem ele já se tinha oposto quando o general era presidente da Petrobras –, Campos se converte, finalmente, num publicista liberal, com seus artigos vitriólicos contra a política econômica aventureira de seus sucessores, baseada numa espécie de “pau na máquina” que levaria o Brasil à longa década perdida dos anos 1980 até meados da década subsequente.

Por duas vezes, na passagem para o último governo da ditadura, o de Figueiredo, em 1979, e na eleição de Collor, em 1989, Campos foi sabotado deliberadamente pelo próprio Itamaraty (e pelos “nacionalistas epidérmicos”) nas preferência de ambos presidentes para tê-lo como chanceler de seus respectivos governos. Campos já era um liberal declarado na área econômica e um opositor também aberto da política “terceiro-mundista” do Itamaraty, sobretudo no terreno da não-proliferação nuclear e do nacionalismo substitutivo, que sempre foi a ideologia da política externa, desde a era Vargas pelo menos. Ele nunca foi um apoiador da ditadura militar, sempre se pronunciou por um transição para um governo civil, e quando ministro votou contra a cassação dos direitos políticos de Juscelino Kubitschek, a quem se tinha oposto como um dirigente irresponsável na condução da política econômica. 

Seus artigos semanais, sempre provocantes, eram objeto de ativos comentários no parlamento – onde serviu como senador por Mato Grosso, sua terra natal, e duas vezes como deputado pelo Rio, onde morou desde que ingressou no Itamaraty, em 1938 – e nos meios políticos, econômicos e intelectuais do país, despertando tanto adesão irrestrita dos seus admiradores, quanto a oposição acerba dos seus detratores. Teve a sorte, sobre seu amigo Raymond Aron, de ter assistido à derrocada do socialismo e das economias estatizantes, ainda que no ocaso de sua vida, quando foi homenageado pelos amigos e premiado com o ingresso na Academia Brasileira de Letras. Considerar algumas frases soltas em seus artigos provocadores na imprensa, ou seus poucos anos como ministro reformista, e progressista, do regime militar, como critério avaliativo de sua obra e pensamento representa um extremo reducionismo e um simplismo indigno de sua obra como economista pragmático e como defensor das liberdades políticas e do regime democrático. 

O Livres e os “liberais” puros da academia precisariam ler todas as obras de Roberto Campos, desde a fase dirigista e planejadora dos anos 1950, passando pelo reformismo ativo dos anos 1960-70, até chegar no liberalismo explícito dos anos 1980-90, sem esquecer seu monumental livro de memórias, Lanterna na Popa (1994), que serve como uma monumental história econômica do Brasil no século XX, ademais de constituir um percurso pela política, pela economia e pela diplomacia mundiais. De minha parte já preenchi meu papel intelectual de “espectador engajado” da obra e do pensamento de Roberto Campos, desde minha postura marxista juvenil, passando pelo socialismo light dos anos 1980, até meu liberalismo meio anarquista dos anos maduros. Qual atitude devem os liberais manter em relação a Roberto Campos? Creio que a mesma que ele sempre manteve em todas as etapas de sua vida: uma grande tolerância compreensiva em relação às posturas muito rígidas dos seus companheiros de jornada na vida econômica e política, um ecletismo intelectual na absorção contínua de novos ensinamentos retirados do estudo e da experiência e, finalmente, um ceticismo sadio no tocante aos grandes projetos nacionais de reformas radicais da sociedade e do Estado.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3769, 11 de outubro de 2020

Autor, organizador e colaborador das obras: 

Paulo Roberto de Almeida (org.), O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Editora Appris, 2017); Paulo Roberto de Almeida, A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM, 2018); três capítulos no livro: Ives Gandra da Silva Martins e Paulo Rabello de Castro (orgs.), Lanterna na Proa: Roberto Campos ano 100 (São Luís, MA: Resistência Cultural Editora, 2017).

 


quinta-feira, 23 de abril de 2020

Investimento não é tudo - Ricardo Bergamini, Roberto Campos

A taxa de Investimento em 2019 foi de 15,4% do PIB. Em 2013 era de 20,9% do PIB. Redução de 26,32% em relação ao PIB. 

O PAC da Dilma colocou a taxa de investimetos no pico histórico do Brasil de 20,9% do PIB, porém como não houve retorno econômico desses invstimentos (todos com projetos elaborados nas coxas), como afirma o Hélio Beltrão na “live”, com 5.000 obras paralizadas ao custo perdido de US$ 100,0 bilhões, e por esgotamente da capacidade de investimentos do Brasil a taxa em 2019 estava em 15,4% do PIB. Redução de 26,32% em relação ao PIB. 

Apesar de muito boa a “live”, estando todos de parabéns, mas a minha dedicação à leitura de Roberto Campos me deixou com dificuldades de encontrar algo de novo em todos os debates que assisto, visto não haver mais nada a acrescentar após leitura do meu mestre, “tudo se tornou um museu de grandes novidades” - CAZUZA, assim sendo envio abaixo artigo do mestre Roberto Campos, que é por si só explicativo, sobre o tema do debate na “live”.

São sempre soluções fáceis para problemas complexos e difíceis, assim sendo tudo tem como destino garantido: o fracasso. Em economia não há milagres.

Minha proposta baixo tem como destino a lixeira.

Tirando dos 10% que detêm 43,1% da renda, o governo teria em torno de R$ 861,3 bilhões para bancar a crise do coronavirus, mas na realidade vai estourar na mão dos 10% que detêm 0,8% da massa salarial. Quem no Brasil está interessado nessas bobagens?

O artigo abaixo é um orgasmo de saber e conhecimento. 

Ricardo Bergamini


               Não basta investir 

126417*Roberto de Oliveira Campos (30/01/2000)


Até o fim da II Guerra pouco se falava em desenvolvimento econômico. A questão mais quente era como controlar as flutuações cíclicas da economia, os ciclos de prosperidade e depressão. Depois da guerra, no entanto, tudo mudou, e depressa.

Tinha havido uma enorme transformação do ambiente. Depois de 10 anos de depressão e mais seis da guerra, todos os povos queriam recuperar o tempo perdido. A palavra-chave era "reconstrução".

Isso queria dizer políticas, programas e projetos que só pareciam factíveis com recursos e liderança do setor público. Em 1936, Keynes havia feito a cabeça dos economistas - deixando sem graça, por um quarto de século, os neoclássicos tradicionalistas - com uma ideia surpreendentemente simples: a de que, numa conjuntura recessiva, em que há ociosidade de mão-de-obra e de máquinas e equipamentos, pode-se aumentar a demanda real simplesmente pela injeção de recursos para aumentar a demanda monetária. Criando dinheiro, o governo conseguiria provocar um aumento efetivo da renda e, graças a isso, reduzir o desemprego da força de trabalho.

No pensamento de Keynes, isso só ocorreria em situações recessivas, mas a tentação de esquecer esse "detalhe" seria grande demais para os políticos.

Outra novidade teórica de um brilhante economista soviético dos anos 20, N. Kovalesky, que passaria despercebida durante muito tempo, foi o uso da relação capital/produto para projetar o crescimento do país. Essa ideia manipulada décadas mais tarde por dois economistas ocidentais - R. Harrod e E. Domar - se transformou num famoso modelo, que se popularizou de modo fulminante entre os planejadores desenvolvimentistas.

Depois da guerra, todas as regiões coloniais queriam ficar independentes. Alguns partiram para a luta armada contra as metrópoles mais renitentes, como Bélgica, Holanda, França e Portugal. Outros colonizadores, Inglaterra e Estados Unidos, tiveram mais bom senso. No final de três décadas, perto de uma centena de novos Estados havia surgido, todos sequiosos por rápido desenvolvimento.

Receitas simples têm grandes vantagens. E foi o que aconteceu com o modelo Harrod-Domar. Naquele momento, era razoável supor-se que: 1) havia grande redundância de mão-de-obra na agricultura; 2) o capital (máquinas, equipamentos) era o fator mais escasso; e que 3) seus rendimentos eram lineares, isto é, diretamente proporcionais à quantidade disponível. Tornou-se irresistível a tentação de um modelo fácil: com um coeficiente capital/produto de 3, para o país crescer a 7% ao ano, digamos, bastaria ao governo promover um investimento líquido de 21% do PIB - dele próprio, dos investidores privados e de fontes estrangeiras.

Inutilmente Domar, algum tempo depois, renegou sua fórmula por simplista demais. Era exatamente esse simplismo que a popularizava. Os teóricos sérios sempre souberam que a realidade era muito mais complexa, incluindo complicadores tais como a distribuição dos recursos naturais, a posição geográfica, a tecnologia, a cultura, os valores sociais, as instituições, a segurança e estabilidade das leis, a liberdade de iniciativa e o direito aos frutos da atividade econômica. Max Weber chegou mesmo a explicar o êxito histórico do desenvolvimento capitalista do centro-norte europeu pelos valores individualistas do protestantismo.

O simplismo de Harrod-Domar fez esquecer um princípio econômico elementar, que o professor W. Easterly formulou da seguinte maneira: "As pessoas respondem a incentivos".

Em 1960, W.W. Rostow publicou um best-seller, Os Estágios do Crescimento Econômico, em que classificava cinco estágios econômicos até se chegar à "decolagem" para o desenvolvimento autossustentado. Este dependeria do aumento da formação de capital. E se tornaria mais ou menos automático, quando atingida uma relação adequada entre investimentos e o PIB. No contexto da Guerra Fria, quando os Estados Unidos pareciam estar perdendo a corrida tecnológica e econômica contra a falecida União Soviética, surgiram os grandes planos de ajuda externa para subsidiar o crescimento econômico. Era preciso fazer alguma coisa para ganhar a guerra, e a fórmula de crescimento automático pela intensificação de investimentos era uma arma disponível para os países ricos exportadores de capital.

Solow, cujo modelo foi o sucessor do de Domar, chamou atenção para o princípio que ficou conhecido como "produtividade total dos fatores". Ou seja, a produção não é função apenas do capital e do trabalho, mas também da tecnologia. Disso tirou o resultado surpreendente de que o crescimento em longo prazo é função apenas das mudanças tecnológicas e não da taxa de investimento, a qual determina só o nível do produto. Ultimamente, houve uma inovação teórica importante. A lei dos rendimentos decrescentes só se aplicaria aos setores convencionais. Nos setores de alta tecnologia, como a Internet, os rendimentos seriam crescentes, pois a ampliação indefinida dos usuários reduziria os custos de transação, aumentando a produtividade global.

Dois exemplos ilustram a importância da qualidade e eficiência do investimento. Um deles é o da União Soviética, que experimentou estagnação econômica na década dos 80, apesar de taxas de investimento da ordem de 30% do PIB. Outro é o do Brasil em seus investimentos sociais. Nossos gastos sociais são bastante elevados como proporção do PIB, mas os resultados são pífios, colocando-nos em posição desonrosa em matéria de índice de desenvolvimento humano.

Na ânsia de descobrirem o milagre do desenvolvimento, os economistas vêm sempre acrescentando novas variáveis explicativas. No final, talvez aprendam que não podem prever trajetórias tão exatas como a física permite em relação aos foguetes. Voltamos sempre aos velhos fundamentos conhecidos desde Adam Smith: governo pequeno e honesto, tributação moderada, respeito ao direito de propriedade e melhoria do agente econômico pela competição e pela educação. Não basta investir. É preciso investir bem.


*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.

quarta-feira, 25 de março de 2020

O socialismo é uma miséria moral - entrevista de Paulo Roberto de Almeida a Celso Assis (2017)

O socialismo é uma miséria moral
  
Paulo Roberto de Almeida
Entrevista concedida ao animador do Clube Bastiat de Goiânia, Celso Assis
Goiânia, 24 de março de 2017; Divulgado em formato de vídeo anteriormente (link: https://www.youtube.com/watch?v=SZYneYwri8M) e em forma transcrita


Paulo Roberto de Almeida: “O socialismo é uma miséria moral” — entrevista

Medium, Mar 24, 2018 · 7 min read



Diplomata conta como foi marxista quando jovem, explica sobre o caos na Venezuela e descreve a figura de Roberto Campos
Professor Paulo Roberto de Almeida. Foto ilustrativa retirada do site O Livre.

Entrevista realizada em 24 de março de 2017 para o Clube Bastiat na oportunidade que Paulo Roberto de Almeida ministrou uma palestra na Universidade Federal de Goiás. Foi transcrita recentemente para melhor aproveitamento do material.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, professor universitário e doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984). Desde agosto de 2016, é diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IPRI), afiliado à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), do Ministério das Relações Exteriores.

COMO O SENHOR CHEGOU AOS IDEAIS LIBERAIS?
Paulo Roberto de Almeida: Eu não me defino teoricamente como um liberal ou como um progressista ou qualquer outro rótulo. Eu tive um caminho vindo do marxismo na juventude e tanto no plano teórico pelas leituras, quanto no plano prático pela observação, pelas viagens, pela vida vivida em diversos socialismos e capitalismos, eu fui caminhando naturalmente para soluções mais racionais. Aquela que encarnam uma relação, uma compatibilidade entre as verdades dos fatos e as intenções.
É claro que na juventude você tem aquelas aspirações igualitárias, socializantes, de justiça social, construídas sobre utopias, sobre falsas soluções. É um fato que se descobre pela vida de que o socialismo é um fracasso material. Mais que um fracasso material, o socialismo é uma miséria moral. Um regime de delação, de repressão.
Saindo do Brasil, jovem com vinte anos, fui direto ao socialismo, na Europa central, no socialismo real de tipo soviético. Eu me deparei não apenas com a penúria material, mas com a miséria moral. Ao cabo de pouco tempo, menos de três meses, eu saí e me estabeleci na Bélgica. Não é o socialismo real, mas o capitalismo quase ideal. Trabalho e estudando, sobretudo na biblioteca, fui fazendo o caminho natural do socialismo estatizante da juventude indo para um socialismo mais light. Depois naturalmente, eu aceitei a realidade das democracias de mercado.

MESMO COM TANTOS RELATOS DAS MISÉRIAS QUE PASSARAM E PASSAM AS PESSOAS EM NAÇÕES SOCIALISTAS, POR QUE AINDA HÁ PESSOAS QUE INSISTEM EM UMA “REVOLUÇÃO”?
PRA: A concepção marxista do mundo é instigante e atraente. Ela proclama as misérias materiais do mundo e nenhum regime é perfeito, as pessoas têm que trabalhar duro. Ela proclama um ideal mais elevado, o da igualdade. Aponta a causa da miséria a propriedade privada dos meios de produção, a existência de burgueses concentradores de riquezas. Apontam também o caminho revolucionário ou pelo meio eleitoral, mas para superar o capitalismo e a propriedade privada.
Isso atrai muito a juventude, pois ela é mais propensa a maior justiça social, a maior igualdade, a maior generosidade, a uma grande reforça na sociedade. Eles não atentam que a construção humana é feita de progressos graduais, constantes e acumulativos. Esse é um processo que todas as sociedades atravessam. A tentativa de reordenar a sociedade para construir igualdade redunda geralmente na distribuição da pobreza.
A sociedade precisa ter o processo de acumulação, efeito de trabalho e competição. Não é um sistema generoso. O capitalismo em si mesmo não é um sistema moral ou imoral, ele é amoral. Ele é um sistema amoral. As pessoas trabalham, tem algo para vender, para oferecer. O retorno vem pelo mercado, não pela mão generosa do estado.
O estado é uma extorsão da riqueza social produzida pelos empresários e pelos trabalhadores em benefício do conjunto da sociedade. Com isso você diminui os incentivos à acumulação. É um sistema falho, onde todos esperam receber algo de um ente supostamente neutro que não existe. O estado é uma construção social feita pelos homens para facilitar as relações humanas, mas ele próprio não é um criador de riqueza. Ele vive da riqueza da sociedade.
Basear todo o progresso econômico e social sobre um sistema estatizante é apoiar-se apenas na miséria, na pobreza e na estagnação.

COMO O BRASIL PODE AJUDAR A VENEZUELA E COMO PODEMOS NOS PROTEGER DAQUELE DESTINO?
PRA: A Venezuela é um caso extremo, mas a exacerbação de um fenômeno tipicamente latino-americano. De um lado a demagogia política, as mentiras, as promessas irrealistas e de outro lado o populismo econômico. Isso não acontece apenas na América Latina, mas ela é especialmente devotada a essas deformações.
A Venezuela tem um traço diferente de seus vizinhos latino-americanos que é sua riqueza em petróleo. Pode ser uma coisa boa se bem administrada, mas pode ser uma maldição. Ele deforma as condições econômicas de um país. Muitas vezes ele está à flor da terra, permite uma riqueza imediata.
A sociedade venezuelana foi deformada pelo petróleo durante décadas. Aquilo atraiu comportamentos rentistas, o que os economistas chamam de rent-seeking. A sociedade passou a ficar dependente do petróleo.
O [falecido ditador Hugo] Chávez criou aquilo que se chama assistencialismo estatal, distribuindo a riqueza do petróleo de uma forma desigual. E também atraído pelo socialismo dos cubanos, ele passou a reprimir a atividade capitalista privada e a estatizar e a monopolizar diversos setores. Com isso ele tirou diferentes estímulos de produção. A Venezuela é um estado falido e possivelmente em situação de pré-guerra civil.


A ex-presidente Dilma Rousseff recebe um retrato de Hugo Chávez do ditador venezuelano Nicolás Maduro em 2013.

O Brasil poderia talvez criar um grupo de “amigos do povo venezuelano” e obrigar a Venezuela a fazer uma eleição verdadeiramente livres. Tecnicamente, a Venezuela já é uma ditadura. As instituições estão deformadas. Antes o parlamento era majoritariamente chavista, hoje tem uma oposição maior, mas que está sendo sabotada. O Brasil e os outros países da América Latina, através de mecanismos de defesa da democracia do Mercosul, da Unasul, da OEA, deveriam pressionar a Venezuela por eleições livres. Daí começa um processo muito duro de reconstrução da economia.

[ATUALIZAÇÃO: Algo assim aconteceu em fevereiro de 2018 por um grupo de países latino-americanos, incluindo o Brasil. Mais informações por meio deste link.]

QUANDO O PRESIDENTE MICHEL TEMER DISSE QUE NO GOVERNO DELE O BRASIL NÃO VAI TRABALHAR COM VISÕES DE MUNDO ENVIESADAS, ENTÃO ELE ESTAVA FALANDO SOBRE ISSO?
PRA: Exato. O Brasil, como todo país latino-americano, alterna entre visões mais demagógicas, mais populistas e mais realistas. Infelizmente, o Brasil atravessou nos últimos treze anos, com os governos petistas, por governos estatizantes, dirigistas, apoiadores de governos socialistas e inimigos da liberdade, como o cubano.
Nisso a política externa foi deformada, ela passou de abstencionista da democracia para um apoiador de ditaduras. O Brasil é em grande parte responsável pela manutenção do Chávez e de outros regimes populistas e bolivarianos na América Latina.
Felizmente acabou, houve um desastre na economia. A presidente Dilma foi impedida de continuar seu mandato. O presidente Temer é um político tradicional e o Itamaraty retoma seu caráter profissional e isento, sem esse viés progressista e bolivariano dos últimos treze anos.

EM ABRIL (DE 2017), ROBERTO CAMPOS COMPLETARIA 100 ANOS. O SENHOR PODERIA DIZER QUAL FOI O LEGADO DELE PARA O BRASIL?
PRA:O Roberto Campos (1917–2001) foi um intelectual de qualidade excepcional. Vindo de estudos seminaristas, entrou na diplomacia e ao ser encarregado de questões econômicas, tanto no Itamaraty quando na sua primeira missão nos Estados Unidos, ele participou de conferências extremamente importantes, como a Bretton Woods e a de Havana.
Com isso ele se tornou um economista altamente capacitado em uma fase que o Brasil estava se deslanchando para o desenvolvimento. Ele fez uma tese de mestrado sobre flutuações e ciclos econômicos de qualidade tão excepcional que Joseph Schumpeter, famoso economista que lecionava em Harvard, disse que ela tinha qualidade de doutorado — e de fato tinha.


Roberto Campos. Foto retirada do site do jornal Gazeta do Povo.

Observando o Brasil, os Estados Unidos, a América Latina, o Roberto Campos concluiu que a melhor forma de desenvolvimento para o Brasil seria via mercado, estabilidade macroeconômica, combatendo a inflação, competição no campo microeconômico, instituição de governanças fiáveis, alta qualidade de capital humano — ele sempre insistiu na educação — e sobretudo a abertura ao mercado internacional e aos investimentos estrangeiros. Ele tinha uma receita para o desenvolvimento e tentou aplicar.
Roberto Campos foi um dos criadores e um dos presidentes do BNDE [posteriormente renomeado BNDES], um dos principais relatores do Plano de Metas do Juscelino Kubitschek em 1955. Essa experiência prática, de não só estudar economia e comparar o Brasil a outros países, mas também de formular políticas econômicas, de ver o efeito devastador da inflação e de um mercado protecionista, fez com que ele chegasse nessa receita ideal.
Infelizmente o Brasil não era propenso a aceitar essas receitas liberais. Tanto que ele era chamado de Bob Fields [a tradução do nome Roberto Campos para o inglês] por sua visão americana do mundo. Mesmo não tendo parte no golpe militar de 1964, ele foi convidado posteriormente para o Ministério do Planejamento. De 1964 a 1967, junto com o Ministro da Fazenda Otávio Gouveia de Bulhões, um liberal, ele pode transformar radicalmente a economia brasileira, modernizá-la e fazer todas as reformas necessárias para colocar o Brasil em um patamar de desenvolvimento. E ele conseguiu.
Em 1967, quando ele saiu do governo, o Brasil enveredou em um ciclo de crescimento extraordinário, em taxas chinesas, digamos — aliás, os asiáticos vinham ao Brasil para tomar receitas de crescimento econômico. Chegou a 14% o crescimento em 1973, mas os militares exageraram. O Roberto Campos criticava seus antecessores e seus sucessores. Apontava a leniência com a inflação, a estatização exagerada, o apoio no endividamento externo. Ele não tinha problema em criticar.
E durante todos esses anos, de 1950 até sua morte, ele foi um debatedor. Escrevi artigos semanais para os grandes jornais do Rio e de São Paulo. Lembro que quando eu era jovem, eu até tentei me opor ideologicamente a ele, mas não consegui.
Se a gente ler os escritos dele desde aquela época, todas as prescrições econômicas que ele fez para o Brasil continuam válidas e pungentes. Ele tem uma atualidade muito concreta. Teve a felicidade de sobreviver ao socialismo e também a felicidade de não ver essa lástima que aconteceu à economia graças aos petistas.



Algumas semanas depois desta entrevista, o professor Paulo Roberto de Almeida lançou o livro “O homem que pensou o Brasil — trajetória intelectual de Roberto Campos” (Editora Appris, 2017).

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Repetindo o óbvio - Roberto Campos (2000)

Descontando o machismo involuntário de Eugênio Gudin, e os "50 anos de ditadura" de Ricardo Bergamini (mesmo cumulativamente não dá isso, somando os 21 anos do regime militar, mais os oito  do Estado Novo, e mais alguns aqui e ali, Floriano, por exemplo), o artigo de Roberto Campos de 20 anos atrás, um ano antes dele morrer, é absolutamente atual, descontando as circunstâncias específicas. O Brasil é um país que dá voltas em torno do nada, ou seja, fica rodando em círculos sem avançar.
A mediocridade de nossas elites explica em parte essa longa estagnação: incapaz de fazerem as reformas relevantes, como Campos já falava de Colbert, séculos atrás...
Paulo Roberto de Almeida



Que tal procurarmos reformar os homens, ao invés de culparmos as instituições (Roberto Campos).

Prezados Senhores
Se ditadura fosse solução para os nossos problemas, Roberto Campos não teria escrito o magistral e impecável artigo abaixo em 09/01/2000, após mais de 50 anos de ditadura no Brasil.

Cabe lembra que o Congresso Nacional teve 120 milhões de votos, e Bolsonaro insignificantes 57 milhões de votos, se ousar enfrentar a maioria, vai para o impedimento.
Ricardo Bergamini
Repetindo o óbvio
126417*Roberto de Oliveira Campos
(09/01/2000)

Aceito o risco de parecer repetitivo. Diante das grandes questões que preocupam mais no nosso país, a originalidade do articulista fica em segundo lugar. Estamos atravessando dias pesados, um ambiente de insatisfações e sombras. Os mais jovens sentem-se angustiados diante das incertezas do futuro, da ameaça de desemprego, de falta de horizontes. Os mais velhos tentam lembrar-se daqueles períodos em que o Brasil não atravessava um estado de crise permanente. Salvo alguns breves anos do começo do Plano Real, parte da Era Kubitschek e o otimismo do "milagre econômico" do fim dos anos 60 - que, no entanto, foi tisnado pela situação política de exceção -, todo o resto de nossa História contemporânea é um confuso mosaico de problemas e condições institucionais instáveis.

Não chegamos felizmente ao extremo dos gulags, campos de extermínio, "limpezas étnicas" e coisas que tais. Nossos chamados "anos de chumbo", comparados às experiências de outras nações (e certamente aos "anos de aço" dos regimes comunistas), pareceriam antes de papel de cigarro metalizado. Se afundamos numa situação crítica injustificável, é por nossa própria culpa, por falta coletiva de bom senso e de responsabilidade.

O público exprime sua perplexidade naquela conhecida anedota de como Deus, tendo presenteado nossa geografia com uma abundância de vantagens materiais, colocou no Brasil, como contrapeso, um "povinho ruim". Essa autodepreciação está errada. O trabalhador brasileiro, ainda que subinstruído, é diligente e flexível, como as empresas estrangeiras são as primeiras a reconhecer. Os engenheiros e gerentes especializados têm em alguns casos nível bastante alto. Somos a oitava economia do mundo e temos conseguido adaptar-nos a mudanças tecnológicas complexas. Falta-nos reduzir os excessivos contrastes em matéria de educação, informação e saúde - demanda social justa, mas não um impedimento real ao nosso desenvolvimento tecnológico ou industrial.

A verdade é que nosso grave subdesenvolvimento não é só econômico ou tecnológico. É político. Somos um gigante preso por caguinchas dentro de estruturas disfuncionais. A máquina político-administrativa que rege hoje nossos destinos é uma fábrica de absurdas distorções cumulativas. O regime presidencialista e o voto puramente proporcional, cada um dos quais, já de si, dificilmente funcionam bem, transformam-se, quando combinados, numa crise quase ininterrupta. O presidencialismo americano, que nos serviu de modelo, é conjugado ao voto distrital, e a federação é autêntica, porque foram os Estados que a criaram, enquanto que no Brasil estes resultaram do desfazimento do império unitário.

Não é que os políticos só pensem em si ou sejam "corruptos" de nascença. Essa é uma visão popular deformada. A maioria é dedicada e séria. Mas o deputado, o senador, o prefeito, o governador e, obviamente, o presidente têm de ser eleitos, ponto de partida do qual não há escapatória. Nas eleições proporcionais de hoje, os deputados são obrigados a catar votos por todo o Estado, garimpando aqui e ali - um processo caro e tremendamente incerto, porque eleitor em geral não sabe como discriminar entre dezenas de representantes eleitos. Como é que o eleitor médio vai se lembrar de quem propôs medidas ou leis, para poder avaliar quem merece o seu voto? Um americano ou um inglês pode falar no "seu" deputado: sabe exatamente quem ele elegeu e tem como cobrar respostas ao representante do "seu" distrito. O alemão, com um sistema misto, tem o "seu" deputado distrital e também o da lista do seu partido. E, como o regime é parlamentarista, pode cobrar de ambos.

No Brasil, cobrar o quê? De quem? Mal acaba de ser eleito por um partido, o deputado ou senador se sente à vontade para mudar de partido. Não existe sanção. A eleição presidencial então é sempre um trauma violento, agravado pela percepção de que o vencedor passará a controlar a máquina pública, os mecanismos de dar ou negar favores. Gerir a coisa pública é, entre nós, um contínuo varejo. Dá para estranhar que, desde o início da República, raros tenham sido os governos que não se envolveram em conflitos com o Congresso, com riscos de descontinuidade institucional? Contra um sistema tão ruim, tanto faz se os políticos são santos ou bandidos. Num ônibus sem freios, o perigo de desastre é o mesmo para todos.Há perto de três séculos e meio, Colbert, o famoso ministro protecionista da França monárquica, assim se lamentava na Carta de Luís XIV aos funcionários e ao povo de Marselha (26 de agosto de 1764):

"Como desde a morte de Henrique IV temos tido só exemplos de carências e necessidades, precisamos determinar como aconteceu que, durante tão longo tempo, não tenhamos tido, se não abundância, pelo menos uma renda toleravelmente satisfatória..." Colbert põe a culpa no sistema fiscal e afirma que piores do que os muitos corruptos foram aqueles altos funcionários "cuja incompetência prejudicou mais o Estado e o povo do que os roubos pessoais". Entre os vícios da burocracia fiscal da época, Colbert lista os seguintes: "Consumir com despesas correntes as receitas ordinárias e extraordinárias dos dois próximos anos..." e "negligenciar as receitas gerais ordinárias afazendadas, dedicando-se ativamente à busca de fontes de renda extraordinárias..."

Colbert se revelou um reformista e desenvolvimentista avant la lettre. Mas a França já estava politicamente entalada, e ele não conseguiu realizar sua "reforma fiscal". O mundo está cansado de esperar pelas "reformas" brasileiras. E de ouvir lamentações sobre a nossa pobreza. Há muito, exceto em regiões desérticas da África ou gravemente sobrepovoadas da Ásia, a pobreza deixou de ser uma fatalidade. É um acidente histórico de povos que preferem externalizar a culpa em vez de fabricar seu próprio destino.

*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.